Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
45-B/1995.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CITAÇÃO PRÉVIA
ANULAÇÃO DA FASE DA PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A aplicação do disposto no artigo 812.º-F, n.º 1, do CPC, no que respeita à dispensa legal de citação do executado prévia à penhora, cede perante o preceituado no n.º 2, alínea b) do mesmo artigo com referência ao disposto no artigo 805.º, n.º 4, do mesmo Código, impondo-se sempre, nestes casos, aquela citação prévia.
2. É de todo inviável a realização da penhora sem que a obrigação seja previamente liquidada, pela simples razão de que os bens devem ser penhorados em função do valor dessa obrigação, como se alcança do disposto no art.º 821.º, n.º 3, do CPC.
3. Nos casos em que, tendo-se realizado a penhora sem citação prévia do executado, quando devida, o mesmo foi citado posteriormente e deduziu oposição à execução sem arguir logo a falta ou irregularidade da citação, aproveitar-se-á o processado desse procedimento de oposição, não se mantendo, no entanto, as penhoras prematuramente efectuadas.
4. Por consequência, a anulação do processado só deve ser decretada em relação à fase da penhora que se mostra prematura, antes de se decidir sobre o preliminar de liquidação.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. LR veio deduzir oposição à execução instaurada por MR alegando, no essencial, que:
- A condenação judicial na obrigação exequenda carece de liquidação, a qual deveria ter sido realizada no processo declarativo, pelo que a sentença exequenda não constitui título executivo;
- Em todo o caso, as quantias indicadas pela exequente no requerimento executivo carecem sempre de apuramento através da liquidação de sentença, com tramitação própria, pelo que se impugna todos os valores ali descritos;
- Relativamente às actualizações dos montantes também ali descritos, nada consta do título executivo, pelo que não é susceptível operar qualquer actualização;
- E quanto aos juros, do título apenas consta que são devidos desde a data da separação, em 1992, pelo que, nessa parte, não existe igualmente título, nem se demonstra como se atingiu o valor peticionado.
Concluiu o opoente pela inexistência de título executivo, pedindo que fosse julgada extinta a execução.
2. Regularmente notificada, veio a exequente afirmar, em síntese, que a liquidação deve ser realizada nos termos do art.º 806.º do CPC, na redacção anterior a 2003, por ser este o regime aplicável, concluindo que a execução foi bem instaurada.
3. Findo os articulados, foi proferida decisão, a julgar a oposição procedente, declarando-se a nulidade de todo o processado subsequente ao requerimento executivo inicial, por falta da citação a que alude o art.º 806.º, nº 2, na redacção anterior a Setembro de 2003, ordenando-se, designadamente, que seja realizada a citação nos termos prescritos e canceladas as penhoras realizadas.
4. Inconformada com tal decisão, a exequente apelou dela, formulando as seguintes conclusões:
1.ª De acordo com o disposto no art. 21.° do referido Dec-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, na redacção que lhe foi introduzida pelo art. 3° do Dec.-Lei n.° 199/2003, de 10 de Setembro, o n.° 5 do art. 47.° do CPC (ou seja a prévia liquidação no processo declarativo) é apenas aplicável aos processos declarativos pendentes em 15 de Setembro de 2003 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em l a instância – conforme esclarece o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-01-2006 proferido no processo com o n.° convencional JTRP00038702.
2.ª - Não é aplicável ao caso o n.° 2 do art. 378° CPC, introduzido em 2003, sendo certo que, antes desta data, não existia qualquer outro incidente semelhante no âmbito do processo declarativo, aplicável após condenação genérica, sendo então a liquidação efectuada no âmbito do processo executivo, e nos termos do art. 806° CPC, na redacção anterior ao citado DL 38/2003).
3.ª - Trata-se de execução proposta em 23 de Novembro de 2010, a mesma segue os termos do CPC plasmados no processo de execução, com alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, na redacção que lhe foi introduzida pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 199/2003, de 10 de Setembro, excepto no que diz respeito ao incidente de liquidação, a que se aplica o regime anterior, liquidando-se nos próprios autos da execução.
4.ª - Nos termos do disposto no artigo 812.°-C e 812.°-F a penhora é imediata quando a execução se baseia em decisão judicial.
5.ª - Face ao exposto, entende a recorrente que andou bem o agente de execução ao efectuar a penhora antes da citação;
6.ª - Sem prescindir, em sede de oposição à execução, veio a executada alegar que inexiste título executivo, que a condenação do Tribunal carece de liquidação, a qual deveria ter sido realizada no processo declarativa, impugna todos os valores constantes da liquidação efectuada no requerimento executivo, alegando que os mesmos não são susceptíveis de qualquer actualização, e que os juros se afiguram uma exorbitância.
7.ª - Nos termos do disposto no artigo 196.° CPC, se o executado intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
8.ª - Ora, é evidente que a executada teve intervenção no processo, deduziu oposição à execução na qual contestou a liquidação, sem, no entanto, arguir a falta da citação por se considerar sanada a nulidade.
9.ª - Também por este motivo, deverá ser procedente a apelação.
10.ª - Refere a decisão proferida que "Compulsados os autos constata-se que o Solicitador omitiu totalmente a realização da indicada citação (realizando apenas a notificação subsequente – posterior à penhora de bens – se bem que apelidando-a de citação....), seguindo, as indicações da exequente.
11.ª - Esta omissão configura uma nulidade, a qual afecta decisivamente todo o processado subsequente ao requerimento executivo inicial, sendo certo que o executado se insurgiu contra o mesmo, ainda que de forma imprecisa, ao alegar que o incidente de liquidação (no qual se incluía a citação) estava em falta" - sic.
12.ª - Sucede em momento algum da sua oposição à execução o executado alega a nulidade decorrente da falta de citação.
13.ª - A afirmação de que o "o executado se insurgiu contra o mesmo, ainda que de forma imprecisa, ao alegar que o incidente de liquidação (no qual se incluía a citação) estava em falta" constitui manifesto excesso de pronúncia.
14.ª Também por este motivo, deverá a sentença ser declarada nula nos termos do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 668° CPC.
Pede a apelante que se dê provimento ao recurso e se ordene o prosseguimento dos autos, mantendo-se as penhoras realizadas.
5. Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objecto do recurso

