Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
| Descritores: | REGISTO DA ACÇÃO NULIDADE DA DECISÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/29/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | RECURSO PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - Não obstante a afirmação genérica de que a acção de reivindicação está sujeita a registo, o seu registo só terá, de facto, cabimento quando for proposta por quem ainda não é titular inscrito do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado. II - O artigo 506º nº 1 do Código de Processo Civil permite que depois de terminado o prazo para a apresentação do último articulado a parte venha deduzir em articulado posterior ou em novo articulado factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que sejam supervenientes e que lhe aproveitem, dedução que pode ocorrer até ao encerramento da discussão da causa. Para o efeito é atendível quer a superveniência objectiva, quer a superveniência subjectiva, como decorre do disposto no nº 2 do citado artigo 506º, impondo-se neste último caso a alegação e prova da data em que a parte teve conhecimento dos factos, ou seja, de que este ocorreu depois de terminados os prazos previstos na lei adjectiva para a apresentação dos respectivos articulados. III – A circunstância de determinados documentos estarem «presos por linha», ou depositados na secção, não estando incorporados no processo, entendido este como o “conjunto dos actos que hão-de praticar-se em juízo na propositura e desenvolvimento da acção” ou na acepção de caderno (autos) constituído pelas peças escritas emanadas das partes, pelas decisões do tribunal e pelo relato dos actos e diligências praticados no desenvolvimento da acção, nada nos autos evidenciando, designadamente ao nível da decisão sobre a matéria de facto, que os documentos foram considerados nesta, tem de concluir-se que a não incorporação dos documentos nos autos constituiu preterição de um acto previsto na lei susceptível de influir no exame e decisão da causa, uma vez que a análise de tais documentos não permite concluir, desde logo, pela sua irrelevância e/ou insusceptibilidade de influir no sentido da decisão sobre a matéria de facto que foi proferida. (FG) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: E, S.A., intentou, em 23 de Maio de 2000, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Automecânica, Lda, pedindo a condenação da ré a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o prédio urbano denominado Casal do Alvito, sito em Lisboa na Estrada de Monsanto à Cruz das Oliveiras, freguesia de Alcântara, inscrito na matriz sob o artigo 1880º e descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha nº 869/980921-Alcântara, e a entregar-lhe a parcela daquele prédio que ocupa sem qualquer título devoluta de pessoas e bens. Pede ainda a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização que vier a ser liquidada pelos prejuízos sofridos e pelos benefícios que deixou de obter em resultado da recusa da ré a entregar-lhe a dita parcela. Para tanto alegou, em síntese, que por escritura pública de compra e venda, outorgada em 4 de Janeiro de 2000, adquiriu a propriedade e a posse daquele prédio com o propósito de nele realizar uma operação de reconversão urbanística, sendo que a manutenção da ocupação pela ré de uma parcela do mesmo acarretará prejuízos decorrentes da improdutividade dos investimentos que efectuou e impede a execução dos trabalhos de urbanização e subsequente comercialização dos futuros edifícios, bem como a obtenção de qualquer contrapartida financeira. Na contestação a ré pugnou pela suspensão da instância, face à necessidade do registo da acção, e excepcionou a existência de um contrato de arrendamento legitimador da ocupação do dito imóvel, concluindo pela improcedência da acção. Invocou ainda a existência de causa prejudicial determinante da suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 279º do Código de Processo, alegando estarem pendentes várias acções movidas pelos vários locatários do Casal do Alvito, numa das quais (a correr termos com o nº 50/00 da 3ª secção da 16ª Vara do mesmo Tribunal) deduziu a sua intervenção espontânea, como associada dos ali autores, com