Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13585/19.9T8LSB.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
PROPORCIONALIDADE
MENSAGEM
CORREIO ELECTRÓNICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Tal como a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, também a reacção da entidade empregadora aos comportamentos dos seus trabalhadores deve ser proporcional, sabendo-se distinguir o que merece e deve ser punido, daquilo que não tem dignidade ou relevância para se fazer uso do poder disciplinar.
II- O envio de uma mensagem ao CEO da ré às 23:20 horas de um Domingo não obriga o mesmo CEO a abrir a mensagem imediatamente, nem o mesmo tem de ficar incomodado pelo dia e hora de envio.
III- Dizer-se na mensagem que em caso de falta de resposta escalaria o assunto para a CNPD, não reveste uma intenção objectivamente intimidatória e ameaçadora, faltando ao respeito aos órgãos de gestão da empresa pois o seu conteúdo não é susceptível de provocar medo ou inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação do seu destinatário, o CEO da ré.
 IV- O CEO da empresa não é uma “divindade” intocável ou inatingível, de modo que o autor não possa dirigir-se-lhe directamente, através de mensagem de correio electrónico, dentro das boas regras de respeito mútuo que devem presidir às comunicações entre trabalhadores e os membros dos órgãos de gestão da empresa.
 (Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- AAA, intentou no Juízo do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, CONTRA,
BBB”,
II- PEDIU que a acção seja julgada procedente e, consequentemente, a ré seja condenada:
 a) Na anulação da sanção disciplinar que lhe foi aplicada - de suspensão com perda de retribuição, graduada em 24 dias, que excedeu o limite previsto no artigo 328 o no 3, al. c), do CT;
-  Na restituição da retribuição e prestações dependentes da prestação efectiva de trabalho, não pagas, designadamente, o subsídio de refeição, por força da aplicação da sanção mencionada, com juros de mora, desde o dia em que lhe foram retiradas;
- A que, para todos e quaisquer efeitos laborais, designadamente a antiguidade, a sanção aplicada seja tida como inexistente;
- A indemnizar o autor em valor não inferior a 10 vezes a retribuição perdida, conforme previsto no artigo 331º-5, do CT, por a sanção aplicada ser abusiva.
III- ALEGOU, em síntese, que:
- O autor não cometeu qualquer infracção disciplinar;
- Confrontado com a violação de boas prácticas por parte da respeitante à protecção de informação sensível pessoal do autor constante de exame médico,  o autor enviou uma mensagem à “Saúde no Trabalho” da ré solicitando correcção de procedimentos “sob pena de escalar o assunto interna (CSIRT) e externamente (CNP)”;
 - Como não obtivesse resposta da “Saúde no Trabalho”, passados 3 dias o autor, pelas 23:20 horas de Domingo, enviou uma mensagem electrónica ao CEO da ré informando da falta de resposta da “Saúde no Trabalho” da ré e da gravidade da situação dizendo que “a ausência de uma resposta satisfatória em tempo útil não deixa outra opção senão escalar o assunto para a CNPD”;
- O envio da mensagem pelas 23:20 de um Domingo não é inoportuna, nem a mensagem é desproporcional e intolerável;
- O autor não ameaçou o CEO da ré;
- Não violou quaisquer deveres de respeito ou de lealdade;
- A 24/9/2018 o departamento de Saúde da ré enviou ao autor uma mensagem onde reconheceu a necessidade de melhoria de procedimentos, agradecendo a sugestão feita;
- A sanção aplicada é desproporcionada.
IV- A ré foi citada, realizou-se Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação, e aquela veio a CONTESTAR, dizendo, no essencial, que:
- A sanção aplicada foi lícita;
- O autor não só enviou inoportuna mensagem ao CEO da ré como o ameaçou de fazer queixa da ré à CNPD;
- O autor violou a obrigação de respeitar e tratar colegas com a probidade devidas, bem como violou a obrigação de guardar lealdade ao empregador e ainda violou o dever de respeitar e tratar os superiores hierárquicos com urbanidade;
- O autor já tinha duas anteriores sanções disciplinares pela prática de infracções de contornos semelhantes;
- A sanção aplicada não foi abusiva, estando plenamente justificada.