III – Fundamentação

1. Factualidade dada como assente pela 1.ª Instância

Vem dada como assente pela 1.ª Instância a seguinte factualidade:
1.1. Com data de 8 de Março de 2000 foi proferida sentença, nos autos principais, na qual se decidiu «condenar o réu LR a pagar à autora MR a quantia que se liquidar em execução de sentença, como contraprestação das quantias por esta entregues àquele, bem como pelo trabalho realizado no âmbito da actividade empresarial do réu, durante a vigência do casamento, acrescida de juros contados a partir da data da separação» (cfr. fls. 749).
1.2. Em sede de recurso foi decidido pelo Tribunal da Relação, em acórdão datado de 29 de Março de 2001, conceder provimento à apelação, revogando-se a sentença recorrida com improcedência da acção e consequente absolvição do réu do pedido (fls. 803).
1.3. Em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão datado de 17 de Janeiro de 2002, pacificamente transitado, foi decidido conceder parcialmente a revista, «para que fique a vigorar a decisão da primeira instância, apenas na parte que respeita à quantias entregues pela autora para construção da casa de morada de família» (fls. 838).
1.4. MR instaurou execução em Novembro de 2010.

2. Contexto processual relevante

Importa considerar ainda assente que:
- Foi efectuada a penhora dos bens do executado descritos no auto de fls. 46-49 do processo de execução, datado de 21/12/2010, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
- O executado foi citado para deduzir oposição à execução e à penhora em 10/01/2011, conforme certidão de fls. 41-42.

3. Do mérito do recurso

Uma das questões fundamentais que se suscitava no procedimento de oposição consistia em saber se a liquidação da obrigação exequenda deveria ser feita como preliminar da execução ou em sede de incidente ulterior na própria acção declarativa, sustentando o executado-opoente, que a falta de tal liquidação no próprio processo declarativo implicava a inexistência de título executivo, nos termos do artigo 47.º, n.º 5, do CPC.
O tribunal “a quo” considerou que, face ao artigo 21.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, com os aditamentos introduzidos pelo Dec.-Lei n.º 199/2003, de 10-9:
“O novo regime da acção executiva vigora apenas para as execuções instauradas depois de 15 de Setembro de 2003;
As normas relacionadas com a liquidação de sentença de condenação genérica só se aplicam nos ou relativamente aos processos declarativos em que, até 15 de Setembro de 2003, não tivesse sido proferida sentença em 1.ª instância.”
E esclarece que: “relativamente aos processos em que, em 15 de Setembro de 2003, já houvesse sentença de condenação genérica proferida em 1.ª instância, ainda que não transitada em julgado, o novo regime da liquidação não seria aplicável, continuando a reger-se tais processos pelo direito anterior”. Daí que, “apesar da entrada em vigor da revisão da acção executiva, a liquidação da sentença de condenação genérica que esteja naquelas condições deve fazer-se no âmbito da acção executiva, de acordo com a anterior redacção do art.º 806.º do CPC.
Observa ainda que, como a acção executiva foi instaurada em 2010 estaria submetida ao regime de 2003, excepto quanto à sentença constituir título executivo e a sua liquidação dever ocorrer na própria acção executiva, o que significaria que, no caso concreto, a liquidação deverá ser realizada nos termos do anterior art.º 806.º do CPC, assistindo, nessa parte, razão à exequente.
Não obstante isso, considerou o tribunal que não deixa de assistir razão ao executado, já que o primeiro acto a praticar após a introdução do feito em juízo seria a citação daquele executado, a qual foi omitida, e não a imediata penhora dos bens. Nessa linha, considerou o tribunal que se trata de nulidade que afecta todo o processado a partir da apresentação do requerimento executivo, sublinhando que o próprio executado insurgiu-se contra o mesmo, ainda que de forma imprecisa, ao alegar que o incidente, no qual se incluía a citação, estava em falta.

