Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
192119/11.8YIPRT.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CONTRATO DE CONTA CORRENTE
HOMEBANKING
BANCO
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DA CLÁUSULA
ABERTURA DE CONTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O contrato de conta bancária - enquanto contrato nuclear instituinte do tronco comum sobre o qual repousarão todas as relações jurídicas entre banco e cliente, inclusive contratuais, possui um conteúdo negocial complexo do qual fazem parte, necessária ou usualmente, outras convenções acessórias embora autónomas: tal o caso do contrato de conta-corrente bancária e do contrato de depósito.
II - Por via do contrato de depósito bancário a instituição de crédito passa a ser titular da propriedade e risco das disponibilidades monetárias depositadas, e, por outro lado, fica obrigada à restituição de igual quantia nos termos acordados, usualmente acrescida dos juros.
III – O contrato de serviço de “homebanking” insere-se numa relação negocial complexa iniciada através de um contrato de abertura de conta, e da constituição de depósitos de quantias em conta.
IV – As cláusulas do contrato de “homebanking” que presumem expressamente a culpa ou consentimento do aderente na realização, por terceiro, de operação de home banking mediante a inserção dos elementos de segurança pessoais e intransmissíveis do subscritor do serviço, implicam a modificação dos critérios legais de repartição do ónus da prova aplicáveis ao contrato de depósito bancário.
V – Como tal essas cláusulas, quando estabelecidas em contratos celebrados com o consumidor final são proibidas, e sancionadas com a nulidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (Cível) deste Tribunal da Relação

I – “A”, requereu na Secretaria do Banco Nacional de Injunções, em formulário do Ministério da Justiça, procedimento de injunção contra a “B “, nos termos do Decreto-Lei 269/98, de 01 de Setembro, para haver desta o pagamento de € 5.694,33, sendo € 5.000,00 de capital, e € 592,33, de juros de mora vencidos, à taxa de 4%, entre 20/07/2008 e 05/07/2011, e € 102,00, de taxa de justiça paga.
Alegando para o efeito terem sido feitas transferências da sua conta sediada na agência do ... da Requerida, para contas tituladas por terceiros, à sua revelia, o que só poderá ter acontecido através da clonização do seu cartão matriz existente nos serviços da “B “.
Devendo a Requerida, a entender-se não ter agido com culpa, ainda que presuntiva, suportar o risco respetivo.

Notificada, deduziu a Requerida oposição.
Sustentando ter sido o Requerente quem incumpriu com as obrigações de zelo cautela e vigilância que assumiu quando subscreveu o serviço “B” directa on-line.
Pois as transferências foram necessariamente efectuadas pelo A. ou consentidas ou facilitadas por ele.

Efectuada que foi a distribuição, veio ainda o Requerente, desta feita A., apresentar resposta, que foi mandada desentranhar por despacho de folhas 103-106.
Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgando a acção “totalmente procedente (…) por provada”, condenou a Ré “a pagar ao Autor (…) a quantia global de € 5.694,33 (…) acrescida dos juros mora calculados à taxa anual de 4 %, desde 6 de Julho de 2011 até efectivo e integral pagamento (sobre o capital de € 5 000,00).”.