V- Foi dispensada a Audiência Prévia, elaborou-se despacho saneador, e dispensou-se a prolação do despacho previsto no art. 596º do CPC.
O processo seguiu os seus termos e, a final, veio a ser proferida sentença que julgou pela forma seguinte:
“Decisão:
Por tudo o que ficou exposto e nos termos das disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
a) Anulo a sanção de 24 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, que foi aplicada pela ré ao autor;
b) Condeno a ré a devolver ao autor a quantia que lhe descontou na retribuição em consequência da aplicação da dita sanção, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data de tal desconto e até integral pagamento;
c) – Absolvo a ré do demais peticionado.”.
Inconformado com a sentença proferida, a ré interpôs recurso de Apelação (fols. 74 a 78 v.), apresentando as seguintes conclusões:
A) A Douta Decisão parece não ter feito uma correta valoração conforme à matéria de facto provada e por isso é passível de objetiva censura.
B) Desde logo, vem o tribunal a quo alegar, e bem que, “Em sede do direito sancionatório, tem de ser o empregador a provar a infracção disciplinar, e, consequentemente, todos os elementos que a integram, incluindo a culpa do trabalhador – Ac. TRL de 19/10/2011, Proc. 25/10.8TBHRT.L1-4.
Do que ficou consignado na alínea F) dos factos provados, retira-se que a ré logrou provar a totalidade dos factos imputados ao autor na nota de culpa (destacado nosso).”
Facto este que por si só permitiria consubstanciar a aplicação da sanção disciplinar imposta pela ré.
C) Depois, na comunicação enviada via eletrónica ao CEO, o autor manifestou expressa intenção de, na pessoa do seu Presidente ameaçar fazer queixa da empresa à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), comportamento este desproporcionado e intolerável, dado que sobre a aparência de querer contribuir para a resolução de um pretenso problema, o autor não se coibiu de veicular uma ameaça concreta.
D) Com esse comportamento doloso, grave e infundado, o autor para além de expressamente ameaçar o Presidente, deixa repercussões do seu comportamento. Uma queixa junto da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) contra o Presidente por violação do tratamento de dados pessoais, resulta em coimas elevadas, para além da responsabilidade solidária a que o órgão executivo da Ré/Recorrente está sujeito.
E) Para além da comunicação ao CEO, o Autor enviou outra comunicação três dias antes, no dia 20/09/2018, com teor semelhante, à área interna da Ré, da Saúde no Trabalho, que termina também em tom de ameaça, “ Agradeço resposta a esta minha mensagem com as medidas tomadas para corrigir esta situação sob pena de escalar o assunto interna (CSIRT) e externamente (CNPD).” cfr. descrito na alínea E) dos factos provados. Novamente não se inibe de expressamente veicular ameaças, agora junto dos seus pares.
F) Se atentarmos ainda aos factos dados por provados, verificamos que existem antecedentes disciplinares, elencados nos factos provados, alíneas U) e V), que resultaram na aplicação de duas sanções disciplinares, com as quais o autor se conformou, uma de 12 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e outra de repreensão registada, que constituem factores que agravam a censurabilidade do comportamento do autor e que influem naturalmente na ponderação e graduação da sanção aplicável.
G) É aqui que reside um dos maiores erros de raciocínio do Tribunal a quo, que parece não ter valorado o registo das anteriores sanções disciplinares, decorrentes de dois processos disciplinares de que o autor foi alvo pela prática de infrações de contornos semelhantes.
H) Ora, a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator e neste sentido, não o deverá ser tão-somente punitiva, mas pedagógica e de prevenção, alertando o trabalhador para que de futuro possa ter comportamentos mais adequados, o que no caso concreto não vingou, que num curto espaço de tempo, a saber, 3 dias, o Autor expressamente veiculou em dois emails ameaças concretas, junto dos seus pares e do seu CEO.
I) Apesar das duas sanções menos gravosas impostas ao Autor, este não se inibiu de perpetuar os seus comportamentos inadequados. Assim, atendendo às anteriores sanções disciplinares aplicadas ao autor, a sanção disciplinar, objeto da presente lide, teria de ser necessariamente mais gravosa do que as anteriores.