vista à declaração de nulidade da escritura de aquisição de 4 de Janeiro de 2000 fundada em simulação. Na réplica a autora impugnou a matéria da excepção e opôs-se à suspensão da instância finalizando como na petição inicial. Por despacho proferido a fls. 199, foi decidido que “A falta de registo da acção não é impedimento do seu prosseguimento” e que “A presente acção não é dependente de outra já intentada ou a intentar, nem a decisão a proferir depende da decisão a proferir noutra – pelo que não há que suspender a instância”. Deste despacho agravou a ré, sustentando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª O registo da presente acção era e é indirectamente obrigatório; uma vez que, visando a demandada o reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre o prédio reivindicado a causa não pode seguir para além da fase dos articulados sem aquele registo; 2ª Decidindo em contrário, e até sem fundamentar essa posição, o primeiro passo do despacho recorrido é nulo, nos termos das disposições combinadas os art°s 158° e 668°, 1, b) Cod. Proc. Civil, tendo para além disso violado o disposto nos art°s 2° e 3° do Cod. Reg. Predial; 3ª A acção identificada no n° 73 da contestação da Recorrente e documentos por esta juntos constitui causa prejudicial à presente demanda, pois a decisão que aí venha a ser proferida sobre a anulação da escritura notarial em que a aqui autora fundamenta o seu direito e inerente registo é susceptível de inviabilizar totalmente a pretensão desta quanto ao prédio reivindicado e que foi objecto daquela escritura; 4ª Verificava-se, como tal, e continua a verificar-se, em sede de boa justiça, motivo justificado, que o Tribunal não devia ter ignorado, para a suspensão da instância até ao julgamento daquela causa; 5ª Decidindo em contrário, também sem conter a menor justificação para essa asserção o correspondente despacho é igualmente nulo por força dos citados art°s. 158° e 668°, 1, b) Cod. Proc. Civ., não tendo, além disso, e como no caso competia, feito aplicação do estatuído no art° 279° 1 do mesmo Código; 6ª Pelo que ambos os despachos devem ser revogados e mandados substituir por outros que defiram a requerida suspensão da instância, com todas as demais e legais consequências. A autora contra alegou pugnando pela confirmação do decidido. Invocando a conexão existente entre a presente acção e a de simples apreciação que proposta contra a aqui autora e todos os vendedores do imóvel a que se referem estes autos, cujo desfecho, em seu entender, se reflectirá na sorte desta, voltou a ré a requerer a fls. 443 e 44 a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial. A fls. 486/489 deduziu a ré articulado superveniente ao abrigo do disposto no artigo 506º do Código de Processo Civil. Sobre estes requerimentos recaiu o despacho de fls. 533 e 534 com o seguinte teor: “Trata-se esta acção de uma reivindicação, a que Ré apõe um direito real menor e impugna. A outra acção, intentada depois da nossa, tem outro alcance Não vem resolver as questões levantadas neste processo. Na outra acção não se discute questão que possa destruir a razão de ser desta. Na outra acção não se discute questão que seja essencial para a decisão da nossa. Não há nexo de prejudicialidade entre a outra causa e a nossa. Na outra causa fala-se de arrendamentos na generalidade, várias entidades. Nada disso nos interessa. Interessa-nos apenas o nosso pedido e a nossa causa de pedir. A nossa acção e a nossa defesa. E o que nos interessa é muito mais do que uma simples apreciação, mesmo ditada por eventual sentença. Não suspendo a instância do nosso processo. (…) Articulado superveniente de fls. 486 - Admito liminarmente. (...) Custas do incidente por quem dele beneficia isto é - pela Ré.” Deste despacho agravou, de novo, a ré, sustentando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva: 1ª A dedução de articulados supervenientes, em qualquer causa, só por si, não constitui incidente que determine especifica condenação em custas; 2ª Quando muito poderia admitir-se essa tributação no caso de rejeição liminar desses articulados, o que não sucedeu nos presentes autos, 3ª Pelo contrário, os dois articulados que determinaram a cominação de custas ora recorrida (fls. 404 e fls. 486) foram admitidos e a sua matéria incluída na Base Instrutória; 4ª Mostra-se assim indevida a repetida condenação da Ré nas "custas do incidente" que, num e outro dos casos em apreço, não ultrapassou a tempestiva e pertinente alegação de matéria superveniente, o que é uma faculdade legal; 5ª Logo, sem ter perdido nem esperar perder a causa, a Ré não podia ser sancionada com esse encargo de custas; 6ª Ao impor-lho, o despacho recorrido fez errada aplicação do disposto nos arts. 446° e 448° CPC e 16° CCJ; 7ª Deve entender-se que a acção certificada a fls. 445 constitui causa prejudicial à presente demanda, pois contém matéria que é em parte coincidente com a desta (quesitos 15° a 22°) e oferece quanto à sua apreciação maiores e melhores garantias de jurisdicionalidade; 8ª Numa óptica, por que o Tribunal deve pautar-se, de salvaguarda e prevalência do princípio da verdade material, o julgamento dessa matéria, a que a aqui Autora aí nem será alheia, deve portanto realizar-se naqueloutra acção; 9ª Não aceitando a requerida (fls. 443) suspensão da instância, o despacho recorrido foi-o em detrimento do disposto no art° 279° 1 CPC, a que deveria atender; 10ª A matéria constante dos actuais quesitos/perguntas 14, 22 e 24 deve considerar-se no âmbito da matéria assente e ser nesta incluída, por não ter sido impugnada e a par disso estar documentada de forma autêntica; 11ª Ao inserir essa matéria na Base Instrutória, o despacho recorrido fez errada aplicação do disposto nos art°s. 506° 4 CPC e 369° e 371° CC. 12ª Deve assim o despacho recorrido ser revogado, no sentido do exposto. A autora contra alegou defendendo a confirmação do decidido. A fls. 956 a ré deduziu novo articulado superveniente, alegando o seguinte: “1º - Em 20 de Março de 1992, foi entregue na Repartição de Finanças do 6º Bairro Fiscal de Lisboa, uma declaração modelo 129 - oficialmente destinada à inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz - preenchida em nome de A e por este assinada na qualidade de cabeça de casal da herança de seu pai F, a qual se encontrava ainda indivisa e de que fazia parte o prédio ora reivindicado pela Autora. 2° - Essa declaração conteve a menção de que «não existem arrendamentos e desconhece-se as datas das ocupações» - o que no contexto de tal documento tem de entender-se como referência à inexistência de títulos escritos de arrendamento - bem como a menção de que em «anexo - junta-se duas folhas dactilografadas com a relação dos actuais inquilinos e áreas ocupadas». 3° - Na primeira folha do mencionado Anexo também este subscrito pelo mesmo A, vem referido como uns dos nomes dos arrendatários «J e outros» com a renda anual de «80.450$00» respeitante a um «armazém», com afectação à «OF.REP.AUTO», cobertura em «chapa ond e área aproximada 100» (entenda-se m2). 4° - Este facto que como ficou dito só veio ao conhecimento da Ré após a última sessão de julgamento comprova e documenta de forma autêntica que o dito cabeça de casal A assumiu e reconheceu, já em Março de 1992 os actuais sócios daqui Ré como arrendatários das instalações, que esta ocupa no Casal do Alvito. Para prova da matéria do presente Articulado a Ré requer a junção de uma outra certidão também emitida pela Secretaria Geral deste Tribunal em 12 de Dezembro de 2002 e que se refere ao documento de folhas 146 a folhas 151 do acima mencionado processo judicial.” Sobre este requerimento foi proferido despacho a fls. 961/963, no qual se escreveu, além do mais, o seguinte: “Nesta acção a A reivindica uma área de certo imóvel e a Ré alega um contrato de arrendamento, invocando assim justo título de utilização. No fundo a junção dos documentos como a Ré fez, ao processo, e a formulação deste dito articulado superveniente são uma e a mesma coisa: mais uma prova instrutória. No fundo as duas actuações são uma e a mesma porque os factos que se articulam são o teor dos documentos juntos e uma leitura, das possíveis, que sobre os documentos a Ré faz. No fundo a Ré alegadamente só descobriu mais um meio de prova para da sua defesa. Trata-se de uma alegada prova do arrendamento, não do facto: arrendamento. Não é um facto novo, superveniente, na economia do art. 506° do C.P.C., mas de alegada prova de facto