Inconformada, recorreu a R., formulando, nas suas alegações, as conclusões seguintes:
“1) Ao considerar que incorria sobre a apelante o ónus de demonstrar que as transferências bancárias efectuadas o foram por negligência do apelado a douta sentença recorrida ignorou o que as cláusulas 9 e 10 das condições gerais de utilização do contrato “B” Directa prevêem, cláusulas estas que se encontram dadas por provadas no n° 11 da fundamentação de facto, matéria esta que, cotejada com a provada nos n°s 18 e 19 da mesma douta fundamentação, apenas pode levar a concluir que se verificou uma utilização do sistema por terceiro o qual introduziu de forma correcta no sistema todas as coordenadas de segurança só assim logrando obter o processamento das transferências;
2) Nestas circunstâncias a matéria considerada provada no n° 11 da fundamentação de facto impunha ao Tribunal a quo extracção de conclusão inversa à que tirou: Incumbia ao apelado demonstrar que não havia sido por negligência ou descuido deste que as transferências se processaram nos termos constantes dos n°s 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização do serviço “B” Directa;
3) Estabelecida que estava convencionalmente esta presunção em convenção de prova e nada tendo sido demonstrado pelo aqui apelado no sentido de que as transferências bancárias se realizaram sem consentimento ou facilitação culposa sua restava ao Tribunal a quo concluir que as mesmas são imputáveis ao apelado;
4) A questão da desproporção do risco não pode servir para legitimar juridicamente condutas violadoras do contrato estabelecido, sendo certo que, tal como acima se referiu, se presume à luz das cláusulas 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização que as transferências bancárias se realizaram com facilitação culposa do aqui apelado não tendo este logrado ilidir esta presunção;.
5) Aliás não se aceita à partida que exista um desequilíbrio na distribuição do risco inerente a esta contratualização; com efeito é impossível ao Banco - a menos que exista confissão expressa nesse sentido por parte do utente - demonstrar que este divulgou a terceiros os seus elementos de segurança pessoais e intransmissíveis pelo que é justo, razoável e equitativo que seja este - que é quem os tem em seu poder, pondo e dispondo dos mesmos - a ter de demonstrar que os não divulgou a terceiros, mesmo que tal divulgação tenha sido involuntária;
6) Aliás, o raciocínio empregue na douta sentença poderia por exemplo ser utilizado para accionar judicialmente os fabricantes de automóveis por lançarem no mercado global viaturas que à saída da fábrica permitem que o seu utilizador final conduza a velocidades superiores àquelas que são o máximo permitido por lei (entre nós 120 Km/hora), o que não se verifica;
7) A pedra de toque a este respeito não poderá assim deixar de ser a existência de culpa ou a negligência por parte do utente, não podendo aceitar-se que o mesmo possa ser beneficiado mesmo após ter praticado uma conduta negligente, a qual poderá ser presumida nos termos contratados entre as partes cabendo ao utente a ilisão da presunção;
8) Também não impressiona o argumento de que o valor em causa será para a instituição bancária uma insignificância conforme vem defendido na douta sentença; o problema para a instituição bancária não é analisável à luz de um só cliente, e uma só (possível) indemnização mas, ao invés, numa miríade de potenciais casos e a esse nível não estamos já a falar de valores insignificantes mas sim de valores significativos;
9) É razoável afirmar-se que o banco tem de garantir a fiabilidade do Serviço “B” Directa on line : É ónus seu; todavia o banco fez a este respeito a prova que lhe competia conforme resulta do n° 20 da douta fundamentação de facto; Neste particular crê-se que não pode ser exigido ao Banco mais do que o cumprimento da obrigação de manter devidamente informados e avisados os seus clientes quanto aos cuidados que devem ter no manuseamento dos seus computadores pessoais quando utilizam o serviço, o que resultou provado (n°s 14 a 16 da fundamentação de facto) não sendo de resto necessário para que o utente normal se consiga salvaguardar mais do que o respeito por regras básicas de segurança que a apelante divulga e que não importam especiais qualificações de conhecimento a nível informático estando perfeitamente ao alcance do cidadão médio;
10) O Tribunal a quo declarou a nulidade das cláusulas 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização do “B” Directa com fundamento na violação da norma do art. 21 alínea f) do DL 446/85 de 25/10; todavia inexistem razões para declarar a nulidade destas duas cláusulas;
11) Afirma-se na douta sentença sob sindicância que o risco do "perecimento' do dinheiro corre por conta da apelante consequência esta que decorreria, em seu entender, da aplicação do regime jurídico do contrato de mútuo ao contrato de abertura de conta (depósito bancário) e da consequente aplicação do regime previsto nos arts. 1144° e 796° n° 1 do C.C.; todavia, esta interpretação não tem encontrado acolhimento nem na doutrina nem na jurisprudência de ponta;
12) Não acolhimento este que se deve sobretudo ao argumento de que não faz qualquer sentido aludir ao risco da perda de algo que deixou de ter individualidade própria (coisa especifica) para se (con)fundir na massa patrimonial do accipiens, fazendo nascer uma obrigação de restituir tão só in genere e, assim, impossibilitando de raiz a própria questão do risco pois como é sabido: Genus nunquam perit;
13) Mesmo que se admita que o contrato de abertura de conta se reduz a um contrato de depósito irregular - o que está longe de ser líquido - sempre se terá de concluir que existem especificidades no depósito bancário que não são possíveis de enquadramento no regime jurídico que este prevê, nomeadamente para o risco do perecimento ou deterioração da coisa (art. 796° ex vi art. 796° do C.C.) atendendo a que o regime jurídico aqui previsto se destina fundamentalmente ao depósito de coisas infungíveis sendo inequívoco que é relativamente a este tipo de coisas que a lógica da solução jurídica vertida nos artigos 1144 e 796 n° 1 do C.C. se destina;
14) Por outro lado não se pode aceitar por boa a douta conclusão do Tribunal a quo de que o contrato de utilização do serviço “B” Directa perde a sua autonomia e sendo assim retirado do contexto decisório quanto à repartição do risco, submetendo-o integralmente ao chamado "depósito irregular"; Estando o depósito bancário necessariamente subjacente ao contrato “B” directa, e apesar da vinculação funcional existente entre os contratos de utilização desse serviço e de depósito bancário, são de distinguir dois tipos contratuais distintos, embora coligados, com influência recíproca e é à luz deste contrato de utilização que as posições do banco e do cliente deverão ser prioritariamente aferidas, no quadro das normas que disciplinam a actividade bancária, bem como as matérias da responsabilidade civil e da prova.
15) Assim, a questão da validade de uma cláusula respeitante à repartição de responsabilidade entre o titular do cartão e o banco emissor, pela utilização fraudulenta do cartão de débito por um terceiro, não pode ser respondida com fundamento no brocardo "res suo domino perit" ou no disposto no artigo 796°, n° 1, do CC, por um lado porque tal pressupõe a qualificação do depósito bancário como depósito irregular, o que constitui questão muito discutida e, por outro lado, porque tal construção ignora em absoluto a realidade jurídica decorrente da conclusão do contrato de utilização;
16) A apelante não aceita a qualificação do depósito bancário como depósito irregular considerando na esteira de Simões Patrício o depósito bancário como um contrato autónomo, atípico, distinto do depósito irregular - expressando que mais do que uma questão de transferência de domínio de uma coisa e do inerente risco estará evidenciado um direito de crédito do depositante sobre o banco à restituição no mesmo género e quantidade, pelo que se estará mais perto de um contrato de mandato - e como tal não serve do argumento proporcionado pelo regime legal vazado nos normativos citados do Código Civil, tendo antes de se recorrer aos critérios gerais da boa fé para, como determina o artigo 15° do DL n° 446/85, avaliar da sua conformidade legal;
17) A construção jurídica defendida na douta sentença recorrida ignora em absoluto a realidade jurídica decorrente da conclusão do contrato de utilização (do serviço “B” Directa on line), autónomo em relação ao contrato de depósito bancário - embora com ele funcionalmente articulado; ora, no contrato de utilização do serviço “B” Directa, o seu titular tem a disponibilidade directa e imediata sobre o saldo da sua conta, podendo proceder a levantamentos sem qualquer intervenção física do depositário bastando que para tal insira os seus elementos e códigos de acesso pessoais e intransmissíveis no sistema: Sendo estes introduzidos correctamente o sistema não tem hipótese de "travar" a ordem de transferência dada, que assume provir do legítimo titular da conta;
18) Articulando o contrato de utilização do Serviço “B” Directa com o contrato de depósito bancário não se pode concluir linearmente que exista apenas o contrato de depósito bancário, mas sim uma coexistência de dois contratos, nem se pode concluir tão pouco que seja aplicável a estes contratos o regime dos artigos 1144 e 796 n° 1 do C.C.; consequentemente não está correcta a premissa de que estejamos sequer perante uma transferência de risco, assim e como tal potencialmente enquadrável na previsão da norma do art. 21 alínea f) do DL 446/85 de 25/10;