J) Não pode a ré/recorrente entender a razoabilidade da decisão do tribunal a quo de anulação da sanção disciplinar aplicada ao autor, veiculando a permissão de comportamentos reiterados e ameaçadores que levam a uma total impunidade do autor.
K) Por todo o exposto, considerou a ré que o Autor incorreu na prática de uma infração disciplinar grave, por infringir o dever de respeitar e tratar com urbanidade os seus superiores hierárquicos e o dever de guardar lealdade à entidade patronal, contidos nas alíneas a) e f), todas do n.º 1 do art. 128.º Código do Trabalho e do ACT em vigor, que com a instauração do competente processo disciplinar culminou com a aplicação ao autor da sanção disciplinar de 24 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição.
L) Assim, mal esteve o Tribunal a quo ao pugnar pela anulação da sanção disciplinar aplicada ao autor, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada nessa parte.
Nestes termos, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, deverá ser julgado totalmente procedente o presente recurso de apelação, e nessa medida revogada a decisão recorrida na parte respeitante à anulação da sanção disciplinar aplicada pela Ré ao Autor, sendo substituída por outra que determine como válida a conduta da Recorrente e, em consequência, absolva a Ré/ Recorrente do pedido, assim se fazendo inteira, JUSTIÇA!
O autor contra-alegou (fols. 80 a 85) defendendo a manutenção da sentença recorrida.
Correram os Vistos legais tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público emitido Parecer (fols. 92), no sentido de ser negado provimento à apelação.
VI- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada, é a seguinte:
1- O autor foi admitido na empresa “(…).”, em 9 de Abril 1998, trabalhando, desde então, sob as ordens, direcção e fiscalização desta empresa.
2- Na sequência da reestruturação prevista no D.L. no 219/00 de 0/09, foi constituída a “(…).”.
3- A (…)”, assumiu todo o conjunto de direitos e obrigações da “(…).”.
4- Em Setembro de 2014 a “(…).”, alterou a sua denominação para “BBB”, ora ré.
5- Em 20/09/2018, o autor enviou ao Departamento “Saúde no Trabalho” a mensagem de correio electrónico cuja cópia consta de fls. 11 vo dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com o seguinte teor:
“Caros colegas,
Mandam as boas práticas de segurança em transmissão de informação sensível, por via informática, que as senhas nunca sejam enviadas por o mesmo meio que a informação encriptada, sob pena de ser indiferente enviar a informação encriptada ou não. Assim sendo sugiro que passem a enviar as senhas por SMS, por exemplo, pois acredito que têm acesso a essa informação, caso não tenham podem solicitar essa informação quando a pessoa for realizar o exame de saúde no trabalho ou transmitir pessoalmente à pessoa a senha quando a mesma for realizar o dito exame.
Agradeço resposta a esta minha mensagem com as medidas tomadas para corrigir esta situação sob pena de escalar o assunto interna (CSIRT) e externamente (CNPD).”.
6- No dia 23/09/2018, Domingo, o autor enviou ao Presidente da Comissão Executiva da ré a mensagem de correio electrónico cuja cópia consta de fls. 33 v. dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com o seguinte teor:
“Exmo. Sr.
Perante a total ausência de qualquer tipo de resposta a mensagem infra e dada a gravidade da situação, venho por este meio fazer uma última tentativa para que esta situação seja resolvida internamente.
A ausência de uma resposta satisfatória em tempo útil não me deixará outra opção senão escalar o assunto para a CNPD.
Com os melhores cumprimentos.”.
7- Em resposta à mensagem referida em 5), (…), do Departamento “Saúde no Trabalho”, enviou ao autor, em 24/09/2018, a mensagem de correio electrónico cuja cópia consta de fls. 11 v. dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com o seguinte teor:
“Bom dia
O RGPD veio de fato exigir alterações nos processos, que em alguns casos não foi ainda possível implementar totalmente.
Desde já agradecemos a sugestão de melhoria, a qual está em fase de implementação.
Com os melhores cumprimentos.”.
8- Por despacho da Direcção de Recursos Humanos da ré, datado de 24/09/2018, que consta do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi determinada a instauração de processo disciplinar contra o autor.
