Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5069/13.5TDLSB.L1-3
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
NÃO PRONÚNCIA
REVOGAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1- Decorre da jurisprudência do AFJ 2/2006 que comete o crime de fraude na obtenção de subsídio previsto no art. 36º do Decreto-Lei 28/84 de 20.1 quem utiliza os artifícios fraudulentos previstos nas diversas alíneas do seu nº 1 não só  na concessão formal e prévia do subsídio como também para a posterior disponibilização ou entrega material das quantias subsidiadas.
2- Mesmo que as despesas tenham sido efectuadas e os montantes sacados tenham sido posteriormente reembolsados o prejuízo decorre do desembolso das quantias que não teriam sido entregues ao arguido se não fosse o artifício (facturas falsas) utilizado. 
3- No nosso sistema processual penal em que os recursos são predominantemente de substituição (AFJ 4/2016), em caso de revogação da decisão de não pronúncia cabe ao tribunal de recurso proferir a decisão de pronúncia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
No encerramento do inquérito, o Ministério Público acusou F... e R... da prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo art. 362º n.º 1 al.s a) e c), n.º 2, n.° 5 al. a) e n.º 8 al. b) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro - Regime das Infracções Anti-económicas e contra a Saúde Pública, em conjugação com o disposto no art. 202°, al. b), do Código Penal, (em concurso aparente com o crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, al. a) e e) do Código Penal) e imputou à M..., S.A. – A..., S.A., nos termos do disposto no art. 11, nº 2, al. a) do Código Penal e art. 32, n°1 do Decreto-Lei n° 28/84, de 20 de Janeiro a responsabilidade penal pela pratica de um crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. pelo art. 36° n.° 1 al. a) e c), n.° 2, n.° 5 al. a) e n.º 8 al. b) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, em conjugação com o disposto no art. 202º, al. b), do Código Penal.
Não se conformando, os arguidos requereram a abertura de instrução.
No seu termo foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos.
*
Inconformado o assistente Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP) interpôs recurso sustentando a pronúncia dos arguidos e formulando as seguintes conclusões:
A. Por despacho proferido em 31/10/2018, o Tribunal proferiu despacho de não pronúncia relativamente aos arguidos F..., R... e à sociedade M..., S.A.   A..., S.A., no entendimento de que "...se é verdade, por um lado, que as facturas em causa são falsas (porque referem um conteúdo que não corresponde à realidade) também é verdade que as despesas foram feitas, conforme atestou não só o arguido, mas também os documentos e as testemunhas ouvidas na instrução".
B. Salvo melhor entendimento, a decisão não parece fazer uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, pois, nos termos do Artigo 36° do DL 28/84, de 20/1, pratica o crime de fraude de obtenção de subsídio, quem fornecer às autoridades competentes informações inexatas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsidia ou subvenção,
C. Como salienta o Tribunal no despacho de não pronúncia, o IFAP, I.P. pagou subsídios, cujas despesas foram comprovadas pelo beneficiário da ajuda mediante a apresentação de faturas falsas, "...porque referem um conteúdo que não corresponde à realidade",
D. Ao qualificar as faturas como falsas, o Tribunal dá como preenchido o elemento objetivo do crime de fraude obtenção de subsídio, porquanto, verifica-se que pelo IFAP, I.P. foi concedido um subsídio, tendo por base um pressuposto errado, nomeadamente, que as faturas apresentadas pelo beneficiário da ajuda eram verdadeiras.
E. A natureza das verbas envolvidas obriga a que o IFAP, I.P., tenha de cumprir as suas atribuições e competências, agindo sempre de forma vinculada, subordinada pelo interesse público e pelo princípio da legalidade, sob pena de serem aplicadas correções financeiras por parte da União Europeia, razão pela qual não pode ignorar o facto de ter concedido uma ajuda, cuja despesa se veio apurar ter sido comprovada através de faturas falsas.
F. Por outro lado, não se pode considerar como correto o entendimento do Tribunal, de que "...para efeitos do crime de fraude na obtenção de subsídio seria necessário, em primeira linha, que a despesa cujo reembolso é pedido, não tivesse sido realizada", pois o crime de fraude de obtenção de subsídio previsto Artigo 36° do DL 28/84 é um crime dano, na medida em que faz depender a sua consumação do efetivo recebimento do subsídio.
G. E este tipo de crime fica consumado quando o pagamento das ajudas tem por base uma declaração que não corresponde à verdade, neste caso concreto, a apresentação pelo beneficiário da ajuda de faturas falsas.
H. Salvo melhor entendimento, o facto de ter sido realizada a despesa e de pelo beneficiário terem sido devolvidos a quase totalidade dos montantes indevidamente recebidos, faltando apenas a devolução € 2.562,89, em termos penais apenas releva para efeitos de atenuação da pena e não do preenchimento do tipo de crime.
I. Face ao exposto, os fundamentos utilizados para proferir despacho de não pronúncia, não parecem fazer uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, pelo que, o referido despacho deverá ser revogado e ser substituído por despacho de pronúncia, relativamente a todos os arguidos, assim se fazendo a costumada Justiça
O recurso foi admitido. 
Respondeu ao recurso o Ministério Público, dizendo:
Adere-se à posição assumida na decisão instrutória e respectiva fundamentação.
(…)
Mas obviamente que não é toda e qualquer informação incorreta que interessa, mas apenas aquelas que são importantes (vide o n°8 do referido art° 36).
As despesas ou pagamentos feitos pelos arguidos (sociedade e seu administtador) são sem dúvida informações importantes prestadas pelo arguido, e também não há dúvida que as facturas que os comprovam são falsas.
Mas se as despesas foram efectivamente realizadas, isto é, se os arguidos despenderam aqueles montantes na prossecução do projecto para o qual foi concedido o subsidio, não é difícil concluir que a informação incorrecta que forneceu e os documentos que apresentou não podem integrar o conceito de "factos importantes" exigido pela lei.
E se assim é, como refere e bem a decisão recorrida, a conduta dos arguidos consubstancia uma mera irregularidade não podendo valorar-se como fraude na obtenção de subsídio.
Acresce que, a ser assim, a intenção do arguido (administrador da sociedade) não foi a de "enganar" o IFAP para que lhe fossem subsidiadas as despesas que teve com o projecto.