19) Com efeito mesmo à luz da aceitação da aplicação in casu da norma do art. 796° n° 1 para que o risco se transfira não poderá existir causa imputável ao alienante (aqui apelado), sendo legítima a convenção de prova que estipule que incorre sobre o alienante o ónus de demonstrar que agiu sem culpa; assim, na perspectiva da apelante a questão do risco terá todavia de ser analisada à luz quer do princípio do equilíbrio contratual quer do princípio da boa fé;
20) Haverá que analisar os concretos contornos e especificidades destes contratos acoplados para se poder concluir algo a respeito do risco negociai envolvido resultando da teia de obrigações e deveres resultantes destes contratos que avulta a obrigação da utilização correcta do serviço por parte do utente, utilização esta que fica dependente em boa parte deste porquanto assenta no princípio básico da não divulgação - seja a quem for e seja em que circunstâncias for - dos seus elementos de segurança e códigos de acesso, pessoais e intransmissíveis;
21) E isto porquanto uma vez introduzidos correctamente no sistema tais códigos e elementos de acesso o banco não pode deixar de pagar porquanto assume que a ordem provém do legítimo titular da conta visto que só este tem acesso a tais elementos e códigos;
22) Ao contrário do que parece transparecer da douta sentença recorrida é sobre o banco que incide à partida na génese do contrato de utilização do “B” Directa o desequilíbrio contratual atendendo a que lhe é impossível prever (e consequentemente actuar em conformidade evitando que a transferência bancária se processe) que em determinada situação concreta não obstante os elementos e códigos de acesso secretos e intransmissíveis não é efectivamente o titular da conta que está a debitá-la;
23) E daí a lógica de o banco pretender repor o equilíbrio contratual no que concerne ao risco envolvido fazendo incorrer sobre o utente do serviço “B” Directa o ónus de ter de ser ele a demonstrar que nestes casos (casos de introdução correcta dos elementos e códigos de acesso) a sua conta foi debitada sem que ele, voluntaria ou involuntariamente, tivesse divulgado estes elementos e códigos; Todavia, caso o utente do serviço detecte que a sua conta está a ser debitada sem a sua intervenção, avisar o banco e este não actuar aí dúvidas não há de que passa a ser do banco a responsabilidade do risco do negócio; o banco só pode impedir a movimentação da conta após a comunicação que lhe deve ser feita pelo titular da conta assim que este detecte a movimentação anómala da mesma;
24) Ou seja: não se pode atentar apenas, como faz a douta sentença recorrida, no depósito bancário, de mais a mais perspectivado em termos que estão longe de ser pacíficos, esquecendo o contrato acessório de utilização do Sistema “B” Directa on line ; a consideração do contrato de utilização como um contrato autónomo, embora em regime de coligação com o depósito bancário, apoia o afastamento da invocação, em primeira linha, das regras do depósito irregular a propósito de uma utilização indevida do cartão, amparando, em contrapartida o reconhecimento de que o regime das cláusulas 9 e 10 é conforme aos princípios da boa fé e do equilíbrio contratual;
Termos em que deverá ser revogada a douta sentença recorrida absolvendo-se a apelante da condenação proferida.”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- natureza jurídica do contrato de depósito bancário;
- relação entre aquele contrato e o contrato de utilização do serviço “B” Directa;
- validade das cláusulas 9ª e 10ª das Condições Gerais de utilização do serviço “B” Directa;
- da culpa quanto ao “perecimento” do dinheiro depositado na conta do A.
- na ausência daquela, quem suporta o “risco” de tal “perecimento”.
*
Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte:
“1. O Autor é titular, desde 9 de Fevereiro de 1999, da conta número ... da Ré, sediada na agência do … sita na Avenida ..., n.º …, em Lisboa;
2. Na referida conta bancária, o Autor efectua os movimentos correspondentes à sua vida de gestor e chefe de família, com movimentos de depósito e desconto de cheques e eventuais levantamentos, todos de pequenos montantes;
3. No dia 20 de Julho de 2008, em que o Autor se encontrava no gozo de férias, este foi alertado para o facto de que havia sido realizado, no dia anterior, um movimento de transferência da sua conta acima identificada, no valor de € 5 000,00, com a finalidade de “Entrada Lancha”, para a conta número ... da instituição Ré, de que é titular “C”;
4. No dia 21 de Julho de 2008, o Autor foi alertado de uma nova transferência no valor de € 5 000,00 da sua conta acima identificada para a conta número ..., de que é titular “D”, com a finalidade de “Parcela Veículo”;
5. Constatando a situação, o Autor contactou a agência no ... e expôs ao gerente o facto de estar a ser vítima de subtracção de valores da conta à guarda da instituição Ré;
6. Por efeito desta actuação, o gerente conseguiu evitar o levantamento da segunda transferência, com destino para a mencionada conta número ..., de que é titular “D”;
7. Na sequência da reclamação apresentada pelo Autor, a Ré procedeu ao bloqueio da dita conta beneficiária da ocorrida transferência, tendo a conta bancária do Autor sido creditada pelo mesmo valor (€ 5 000,00);
8. O Autor apresentou queixa-crime, a que foi atribuído o NUIPC .../08.4PHOER da 8.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, por burla informática, não tendo sido deduzida acusação no processo por falta de provas;
9. O Autor comunicou à Ré, verbalmente e por escrito, que não ordenara qualquer das aludidas transferências;
10. O Autor subscreveu o serviço da Ré denominado de “B”directa on-line (em 12 de Junho de 2006), tendo sido inseridos no sistema os códigos e elementos de segurança pertencentes ao Autor aderente, cifrados;
11. Nos termos do estipulado em 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização do Serviço “B”directa, subscritas pelo Autor (cuja cópia se encontra a fls. 22 dos autos), presume-se que as operações realizadas com a inserção dos elementos de segurança pessoais e intransmissíveis do subscritor do serviço são da autoria do subscritor do serviço; caso se demonstre que as operações (transferências) realizadas foram efectuadas por terceiros, presume-se que tal foi consentido ou culposamente facilitado pelo subscritor aderente;
12. Aquando da subscrição do serviço “B”directa on-line foi fornecido ao Autor, na activação deste serviço, um número de contrato, um código de acesso e um cartão matriz com um conjunto único de 64 combinações de números de três algarismos cada, que funciona como um elemento de segurança adicional para as operações realizadas no serviço “B”directa on-line;
13. Qualquer um destes três dados deve ser pessoal, secreto e intransmissível;
14. O Autor sabia dever respeitar as recomendações de segurança e os alertas de segurança que a Ré divulgava e divulga no seu sítio www.”B “.pt e que estão disponíveis ao utilizador imediatamente antes do acesso ao serviço e sempre em cada utilização deste;
15. Nas sobreditas recomendações de segurança, acessíveis aos utilizadores do serviço “B”directa on-line, sob o título de “Mantenha a confidencialidade dos seus dados pessoais”, consta expressamente: “(…) Mantenha sempre os seus códigos de acesso ao “B”directa on-line reservados. Não os divulgue, nem mesmo se solicitado por pessoas que se identifiquem como colaboradores da “B “, não os escreva de forma a poderem ser consultados por terceiros, nem os envie por correio electrónico (nem mesmo para si próprio)”;
16. Nas mesmas recomendações de segurança, sob o título “Proteja e preserve o seu cartão matriz”, a Ré avisa os utentes que devem “preservar a confidencialidade dos números contidos no cartão”; e, ainda, que “deve ter sempre presente que a “B” nunca solicita dados de segurança (códigos de acesso e cartão matriz) ou outro tipo de informação confidencial através de mensagens de email, telefone, ou outro tipo de contacto. Nunca se deve responder a este tipo de solicitação porque se trata de fraude. Para ter a certeza que está a aceder ao site “B”directa on-line, deve sempre aceder através do endereço https://”B”directa.”B “.pt e nunca através de links contidos em mensagens de email, mesmo que estas tenham alegadamente origem na “B””;
17. Para que o utente do serviço “B”directa on-line possa efectuar operações na(s) sua(s) conta(s), após fazer o login (mediante a introdução do número de contrato e do código de acesso), é-lhe solicitada aleatoriamente pelo sistema uma das 64 possíveis combinações de três números que compõem o cartão matriz de modo a validar a operação que pretende realizar, e realizá-la;
18. Quem acedeu à conta bancária do Autor pôde fazê-lo porque conhecia, quer o número do contrato, quer o número do código de acesso, quer todas, ou parte, das 64 combinações de três algarismos que compõem o cartão matriz;
19. As movimentações da conta do Autor foram executadas porque introduzidos os códigos que permitiam o acesso àquela conta bancária;
20. O sistema informático da Ré e, em concreto, o serviço “B”directa on-line, encontra-se protegido, sendo considerado pelos especialistas como um sistema seguro, não obstante alguns clientes terem sido já alvo de acção organizada de grande dimensão.”.