já há muito existente, na versão da Ré. E não é um facto constitutivo, modificativo ou resolutivo do direito (arrendamento) que a Ré invoca...” Deste despacho agravou, mais uma vez, a ré, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões: 1ª O articulado superveniente deduzido nos termos e pelos fundamentos constantes da acta de julgamento de fls. 956 contém matéria de facto pertinente à discussão e com manifesto interesse para uma abrangente apreciação e decisão da causa; 2ª Assim sendo, por haver sido apresentado em tempo e pelo meio próprio, esse último articulado deveria ter sido admitido; 3ª Aliás, na medida em que concedeu à Autora a faculdade de se pronunciar sobre matéria do mesmo articulado, o Senhor Juiz recorrido implicitamente o admitiu art° 506°, 4 fine CPC); 4ª Consequentemente, os factos constantes de tal articulado deveriam ter sido incluídos na base instrutória, dando-se como produzida a respectiva prova através dos documentos contemporaneamente juntos; 5ª Decidindo em contrário o despacho recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos referidos art°s. 506° 6 e 511° 1 CPC, pelo que deve ser revogado; 6ª Ordenando-se, portanto, ao Senhor Juiz que, em substituição do despacho recorrido, exare outro que admita o articulado e proceda à inserção de respectiva matéria na base instrutória será feita Justiça. Na contra alegação a autora pugnou pela confirmação do decidido. Realizado o julgamento, foi proferida sentença a fls. 1008/1013 que julgou a acção procedente. Inconformada, apelou a ré, sustentando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª deve ser atendida a reformulação da Base Instrutória requerida a fls. 669, e, em consequência: a) ser aditada uma alínea à relação dos factos assentes, transposta por eliminação do actual quesito 22° e com a redacção supra sugerida (item 11); b) e ser igualmente transposto para a matéria assente, com a sua actual redacção, o actual quesito 24 (item 11); c) ser quesitada a matéria dos n°s 17°, 18°, 20°, 23°, 30°, 31° 35° e 64° da contestação (item 12 supra), com óbvia repetição do julgamento para apreciação dessas matérias; 2ª Como assim ser dada como não provada a matéria dos quesitos 6º (supra, item 16) e provada nos termos e pelos motivos supra aduzidos (item 18) toda a matéria dos quesitos 5°A, 6°-A. 7°, 8°, 9°, 10°, 12°, e 13° e parcialmente a dos quesitos 11°, 15° a 19° e 21°; 3ª Sendo consequentemente revogada a sentença, e em particular no passo em que a decisão dela decorrente foi alterada, depois de proferida, passando a respectiva condenação a impor a desocupação de dois locais, quando o pedido o foi só para uma parcela - tudo isso com ofensa do disposto nos art°s 666° 1 e 668° 1 e) CPC; 4ª Mas podendo aproveitar-se da matéria alegada e que deve ser dada como provada, na forma acima exposta (item 20° supra), a suficiente para constatar a existência de um arrendamento válido das instalações ocupadas pela Recorrente, constituído em fase de comunhão hereditária do prédio e ratificado ao longo de mais de três anos pelo respectivo cabeça de casal, que para o efeito tinha poderes - ut art°s 2.087° e 1.201° 1 CC - sem que nenhum comproprietário o haja entretanto impugnado, o que obstou ao efeito de caducidade - art° 1.056° CC; 5ª Pelo que a subsistência de tal arrendamento - cuja resolução tem de ser especificamente pedida e judicialmente decretada ut art° 63° 2 RAU - e que não foi sequer objecto da presente demanda - constitui causa legítima para a permanência da Recorrente no local reivindicado; 6ª Acrescendo que, dadas as especiais envolventes e circunstâncias em que o arrendamento das instalações em apreço foi negociado e concluído, antes descritas (supra, item 20) o seu não reconhecimento por parte da Autora representaria um atropelo aos princípios da boa-fé, e como tal um abuso de direito não consentido - art° 334° CC - além de, em última análise, ir contra as garantias da igualdade e da confiança que fazem parte dos direitos fundamentais dos portugueses - art°s 2° e 134° CRP; 7ª Por todo o exposto, e por aplicação de cada uma das citadas disposições legais no sentido que se deixa referido, a sentença recorrida deve ser revogada, e a acção julgada improcedente e não provada, com