Por último, refira-se, em abono do que foi anteriormente dito, que os arguidos devolveram integralmente ao IFAP os valores irregularmente recebidos, num total de 285.200 euros.
Está apenas em dívida o montante de 2.562,89 euros, de juros moratórios, que o próprio arguido administrador da sociedade, no seu interrogatório em instrução, assumiu e explicou que recebeu recentemente do IFAP a indicação para pagar, já depois de ter liquidado a dívida principal.
Quanto á arguida R..., tal como se refere na decisão instrutória, resulta dos autos que não tinha conhecimento de que o conteúdo das facturas era falso, tendo-se limitado, enquanto contabilista, a emiti-las segundo indicações do arguido F....
Pelo que, deverá ser mantida a decisão ora recorrida, rejeitando-se o recurso.
Os arguidos responderam, concluindo os arguidos F... e M..., S.A.:
1.ª O presente Recurso mais não é do que uma lamentável "instrumentalização" do presente processo crime por parte do Assistente Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P., (IFAP, I.P.), no sentido de, com o mesmo, obter a liquidação de uns quaisquer juros moratórios no valor total de "€ 2.562,89", estratégia essa que de resto, efetivamente conseguiu vencer, tanto mais que, por força da mesma, os referidos juros já se encontram efectivamente liquidados.
2.ª Quanto à questão de fundo - a decisão instrutória de não pronúncia proferida em 31 de Outubro de 2018- a mesma não oferece qualquer reparo pois foi proferida de forma absolutamente justa, correcta, ponderada e seguramente fruto de uma inequívoca e férrea vontade de fazer Justiça e que só honra e prestigia quem a proferiu, não sendo minimamente beliscada por uma qualquer argumentação diríamos deveras "capciosa" e ardilosa, fruto de um qualquer conjunto de pressões e instruções internas de um qualquer Instituto público como é o IFAP.
3.ª Não é concebível que o respectivo Mandatário tenha uma postura deveras adequada nos autos e sobretudo no decurso da diligência presencial que teve Debate Instrutório - onde, pela prova produzida e pelos elementos probatórios analisados, acabou por concluir, conjunta e unanimemente com todos os demais intervenientes processuais a "não pronúncia" de todos Arguidos e, posteriormente, porque o direito "circular" e hierárquico lho imponham tal "instrução" ou "diretriz", venha apresentar um qualquer recurso em sentido diametralmente oposto e numa postura processual deselegante e objectivamente deplorável que devia envergonha todo e qualquer Director ou responsável de um qualquer Ente público do Estado Português, seja o IFAP seja ele qual for.
4.ª Ficaram sobejamente demonstrados inúmeros factos - constantes do requerimento de abertura de instrução (e, resumidamente, da presente Resposta) e os quais aqui de dão por integralmente reproduzidos - e que demonstram "não se pode(r) concluir pela existência de probabilidade de condenação dos arguidos, até porque os factos ocorridos são francamente distintos daqueles outros factos que constam da Douta Acusação e, por isso mesmo, todos os intervenientes processuais nos presentes autos, no Debate Instrutório realizado a 29 de Outubro de 2018, Procurador do Ministério Público, Arguidos, Mandatários dos Arguidos, Mandatário do Assistente e, finalmente, Juiz de Instrução Criminal entenderam que, a decisão correcta era a de Não Pronúncia.
5.ª Os Arguidos efectivamente realizaram as despesas de que pediram reembolso ao Assistente, todavia, o facto de - o circuito documental das próprias facturas não estar perfeitamente alinhado com o circuito das operações realizadas não se devem a qualquer intuito fraudulento e através de um circuito fictício, se apropriar das quantias subsidiadas, muito antes pelo contrário: deve-se ao simples facto de várias dessas aquisições serem realizadas em numerário ou através de transferências bancárias a fornecedores espanhóis e de tais operações não obedecerem ao figurino tradicional de apresentação de factura, liquidação das mesma de qualquer meio e final apresentação de recibo, como ficou sobejamente demonstrado.
6.ª É, por isso, intocável o raciocínio da Meritíssima Juiz que decidiu que: "A apresentação das facturas referidas na acusação traduzem-se numa irregularidade não podendo, no caso concreto, valorar-se como fraude na obtenção de subsídio. Esta irregularidade teve como consequência a devolução pelo arguido Francisco e pela sociedade arguida das quantias recebidas, conforme atestam os autos." - p. 7 da Decisão Instrutória proferida pelo Tribunal a quo.
7.ª E muito bem, também já tinha andado a Ilustre Procuradora junto do Tribunal que, em sede de debate instrutório e perante a prova produzida, teve a coragem de "inverter" o entendimento do Ministério Publico, passando a pugnar pela absolvição do Arguido, ao invés do "colega" que tinha, quiçá por desconhecimento total de todos os factos avançado para uma Acusação!
8.ª Por outro lado, mais do que nos bastarmos com meros formalismos legais ou com a execução de simples silogismos judiciários - de que perante o preenchimento da previsão se aplica a estatuição, no caso, que se aplica a sanção (pena) após a subsunção da conduta ao tipo de ilícito em causa, cumpre compreender por que é que os eventos ocorreram desta forma e não de outra.
9.ª Não é pelo facto de um agente emitir determinadas facturas (que não têm uma correspondência 100% conforme com a transação em causa - nem poderiam ter dada as razões acima referidas) e de as apresentar a uma entidade a fim de ser reembolsado, que comete o crime em causa, pelo que, não é por as facturas serem efectivamente "falsas" que há crime de fraude na obtenção de subsidio.
10.ª Esgotar a análise jurídica nesta mera mecânica como o faz o Recorrente/Assistente IFAP - embora com outros propósitos, como se verá - seria destituir os Tribunais e os demais intervenientes processuais do seu verdadeiro papel: o apurar da verdade material, ou seja, do como, porquê, modo dos acontecimentos em causa. E só depois aplicar o Direito. E seria sobretudo preterir o entendimento, unânime e pacífico, de todos os intervenientes processuais no dia do 29 de Outubro de 2018 em sede do Debate Instrutório realizado: a absolvição dos Arguidos!