Mais se tendo julgado não comprovado “qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa, designadamente a factualidade seguinte:
I. Os movimentos descritos no ponto 2. (dos factos provados) nunca ascenderam à média de € 450,00, desde a abertura da identificada conta;
II. O gerente da referida agência bancária conhece o Autor e os movimentos que faz na conta, sabendo que este não faria, atenta a sua idade e posição, a compra de automóvel e de embarcação, por transferência de quantias tão elevadas;
III. O Autor nunca deu instruções, em toda a sua vida, para a realização de transferências, só sendo possível através de alguém pertencente aos serviços da Ré ou a empresa de assessores que tivesse acesso a elementos identificadores do cartão matriz e suas passwords, junto das entidades emitentes, a mando da Ré;
IV. O Autor mantinha o seu cartão matriz a bom recato, guardado numa gaveta fechada à chave da secretária onde despacha o seu expediente;
V. O Autor revelou na Internet todas as possíveis combinações de três algarismos que lhe podiam ser solicitadas pelo sistema da Ré para validar as operações bancárias que pretendesse realizar;
VI. Dentro da instituição Ré é impossível conhecer os códigos de autenticação dos clientes aderentes a este serviço, nomeadamente os do Autor (por estarem cifrados);
VII. De entre todas as instituições bancárias a operarem em território nacional, a Ré é a que maior segurança oferece ao nível da prestação de serviços na área da Internet e dos produtos fornecidos por este meio de comunicação.”.
Vejamos:
II – 1 – Da natureza jurídica do “contrato de abertura de conta”.
Como logo se alcança das alegações da Recorrente, e designadamente do teor da conclusão 13ª, aquela assimila o contrato de abertura de conta a um contrato de depósito.
Apenas ressalvando que, para lá do “ilíquido” do entendimento daquele como depósito irregular, “sempre se terá de concluir que existem especificidades no depósito bancário que não são possíveis de enquadramento no regime jurídico que este prevê, nomeadamente para o risco do perecimento ou deterioração da coisa”.

Com o que nem se afasta de autores como Antunes Varela, que utilizou a expressão “depósito bancário” na acepção de conta bancária,[1] e do próprio legislador, no Decreto-Lei n.º 430/91, de 2 de Novembro, relativo ao “regime geral das contas de depósito”.

Mas distinguindo a generalidade dos autores aquelas duas espécies negociais.
Assim se referindo Engrácia Antunes ao contrato de conta bancária como “contrato bancário primogénito”, em torno do qual “gravitarão usualmente os contratos de depósito, cheque…”.[2]
Apontando Menezes Cordeiro[3] tratar-se o depósito bancário em sentido próprio, de uma operação que surge sempre associada a uma abertura de conta.
 E referindo João Calvão da Silva[4] que apesar de andar a conta corrente bancária, normalmente associada à conta de depósito à ordem, “trata-se de duas modalidades de convenção, perfeitamente distintas (…), A conta corrente é um contrato autónomo, com conteúdo próprio, na essência o serviço de “B”, distinto do depósito e da abertura de crédito.”.

Propendendo parte significativa da doutrina para a qualificação do depósito bancário como um depósito irregular, a que se aplicam as regras do mútuo na medida do possível, vd. Antunes Varela[5] e João Calvão da Silva.[6]
Embora outros, como Ferreira de Carvalho[7] e Paula Ponces Camanho,[8] sustentem revestir aquele a natureza jurídica de mútuo.
E outros ainda, como Maria Raquel Guimarães,[9] prefiram considerar que “Estamos (…) mais perto de um contrato de mandato, enquanto gestão de interesses alheios, do que de um contrato de mútuo ou mesmo de depósito, ainda que irregular.”.

A jurisprudência maioritária, com que enfileiramos, acolhe a primeira tese, cfr. v.g.  os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-03-1999,[10] 04-04-2006,[11] e 10/11/2011.[12]
Naquele último ler-se podendo:
“Através do acto de depósito o tradens aceita transferir para a esfera de domínio (propriedade) do accipiens o risco sobre a gestão da quantia que transferiu, sendo que a partir desse momento se alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição, por transferência para a esfera de responsabilidade do depositário. Cabe ao depositário, enquanto proprietário da coisa transferida responder pelo risco de extravio ou dissipação da coisa até ao montante exigível no momento da solicitação da restituição.”.

José Engrácia Antunes[13] colocando embora a tónica na natureza acessória do depósito bancário relativamente ao contrato de conta bancária, caracteriza aquele “por dois elementos essenciais: por um lado, a entrega material ou electrónica pelo depositante de uma quantia em dinheiro ao banco depositário, o qual passa a ser assim titular da propriedade e risco das disponibilidades monetárias depositadas; por outro lado, a restituição de igual quantia nos termos acordados, usualmente acrescida dos juros.” (o realce a negrito e sublinhado são nossos).
Também Menezes Cordeiro[14] “mantendo” o “depósito bancário como figura unitária, típica, autónoma e próxima, historicamente, do depósito irregular”, não deixa de assinalar que “O risco do que possa suceder na conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro”.

De qualquer forma, as diversas abordagens referenciadas remeter-nos-ão para resultados finais idênticos, quando não por via da consideração da transferência do domínio da coisa e, consequentemente, da transferência do risco, por via da obrigação de restituição no mesmo género e qualidade, que em qualquer das consideradas abordagens impende sobre o banco, por aplicação das regras do mútuo, e quando não ilida aquele a legal presunção de culpa, cfr. art.ºs 540º, 796º, n.º 1, 799º, n.º 1, 1144º, 1185º, 1205º e 1206º,  e 1161º, alínea e), todos do Código Civil.
Sendo assim de assinalar que mesmo para Maria Raquel Guimarães,[15] “sempre que o banco debite na conta do seu cliente uma determinada quantia sem a autorização deste último, o seu cliente manter-se-á credor do montante debitado. E este princípio vale não só para os montantes debitados em virtude de erro do sistema ou de uma qualquer anomalia técnica, mas também para aquelas situações de actuação fraudulenta de um terceiro, sempre que essa actuação não seja imputável a acto ou a omissão do cliente do banco.
A instituição bancária não pode liberar-se da sua obrigaçao de restituição dos fundos "depositados" se a ordem de pagamento emana de um terceiro. O cumprimento feito a terceiro não extingue a obrigação do credor nos termos da nossa lei civil e, apesar as ordens de pagamento dadas através de um terminal electrónico por um terceiro serem eventuulmente acompanhadas da introdução de um cartão de débito e da correcta marcação do PIN respectivo no teclado da máquina, criando-se, portanto, a aparência do direito de crédito do "depositante", não se pode esquecer a irrelevância atribuída pelo legislador português ao cumprimento efectuado ao credor aparente, com a consequente possibilidade de o solvens repetir a prestação, estando, no entanto, obrigado a efectuar nova prestação perante o verdadeiro credor.”.

II – 2 – Da relação entre o contrato de depósito e o contrato de utilização do serviço “B” Directa.
O Autor, está provado, subscreveu o serviço da Ré denominado de “B”directa on-line.
E que, como é pacífico, se reconduz ao chamado home banking, figura contratual distinta do depósito, e que envolveu uma proposta e uma aceitação.
Através do serviço assim disponibilizado sendo conferida ao A. a faculdade “de estabelecer relações com a “B “ consistentes, designadamente, na aquisição de serviços, realização de consultas e de operações bancárias relativamente às contas de que ele seja o único titular ou co-titular em regime de solidariedade, e que possa livremente movimentar, utilizando para o efeito, canais telemáticos: telefone (serviço telefónico) internet (serviço on-line) Wap (wireless Application Protocol, ITV (interactive TV) ou outras formas de acesso que venham a ser definidas pela “B”.”, cfr. cláusula 1ª das “Condições Gerais” do Serviço “B” Directa, a folhas 22.

Sendo meridiano que este “novo” contrato se insere numa relação negocial complexa iniciada através de um contrato de abertura de conta, e da constituição de depósitos de quantias em conta por parte da A.
Encontrando a sua razão de ser nesses contratos de abertura de conta e de depósito, relativamente aos quais prossegue uma função de simplificação de processos e operações disponibilizados, em jornada contínua, ao cliente, que assim desfruta de um acesso mais continuado e mais rápido, potenciando a realização de outras operações, bem como a obtenção de uma gama mais vasta de serviços, de forma em princípio mais cómoda.
Com enormes poupanças de escala, por parte do banco, que, a não ser assim, nunca se interessaria pela disponibilização de tal serviço que, de resto, e como é notório, promove insistentemente junto dos seus clientes.

