Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
97/23.5YUSTR.L1-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
RESTABELECIMENTO DE DIREITOS
LIVRO DE RECLAMAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: (da responsabilidade do Relator)
1. Apurou-se que a Recorrente presta serviços de saúde na valência de medicina do trabalho no estabelecimento em causa, aí contactando com o “público”, entendendo-se como integrando este conceito trabalhadores de outras empresas que não a Recorrente.
2. Inexiste, assim, qualquer razão para que a arguida seja absolvida da contraordenação pela qual foi condenada (artigos 3.º, n.º 1, al. b) e 9.º, n.º 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro), desde logo porque se apurou que uma utente deslocou-se ao estabelecimento da Recorrente, com o intuito de fazer uma reclamação no respetivo Livro de Reclamações, devido a descontentamento com uma consulta aí realizada, sendo certo que a funcionária que a atendeu negou-lhe o acesso ao livro de reclamações (factos provados 9 e 10).
3. Em sede de medida de coima, as considerações do tribunal a quo relativamente às circunstâncias relevantes a ponderar afiguram-se-nos como corretas e consistentes, e a coima aplicada afigura-se proporcional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

Recorrente/arguida: INTERPREV – SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO, S.A.
Recorrida/Entidade Supervisora: Entidade Reguladora da Saúde (ERS)

1. A arguida, aqui Recorrente, impugnou judicialmente a decisão da ERS, que a condenou por:
“1) uma coima no valor de 9.000,00 EUR (nove mil euros), por incumprimento da obrigação de facultar gratuita e imediatamente, quando solicitado por utente, o Livro de Reclamações, em violação das disposições conjugadas da alínea b) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 3.º e do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro.”
2. Em 22-11-2023, foi proferida decisão final (doravante, sentença recorrida) pelo TCRS, com o seguinte teor:
“Em face do exposto, julgo o recurso improcedente, razão pela qual condeno a arguida
Interprev – Segurança e Saúde do Trabalho, Lda., com o NIPC … e sede social na Alameda…, Covilhã;
No pagamento de uma coima no valor de 9.000,00 EUR (nove mil euros), pela prática negligente da contraordenação grave prevista e sancionada na alín. b) do n.º 1 do art.º 3.º; nº1 e 4 do art.º 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro; art.º 18º, alín. b), ponto V); 8º, nº 2 e 19º, nº 1, alín. d) do RJCE.”
3. Inconformada com a decisão judicial dela recorreu a arguida para o presente tribunal da relação.
4. A Recorrente teceu as seguintes
CONCLUSÕES e PEDIDO (reprodução integral)
“1 - No âmbito da douta sentença em apreço, o Tribunal A QUO decidiu que “Em face do exposto, julgo o recurso improcedente, razão pela qual condeno a arguida Interprev – Segurança e Saúde do Trabalho, Lda., com o NIPC … e sede social na Alameda …, Covilhã;
No pagamento de uma coima no valor de 9.000,00 EUR (nove mil euros), pela prática negligente da contraordenação grave prevista e sancionada na alín. b) do n.º 1 do art.º 3.º; nº1 e 4 do art.º 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro; art.º 18º, alín. b), ponto V); 8º, nº 2 e 19º, nº1, alín. d) do RJCE.”.
2 - A Recorrente não se conforma com teor da decisão em apreço, uma vez entende não ter praticado, por qualquer forma, a contraordenação que lhe é imputada e pela qual foi condenada.
3 – Entende a Recorrente não ter sido realizada uma correcta qualificação dos factos praticados e não ter sido efectuada uma correcta interpretação quanto ao sentido do regime jurídico e respectivas disposições legais aplicáveis à situação em causa nos presentes autos, impondo-se assim um diverso enquadramento jurídico-penal dos factos que importa a sua revogabilidade, bem como, sempre com o devido respeito, e caso assim não se entendesse, o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se refere, sempre terá de ser revista a medida da sanção aplicada, que se entende como manifestamente desproporcionada, impondo-se assim uma decisão diversa da recorrida.