11.ª É que a consequência pretendida com o recurso do Assistente - a óbvia submissão dos arguidos a julgamento - constituiria, por meros € 2.562,89 que já se encontram entretanto liquidados, uma ofensa à certeza, segurança e definitividade de uma decisão judicial que foi tomada e unanimemente aceite por todos os intervenientes processuais.
12.ª Por outro lado, sempre se diga, como referiu o Tribunal a quo que "não se pode concluir pela existência de probabilidade de condenação dos arguidos" pois como se sabe, o critério crucial para a decisão de pronúncia é a probabilidade de condenação em sede de julgamento.
13.ª Efectivamente, e como o Tribunal a quo assim decidiu - e bem - a probabilidade de condenação nos presentes autos é - e será sempre – absolutamente ínfima, pelo que, a eventual submissão a julgamento, além da já invocada inutilidade processual e inadmissível agressão na esfera jurídica dos arguidos, encontra aqui um verdadeiro obstáculo legal que seguramente não será naturalmente desconsiderado por esse Venerando Tribunal.
14.ª O Recurso ao qual se responde apresentado mais não é do que uma tentativa, de obter um qualquer "título" desse nome ou seja, um qualquer fundamento para o IFAP se vir ressarcir dos juros moratórios - e somente dos juros - no valor de € 2.562,89 - pois que tendo sido proferida uma Decisão Instrutória de Não Pronúncia, o Assistente ficou absolutamente "desamparado": não tinha ai pois em seu poder um qualquer "título" para obter os € 2.562,89 de juros moratórios que apregoou.
15.ª Todavia, este "desamparo" era e sempre foi meramente aparente pois que o próprio Arguido, transmitindo inclusive essa decisão ao ilustre Mandatário do Assistente - comprometeu-se ele próprio a liquidar o montante dos juros moratórios em causa, com a brevidade possível e até ao fim dos presentes autos.
16.ª Voluntariamente e pese embora a interposição do presente Recurso, no dia 06 de Dezembro de 2018 o Arguido liquidou ao Assistente Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P., (IFAP, I.P.) o valor de € 2.562,89 de juros moratórios que estavam em falta.
17.ª Por esse facto, ao Assistente, é-lhe actualmente completamente alheio o facto de os Arguidos terem de ser submetidos ao julgamento, com as consequências humilhantes e vexatórias que esta fase processual sempre acarreta, uma vez que o seu único interesse processual se esgota no ressarcimento da quantia nomeadamente do capital e dos juros — que já se encontram integralmente liquidados!
18.ª O Assistente, não tem, neste preciso momento, qualquer interesse/tutela processual que justifique a procedência do recurso apresentado e que aqui se responde!
19.ª Pelo que dúvidas não restam, de que o presente recurso é uma lamentável instrumentalização de um mecanismo de processo — o recurso — a fim de que o Assistente possa obter um meio de lhe serem pagos € 2.562,89 euros- que já obteve efectivamente- tudo isto a troco da submissão de três (3) Arguidos — no caso da 3.ª Arguida Rute então...trata-se de uma violência atroz - a julgamento por factos dos quais já foram "despronunciados" e sobre os quais já foi produzida extensa prova documental e testemunhal!
20.ª Assim e sem mais delongas, e pelo facto de os juros já terem sido liquidados, sem prejuízo da cristalina instrumentalização da fase recursiva realizada pelo Assistente no presente processo crime, é indiscutível que o presente recurso deve, sem mais, ser julgado improcedente por inutilidade superveniente. Aliás, a sua procedência, demonstrada que está a liquidação/pagamento na íntegra do capital e dos juros, a verificar-se, revelar-se-ia até terminantemente inútil, de qualquer prisma que se adote. É que,
21.ª Do prisma do Recorrente (Assistente) até nem terá qualquer efeito prático dado que, o valor que entregou ao Arguido já lhe foi resposto na íntegra, não colhendo qualquer consideração — tais como as que tece no seu recurso - de que, e perdoe-se a expressão "que o Estado Português ou qualquer dos seus institutos saiam mal na fotografia" perante as instâncias da União Europeia, dado que o montante foi na íntegra recuperado! E essa recuperação até foi realizada num processo crime.. !!! E, do prisma dos Arguidos, até pelos motivos supra expostos e indiscutivelmente bem fundamentados na Decisão de Não Pronúncia realizada pelo Tribunal a quo.
22.ª Mais do que inútil e, portanto, do ponto de vista do processo crime em causa integralmente desnecessária, representaria uma inadmissível repressão à esfera jurídica dos Arguidos sem qualquer pretexto! A submissão a julgamento constituiria, sem mais, uma verdadeira agressão jurídico-criminal aos Arguidos – porque destituída de quaisquer exigências de prevenção geral ou especial!
23.ª É, por demais evidente, que o presente recurso, até dado o pagamento dos juros moratórios, fica destituído do seu objecto e fim, pelo que a inutilidade superveniente do mesmo é, salvo melhor opinião, a única solução consentânea com qualquer análise jurídica dos presentes autos!
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências não deixarão de doutamente suprir, deve ser negado provimento ao presente Recurso, sendo sustentada e confirmada na íntegra a douta Decisão-Instrutória de 31 de Outubro de 2018, que não pronunciou os Arguidos F..., M..., S.A. — Aquaculturas, S.A. e R... pela prática dos crimes de que vinham acusados, com todas as demais consequências legais, como é de
Direito e Sã Justiça.
A arguida R... respondeu ao recurso, concluindo:
1. O Recorrente não aponta uma única razão para que a Arguida R... seja pronunciada.
2. Até porque resulta da analise concreta de toda a prova incluindo do relatório final da Policia Judiciaria que esta arguida não tinha qualquer conhecimento de quaisquer praticas ilícitas por parte quer da empresa arguida quer por parte do co-arguido F...
3. O que o Tribunal “a quo” fez foi efectivamente “separar o trigo do joio” e é isso que se pede a V. Exªs também.
4. A arguida foi não pronunciada por, em co-autoria e na forma consumada, de Um crime fraude na obtenção de subsidio, p. e p. pelo artigo 36º nº 1 al.a) e c) nº 2, nº 5 al.a) e nº 8 al. b) do Decreto lei nº 28/84, de 20 de Janeiro – Regime das Infracções antieconómicas e contra a Saúde Publica em conjugação com o disposto no art. 202º, al. b), do Código Penal ( em concurso aparente com o crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, al. a) e e) do Código Penal).