9- Em 25/09/2018, foi elaborada a nota de culpa de fls. 3 a 5 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10- O autor foi notificado da nota de culpa, referida em 9), em 01/10/2018, conforme termo de notificação de fls. 2 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11- O autor respondeu à nota de culpa, referida em 9), pela forma expressa no articulado de fls. 6 a 8 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12- Em 03/12/2018, foi elaborado o relatório final e proposta de decisão de fls. 13 a 15 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13- Em 10/12/2018, foi proferida pela ré a decisão que consta de fls. 16 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que aplicou ao autor a sanção disciplinar de 24 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição.
14- O autor foi notificado da decisão, referida em 13), em 10/01/2019, conforme termo de notificação de fls. 17 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15- O autor apresentou reclamação hierárquica da sanção disciplinar, referida em 13), para o Presidente da Comissão Executiva da ré, cuja cópia consta de fls. 14 v. a 15 v. dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
16-  Em 25/01/2019, foi elaborada a informação cuja cópia consta de fls. 17 e v. dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, sobre a reclamação hierárquica referida em 15).
17- Por despacho do Presidente Executivo da ré, cuja cópia consta de fls. 16 v. dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datado de 27/02/2019, foi negado provimento à reclamação hierárquica, referida em 15).
18- O autor foi notificado da informação e despacho, referidos em 16) e 17), por carta cuja cópia consta de fls. 16 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 18/03/2019.
19- Por mensagem de correio electrónico enviada em 27/03/2019, cuja cópia consta de fls. 18 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o autor foi informado pela ré que a sanção disciplinar, referida em 13), seria aplicada a partir do dia 2 de Maio e até ao dia 4 de Junho de 2019 (inclusive).
20- O autor é filiado no Sindicato dos Trabalhadores do Grupo (…)  em Portugal, desde 28/12/2003, conforme declaração de fls. 65 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
21- Em 03/09/2004, a ré aplicou ao autor a sanção disciplinar de 12 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, conforme decisão cuja cópia consta de fls. 54 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
22- V) – Em 22/06/2009, a ré aplicou ao autor a sanção disciplinar de 12 dias de repreensão registada, conforme decisão cuja cópia consta de fls. 58 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
VIII- Nos termos dos arts. 684º-3, 685º-A, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pág. 148).
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é a de saber-se se os comportamentos do autor integram a prática de ilícito disciplinar e , como tal, o autor foi correctamente sancionado pela ré.
IX- Decidindo.
Como resulta do facto provado nº 13 e resulta de fols. 16 do PD apenso, o autor foi sancionado com 24 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição por ter dirigido “a um Domingo e pelas 23:20 uma comunicação electrónica ao Senhor Presidente da Comissão Executiva, como o seu conteúdo excede, manifesta e objetivamente, o exercício de se expressar livremente” sendo que ao “afirmar que em caso de falta de resposta, escalaria o assunto para a CNPD, reveste uma intenção objetivamente intimidatória e por isso ética e juridicamente intolerável”
Considerou a ré ter havido violação dos deveres de respeitar e tratar com urbanidade os seus superiores hierárquicos e de guardar lealdade à entidade patronal.
O delito disciplinar pode decorrer de uma omissão - não cumprimento de um dever- ou de uma acção - cometimento de um acto proibido. No conceito de infracção disciplinar são identificáveis quatro elementos essenciais: a) uma acção ou omissão; b) culposa ou dolosa, salvo havendo exigência expressa de intenção; c) com violação de deveres gerais ou especiais; d) causando ofensa efectiva ou eventual de interesses relevantes da empresa- Pedro de Sousa Macedo, Poder disciplinar Patronal, pag. 32 e 33.