4 – O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 156/2005 de 15.09 determina a aplicabilidade do diploma legal, sendo necessário que os estabelecimentos comerciais observem, cumulativamente, dois requisitos, nomeadamente que os mesmos assumam uma natureza fixa e permanente, onde seja exercida uma actividade de modo habitual e profissional, bem como que se encontrem disponíveis e acessívais ao público em geral, nomeadamente para atendimento do publico em geral no âmbito de oferta de serviços.
5 – A Recorrente apenas desempenha a sua actividade de prestação de serviços externos segurança e saúde do trabalho junto daquelas entidades empregadoras que consigo celebram contratos para prestação dos mesmos.
6 – Os estabelecimentos da ora Recorrente apenas são utilizados maioritariamente por parte dos próprios trabalhadores da mesma para desempenho das suas tarefas burocráticas, e, pontualmente, em situações de excepção, para realização de serviços junto de alguns dos clientes que contratualizam com a infractora serviços de saúde do trabalho.
7 - O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15.09, determina que a disponibilização do livro de reclamações só é obrigatória apenas em estabelecimentos com atendimento ao público em geral, sendo que o estabelecimento em causa da Recorrente não se encontra aberto para atendimento do público em geral, sendo apenas pontualmente acessível para alguns dos seus clientes no âmbito das relações contratuais com estas mantidas para prestação de serviços de Saúde do Trabalho a que se dedica, não se destinando ao contacto com o público, nem possuam serviços de atendimento ao público destinado à oferta de serviços, os quais são garantidos por contacto presencial e local junto dos clientes através de equipas comerciais.
8 – Neste sentido, a Recorrente não praticou a contraordenação que lhe é imputada no âmbito dos presentes autos, porquanto não a sua conduta não se enquadra nem é abrangida pela disposição cuja violação lhe é imputada, não podendo, em consequência, ser responsabilizada pela mesma ou pelo pagamento de eventuais coimas a esta inerentes, razão pela qual deverá ser absolvida, o que expressamente se requer.
9 – Caso assim não se entendesse, o que apenas por mero exercício de raciocínio se concebe, , em face dos factos provados nos autos e à gravidade da conduta assumida por parte da Rcorrente, a entender-se que se justifica a aplicação de uma coima, a mesma deveria ser sempre aplicável pelo mínimo legal, uma vez que atendendo ao mencionado, à negligencia da conduta, à ilicitude sem particular relevo agravante, à inexistência de benefício económico, à postura da Recorrente, simples censura do facto e esta medida da sanção realizam já, de forma adequada e suficiente, as finalidades de tal punição.”
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5. A Recorrida respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
6. O Ministério Público junto do tribunal de primeira instância, respondeu ao recurso, defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se o decidido.
7. O Ministério Público junto deste tribunal subscreveu a posição expressa pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância.
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II. QUESTÕES
8. Perante a fundamentação e conclusões de recurso da arguida cumpre ao presente tribunal responder às seguintes questões:
i. O artigo 2.º do DL n.º 156/2005 determina que a disponibilização do livro de reclamações só é obrigatória em estabelecimentos que tenham contacto com o público, designadamente através de serviços de atendimento ao público destinado à oferta de produtos e serviços ou de manutenção das relações de clientela, o que não é caso do estabelecimento da Recorrente, não lhe podendo, assim, ser imputada a contraordenação pela qual foi condenada?
ii. A entender-se que se justifica a aplicação de uma coima, em face dos factos provados nos autos e à gravidade da conduta assumida por parte da Recorrente, a mesma deveria ser sempre aplicável pelo mínimo legal, uma vez que atendendo à negligencia da conduta, à ilicitude sem particular relevo agravante, à inexistência de benefício económico, à postura da Recorrente, a simples censura do facto e esta medida da sanção realizam já, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição?