5. Ora resulta da prova junta e da consulta dos autos, que em nenhum momento é a arguida apontada como autora directa ou indirecta da execução do crime de que foi não pronunciada.
6. Não resulta, quer directa ou indiretamente, que a arguida soubesse dos intentos do co-arguido F....
7. Mais decorre do Relatório Final da Polícia Judiciaria que pese embora a arguida R... tenha emitido algumas das faturas que F... solicitou ao Ifap o respetivo reembolso, aquela não tivesse conhecimento para o fim que se destinava.
8. A base de prova da acusação, da aqui arguida, inquina desde logo em dois pontos fundamentais, a saber, a falta de conhecimento para o fim a que se destinava a emissão de faturas e qual o benefício dai resultante para si. Pelo que não é de todo possível, sem dúvida razoável, reconhecer a arguida como co-autora no crime em apreço.
9. Se é verdade que arguida era a contabilista da empresa não é menos verdade que não é condição sine quo non de que a mesma soubesse quais eram os intentos que o seu cliente, aqui co-arguido, tinha aquando da solicitação de tais faturas.
10. Apenas se limitou a emitir as faturas solicitadas, a mando daquele, uma vez que eram essas as suas funções enquanto contabilista contratada.
11. Não sabia se os materiais eram efetivamente recebidos muito menos as quantidades rececionadas por aquele.
12. Não sabia se eram efetuados os respetivos pagamentos nem tinha que o saber.
13. E foi a esta conclusão que chegou o Tribunal “ad quod” e bem quando refere: “(…) Relativamente à arguida R..., tão pouco se apurou que a mesma tivesse conhecimento que o conteúdo referido nas facturas era falso, limitando-se esta, a pedido do arguido, a emitir as facturas com os valores e descrição indicados por aquele. Esta versão foi admitida por ambos os arguidos e nenhum elemento de prova constante dos autos a infirma, pelo que, também por esta razão, não poderia a arguida R... ser pronunciada”.
14. E Atento ao supra exposto, os indícios apurados não se mostram idóneos e suficientes para garantir, com uma probabilidade segura, que à arguida será aplicada uma pena a final.
Pelo que deverá o despacho de não pronuncia ser mantido quanto ao que a arguida R... diz respeito, fazendo a tão acostumada justiça.
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Neste Tribunal, após cumprimento do disposto no art. 416º nº 1 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos e o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da Recorrente, importa decidir sobre a configuração jurídica do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção.
Previamente importa conhecer da questão da inutilidade superveniente do recurso suscitada pelos arguidos F... e M..., S.A..
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A decisão instrutória tem o seguinte teor:
Nos presentes autos foi imputado aos arguidos a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelo art° 36°, n°1, als. a) e c), n°2, n° 5 al. a) e n°8, al. b) do DL 28/84, de 20/01. --
Determina o art° 36°, do DL 28/84, que: quem obtiver subsídio ou subvenção, fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção, utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtida através de informações inexactas ou incompletas é punido (als. a) e c), do n°1, do art° 36°, do D.L. 28/84, de 20/01).
A noção de subsídio ou subvenção é nos dada pelo art° 21° do diploma legal em análise.
Para efeitos deste diploma, considera-se subsídio ou subvenção a prestação feita a empresa ou unidade produtiva, à custa de dinheiros públicos, quando tal prestação, não seja, pelo menos em parte, acompanhada de contraprestação segundo os termos normais do mercado, ou quando se tratar de prestação inteiramente reembolsável sem exigência de juro ou com juro bonificado e deva, pelo menos em parte, destinar-se ao desenvolvimento da economia.
Conforme refere o preâmbulo deste decreto-lei, os novos tipos de crimes nele incluídos como a fraude na obtenção de subsídios ou subvenções, o desvio ilícito dos mesmos, surgem pela necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação de dinheiros públicos nas actividades produtivas.
O legislador afastou assim destas incriminações legais as obtenções fraudulentas e o desvio de dinheiros públicos levados a cabo por quaisquer entidades não integráveis nos conceitos de empresa ou de unidade produtiva e ainda, as situações em que empresas ou unidades produtivas não obtiveram tais quantias com vista ao desenvolvimento da economia, mas antes para fins sociais ou culturais (neste sentido, BMJ 454, 1996, pgs. 109).
Esta divisão, conforme ensinam os professores Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade baseia-se em dois critérios, um subjectivo, que define as empresas ou unidades produtivas como destinatários exclusivos da subvenção ou subsidio e outro objectivo, definindo como vinculação, pelo menos parcial, da subvenção ao desenvolvimento da economia ("Sobre os crimes de fraude na obtenção de subsídio ou de subvenção", in "Revista Portuguesa de Ciência Criminal", ano 4, 3°, pgs. 357 e 358).
Com base na noção de subsídio acima referido torna-se claro que, nos presentes autos estamos em presença da concessão de um subsídio ou subvenção.
Conforme defendido pela doutrina, designadamente pelos Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade, e pela jurisprudência, a fraude na obtenção de subsidio é um crime de execução vinculada, pois a conduta do agente encontra-se tipicamente descrita nas diferentes alíneas do n°1, do art° 36°, do DL 28/84, de 20/01. É também um crime de dano e o bem jurídico protegido pela norma em causa é, como assinalam os ilustres professores "(...)o subsídio ou subvenção enquanto instituição, isto é, como instrumento fundamental de conformação da economia pelo Estado e, para além disso e sobretudo, as próprias metas de política económica pré-definidas e almejadas pelo legislador" (Cf. Ac. Trib. Relação de Coimbra de 27/04/94, inserido na "Revista Portuguesa de Ciência Criminal", ano 4, 3°, pgs. 419 e sgs).
Assim, a prestação do subsídio ou a subvenção há-de ser determinada por erro causado pela conduta enganadora do beneficiário. Concorre portanto, à semelhança do que se passa no crime de burla, um duplo processo causal: conduta a causa do erro, erro a causa da prestação (cf. Ac. STJ 15/10/97, CJ Acs. Do STJ, ano V, tomo III, pgs. 204 e sgs.).
No caso concreto, e contrariamente ao que é referido na acusação que afirma que os arguidos tiveram a intenção de pedir o reembolso de despesas que não fizeram, apurou-se que efectivamente tais despesas foram feitas e foram pagas, sendo certo que, como explicou o arguido Francisco, como as mesmas foram pagas em dinheiro a fornecedores estrangeiros - espanhóis — foram emitidas as facturas indicadas na acusação. --
Assim, se é verdade, por um lado, que as faturas em causa são falsas (porque referem um conteúdo que não corresponde à realidade) também é verdade que as despesas foram feitas, conforme o atestou não só o arguido, mas também os documentos e as testemunhas ouvidas na instrução.
Para efeitos do crime de fraude na obtenção de subsídio seria necessário, em primeira linha, que a despesa cujo reembolso é pedido, não tivesse sido realizada. Ora, no caso concreto, tudo indicia que não foi isso que aconteceu. --
A apresentação das faturas referidas na acusação traduzem-se numa irregularidade não podendo, no caso concreto, valorar-se como fraude na obtenção de subsídio. --
Esta irregularidade teve como consequência a devolução pelo arguido Francisco e pela sociedade arguida das quantias recebidas, conforme atestam os autos.
Pelo exposto e atendendo aos elementos probatórios existentes nos autos, às declarações prestadas pelos arguidos e à falta de elementos de prova que as contrariem, não se pode concluir pela existência de probabilidade de condenação dos arguidos, em sede de julgamento, pela prática dos crimes constantes da acusação, devendo ser proferido despacho de não pronúncia. --
Uma última palavra apenas para afirmar que relativamente à arguida R..., tão pouco se apurou que a mesma tivesse conhecimento que o conteúdo referido nas facturas era falso, limitando-se esta, a pedido do arguido, a emitir as facturas com os valores e descrição indicados por aquele. Esta versão foi admitida por ambos os arguidos e nenhum elemento de prova constante dos autos a infirma, pelo que, também por esta razão, não poderia a arguida R... ser pronunciada. --
V.
Pelo exposto:
- NÃO PRONUNCIO os arguidos F..., M..., S.A. e R... (identificados a fls. 522 e 523), pela prática dos crimes de que vinham acusados.  

Inutilidade superveniente do recurso
Suscitam os Recorridos F... e M..., S.A. a questão da inutilidade superveniente do recurso porque, na sua perspectiva, o I. Advogado do assistente se conformou com a decisão de não pronúncia, porque o montante de € 2.562,89 de juros ainda devidos foi entretanto pago pelo que se encontram satisfeitas as pretensões indemnizatórias do assistente.
Sem embargo da eventual censura ética que uma mudança de posição possa acarretar, desconhecendo-se os termos afirmativos ou dubitativos em que a posição foi oralmente assumida, não tendo o assistente renunciado ao decurso do prazo para interpor recurso nos termos permitidos pelo art. 107º nº 1 do Código de Processo Penal, processualmente mantém o direito ao recurso de decisão que lhe é objectivamente desfavorável, por força do disposto no art. 401º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal.
Nos termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência nº 5/2011[1], é inquestionável o direito ao recurso do assistente da decisão de não pronúncia, em processo por crime público ou semi-público.
Fosse o assistente apenas demandante civil, obtido o ressarcimento, equacionar-se-ia certamente a questão da inutilidade superveniente do recurso. Porém, sendo assistente nos autos tem uma posição distinta da do mero demandante e um interesse legítimo na questão jurídico-penal, incluindo o recurso, nos termos dos art.s 68º e 69º nº 2 al. c) do Código de Processo Penal.
Aliás, as legítimas razões da interposição do recurso e o interesse em agir aparecem explanadas de forma clara na motivação:
“Sendo Portugal, nos termos do direito comunitário, subsidiariamente responsável, perante a Comissão Europeia, pelo reembolso das comparticipações indevidamente pagas e não utilizadas ou indevidamente aplicadas, estando inclusive sujeito à aplicação de correções financeiras por parte da União Europeia.
A natureza das verbas envolvidas obriga a que o IFAP, I.P., tenha de cumprir as suas atribuições e competências, agindo sempre de forma vinculada, subordinada pelo interesse público e pelo princípio da legalidade, não podendo ignorar a utilização de faturas falsas pelo beneficiário de um subsídio, para dessa forma lhe ser concedido um subsídio”.
  Pelo exposto, não se verifica a inutilidade superveniente do recurso. 

Configuração jurídica do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção
Analisadas as motivações de recurso e as suas conclusões verifica-se que o Recorrente não questiona a conclusão fáctica sinteticamente expressa na decisão instrutória de que as despesas foram feitas e foram pagas, e porque foram pagas em dinheiro a fornecedores estrangeiros - espanhóis – foram emitidas as facturas indicadas na acusação e, ainda, de que relativamente à arguida R..., tão pouco se apurou que a mesma tivesse conhecimento que o conteúdo referido nas facturas era falso, limitando-se esta, a pedido do arguido, a emitir as facturas com os valores e descrição indicados por aquele.
A divergência do Recorrente situa-se, assim, no plano jurídico: apesar dos arguidos terem efectuado o projecto a que se propuseram, ainda assim, cometeram o crime de fraude na obtenção de subsídio porquanto o justificaram com facturas falsas.
Vejamos.
Dispõe o art. 36º do Decreto-Lei 28/84 de 20.1 (Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção):
1 - Quem obtiver subsídio ou subvenção:
a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção;
b) Omitindo, contra o disposto no regime legal da subvenção ou do subsídio, informações sobre factos importantes para a sua concessão;
c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas;
será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias.
2 - Nos casos particularmente graves, a pena será de prisão de 2 a 8 anos.
3 - Se os factos previstos neste artigo forem praticados em nome e no interesse de uma pessoa colectiva ou sociedade, exclusiva ou predominantemente constituídas para a sua prática, o tribunal, além da pena pecuniária, ordenará a sua dissolução.
4 - A sentença será publicada.
5 - Para os efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente:
a) Obtém para si ou para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos;
b) Pratica o facto com abuso das suas funções ou poderes;
c) Obtém auxílio do titular de um cargo ou emprego público que abusa das suas funções ou poderes.
6 - Quem praticar os factos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 com negligência será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.
7 - O agente será isento de pena se:
a) Espontaneamente impedir a concessão da subvenção ou do subsídio;
b) No caso de não serem concedidos sem o seu concurso, ele se tiver esforçado espontânea e seriamente para impedir a sua concessão.
8 - Consideram-se importantes para a concessão de um subsídio ou subvenção os factos:
a) Declarados importantes pela lei ou entidade que concede o subsídio ou a subvenção;
b) De que dependa legalmente a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem daí resultante.
Divisa-se, desde logo no preâmbulo do referido Decreto-Lei 28/84, que «Entre os novos tipos de crimes incluídos neste diploma destacam-se a fraude na obtenção de subsídios ou subvenções, o desvio ilícito dos mesmos e a fraude na obtenção de créditos, conhecidos de outras legislações, como a da República Federal da Alemanha, os quais, pela gravidade dos seus efeitos e pela necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação dos dinheiros públicos nas actividades produtivas, não poderiam continuar a ser ignorados pela nossa ordem jurídica».
Conforme resulta da justificação aí contida, bem como da própria configuração da tipicidade em apreço, explicita acertadamente Carlos Codeço em "Delitos Económicos"[2], que «O bem jurídico que se tutela tem natureza supra-individual e coincide, por um lado, com a confiança necessária à vida económica e, por outro, com a correcta aplicação dos dinheiros públicos no campo económico. De facto, a boa ordenação da economia exige que as verbas e os créditos concedidos sejam aplicados de harmonia com o destino previamente estabelecido, e não consoante a vontade, a preferência ou a inclinação dos beneficiários», esclarecendo de seguida que «a acção incriminada é a que se traduz na obtenção do subsídio ou subvenção».
Ou por outras palavras, o que se tutela é a opção de uma instituição pública em investir num interesse colectivo concreto dinheiros de um património público, segundo Jorge Rosário Teixeira[3].
Com efeito, o bem jurídico protegido por esta incriminação, como crime contra a economia, é a tutela de bens jurídicos correspondentes a valores, metas, funções ou instituições essenciais à subsistência, funcionamento e desenvolvimento do sistema económico, com correta aplicação de dinheiros públicos nas atividades produtivas.
Diversamente, no crime de desvio de subsídio, a conduta típica consiste em utilizar prestações obtidas para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam, e não propriamente no incumprimento das condições estabelecidas.
Conforme consta da acusação formulada nos autos:
25. Através deste contrato foi concedido à beneficiária e aqui sociedade arguida apoio até ao valor do investimento elegível no total de € 713.000,00, com comparticipação financeira de 50% correspondente ao valor de € 356.500,00, parte do qual (75 % - €267.375,00) através de comparticipação do Fundo Europeu das Pescas e parte (25% - € 89.125,00) através de comparticipação pública nacional,
26. Quantia paga pelo IFAP à sociedade arguida em 2011, a título de reembolsos pedidos pelo arguido em representação e no interesse da sociedade arguida.
Só posteriormente à obtenção do subsídio, de acordo com a acusação é que (art. 28º da acusação) “desde a celebração do contrato celebrado em nome da sociedade arguida”, foi formulada “ a intenção de solicitar à entidade responsável o pedido de reembolsos sem que aos mesmos correspondesse prévia realização de despesas e seu pagamento pela sociedade arguida referentes à execução do projecto financiado ao abrigo do contrato celebrado”.
Esta factualidade suscita a questão de saber se o crime se consumou com a concessão do subsídio ou com a disponibilização/entrega do subsídio. Na 1ª tese, sendo as facturas falsas posteriores à concessão do subsídio estariam em causa meras irregularidades posteriores à concessão do subsídio e, por isso, sem relevância jurídico-penal autónoma (sem prejuízo da autonomização que sempre deveria ser feita do crime de falsificação pelo qual os arguidos, pessoas singulares foram acusados, embora em concurso aparente). Na 2ª, como as facturas falsas são emitidas para disponibilização/pagamento das quantias concedidas pela concessão do subsídio, ainda se verifica o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção.
A decisão recorrida alinha pela primeira das teses a que fazemos referência.   
A questão da delimitação do campo de aplicação do crime em apreço suscitou divergências na jurisprudência a propósito dos subsídios do Fundo Social Europeu, após a nossa adesão à então CEE. A querela foi primeiramente superada com a intervenção de Figueiredo Dias e Costa Andrade[4] no sentido de que para a verificação do crime só relevam "as manobras fraudulentas e os erros que antecedem a concessão dos subsídios e que a predeterminaram causalmente". Deferido o subsídio e adquirido o direito ao seu recebimento, já não podem concretamente valorar-se como fraude na obtenção as irregularidades que venham a ter lugar nos momentos ulteriores da sua efectivação e aplicação[5].
Posteriormente, o acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2006[6], fixou jurisprudência no sentido de que «o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.». Aí se explicam as diferenças em relação ao modelo alemão de que partiram aqueles mestres e se salienta que na lei portuguesa está em causa um crime de dano, pelo que integram a prática desse crime todos os actos fraudulentos tendentes à disponibilização do subsídio ou subvenção mesmo que ocorridos após a aprovação da sua concessão:
«O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, como nos dão conta Figueiredo Dias e Costa Andrade, teve por fonte o direito penal germânico, concretamente o crime de burla de subvenção (Subventionsbetrug), previsto no § 264, do StGB alemão.
Do cotejo do texto acabado de transcrever com o texto do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, desde logo resulta que enquanto o crime de burla de subvenção previsto pelo legislador penal alemão configura um crime de perigo abstracto e de mera actividade, posto que se preenche com a realização de uma certa acção ou omissão, não dependendo a sua consumação de qualquer dano, o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto pelo legislador penal português é desenhado como um crime de dano e de resultado ou material, visto que a sua consumação depende do efectivo recebimento do subsídio ou subvenção.
Com efeito, enquanto o tipo de crime do § 264, do StGB, se mostra preenchido logo que o agente se comporte por qualquer das formas previstas no seu n.º 1, independentemente das consequências ou resultado do comportamento assumido — o texto é unívoco ao dispor que «[é] punido com prisão até 5 anos ou com multa quem [1)] fornecer [...]» —, o do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84 só se mostra preenchido com a disponibilização ou recebimento do subsídio ou subvenção — o texto legal é claro, não deixando margem para qualquer dúvida, consabido que estabelece: «Quem obtiver subsídio ou subvenção [...] será punido [...]».