Deparando-nos pois com uma situação de vários contratos ligados entre si, segundo a intenção dos contraentes, por um nexo funcional, que influi na respetiva disciplina.
Podendo ver-se aqui uma verdadeira coligação de contratos, em que há já certa dependência entre os contratos coligados – substancialmente correlacionados entre si – criada pela relação de motivação que os afecta, sem que porém esse nexo destrua a sua individualidade.[16]
Ou nas palavras de Inocêncio Galvão Telles,[17] configura-se, numa união de contratos com dependência, em que aqueles são “distintos mas já não autónomos. As partes querem-nos como um conjunto económico, que envolve um nexo funcional (…) O vínculo de dependência significa que a validade e vigência de um contrato, ou de cada um dos contratos, depende da validade do outro. Um contrato só será válido se o restante o for;”.
Mas sendo certo, por outro lado, que para além da diferenciação da sede formal dos contratos, o de serviços de “B” Online interfere diretamente na área normativa própria do contrato de abertura de conta e de depósito.
Certo a propósito que como assinala José Engrácia Antunes, o “contrato de conta bancária - enquanto contrato nuclear instituinte do tronco comum sobre o qual repousarão todas as relações jurídicas entre banco e cliente, inclusive contratuais” possui “um conteúdo negocial complexo do qual fazem parte, necessária ou usualmente, outras convenções acessórias embora autónomas: tal o caso do contrato de conta-corrente bancária (convenção que tem por objecto o registo contabilístico das operações reciprocamente realizadas entre os contraentes e respectivo saldo) e do contrato depósito (convenção que tem por objecto o depósito de dinheiro na conta do titular).”.
A todas essas operações se referindo o serviço de “B”directa.

Tendo-se assim, pelo que agora aqui interessa – e para lá da questão da qualificação da espécie de contratos (mistos/união) que a questão da validade das cláusulas 9ª e 10ª das Condições Gerais do contrato de utilização do Serviço “B”directa não deixará de se repercutir na matéria da responsabilidade da “B “, nos quadros do contrato de depósito bancário.

II – 3 – Da referida questão de validade.
1. Nas sobreditas cláusulas, recorda-se, consignou-se:
“9. Sempre que uma operação seja realizada mediante os procedimentos referidos nas cláusulas anteriores e no guia do utilizador, presume-se que o foi pelo aderente.”.
10. Se, no entanto, se provar que a operação foi realizada por terceiro, presumir-se-á que tal foi consentido ou culposamente facilitado pelo aderente.”.

Referindo-se as aludidas “cláusulas anteriores” à inserção dos elementos de segurança pessoais e intransmissíveis do subscritor do serviço.

Ora, não sofrendo crise tratar-se o contrato em que aquelas se inserem, de um verdadeiro contrato de adesão, também assim pacífico é estar aquele sujeito à disciplina estabelecida no Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro – sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 1995-08-31; Decreto-Lei n.º 220/95, de 1995-08-31; Decreto-Lei n.º 249/99, de 1999-07-07; e Decreto-Lei n.º 323/2001, de 2001-12-17.

Concluiu-se, na sentença recorrida, pela nulidade de tal clausulado, “ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 12.°, 20.º e 21.°, al. j), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.”.
E, assim, depois de se considerar que por via da aplicação do regime jurídico do mútuo “é o Banco adquirente quem arca com o risco da perda ou deterioração da coisa transferida, de acordo com o princípio estruturante res perit domino. Tentar transferir o risco como se fez através do estipulado em 9 e 10 das Condições Gerais de Utilização do Serviço “B”directa, subscritas pelo Autor (cuja cópia se encontra a fls. 22), subverte o âmago desse princípio estruturante, ao mesmo tempo que altera as regras respeitantes à distribuição do risco, designadamente na hipótese (verificada) de se demonstrar que as operações (transferências) realizadas foram efectuadas por terceiros, "presumindo-se" que tal foi consentido ou culposamente facilitado pelo subscritor aderente. Situação que se nos afigura absolutamente proibida na relação negocial mantida com o consumidor final (ora Autor)”.

Ao que contrapõe a Recorrente a não aceitação da qualificação do depósito bancário como depósito irregular, e o império quer do princípio do equilíbrio contratual quer do princípio da boa fé, em função dos “concretos contornos e especificidades destes contratos acoplados.”.

2. Pelo que à qualificação do depósito bancário e à relação entre este e o contrato de utilização do serviço “B” Directa, respeita, remete-se para o que se deixou dito supra, em II -1 e II-2, e, no primeiro ponto, se conclui no tocante à aplicação das regras do mútuo.

Quanto ao mais, assinalar-se-á que a nulidade de cláusula contratual absolutamente proibida, como assim é o caso das que “Alterem as regras respeitantes à distribuição do risco”, e como anota José Manuel de Araújo Barros,[18] “tem relevado essencialmente no que concerne a cláusulas que, nas convenções que regem a utilização de cartões bancários, imputam contratualmente ao seu titular a responsabilidade, com maior ou menor amplitude, pelos riscos de utilização abusiva ou fraudulenta daqueles.”.
Concluindo aquele autor que a partilha de risco – por ele advogada – não se justifica no casos em que o perecimento da coisa, neste caso o levantamento ou pagamento indevidos de e com dinheiro do depósito, ocorrer por facto imputável a qualquer das partes.
E que nos “casos residuais”, em que o prejuízo não é imputável ao mau funcionamento de mecanismos que são exclusivamente controlados pelo banco nem a actuação culposa do banco ou do titular da conta – “sendo os casos mais típicos os que ocorrem na sequência de perda ou de roubo do cartão” – “qualquer cláusula de um contrato de utilização nos termos da qual o depositário (predisponente) faça recair sobre o depositante tal risco, ou o faça em um montante desajustado ao domínio que este detém sobre a quantia depositada, será proibida. Absolutamente proibida, a que o fizer recair apenas sobre o depositante, por força da alínea f) do artigo 21.º em análise. Relativamente proibida, a que colocar a cargo do depositante um risco superior àquele que, atendendo ao quadro negocial padronizado, a sua quota-parte de domínio sobre a quantia depositada justifique – cláusula relativamente proibida atípica, já que não constante do rol das enunciadas nos artigos 19.º e 22.º do DL n.º 446/85.”.

Não podendo aqui deixar de se assinalar serem diversas as situações de perda ou furto de cartão de débito – em que tal evento está inteiramente subtraído ao controlo do banco emissor – das de apossamento de dados pessoais relativos ao serviço de homebenking, em que tudo se trata da vulnerabilidade de um sistema que se proclama como “blindado”.

Que as cláusulas em causa fazem recair o risco do perecimento da coisa, e integralmente, sobre o aderente, é porém conclusão que, em rigor, não podemos acolher.

As ditas presumem expressamente a culpa ou consentimento do aderente na realização, por terceiro, de operação de home banking mediante a inserção dos elementos de segurança pessoais e intransmissíveis do subscritor do serviço.

O que implica, é certo, uma prova do contrário – cfr. art.º 350º, n.º 2, do Código Civil – absolutamente diabólica e na prática inalcançável pelo aderente.
O qual não tem qualquer controlo sobre os sofisticados meios informáticos da entidade bancária, nem dispõe da assessoria técnica de primeira água com que os departamentos respetivos daquela se apetrecham.

Na verdade, e como dá nota Luiz Gustavo Caratti de Oliveira,[19] “a proteção de contra senha é freqüentemente utilizada como um dispositivo protetor contra acesso sem autorização, porém, o hacker moderno pode evitar esta proteção, descobrindo a contra senha que lhe permite o acesso, introduzindo programa específico para este fim que irá capturar outras senhas de usuários legítimos.”.
E a “fraude virtual” “É utilizada em muitos casos de crimes econômicos, como manipulação de saldos de contas, balancetes em bancos, transferências de dinheiro, etc, alterando, omitindo ou incluindo dados, com o intuito de obter vantagem econômica. A fraude virtual é o crime de computador mais comum, mais fácil de ser executado, porém, um dos mais difíceis de ser esclarecido. Não requer conhecimento sofisticado em computação e pode ser cometido por qualquer pessoa que obtenha acesso a um computador e a uma linha telefônica. Tradicionalmente a fraude envolve o uso de dados bancários roubados ou furtados.”.
Referindo ainda aquele autor que “atualmente a fraude virtual mais aplicada na internet que prejudica o sistema bancário é a chamada “salami slicing” ou seja, fatias de salame. Os ladrões utilizando vários recursos, realizam transferências eletrônicas, de pequenas quantias, de milhares de contas.”.

Concluindo o mesmo que “os bancos são responsáveis pelos prejuízos advindos das fraudes virtuais que lesam as contas de seus correntistas efetuadas através dos sites das respectivas instituições financeiras, ou seja, o cliente ao se sentir lesado por ser vítima de terceiro que movimente sua conta ao ponto de lhe causar prejuízo financeiro, deve ser ressarcido pelo banco, pois este tem o dever de manter seu serviço em segurança. A instituição financeira ao se descuidar da segurança das contas de seus clientes, deve ser responsabilizada por isso.”.

Face à apertada literalidade das cláusulas em análise, e na ausência de outros elementos, terá de aceitar-se tratar-se aqui – melhor do que uma questão de alteração de regra, res perit domino, respeitante à distribuição do risco, como se julgou na sentença recorrida – da modificação dos “critérios de repartição do ónus da prova” – cfr. alínea g) do mesmo art.º 21º do RJCCG – igualmente proibida, e sancionada com a nulidade da cláusula respetiva, quando, como é o caso, se mostre estabelecida no âmbito das relações com consumidores finais, cfr. art.º 20º do mesmo Regime.

Recorde-se que de acordo com o disposto no já citado art.º 799º, n.º 1, do Código Civil, recai sobre o devedor o ónus da prova de que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”.
E, assim, impendendo sobre o banco/depositário a obrigação de restituição de quantia em dinheiro igual à depositada – porventura acrescida de juros e deduzida dos encargos bancários acordados – sobre ele recairá o ónus de prova de a circunstância de a restituição ser de quantia inferior, não provir de culpa sua.

II – 4 – Da culpa quanto ao “perecimento” do dinheiro depositado na conta do A.
1. Pelo que respeita ao A. não estão reunidos factores que permitam configurar uma actuação de menor cuidado relativamente à preservação dos tais elementos ditos “pessoais, secretos e intransmissíveis”, através de cuja introdução electrónica se efectua o “login” que vai possibilitar a realização on line das diversas operações na conta respetiva.
Não sendo legítimo retirar da circunstância de as movimentações da conta do Autor terem sido “executadas porque introduzidos os códigos que permitiam o acesso àquela conta bancária”, essa falta do cuidado exigível, nas circunstâncias concretas do caso.
Reitera-se ter resultado não provado que Autor tenha revelado na Internet todas as possíveis combinações de três algarismos que lhe podiam ser solicitadas pelo sistema da Ré para validar as operações bancárias que pretendesse realizar; que dentro da instituição Ré seja impossível conhecer os códigos de autenticação dos clientes aderentes a este serviço, nomeadamente os do Autor (por estarem cifrados); e que de entre todas as instituições bancárias a operarem em território nacional, a Ré é a que maior segurança oferece ao nível da prestação de serviços na área da Internet e dos produtos fornecidos por este meio de comunicação.
Antes tendo ficado provado que embora o sistema informático da Ré e, em concreto, o serviço “B”directa on-line, se encontre protegido, sendo considerado pelos especialistas como um sistema seguro, alguns clientes foram já alvo de acção organizada de grande dimensão.

2. Por isso mesmo e no que tange à Ré/recorrente, logo assim sendo legítimo questionar se aquela, e designadamente na sequência desses eventos, terá desenvolvido todas as acções que se impunham em ordem a garantir a segurança dos depósitos dos seus clientes.
Até porque o acesso on line fraudulento aos depósitos bancários conhece uma sofisticação e actualização permanentes, que exigem das instituições de crédito um esforço continuado naquele domínio, ao menos enquanto persistirem em apresentar-se como guardiãs confiáveis dos valores que lhes são entregues, no pressuposto de assim ficar garantida a salvaguarda daqueles.

Como refere Roberta de Matos Vilas Boas,[20] «A internet está exigindo mais atenção e cuidado dos usuários. Segundo o relatório da IBM de Tendências e Riscos X-Force 2009, referente ao primeiro semestre, os links nocivos cresceram mais de 500% no período, e algumas mudanças na forma de ataques também foram notadas.
Uma delas refere-se aos ataques de phishing voltados a alvos financeiros, que estão sendo substituídos por Cavalos de Tróia voltados à atividade bancária. Com isso, embora a primeira forma de ataque esteja diminuindo, não significa mais segurança financeira.
Nos seis primeiros meses do ano, do total de phishing, aqueles direccionados ao sector financeiro representaram 66%, contra 90% registrados no mesmo período do ano passado. Os alvos de pagamento on-line responderam por 31%.
Além do aumento em links nocivos, o relatório indica que houve crescimento na presença de conteúdo lesivo em sites de alta confiabilidade e credibilidade, incluindo mecanismos de buscas populares, blogs, painéis de divulgação, sites pessoais e revistas on-line.
Também foi notada a utilização de métodos mais sofisticados para obter acesso e manipular dados dos usuários. Isso é demonstrado pelo alto nível de explorações na web ainda não detectadas, especialmente em arquivos PDF. "É o maior já visto, superando todas as vulnerabilidades desse tipo descobertas em todo o ano de 2008", afirma o gerente da IBM ISS (Internet Security Systems), João Gaspar.».