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III. DA MATÉRIA DE FACTO
9. A sentença recorrida fixou a factualidade que se passa a expor.
Factos provados
1. Interprev – Segurança e Saúde do Trabalho, S.A., com sede social na Alameda …, Covilhã, é titular do NIPC …, e está inscrita no SRER da ERS sob o n.º …, desde 19 de dezembro de 2011.
2. Aquela sociedade tem como objeto social a prestação de serviços na área da Segurança, Higiene e Saúde do Trabalho, Higiene e Segurança Alimentar e formação nas áreas mencionadas.
3. No exercício da sua atividade, a arguida possui um estabelecimento sito na Avenida..., Faro, no qual, entre outras funções de utilização do espaço, são também prestados cuidados de saúde na valência de medicina do trabalho.
4. Aquele estabelecimento encontra-se registado no SRER da ERS sob o n.º ….
5. No dia 6 de outubro de 2021, (…) deslocou-se ao estabelecimento supra referido, onde realizou uma consulta de medicina do trabalho, a pedido da sua entidade empregadora ORALMANCIL – Serviços Médicos, Lda., no âmbito do seu contrato de trabalho.
6. A arguida havia celebrado com a empresa ORALMANCIL – Serviços Médicos, Lda., um contrato de prestação de Serviços de Segurança e Saúde do Trabalho em 20 de setembro de 2021.
7. (…) apresentou-se no estabelecimento da arguida na qualidade de trabalhadora da empresa ORALMANCIL – Serviços Médicos, Lda.
8. A consulta realizada a (…), havia sido solicitada pela sociedade ORALMANCIL – Serviços Médicos, Lda., no âmbito do contrato dado por provado em 6).
9. No dia 14 de outubro de 2021, (…) deslocou-se novamente ao estabelecimento da arguida, com o intuito de fazer uma reclamação no respetivo Livro de Reclamações, devido a descontentamento com a consulta realizada em 6 de outubro.
10. A funcionária que a atendeu negou-lhe o acesso ao livro de reclamações.
11. O livro de reclamações não foi entregue com o justificativo de que a consulta havia sido realizada no âmbito da saúde de trabalho, requerida pela ORALMANCIL – Serviços Médicos, Lda., pelo que deveria ser esta sociedade, enquanto cliente, a formalizar a reclamação.
12. O livro de reclamações encontrava-se disponível na receção do estabelecimento.
13. O livro de reclamações era entregue apenas a quem tivesse celebrado um contrato de prestação de serviços de saúde no trabalho com a arguida, pela funcionária administrativa, quando solicitado.
14. (…) participou o ocorrido à PSP, Comando Distrital de Faro.
15. Na sequência dessa participação, um agente da PSP deslocou-se ao interior do estabelecimento prestador de cuidados de saúde, onde falou com o diretor da delegação, N…, que o informou que (…) realizou exames relativos a um contrato de prestação de serviços e consultoria que a arguida mantinha com a empresa ORALMANCIL – Serviços Médicos, Lda., no âmbito de segurança e saúde no trabalho.
16. Mais informou que (…) deveria dirigir o teor da reclamação à sua entidade empregadora e esta, subsequentemente, apresentaria a reclamação.
17. (…) deduziu a reclamação pretendida no formato eletrónico do livro de reclamações, em 16 de outubro de 2021.
18. A arguida sabia que o livro de reclamações deveria ser disponibilizado quando solicitado, bem como que a recusa de o fornecer após solicitação para o efeito a fazia incorrer na prática de uma contraordenação.
19. A recusa deveu-se à circunstância dos funcionários da arguida pensarem que a obrigação de apresentação do livro apenas era devida face aos clientes da arguida com quem esta contratava os seus serviços, tendo aqueles agido sem a diligência que lhes era devida no sentido de averiguar se tal apresentação era também devida face a (…), estando convencidos que a recusa dada por provada não fazia a arguida incorrer na prática de uma infração.
20. No ano de 2021 a arguida declarou um volume de negócios de 11.786.176,67 euros, um resultado líquido de 85.494,40 euros, tendo ao seu serviço 381 trabalhadores assalariados.
21. A única condenação da arguida pela ERS remonta ao ano de 2013.

Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que o livro de reclamações não foi facultado quando solicitado pela autoridade policial.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO

10. O presente recurso segue a tramitação prevista no CPP, com as especialidades previstas no artigo 74.º, n.º 4, do RGCO.
11. No âmbito de processos de contraordenação, em recursos interpostos de decisões do tribunal de primeira instância, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, como estatui o n.º 1, do art.º 75.º, do RGCO.
12. Podem, ainda, ser conhecidos os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP e nulidades conforme previsto no n.º 3 deste preceito. [1]
13. Por outro lado, importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (art.º 412.º, nº 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito.
14. Passemos, pois, a responder às questões suscitadas pela Recorrente.
i. Os estabelecimentos da ora Recorrente apenas são utilizados maioritariamente por parte dos próprios trabalhadores da mesma para desempenho das suas tarefas burocráticas, e, pontualmente, em situações de exceção, para realização de serviços junto de alguns dos clientes que contratualizam serviços de saúde do trabalho e, por isso, o artigo 2.º do DL n.º 156/2005 não lhe é aplicável, não lhe podendo, assim, ser imputada a contraordenação pela qual foi condenada?
15. Estabelece o artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, do DL. n.º 156/2005:
“Artigo 2.º
Âmbito
1 - São abrangidos pela obrigação de disponibilização do formato físico do livro de reclamações todos os fornecedores de bens e prestadores de serviços, designadamente os identificados no anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, em todos os estabelecimentos que:
a) Se encontrem instalados com carácter fixo ou permanente, e neles seja exercida, exclusiva ou principalmente, de modo habitual e profissional, a atividade; e
b) Tenham contacto com o público, designadamente através de serviços de atendimento ao público destinado à oferta de produtos e serviços ou de manutenção das relações de clientela.
2 - São abrangidos pela obrigação de disponibilização do formato eletrónico do livro de reclamações todos os fornecedores de bens e prestadores de serviços designadamente os identificados no anexo ao presente decreto-lei, quer desenvolvam a atividade em estabelecimento que cumpra os requisitos previstos no número anterior ou através de meios digitais.”
16. Neste âmbito, em sede factual ficou desde lodo estabelecido que:
2. Aquela sociedade (Recorrida) tem como objeto social a prestação de serviços na área da Segurança, Higiene e Saúde do Trabalho, Higiene e Segurança Alimentar e formação nas áreas mencionadas.
3. No exercício da sua atividade, a arguida possui um estabelecimento sito na Avenida …, Faro, no qual, entre outras funções de utilização do espaço, são também prestados cuidados de saúde na valência de medicina do trabalho.
4. Aquele estabelecimento encontra-se registado no SRER da ERS sob o n.º ….
17. Ou seja, resulta da matéria de facto provada que o estabelecimento da ora Recorrente aqui em causa, trata de um estabelecimento permanente no sentido de não temporário.
18. Mais resulta que em tal estabelecimento a Recorrente presta exclusiva ou principalmente, de modo habitual e profissional, serviços relacionados com a sua atividade profissional, pois senão nem faria sentido, tal como salienta o Ministério Público na respetiva resposta ao recurso, a inscrição daquele estabelecimento no SRER da ERS sob o n.º ….
19. Também se depreende que em tal estabelecimento a arguida presta, além de outros, serviços de cuidados de saúde na valência de medicina do trabalho.
20. É neste contexto que se compreende que “(n) o dia 6 de outubro de 2021, (…) deslocou-se ao estabelecimento supra referido, onde realizou uma consulta de medicina do trabalho, a pedido da sua entidade empregadora ORALMANCIL – Serviços Médicos, Lda., no âmbito do seu contrato de trabalho” (facto provado 5).
21. Ou seja, é manifesto que a Recorrente presta serviços de saúde, no estabelecimento em causa, aí contactando com o “público”, entendendo-se como integrando este conceito trabalhadores de outras empresas que não a Recorrente.
22. Tal como salienta o Ministério Público na sua resposta ao recurso, esta factualidade já provada não pode ser modificada por este tribunal da relação, inexistindo, ademais, qualquer razão substancial para assim proceder.
23. Inexiste, assim, qualquer razão para que a arguida seja absolvida da contraordenação pela qual foi condenada, desde logo porque se apurou que “(n)o dia 14 de outubro de 2021, (…) deslocou-se novamente ao estabelecimento da arguida, com o intuito de fazer uma reclamação no respetivo Livro de Reclamações, devido a descontentamento com a consulta realizada em 6 de outubro”, sendo certo que “(a) funcionária que a atendeu negou-lhe o acesso ao livro de reclamações” (factos provados 9 e 10).
24. Nestes termos, neste ponto o recurso deve ser julgado improcedente.
ii. A entender-se que se justifica a aplicação de uma coima, em face dos factos provados nos autos e à gravidade da conduta assumida por parte da Recorrente, a mesma deveria ser sempre aplicável pelo mínimo legal, uma vez que atendendo à negligencia da conduta, à ilicitude sem particular relevo agravante, à inexistência de benefício económico, à postura da Recorrente, a simples censura do facto e esta medida da sanção realizam já, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição?
25. Em sede da medida da coima, conforme explanou a sentença recorrida “(n)os termos e para os efeitos do art.º 20º do RJCE, os fatores a considerar são os seguintes: a gravidade da contraordenação, a culpa do agente, a sua situação económica e o benefício económico obtido com a infração. Na determinação coima concreta são ainda considerados o incumprimento de quaisquer recomendações constantes de auto ou notificação e a prática pelo agente de atos de coação, falsificação, ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da verdade; a conduta anterior e posterior à prática dos fatos e as exigências de prevenção – art.º 21º do RJCE”.
26. Mais resulta da sentença recorrida que esta valorou corretamente as circunstâncias relevantes, quer contra quer a favor da arguida, salientando, no plano da prevenção geral que a conduta da Recorrente revela “a ideia que o estabelecimento que detém o livro de reclamações, tem a faculdade ou o direito de decidir quais são as queixas legítimas, e aquelas que não o são, bem como de decidir quem pode reclamar e quem não pode. Ao invés de ser um mero transmissor de mensagens entre o consumidor/utente e a entidade reguladora competente (pretensão esta expressamente pretendida pelo legislador), assume-se como um primeiro julgador de si próprio, avaliando a legitimidade do reclamante e a bondade da reclamação. Esta perceção é absolutamente errada, sendo importante que os mecanismos sancionatórios expressem de forma eficaz que se trata de um erro e que não é essa a função do estabelecimento quando recebe uma reclamação” (p. 26).
27. Mais salientou, no plano de necessidades de prevenção especial, “revelam-se igualmente elevadas, na medida em que, tanto as testemunhas funcionárias da arguida inquiridas em audiência, quanto a posição da arguida assumida na impugnação, demonstraram estar absolutamente convictas que a recusa do livro é legítima pelas razões que invocaram. O que revela que ainda não interiorizaram o conteúdo da obrigação imposta pela lei, e que, no futuro, se a situação voltar a repetir-se, voltarão a violar a norma. Ou seja, praticaram a infração em erro, mas continuam convictas que não estão erradas” (p. 27).
28. A favor da arguida ponderou o facto desta não ter obtido um qualquer benefício económico e o facto da utente em causa ter logrado apresentar reclamação por via eletrónica.
29. As considerações do tribunal a quo afiguram-se-nos como corretas e consistentes, e a medida da coima aplicada afigura-se ser proporcional.
30. Em suma, nada há a apontar à sentença recorrida, devendo o recurso ser julgado integralmente improcedente.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s (artigo 93.º, n.º 3, do RGCO, e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III do RCP).
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Lisboa, 18-03-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
Carlos M. G. de Melo Marinho
José Paulo Abrantes Registo
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[1] Cf. Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2019, DR. n.º 124/2019, Série I de 2019-07-02.