Aliás, sendo o artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, praticamente decalcado do § 264 do Código Penal alemão, a verdade é que se o legislador nacional tivesse querido manter o facto como de perigo abstracto e de mera actividade, como no ordenamento jurídico-penal alemão se mostra claramente conformado, obviamente que, ao contrário do que fez, teria mantido a redacção inicial do texto do § 264 do StGB, o que significa ter sido sua intenção criar um crime de conformação diferente, ou seja, o legislador português não quis fazer recuar a protecção penal, antecipando a tutela dos bens jurídicos, tal qual fez o legislador alemão, tendo optado por uma maior exigência, fazendo depender a punição da obtenção (disponibilização ou recebimento) do subsídio ou subvenção.
Por outro lado, a própria lei — artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 28/84 — considera subsídio ou subvenção «a prestação feita a empresa ou unidade produtiva [...]».
Prestação feita não pode deixar de ser prestação realizada e esta, quando tem natureza pecuniária, só o está quando é entregue.
Finalmente, há que ter atenção o que preceitua, sob a epígrafe «Restituição de quantias», o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 28/84.
Ali se estabelece:
«Além das penas previstas nos artigos 36.º e 37.º, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas.»
Fazendo a interpretação gramatical e sistemática do preceito, dir-se-á que ao determinar-se que o tribunal condene sempre, para além das penas previstas no artigo 36.º, na restituição das quantias ilicitamente obtidas, está necessariamente a pressupor-se que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção implica a entrega ao agente do subsídio ou subvenção.
Deste modo, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, não se pode deixar de considerar que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção (só) se consuma com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.»
Do exposto resulta claro que nesta tese, sustentada pelo acórdão de fixação de jurisprudência citado, a falsificação de documentos (facturas falsas) entregues ao assistente para assim obter o reembolso de quantias subsidiadas ainda é abrangido pela tutela da norma em apreço. Considera-se, assim, que a norma tutela não só a fraude na concessão formal e prévia do subsídio como também na disponibilização ou entrega material das quantias subsidiadas.
Nesta construção dogmática que se tem por jurisprudencialmente fixada, não se encontrando argumentos para divergir da mesma, não faz sentido considerar que a apresentação das facturas falsas referidas na acusação traduz uma mera irregularidade quando, nos termos do nº 5 al. a) do art. 36º do Decreto-Lei 28/84, a utilização de documentos falsos corresponde a uma circunstância modificativa qualificativa do crime.
Efectivamente, uma coisa são as irregularidades no procedimento que não são determinantes da concessão do subsídio ou do pagamento dos reembolsos, outra, jurídico-penalmente sancionada, a emissão de facturas falsas determinante do pagamento de reembolsos.
É certo que de acordo com a posição expressa na decisão instrutória na parte que não foi questionada pelo Recorrente, as despesas foram feitas.
Porém, já não se considera correcto que daí se possa extrair a consequência de que “para efeitos do crime de fraude na obtenção de subsídio seria necessário, em primeira linha, que a despesa cujo reembolso é pedido, não tivesse sido realizada”. É que o assistente IFAP desembolsou quantias que não devia ter desembolsado e só o fez na convicção de que as facturas correspondiam à realidade, aí residindo o dano ou prejuízo efectivamente sofrido pelo assistente. A circunstância das despesas terem sido efectuadas e dos montantes sacados ao IFAP terem sido reembolsados (parcialmente na versão do assistente, totalmente na versão dos arguidos), correspondendo ao ressarcimento, apenas releva para a atenuação da pena e, eventualmente, se assim for entendido, nos termos dos nºs 7 e 8 do art. 36º do Decreto-Lei 28/84 para a isenção da pena.
Como se procurou demonstrar, existem ou existiram posições jurídicas distintas sobre a questão. A decisão ora proferida parte do pressuposto de que a posição assumida é a que deve ser perfilhada e, assim sendo, este tribunal tem o dever de determinar a pronúncia. Todavia, como também se referiu, existem fundamentos doutrinais e jurisprudenciais no sentido da douta decisão recorrida. Por isso, considera-se pertinente deixar consignado que, não se pode nem se pretende limitar a liberdade do tribunal de julgamento de decidir em consciência, de acordo com a argumentação jurídico que considere mais pertinente. 
*
Concordamos com a jurisprudência que considera que, sob pena de nulidade, “o despacho de pronúncia ou de não pronúncia deve conter, ainda que de forma sintética, os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária”[7]
In casu, a decisão proferida indica, se bem que sumariamente, os factos que considera não provados e determinantes da decisão de não pronúncia pelo que não se coloca a questão da nulidade da decisão proferida. Essa parte da decisão (apreciação dos indícios), aliás, não foi posta em crise.
Coloca-se, então, a questão de saber, em caso de revogação da decisão de não pronúncia, a quem cabe proferir o despacho de pronúncia.
Sendo certo que existe jurisprudência no sentido de que “não compete ao Tribunal da Relação apreciar os factos apurados e substituir-se ao tribunal de 1ª Instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia”[8], a jurisprudência do acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016[9] obriga-nos a reequacionar a questão. Efectivamente, embora proferido sobre a questão da determinação da espécie e medida da pena em recurso quando a relação concluir pela condenação do arguido após decisão absolutória da 1.ª instância, consideram-se que as razões de fundo no sentido de que decorre da compreensão da função do tribunal de recurso como sendo a de "perante o objecto do recurso, quando possa conhecer de mérito, proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que convocou o tribunal ad quem a um juízo de mérito" devem ser ponderadas.
Como aí se salienta, o nosso sistema processual penal é predominantemente de substituição pelo que o conteúdo normal do recurso, que corresponde à sua finalidade, é a substituição da decisão recorrida por outra.
“Daqui decorre a aceitação legal da ideia da plenitude de jurisdição dos tribunais de recurso, no sentido de que podem decidir sobre todo o objecto do processo, não se apresentando, pois, qualquer obstáculo legal à possibilidade de o tribunal de recurso substituir uma decisão absolutória por uma condenatória e, simultaneamente, determinar e aplicar uma pena” ou, no caso vertente, a substituição de uma decisão de não pronúncia por uma decisão de pronúncia, fixando a factualidade e a incriminação objecto do processo. 