Ora, não vem posto em causa, no âmbito do presente recurso, que a liquidação da obrigação exequenda se deve deduzir na própria acção executiva, tal como foi decido pela 1.ª Instância.
O que a apelante agora questiona é que deva efectuar-se, neste caso, a citação prévia à penhora, uma vez que estamos perante um título executivo na espécie de decisão judicial, invocando para tal o preceituado no artigo 812.º-C e 812.º-F do CPC, na sua redacção actual.
Mas sem razão neste ponto.
Com efeito, a aplicação do disposto no artigo 812.º-F, n.º 1, do CPC, no que respeita à dispensa legal de citação do executado prévia à penhora, cede perante o preceituado no n.º 2, alínea b) do mesmo artigo com referência ao disposto no artigo 805.º, n.º 4, do mesmo Código, impondo-se sempre nesses casos aquela citação prévia.
Desde resto, mostrar-se-ia de todo inviável a realização da penhora sem que a obrigação fosse previamente liquidada, pela simples razão de que os bens devem ser penhorados em função do valor dessa obrigação, como se alcança do disposto no artigo 821.º, n.º 3, do CPC.

Mas a apelante insurge-se também quanto ao segmento da decisão que decretou a nulidade de todo o processado, desde o requerimento inicial, por considerar que a falta de citação ficara sanada, nos termos do artigo 196.º do CPC, uma vez que o executado interviera no processo, contestando a liquidação, sem a arguir logo a falta de citação.
Vejamos.
No caso dos autos, constata-se que o executado foi citado, após a realização da penhora, para deduzir oposição à execução e à referida penhora, tendo o mesmo executado deduzido oposição nos termos acima relatados, sem arguir logo a falta ou a nulidade dessa citação, alegando, além do mais, que:
- a exequente se limitou, sob o ponto 3 do requerimento executivo, a indicar quantias a cuja discriminação não procede, o que inviabilizaria qualquer tomada de posição do executado sobre as mesmas;
- em todo o caso, tais quantias, porque não constam do título executivo, carecem de apuramento através da liquidação de sentença, pelo que impugna todos os valores ali descritos.

Ora, nestas circunstâncias, não se pode considerar que a posição do executado/opoente se traduza na arguição da sua falta de citação, tendo-se, por isso, a mesma como sanada, nos termos do artigo 196.º do CPC.
No entanto, embora se considere o executado citado e se aproveite o processado deste procedimento de oposição à execução, nomeadamente em sede de contestação da liquidação, tal não significa que se devam manter as penhoras intempestivamente efectuadas.
Por consequência, a nulidade do processado só deve ser decretada em relação à fase da penhora que se mostra, nessa medida, prematura, antes de ser decidir sobre o preliminar de liquidação.
Em suma, há que considerar válida a instância executiva antes da fase da penhora, bem como o presente procedimento de oposição, sem necessidade de citar novamente o executado, confinando-se os efeitos da nulidade em causa apenas às penhoras efectuadas intempestivamente.
Nesta conformidade, deverão prosseguir os termos deste prosseguimento subsequentes à fase dos respectivos articulados.

IV - Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo-se alterar a decisão recorrida, no sentido de ordenar o prosseguimento dos termos deste procedimento de oposição subsequentes aos respectivos articulados, confirmando-se apenas a anulação e consequente levantamento das penhoras prematuramente efectuadas, bem como do demais processado delas dependentes, ressalvada a citação do executado.
As custas do procedimento de oposição serão fixadas a final na proporção do decaimento da cada uma das partes.
As custas da apelação ficam a cargo das partes na proporção de 1/3 para a apelante e 2/3 para o apelado.

Lisboa, 16 de Outubro de 2012

Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho