Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27891/16.0T8LSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DO TRIBUNAL PORTUGUÊS
LITÍGIO LABORAL
REGULAMENTO EUROPEU
CESSAÇÃO DO CONTRATO
TRABALHO DOMÉSTICO
EMPREGADOR
ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Legislação Comunitária: REGULAMENTO UE 1215/2012
Sumário: I. Havendo conexão com duas ou mais ordens jurídicas pertencentes à União Europeia importa apurar a qual delas, e face aos factos descritos pelo autor na petição inicial, pertencem os Tribunais com competência internacional para dirimir o conflito laboral.
II. A competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral afere-se pelas normas do Regulamento UE 1215/2012, mormente, sendo a ação interposta pelo trabalhador, o seu art.º 21, sendo princípio geral aplicável em matéria de contratos individuais de trabalho o de que as pessoas, independentemente da sua nacionalidade, devem ser judicialmente demandadas no Estado-Membro onde se acham domiciliadas, só o podendo ser em outros Estados membros que não o do seu domicílio nos termos previstos nas restantes normas do Regulamento, nomeadamente no do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho.

III. Se uma trabalhadora portuguesa se propõe cobrar créditos laborais vencidos e não pagos no âmbito de um contrato de trabalho doméstico com empregadores que têm domicílio na Áustria, onde vivem, a competência pertence aos Tribunais austríacos, mesmo que os empregadores sejam também portugueses e o contrato tenha sido celebrado em Portugal.

(Elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

TEXTO INTEGRAL:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Autora (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.): AAA.
Réus (adiante designada por RR.):

- BBB e CCC,

A. demandou os RR. alegando que prestou actividade de empregada doméstica e de vigilância da filha menor dos RR., mediante a retribuição mensal de 1.000,00 €, mais dormida e refeições na residência dos mesmos e viagens de avião pagas de ida e volta Portugal-Áustria. Não suportando a carga horária imposta, tanto mais que lhe foi negado o gozo dos dias de descanso devidos, nem o tratamento desprimoroso, regressou a Portugal. Pede afinal a condenação dos RR. a pagarem-lhe € 2.078,95 € e juros de mora.

Os RR. contestaram e arguiram designadamente a incompetência internacional porquanto vivem na Áustria, o trabalho foi prestado na Áustria, e o domicilio da A. não constitui um critério de competência para esta ação.

No saneador foi julgada procedente a excepção e declarado internacionalmente competente o tribunal laboral.
Para tal considerou-se que:

“a) A A. tem o seu domicílio em Portugal;

b) Os RR. vivem na Áustria;

c) A A. prestou serviço para os RR. na Áustria de 8/9/2015 até 21/11/2015;

d) Durante a execução do contrato a A. residiu na Áustria;

e) A A. peticiona créditos emergentes e derivado da execução do contrato mencionado em c).

***

A competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses encontra-se regulamentada no art. 10º do Código de Processo de Trabalho o qual preceitua que na “competência internacional dos tribunais de trabalho estão incluídos os casos em que a ação pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste código, ou por terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na ação”.

Como se vê a norma não auxilia muito na resolução da questão em apreço. E neste tocante, fácil vai ser constatar que o domicílio do trabalhador não é o critério internacional seguido.

Estando em causa a existência de uma relação de trabalho subordinado firmada entre duas partes domiciliadas em Estados-Membros, a sua cessação (considerada ilícita pelo Autor) e os créditos laborais daí derivados, é aplicável o regime dos artigos 18.º, 19.º e 21.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro. Neste mesmo sentido decidiu o acórdão do STJ de 17/1/2007, in www.dgsi.pt.

Estes preceitos, essenciais para a resolução da exceção invocada, não podem deixar de ser reproduzidos para melhor resolução da questão. Inserem-se na seção 5 cuja epígrafe é precisamente a

Competência em matéria de contratos individuais de trabalho

Artigo 18.º

1. Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º e no ponto 5 do artigo 5.º 2. Se um trabalhador celebrar um contrato individual de trabalho com uma entidade patronal que não tenha domicílio no território de um Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num dos Estados-Membros, considera-se para efeitos de litígios resultantes do funcionamento dessa filial, agência ou estabelecimento, que a entidade patronal tem o seu domicílio nesse Estado-Membro.

Artigo 19.º

Uma entidade patronal que tenha domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada:

1. Perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território tiver domicílio; ou 2. Noutro Estado-Membro:

a) Perante o tribunal do lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho ou perante o tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho; ou

b) Se o trabalhador não efetua ou não efetuou habitualmente o seu trabalho no mesmo país, perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.

Artigo 20.º

1. Uma entidade patronal só pode intentar uma ação perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território o trabalhador tiver domicílio.

2. O disposto na presente secção não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional perante o tribunal em que tiver sido instaurada a ação principal, nos termos da presente secção.

Artigo 21.º

As partes só podem convencionar derrogações ao disposto na presente secção, desde que tais convenções:

1. Sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou

2. Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção

Como se vê da leitura destes preceitos o domicílio do trabalhador ser em Portugal, ou noutro país, antes ou durante a execução do contrato é absolutamente irrelevante, pois este não é o critério de determinação a competência precisamente por a ação ter sido intentada pelo trabalhador (já assim não seria se fosse o inverso, uma entidade patronal a demandar o trabalhador).

Assim sendo, o art. 19º coloca a primeira opção de competência no tribunal do estado membro onde a entidade patronal tem o seu domicílio. E tal levaria os autos para um tribunal da Áustria. Porém o preceito contém um critério de competência opcional, podendo ser escolhido um outro estado membro desde que seja onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho ou efectuou o seu trabalho mais recente.

Ora, o trabalho mais recente da A. foi, assim como o trabalho habitual, desenvolvido em Viena, na Áustria.

O outro critério patente na alínea b) do mencionado art. 19º do regulamento não encontra aplicação.

Note-se que em causa discutimos a pretensão do A. que assenta antes de mais em créditos laborais que entende serem devidos pelo que do que deixámos exposto, parece pois evidente que a competência internacional para dirimir os autos em apreço não pertence aos tribunais portugueses, mas sim aos da Áustria.”

*

Inconformada a A. apelou, formulando as seguintes conclusões:

25. Em resumo e conclusão:

a) Salvo o devido respeito, o tribunal a quo não deveria ter declarado a incompetência absoluta do tribunal.

b) A A., foi contratada pelos RR. em Portugal, através da agência Albentur, para, sob as ordens, direcção e fiscalização dos RR, fazer o trabalho doméstico na residência que os R.R. têm em Viena, Áustria, e tomar conta da filha menor dos R.R.

c) Os RR alegaram na sua contestação terem domicílio na Áustria, " mais concretamente em..., onde residem de forma permanente, que se junta para os devidos efeitos legais" - no entanto, não indicam onde residem concretamente nem nada juntam que possa disso fazer prova.

d) Mas os RR. também têm residência em Portugal, nomeadamente na Rua Mãe d`Água, nº 21, 3B, Belas Clube de Campo, em Belas - domicilio indicado pelos próprios conforme cópia ora junta, como docs. 1 e 2, cujo conteúdo, para todos os efeitos legais, se deve considerar integralmente; morada na qual também foram citados para a presente acção.

e) Dos art. 10º, 13º e 14º do CPT, designadamente da 1ª parte do art. 10º do CPT, decorre a consagração do princípio da coincidência internacional dos tribunais do trabalho e a competência territorial estabelecida nos artigos subsequentes 13º. a 19.º.

f) Dos arts. 4.º, 18.º e 19.º e do Anexo I do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000 também decorre essa competência internacional dos tribunais portugueses.

g) Pois que, presente caso a A. tem residência em Portugal, sendo que foi também em Portugal que foi contratada pelos RR.; através da agência Albentur, assim como é em Portugal que os RR também têm domicilio (embora também tenham outro na Áustria).

h) Por outro lado, e não obstante ter ido trabalhar para a residência que os RR. têm na Áustria, o local onde a A. efectuava habitualmente o seu trabalho (que não para os RR.) é mesmo em Portugal.

i)E, tratando-se de trabalhadora portuguesa contratada em Portugal, "os tribunais do trabalho portugueses são internacionalmente competentes ainda que não se verifique qualquer circunstância determinativa da competência territorial interna. Esta é uma das regras com que se procura estabelecer a igualdade real ou substancial das partes perante o processo na medida em que, dentro do possível, contribuirão para facilitar o acesso dos trabalhadores aos tribunais portugueses." (Leite Ferreira, v. Código de Processo de Trabalho anotado, 4ª edição, pág. 58).

j) Assim, residindo a A. em Portugal, concretamente em Lisboa, ao propor a acção no tribunal a quo, atento o princípio da coincidência (entre a competência territorial e internacional), quer também pelo facto de ter sido contratada em Portugal através de uma empresa portuguesa para trabalhar para cidadões portugueses (RR) ainda que para prestar o seu trabalho na residência que os RR. têm na Áustria, embora também tenham domicilio em Portugal, entende a A. que não obstante o seu trabalho ter sido prestado na Áustria, daquela conexão, decorre a competência internacional do tribunal do trabalho português onde a acção foi proposta.

k) Pelo que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão que declara a incompetência absoluta do tribunal a quo, caso contrário, estar-se-á a violar os arts. 10.º,13.º e 14.º do CPT, assim como os arts 4º, 18.º 19.º e o Anexo I do Regulamento (CE) 44/2001.

Rematam pedindo seja dado provimento ao recurso e declarado internacionalmente competente o Tribunal a quo.

*

Os RR. contra-alegaram, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:

1. A A. nas suas alegações defendeu a aplicação das regras de competência previstas no Código de Processo de Trabalho por via do princípio da coincidência e por ser essa a solução que resulta do Regulamento (CE) 44/2001.

2. O facto de haver vários elementos de conexão com a ordem jurídica portuguesa, ou se considerar o trabalhador em questão como “um trabalhador português”, não confere competência aos tribunais portugueses.

3. O(s) elemento(s) de conexão relevante(s) para atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses é definido pelo legislador.

4. O único elemento de conexão, do presente caso, que preenchido leva à competência internacional dos tribunais portugueses é o do domicílio do autor previsto no artigo 14º do Código de Processo de Trabalho.

5. Assim, estando preenchido o elemento territorial do domicílio do artigo 14º por via do domicílio do autor, a ordem jurídica portuguesa chama a si a competência internacional por via do artigo 10º do CPT.

6. Não obstante, não é por o direito interno português considerar que os tribunais portugueses são competentes que o serão per se.

7. O Regulamento (UE) 1215/2012, e não o Regulamento (CE) 44/2001 que a A. alega, vê preenchido pelo presente caso a sua ratione loci, ratione materiae e ratione temporis, pelo que aplica-se ao caso concreto.

8. Os Regulamentos europeus prevalecem sobre o direito interno, tal como defendido pela mais alta jurisprudência portuguesa, sendo de aplicação imediata por via do artigo 8º, nº4, da Constituição da República Portuguesa e pelo artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

9. O Regulamento 1215/2012 apresenta uma seção especial que regula a competência internacional em matéria de contratos individuais de trabalho.

10. O artigo 21º determina quais os tribunais em que uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada, concebendo um critério alternativo em razão de elementos de conexão diferentes.

11. Pode ser a entidade patronal demandada: 1) nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio ou 2) Noutro Estado-Membro: 2.1)No tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou 2.2) no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho ou 2.3)se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.”

12. O domicílio dos RR., nos termos do artigo 82º do Código Civil por remissão do artigo 62º do Regulamento 1215/2012, é em Viena, Áustria, pois é aí que os mesmos têm a sua residência habitual, como ficou demonstrado na petição inicial, contestação e sentença a quo.

13. O local onde o trabalhador habitualmente efetua o seu trabalho e o lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho será igualmente Viena, Áustria, já que a A. aí trabalhou de 08.09.2015 a 21.11.2015, não tendo ao longo dos autos mencionado qualquer trabalho anterior ou posterior relevante para a questão, que pudesse contradizer a conclusão ora sustentada.

14. Pelo que à luz do Regulamento é internacionalmente competente, seja por aplicação de qualquer dos critérios alternativos do forum shopping, os Tribunais Austríacos.

15. E assim, definiu bem o Tribunal a quo ao declarar-se absolutamente incompetente para julgar a questão.

*

O MºPº teve vista e defendeu a incompetência do Tribunal português.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

*

*

FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se o Tribunal do Trabalho é competente para conhecer o litígio dos autos.

*

Factos provados: os descritos no relatório.

I) Da competência

A competência é aferida pela questão ou questões que o autor coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado (conforme Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pag. 91). Quer dizer, apura-se face aos termos em que a acção é proposta, a sua causa de pedir e a pretensão deduzida, o seu “quid disputatum”. Assim se tem entendido (cfr acórdãos do STJ de 6/6/78, BMJ 278/122, de 20/10/93, in ADSTA, 386/227, de 9/2/94, in CJSTJ, t. 1, p. 288, de 19/2/98, in CJSTJ, t. 1, p. 263, de 3/5/2000, in CJSTJ, t. 2, pag. 39, e de 14/5/2009, in www,dgsi.pt). O que importa é “apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados” (cfr. acórdãos da Relação de Coimbra de 04-12-2014, Relat. Azevedo Mendes, que decidiu: “I – A apreciação da competência (material) de um tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do autor e respectiva causa de pedir. II – Sendo a causa de pedir delineada pelo autor uma relação de trabalho subordinado de direito privado, a competência material para julgar esse litígio pertence aos tribunais do trabalho, atento o disposto no artº 85º, al. b) da LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13/01) e artº 4º, nº 3, al. d) do ETAF”; e do STJ de 30.03.2011, Relat. Gonçalves da Rocha (ambos disponíveis, como todo os citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt: “I - A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. II- Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.)”.

No caso da competência internacional há que lançar mão das convenções internacionais pertinentes, e, não as havendo, das normas do código do processo laboral (cfr. art.º 10 e 15, n.º 2) (neste sentido, por todos, cfr. Ac. do STJ, 10.12.2009: 1. A competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral afere-se, na falta de convenções de direito internacional ao caso aplicáveis, pelo disposto no Código de Processo do Trabalho. 2. Para aferir dessa competência, atende-se aos termos em que a acção foi proposta).

Rege esta matéria o “Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho”, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial. Com efeito, o artº 80 deste diploma revoga o Regulamento CE 44/2001, e aplica-se às acções intentadas a partir de 10.01 2015 (art.º 66). É o caso da presente acção, proposta em 11.11.2016, sendo que os próprios factos narrados pela A. são posteriores a janeiro de 2015.

Dispõe o art.º 21 deste Regulamento 1215 que:

1. Uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada:

a) Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou

b) Noutro Estado-Membro:

i) no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou

ii) se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.

2. O disposto na presente secção não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional no tribunal em que, nos termos da presente secção, tiver sido intentada a ação principal.

Corresponde este artigo, no que importa, ao art.º 19 do Regulamento 44/2001, de 16.1, seguido na decisão recorrida. As suas considerações mantêm, pois, pertinência, sendo que seguem os termos normativos, os quais, aliás, são claros. Pretendendo o trabalhador demandar o empregador num caso que envolva uma ordem jurídica da União Europeia onde resida o empregador, e outra ordem jurídica (no caso as duas, de Portugal e da Áustria, são da União Europeia),

a) No Tribunal do Estado membro onde o empregador tiver domicilio;
b) No Tribunal competente na área de outro Estado membro em que o trabalhador prestou a actividade habitualmente ou o fez mais recentemente.
Pois bem: a A. prestou a actividade sempre na Áustria, pelo que poderá demandar, com fundamento na al. b), naquele país (isto exclui, também, a aplicabilidade do disposto em ii), que se reporta aos casos em que a atividade é exercida em mais do que um país, situação que não se verifica, já que a actividade teve lugar apenas num país).

Resta a al. a): demandar os RR. no país do domicílio.

Onde é o seu domicílio?

De acordo com a A., na descrição que efetua na p.i., é na Áustria: repare-se que a trabalhadora foi contratada, seguindo a sua versão, “para trabalhar para os RR, em Viena, Áustria, para fazer o trabalho doméstico e tomar conta da filha menor (de 2 anos) dos RR.” (art.º 1º da pi); tinha direito, além do vencimento, “a dormida (na residência dos RR.), refeições (na residência dos RR.), viagem de avião de Lisboa para Viena e regresso pagas” (art.º 3º). Em lado algum se diz que os RR., que se depreende que são portugueses, regressaram a Portugal.

É certo que, no cabeçalho da petição a A. indica uma morada dos RR. em Belas, onde foram citados na pessoa de um terceiro.

Mas trata-se de uma mera indicação da A. para efeitos de citação, pois que, como vimos, a sua descrição aponta sempre e só no sentido de que os RR. residem na Áustria. Nada impede que alguém saia do país e deixe um contacto nomeadamente para efeitos administrativos, podendo até ser a casa de um terceiro, vg familiar, que aceite um tal encargo. Dito de outro modo: a citação em tal sitio, para mais feita na pessoa de outrem, não significa que os RR. tenham aí domicilio, quando o próprio autor assegura que o domicilio é no estrangeiro.

Isto resulta da noção de domicilio, o centro onde a pessoa tem a sua vida organizada, a qual se apura, nos termos do art.º 62, nº 1 do citado regulamento 1215, tendo em conta a lei portuguesa. Com efeito, tendo em conta o artigo 82º do Código Civil, "o domicílio é o lugar de residência habitual”, a habitação onde o sujeito vive com estabilidade e onde tem instalada e organizada a sua economia doméstica, o centro da sua organização pessoal.

Dir-se-ia: é uma questão de prova. No caso não é, já que a A. não o alega, para que depois possa demonstrar (a afirmação de que é em Portugal que trabalha habitualmente, mas não para os RR., cfr. conclusão 21, é evidentemente irrelevante para o caso). Mas mesmo que fosse questão de prova, a competência surge como um pressuposto processual, quer dizer, tem de ser dirimida necessariamente antes da produção da prova. É por isso que importa decidir com os elementos disponíveis e estes, como vimos, dizem que os RR. não residem em Portugal.

Não se diga que a lei interna é aplicável face aos preceitos do Código de Processo do Trabalho: prevalecem as normas de direito internacional quando regulem a mesma questão. Ora, sendo embora a trabalhadora e os empregadores portugueses, existe norma que regula expressamente a questão em face do domicílio dos RR., pelo que é esta que cumpre aplicar.

Pretende ainda a A. que foi recrutada por uma agência portuguesa. Isto não releva: uma mera intermediação não envolve qualquer vínculo com uma empresa portuguesa, logo não há destacamento algum nem qualquer relação com um empregador em Portugal.

Como decidiu o Ac. desta R. Lisboa, de 10.9.2014, "I. O princípio geral estabelecido no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro - que é aplicável à matéria derivada dos contratos individuais de trabalho - é de que as pessoas, independentemente da sua nacionalidade, devem ser judicialmente demandadas no Estado-Membro onde se acham domiciliadas, só o podendo ser em outros Estados membros que não o do seu domicílio, nos termos das normas das secções 2 a 7 do Capítulo II do Regulamento, sobrepondo-se as mesmas às regras de competência nacionais referidas no anexo I. II - Estando em causa a existência de uma relação de trabalho subordinado firmada entre duas partes domiciliadas em Estados-Membros, a sua cessação (considerada ilícita pelo Autor) e os créditos laborais daí derivados, é aplicável o regime dos artigos 18.º, 19.º e 21.º do referido Regulamento. III - Os artigos 18.º e 19.º do Regulamento não definem a competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros em função do domicílio do trabalhador. IV - O domicílio das partes é estabelecido de acordo com o disposto nos artigos 59.º e 60.º do Regulamento, possuindo este último dispositivo legal uma natureza especial, por referência à regra geral do artigo 59.º, sendo o regime daquele outro dispositivo legal que se aplica às sociedades, o que implica que, fora da situação prevista no número 3 do dito artigo 60.º, o juiz não possa recorrer à sua lei interna, para efeitos de determinação do domicílio da parte. V - O regime constante do número 2 do artigo 18.º do Regulamento só pode ser invocado nas hipóteses em que «uma entidade patronal (...) não tenha domicílio no território de um Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num dos Estados-Membros». (…) VII - A apreciação e julgamento da exceção de incompetência internacional (assim como de outras) têm de resultar do confronto entre as versões, de natureza fáctica e jurídica, apresentadas pelas partes nos seus articulados e dos documentos e demais meios de prova que os complementam, sem perder de vista, naturalmente, as regras que regulam o ónus de alegação e prova de tal exceção. (…)"

Improcede, pois, o recurso.

DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e consequentemente mantém a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da recorrente.

Lisboa, 31 de maio de 2017

Sérgio Almeida

Celina Nóbrega

Paula Santos