Já Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I, ed. Lex, 1994, a pag. 141, escreviam que "A ideia fundamental é a de que a infracção disciplinar abrange todas as violações dos deveres inerentes à situação jurídica do trabalho subordinado, quer os deveres que se prendem com a execução do débito laboral, quer aqueles que se relacionem com a posição do trabalhador na organização à qual o trabalho é prestado, independentemente dos comportamentos em causa atingirem ou não a correcta execução dos deveres à realização de trabalho... Na verdade, pode bem acontecer que um trabalhador cumpre correctamente o dever principal de prestação a seu cargo e, ao mesmo tempo, pratique uma infracção disciplinar, violando deveres que a lei expressamente lhe impõe, como, por exemplo, o dever de obediência... As infracções disciplinares cobrem todos os deveres dos trabalhadores, qualquer que seja a sua origem: incluindo os decorrentes da lei, das convenções colectivas de trabalho, das portarias ministeriais de regulamentação de trabalho, do próprio contrato de trabalho, bem como de actos unilaterais do empregador, designadamente os que constam dos regulamentos internos...".
O elemento não taxativo das sanções disciplinares encontra-se descrito nas alíneas do nº 1 do art. 328º do CT: repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade e despedimento sem indemnização ou compensação, por ordem crescente de gravidade.
Ora se até "A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção", como estabelece o art. 330º-1 do CT, proporcional também deve ser a reacção da entidade empregadora aos comportamentos dos seus trabalhadores, sabendo distinguir o que merece e deve ser punido, daquilo que não tem dignidade ou relevância para se fazer uso do poder disciplinar.
Pois é aqui, na proporcionalidade, no necessário equilíbrio entre o comportamento e a resposta, que a apelante falhou completamente.
Senão vejamos.
Onde está a gravidade do envio de uma mensagem ao CEO da ré às 23:20 horas de um Domingo ? Acaso o envio dessa mensagem obrigava o mesmo CEO a abrir a mensagem imediatamente ? Por que não a abriu só na Segunda-feira seguinte evitando assim ficar incomodado pelo dia e hora de envio ?
É do senso comum que, normalmente, quem envia mensagens tardiamente à noite, nomeadamente no âmbito laboral, é para se assegurar que no dia seguinte, logo pela manhã o destinatário verá logo essa mensagem assim que ligue o computador no trabalho. Normalmente não tem nada a ver com vontade de importunar quem quer que seja com o envio de mensagens a horas tardias. E, manifestamente, não está demonstrado nos autos que, com envio da mensagem num Domingo, pelas 23:20, o que o autor queria era importunar o CEO da ré.
E quanto ao conteúdo da mensagem em si ?
Decorre do facto provado nº 5 que o autor, a 20/9/2018 tinha enviado para o Departamento de Saúde no Trabalho da ré uma carta em que se insurgia quanto a uma violação de regras de segurança relativas ao envio de informação pessoal sensível sugerindo que se alterassem procedimentos e solicitando resposta à sua missiva. Resposta que só veio a obter a 24/9/2018 (facto provado nº 7).
Como a 23/9/2018 ainda não tivesse resposta do Departamento de Saúde no Trabalho então o autor enviou a carta em questão a que se refere o facto provado nº 6: “Exmo. Sr.
Perante a total ausência de qualquer tipo de resposta a mensagem infra e dada a gravidade da situação, venho por este meio fazer uma última tentativa para que esta situação seja resolvida internamente.
A ausência de uma resposta satisfatória em tempo útil não me deixará outra opção senão escalar o assunto para a CNPD.
Com os melhores cumprimentos.”.
Considerou a ré, na decisão disciplinar, que o autor com tal missiva faltou ao respeito à ré pois ao afirmar que em caso de falta de resposta escalaria o assunto para a CNPD, tal revestiu uma intenção objectivamente intimidatória e ameaçadora, faltando ao respeito aos órgãos de gestão da empresa.
Não acompanhamos esta perspectiva.
Não se vislumbra qualquer ameaça em tal mensagem pois não se encontra no seu conteúdo algo susceptível de provocar medo ou inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação do seu destinatário, o CEO da ré. Antes da mensagem se retira que nela o autor faz um mero aviso de que recorrerá à entidade que considera adequada, a CNPD, para intervir naquilo que entende ser uma violação da protecção dos seus dados pessoais.
Aliás, se o autor, tivesse antes recorrido directamente à CNPD sem nada dizer, não será então que teríamos também a ré a queixar-se de violação do dever de lealdade por parte do autor ?
Como se escreveu na sentença recorrida, “nem o CEO da empresa poderá ser considerado uma “divindade” intocável ou inatingível, de modo que o autor não pudesse dirigir-se-lhe directamente, através de mensagem de correio electrónico, sem, com tal conduta, contrariar as boas regras de respeito mútuo que devem presidir às comunicações entre trabalhadores e os membros dos órgãos de gestão da empresa”.
De facto, se o CEO da ré entendia que o assunto em causa não era para ser tratado directamente consigo apenas tinha de remeter o assunto para o Departamento que entendesse adequado, sem necessidade ou justificação para ficar melindrado.
Sustenta ainda a apelante/ré que nada justificava o envio da mensagem ao CEO da ré a 23/9 quando a 1ª mensagem para o Departamento de Saúde no Trabalho da ré fora apenas enviado a 20/9 (facto provado nº 5). Ora embora não se possa dizer que mediaram muitos dias entre a 1ª e a 2ª mensagem também é certo que o Departamento de Saúde no Trabalho nada respondeu ao autor, só o vindo a fazer a 24/9 (facto provado nº 7).
Bastaria ao Departamento de Saúde no Trabalho, se não podia responder ao autor no imediato, ter acusado a recepção da mensagem e dizer-lhe qualquer coisa como “muito em breve” ou “nos próximos dias” apreciarão as questões colocadas para que o autor não sentisse na necessidade de enviar a 2ª mensagem passados 3 dias. Mas não, o Departamento de Saúde no Trabalho não reagiu à mensagem do autor, o que o levou a enviar a 2ª mensagem, no seguimento da anunciada escalada interna do assunto em caso de falta de resposta.
A apelante ré, veio ainda nas suas alegações e conclusões de recurso fazer referência à mensagem de 20/9/2018 que o autor enviou ao Departamento de Saúde no Trabalho da ré para concluir ter também aí existido violação dos seus deveres laborais, desta feita para com os seus colegas daquele Departamento.
Como se retira dos factos provados nºs 12 e 13, o relatório Final do PD, que foi recebido na Decisão Final do PD e esta última referem igualmente que o autor violou os deveres de respeito e cordialidade para com os seus colegas ao enviar a mensagem de 20/9/2018. No entanto, estranhamente, quer o Relatório Final quer a Decisão Final, ao elencar os factos dados como provados no PD não incluem o envio da mensagem de 20/9/2018 ao Departamento de Saúde no Trabalho da ré.
Tendo em conta o facto provado nº 9 e fols. 3 a 5 do PD Apenso, constata-se que a Nota de Culpa não faz a mínima referência ao envio dessa mensagem de 20/9/2018, referência que só aparece na Resposta à Nota de Culpa apresentada pelo autor.
Ora, como é sabido, nos termos do art. 357º-4 do CT/2009, os factos constantes da nota de culpa delimitam o âmbito da decisão que aplica a sanção disciplinar, não podendo ser invocados factos que não constem da nota de culpa, nem referidos na defesa do trabalhador, salvo se atenuarem ou dirimirem a sua responsabilidade.       
No caso em apreço, a referência à mensagem de 20/9/2018 surge porque foi introduzida pelo autor na Resposta à Nota de Culpa.
Porém, dado o seu conteúdo (facto provado nº 5), não se vê aqui qualquer falta de respeito e de cordialidade para com os colegas do autor, do Departamento de Saúde no Trabalho da ré, inexistindo aqui qualquer ameaça no sentido de o seu conteúdo ser susceptível de provocar medo ou inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação dos seus destinatários. Aliás em resposta à mensagem do autor, aquele Departamento agradeceu ao autor a sugestão de melhoria que ele enviara que passou a estar em fase de implementação (facto provado nº 7).
Assim, a instauração de um procedimento disciplinar e a aplicação de uma sanção pelas razões apontadas na decisão de 10/12/2018, mostram-se fortemente desajustadas.
Deste modo, não existe nos autos matéria de relevância disciplinar sendo, por isso, ilícita a sanção disciplinar aplicada, como aliás bem se concluiu na sentença recorrida cuja decisão tem de se manter.
X- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas em 1ª instância como ali definido.
Custas da Apelação a cargo da ré.

Lisboa, 28 de Abril de 2021
Duro Mateus Cardoso
Albertina Pereira
Leopoldo Soares