Sendo igualmente reconhecido, em artigo de Francisco Luís, publicado na inforBANCA 88 • Abr > Jun 2011, da Associação Portuguesa de Bancos,[21] que “Os ataques de phishing e o malware usados são cada vez mais sofisticados e difíceis de detectar, mesmo para utilizadores alertados para a temática da segurança.”.

Importando porém assinalar que tais artigos, e compreensivelmente, atenta a sua origem, fonte e/o, enquadramento, colocam a questão apenas na perspectiva de o acesso on-line fraudulento, se efectivar através da plataforma informática do utilizador/aderente…

Ora temos para nós, face à factualidade apurada, não logrou a Ré/recorrente demonstrar que o acesso de terceiros, em via electrónica, à conta do A./recorrido, se não ficou a dever a qualquer vulnerabilidade do sistema de segurança por ela implementado, relativamente à movimentação on line dos clientes aderentes ao serviço ““B” directa”.
Uma vez mais se convocando o não provado de que “Dentro da instituição Ré é impossível conhecer os códigos de autenticação dos clientes aderentes a este serviço, nomeadamente os do Autor (por estarem cifrados)”.
Também não havendo sido alegado, nem desse modo tendo resultado provado, ser impossível que a partir do exterior alguém possa aceder ao sistema informático da Ré, e nele recolher os sobreditos códigos.

Resultando pois não actuado o ónus de prova que recaía sobre a Ré, e subsistindo a presunção de culpa estabelecida no art.º 799º, do Código Civil.

II – 5 – Do risco.
Mas ainda quando assim não fosse de concluir, antes se devendo entender haver a Ré/recorrente logrado ilidir a presunção da sua culpa, sempre seria de a responsabilizar a título de risco, conforme resulta do que se foi referindo supra, designadamente em sede de caracterização do contrato de depósito bancário.

Sem que se conceda aqui a bondade da solução da partilha do risco, já por excluída quando se pressupõe, como é o caso, a transferência da propriedade do dinheiro depositado para o banco depositário, já por, em qualquer caso, não haver um equilíbrio entre as posições do depositante e da instituição, que justifique aquela solução.
Pois dificilmente alguém poderá sustentar o razoável de o depositante individual suportar – ainda que em parte – o risco de a instituição de crédito a quem confiou os seus valores, se revelar afinal incapaz de assegurar a intangibilidade daqueles por terceiros.
O depositante contrata com o banco no inarredável pressuposto de ser estranho às vicissitudes por que passe a instituição de crédito em matéria de segurança, e para as quais ele não contribua.
A não ser assim estar-se-ia a frustrar o cerne da motivação que esteve na base da celebração do contrato de abertura de conta e dos contratos “acessórios” daquele, como o de depósito.
*
Improcedem, em suma, as conclusões da Recorrente.


III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente.
Taxa de justiça nos termos da tabela I-B, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
*
Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, como segue:
(…)
*
Lisboa, 2012-05-24 

Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Maria Teresa Albuquerque
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[1] In “Depósito Bancário – Depósito a Prazo em regime de Solidariedade” in Revista da Banca, n.º 21 (1992), Janeiro/Março de 1992, Associação Portuguesa de Bancos, Lisboa, págs. 41-75, maxime 49.
[2] In “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2011 (Reimpressão de Ed. de Setembro de 2009), pág. 484.
[3] In “Manual de Direito Bancário”, 2ª Ed., 2001, Almedina, pág. 524.
[4] In “Direito Bancário”, Almedina, 2001, pág. 344.
[5] In op. et loc. cit.
[6] In op. cit., pág. 349.
[7] In “Natureza Jurídica e Função do Cheque”, Revista da Banca, n.º 18, Abril/Junho de 1991, pág. 106, quanto ao particular do depósito a prazo. 
[8] In “Do contrato de depósito bancário”, Almedina, 1998, pág. 208.
[9] In “As transferências Electrónicas de Fundos e os Cartões de Crédito”, Almedina, 1999, pág. 233.
[10] Relator: Ferreira Ramos, in Col. Jur. , Acs. do S.T.J., Ano VII, tomo I, págs. 133-134
[11] Proc. 06A579, relator: Azevedo Ramos in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[12] Proc. 1182/09.1TVLSB.S1.L1, relator: Gabriel Catarino, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[13] In op. cit., pág. 493.
[14] In op. cit., pág. 525.
[15] In op. cit., pág. 233.
[16] Vd. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed.,(reimpressão) Almedina, 2003, págs. 282-284.
[17] In “Direito das Obrigações”, 6ª ed., Coimbra Editora, 1989, pág. 71.
[18] In “Cláusulas Contratuais Gerais, D.L. n.º 446/85 – Anotado – Recolha Jurisprudencial”, Wolters Kluver Portugal – Coimbra Editora, 2010, pág.314.
[19] Pós graduado em Direito Civil e Processo Civil com Ênfase em Direito do Consumidor (Universidade Castelo Branco), Graduado em Direito (Universidade Salgado de Oliveira) e Advogado. In “Monografia de conclusão de curso apresentada ao curso de Pós Graduação em Direito Civil e Processo Civil da Universidade Castelo Branco como parte dos requisitos para conclusão de curso.”, in www.ambito-juridico.com.br.
[20] In www.jurisway.org.br. v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=1&idmodelo=16232.
[21]In http://apb.pt/content/files/Inforbanca_88_Proteger_o_Dinheiro.pdf.