Consequentemente, cabe a este tribunal proferir a decisão de pronúncia, eliminando dos factos os constantes da acusação contrários ao que resultou da prova efectuada em instrução – quanto ao facto das despesas terem sido feitas e pagas em dinheiro a fornecedores estrangeiros, espanhóis e relativamente à arguida R..., que não tinha conhecimento que o conteúdo referido nas facturas era falso, limitando-se, a pedido do arguido, a emitir as facturas com os valores e descrição indicados por aquele (factualidade não questionada no recurso interposto) – manter a decisão de não pronúncia da arguida R....
Assim, profere-se:
Decisão de pronúncia dos arguidos F... e M..., S.A. – A..., S.A., o que, nos termos do art. 307º nº 1 do Código de Processo Penal, se faz por remissão parcial para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação, com a eliminação dos factos 28, 29, 30, 44, 87, 94, 95 e 105, eliminação da incriminação de R... e passando os factos 32, 42, 43, 52, 67, 75, 85, 86, 92, 96, 100 e 104 a ter a seguinte redacção:
32. A validação de tais pedidos de pagamento teve como pressuposto que as despesas ali documentadas tivessem sido integralmente pagas por tal empresa em momento anterior, o que, não obstante, não correspondia à realidade por não ter sido efectuado pela sociedade arguida aqueles pagamentos às empresas referidas no âmbito do contrato celebrado.
42. A factura (nº 1-20110001) descrita foi emitida por R..., contabilista da sociedade arguida, conforme solicitação expressa, por parte do arguido F..., para efeitos de instrução de pedido de reembolso do projecto PROMAR,
43. R... elaborou a factura descrita, a pedido do seu cliente e arguido F....
52. As referidas facturas foram emitidas por R..., a pedido do arguido F..., para instrução de pedido de reembolso e efeitos da inspecção do IFAP.
67. A referida factura foi emitida por R..., conforme solicitação do arguido via email em 27.06.201118, visando o arguido a anulação contabilística de tais operações financeiras e, ainda, a iludir a entidade fiscalizadora, no caso o IFAI.
75. Tal factura foi emitida por R... em 18.08.2011 a pedido do arguido para efeitos de inspecção/auditoria do IFAP.
85. As facturas emitidas por R..., a solicitação do arguido F... para efeitos instrução dos pedidos de reembolso, visaram convencer o IFAP a autorizar o pagamento de tais quantias e, de tal forma, conseguir obter para a sociedade arguida tal vantagem patrimonial, o que conseguiram tais arguidos com a efectiva atribuição dos valores pelo IFAP a título de reembolsos e pagamento dos apoios contratualmente estabelecidos.
86. Tendo R... emitido as facturas, conforme indicações concretas fornecidas previamente pelo arguido, para efeitos de justificação de despesas conforme exigência contratual do financiamento atribuído à sociedade arguida.
92. Não obstante saberem não ter a sociedade arguida realizado as despesas descritas nas facturas referidas nem as mesmas corresponderem a qualquer execução do projecto financiado ao abrigo do contrato celebrado com o IFAP, e com o intuito de permitir à sociedade arguida receber apoios aos quais não tinha direito à custa de fundos nacionais e europeus, o arguido F... determinou a elaboração das referidas facturas fictícias incluiu-as nos pedidos de reembolso remetidos, em nome da sociedade arguida, ao IFAP como se de facturas autênticas se tratassem.
96. Ao solicitar a R..., contabilista das suas empresas, a elaboração das facturas nos termos em que o fez, quis o arguido que a mesma emitisse facturas de transacções não efetuadas, e dessa via, forjasse documentação que o mesmo usou para instruir os pedidos de reembolso por si apresentados junto da DRAP do Algarve para a atribuição indevida de fundos pelo IFAP à sua empresa,
100. O arguido F... fez seu e da sociedade arguida o referido montante pago pelo IFAP a título de apoio concedido à sociedade arguida, bem sabendo que tal quantia monetária tinha sido atribuída indevidamente, com base em informação e documentação fraudulenta elaborada por R... a pedido do arguido F... para tal fim.
103. Bem sabendo o arguido que lhe estava vedado ordenar a elaboração de facturas falsas e apresentar tais documentos ao IFAP para instrução dos pedidos de reembolso da sociedade,
104. Consciência que não impediu o arguido de ordenar a elaboração de tais facturas falsas e de as apresentar para instruir os respectivos pedidos de pagamento indevido em nome da sociedade arguida.
Prova: a indicada na acusação e, ainda, a testemunha R....

Em consequência e nestes termos, o recurso deve ser julgado parcialmente procedente.

III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento parcial ao recurso interposto por Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP), e em:
Manter a decisão de não pronúncia quanto à arguida R...;
Revogar a decisão de não pronúncia quanto aos arguidos F... e M..., S.A. – A..., S.A., a qual é substituída pela decisão de pronúncia supra indicada e identificada a bold.                
Sem custas.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019
(texto elaborado, revisto e rubricado pelo relator
e assinado por este e pela Ex.ma Adjunta)

Jorge Raposo
Margarida Ramos de Almeida

[1] Publicado na Iª Série A do Diário da República de 11.3.2011: «Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu á acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público».
[2] Ed. Livraria Almedina, Coimbra, de 1986, a págs.176 e 177.
[3] Em artigo publicado na Revista do Ministério Público, ano 16º, nº.62, págs.107 e segs..
[4] Sobre os Crimes de Fraude na Obtenção de Subsídio ou Subvenção, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 4 - 3 - Julho - Setembro de 1994.
[5] Nesse sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.3.1994 e de 28.10.1998, nos proc. 043402 e 98P282 disponíveis em dgsi.pt. 
[6] Publicado na Iª série A do Diário da República de 4.1.2006.
[7] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.12.2010, no proc. 185/08.8GAFIG.C1, disponível em dgsi.pt. 
[8] Acórdão referido na nota anterior e jurisprudência aí citada.
[9] Publicado na Iª Série do Diário da República de 22.2.2016.