Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5701/2006-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: AUTONOMIA DA ACÇÃO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
DISTRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Corre autonomamente, impondo-se distribuição, e não por apenso nem por incorporação na acção primeiramente intentada, a nova acção que foi proposta, nos termos do artigo 289º do Código de Processo Civil, na sequência de absolvição da instância do réu por ineptidão da petição inicial verificada na acção anterior.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.  

I – RELATÓRIO

J.[…] intentou acção declarativa com processo comum e forma sumária, contra J.F.[…] , pedindo que seja declarado proprietário da loja devidamente identificada e o Réu condenado a reconhecer esse direito e a entregar ao Autor o espaço livre e devoluto, bem como a pagar contrapartida monetária pela ocupação.

O Réu não contestou e o Tribunal proferiu então decisão que considerando a ineptidão da petição inicial absolveu o Réu da instância.

Em recurso o Tribunal da Relação confirmou o julgado.

Nesta sequência, o Autor intenta nova acção que ora denomina de despejo contra o mesmo Réu que pretende siga “apensada” àquela outra, fundando-se no disposto no artº289,nº1 e nº2 do CPC.

O Sr. Juiz desatendeu a apensação da nova acção invocando inaplicabilidade do disposto no artº269 do CPC.

De novo irresignado o Autor interpõe recurso do decidido, admitido como de agravo de subida imediata e efeito suspensivo e assim mantido por esta instância.  

Em remate das suas alegações, conclui o recorrente:

1ª O Autor propôs acção de reivindicação de propriedade, com processo comum sob a forma sumária, cuja petição inicial foi indeferida liminarmente por falta de causa de pedir relativamente ao pedido.

2ª O Acórdão da Relação de Lisboa que assim deliberou transitou em julgado.

3ª Com o mesmo objecto, o Autor propôs nova acção nos termos do artº289, nº1 e nº2 do CPC.

4ª O objecto é o mesmo por se referir ao andar que o Réu ocupa, sem título, diz-se na primeira acção, pois apenas entrou no andar após contrato-promessa de arrendamento que não cumpriu e nesta nova acção por ocupação com pagamento de prestação mensal que devia satisfazer, mas não cumpre.

5ª A haver contrato de arrendamento, a verdade, é que o inquilino, Réu, devia ser imediatamente condenado de preceito por não ter contestado nem depositado a renda.

6ª O objecto é pois o mesmo.

7ª O despacho recorrido violou frontalmente o artº289, nº1 e nº2 do CPC.  
 
No final pede que a revogação do despacho e a consideração da sua pretensão.

Em contra-alegações o agravado sustenta a manutenção da decisão.
 
O Sr. Juiz sustentou tabelarmente a decisão.

 Corridos os vistos, nada obsta ao conhecimento de mérito.

II-FACTOS

A matéria factual a considerar reconduz-se ao já constante do relatório que aqui se dá pró reproduzido.

III-ENQUADRAMENTO JURÍDICO

O thema decidendum é, nunca é demais frisar, delimitado pelo teor das conclusões, à margem das situações de conhecimento oficioso e outras de excepção expressa no texto legal, que do caso em apreço estão arredadas.  

Donde, o que demanda pronúncia por banda deste tribunal é muito simples: a acção interposta com o mesmo objecto àquela que anteriormente intentou e foi julgada inepta a petição inicial correrá incorporada nestes autos?

E de enorme clareza, é também, a resposta negativa que resulta da lei, salvo o devido respeito.

Com efeito, invocando embora o recorrente em suporte da sua tese o preceituado no artº289 do CPC (redacção do DL 329ª/95, de 12/12) não lhe ampara a razão.

Detalhando.

Convém lembrar que atendendo à data de entrada da segunda acção 1/4/2003 e também quanto à primeira, mostra-se aplicável o disposto no CPC na redacção retro referida.

Não relevando para o caso a respectiva motivação da decisão, atento o trânsito em julgado do decidido, na primeira acção o Réu que não contestou, foi absolvido da instância em consequência da procedência da excepção dilatória da ineptidão da petição inicial, em consonância com as disposições conjugadas dos artº193, nº1,nº2 al.) a, 493, nº2 e 494, nº1 al.) b do CPC.

O autor o que fez?

Elaborou nova petição,  alegadamente sobre o mesmo objecto, após o trânsito daquela decisão e fê-la  chegar aos autos findos, pretendendo que neles prossiga a lide, invocando o disposto no artº289 do CPC.

Á partida, parece que o autor poderá  acomodar-se a alguns dos  efeitos estabelecidos no art.º 289 do CPC, maxime, a repetição da causa sem efeito do caso julgado próprio da apreciação de mérito (nº1), e de igual modo, beneficiar, em princípio do efeito interruptivo da primeira citação dos efeitos civis (nº2).

Vejamos se outro efeito ocorre.

O art.º 288 do CPC enumera, sob as alíneas a) a e) do nº 1, os casos legais que conduzem à absolvição da instância.

Por seu turno, o artº289, nº1 preceitua: “a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto”, e no seu nº 2, que “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quanto seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância” Nº3 (revogado).

No seu nº 4 estabelece que:” se o réu tiver sido absolvido por qualquer dos fundamentados compreendidos na alínea e) do nº 1 do art.º 288º, na nova acção que corra entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas.”.

Ora, do confronto do artº287 e 288 do CPC, resulta excluída, e em qualquer dos casos, o aproveitamento da outra acção, ao abrigo do nº4 daquele normativo, por virtude de a excepção dilatória determinativa da absolvição da instância ser a nulidade do processo, configurada no artº288, nº1, al.) e do CPC.

De resto, pareceria sempre duvidoso que o legislador, em nome do princípio do aproveitamento e economia de actos e meios, vislumbrasse utilidade , ainda assim, em situação de tal enfermidade, “repristinar “ um processo que foi considerado nulo por ineptidão da petição.

Observe-se ainda com interesse, que igualmente, nas versões anteriores do referido artº289 do CPC, sob a epígrafe alcance e efeitos da absolvição da instância, distingue o legislador as situações das excepções dilatórias em que se poderá aproveitar das provas e demais elementos da acção primeira, desconsiderando o caso da ineptidão da petição inicial (1).  

Finalmente, e por mera hipótese de raciocínio, considerando a aplicação à acção versada os efeitos do artº288, nº4 do CPC, não podia, ainda assim, o autor prevalecer-se do que pretende afinal -  apensação/incorporação da nova petição nos autos extintos.

Uma nova acção é por natureza e definição autónoma até em termos materiais ou corpóreos, e é efectivamente de uma nova acção que trata o disposto no art.º 289 do CPC.

Isto é , após a absolvição da instância do Réu numa primeira acção vetada ao insucesso, facultasse  ao autor  na nova acção aproveitar dos actos ali praticados, como sejam as provas produzidas, mas, a efectivar por certidão de peças, por pedido oficioso de remessa temporária para consulta.

Não, portanto, por incorporação/acção como insiste o autor, tratando a nova acção como um “papel” a juntar aqueles primeiros autos cuja instância está extinta.

Diferente seria, se a petição houvesse sido liminarmente indeferida nos termos do previsto no artº234 A do CPC ou recusada pela secretaria, conforme o estabelecido no artº474 e o autor intente nova petição ao abrigo do disposto no artº476, no prazo de 10 dias, seguindo esta no mesmo “corpo” /autos iniciais, e a qual “tem efeitos retroactivos”. (2)       
 
Por último, desconsiderada embora a questão no objecto do recurso, sempre se dirá, quanto aos efeitos estabelecidos no inciso nº2, não poderá o recorrente beneficiar, já que intentou a nova acção para além dos 30 dias ali considerados.

Em síntese, após a absolvição da instância do Réu por ineptidão da petição inicial na primeira acção, o autor terá de propor nova acção, autónoma e independente do primeiro processo que não é a este incorporada ou apensada.  

IV-DECISÃO

 Do que vem exposto decide-se, em negar provimento ao agravo e manter o decidido.

 As custas são de imputar ao agravante.

Lisboa, 21 de Novembro de 2006

(Isabel Salgado)
 (Soares Curado)
 (Roque Nogueira)  



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1.-Alberto dos Reis in CPC anotado, 3ª, I, pag.306.

2.-Lopes do Rego in Comentários ao CPC, pag.321.