todas as consequências legais. A autora na contra alegação pugnou pela manutenção do julgado. A fls. 1049 a ré, alegando ter verificado após consulta do processo que não se encontravam juntos ao mesmo os documentos que apresentou na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 27 de Janeiro de 2003, conforme acta de fls. 956, os quais tinham sido admitidos por despacho proferido a fls. 961, veio arguir a nulidade consistente na falta de junção aos autos dos referidos documentos, pedindo que fossem anulados todos os subsequentes termos do processo em que tal falta pudesse influir, como é o caso da decisão sobre a matéria de facto proferida a fls. 974 e 975 e, bem assim, da sentença proferida a fls. 1008/1013, que naquela assentou. A autora pugnou pelo indeferimento da arguida nulidade. A fls. 1071 a secção de processos abriu conclusão “informando (...) que, após pesquisa efectuada aos duplicados existentes nesta secção, foram localizados os documentos que antecedem, que, por lapso, não foram juntos aos autos conforme ordenado no despacho de 10-03-2003”. No despacho que se seguiu foi relevado o lapso, determinou-se que os documentos em causa ficassem nos autos e ordenou-se a audição das partes. Posteriormente, foi proferido a fls. 1099 despacho com o seguinte teor: “Os documentos em causa já foram encontrados e incorporados nos autos, pois que antes tinham estado «presos por linha» com os demais cuja junção se requereu. Nunca saíram da secção de processos, nem da alçada e controle da Senhora Escrivã e do Magistrado titular, nem desapareceram. Apenas não foram entranhados quando deviam ser e no lugar em que deviam ser, com os demais. Não há qualquer nulidade, nem tal lapso influiu na decisão da causa, nem tal lapso pode influir nas futuras apreciações da questão sub judice. Indefiro o requerido”. A ré agravou também deste despacho, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões: 1ª Por despacho judicial de 10 de Março de 2003, exarado a fls. 961 do processo principal, devidamente notificado às partes e que não foi objecto de reclamação ou recurso, foi ordenada a junção aos autos, sem multa, de quatro documentos – certidões judiciais emanadas do processo n° 9886, da 1ª Secção do extinto 2°Juízo Cível, findo e em Arquivo - pela Ré apresentados na audiência de julgamento de 27 de Janeiro de 2003, conforme ficou a constar da respectiva Acta, a fls. 956; 2ª Por razões não apuradas, e com flagrante violação do estatuído no n° 2 do art° 161° CPC. esses documentos não foram todavia incorporados no processo e nem sequer estavam já apensos por linha ou na contracapa, como a título provisório fora ordenado antes do acima referido despacho, quando veio a ter lugar a decisão da matéria de facto constante das respostas de fls. 974/975; 3ª Consequentemente, a irregularidade consistente na falta de oportuna autuação dos mencionados documentos impediu que o Tribunal os conhecesse, como era de seu estrito dever, no conjunto da análise crítica da prova produzida, e nessa medida reverteu em directo prejuízo da Ré, o que a lei também não consente, dito art° 161°, n° 6; 4ª Mostra-se de todo inadmissível que o Tribunal se pronuncie, designadamente e ao que aqui importa, quanto à matéria da base instrutória, sem que estejam nos autos todos os elementos de prova documental cuja junção haja anteriormente sido requerida e aceite; 5ª A subtracção dos supra indicados meios de prova factual, com óbvia incidência no bom julgamento da causa, incluindo nesta Segunda instância, constituiu portanto uma irregularidade processual geradora de nulidade, segundo a previsão e disciplina do art° 201°, 1 CPC, que a Recorrente arguiu logo que dela teve conhecimento através da conferência do processo que, para alegações, fora confiado ao signatário para exame domiciliário; 6ª Essa nulidade, inquina não só a decisão sobre a matéria da base instrutória, como se reflecte e repercute em todos os termos subsequentes do processo que tenham por pressuposto, como é desde logo o caso da sentença de fls. 1008 e seguintes, de acordo com o disposto no n° 2 do cit. art° 201° CPC; 7ª Consequentemente, tal como fora requerido, mas o despacho recorrido desconcertadamente não atendeu, deve além do mais ser reposta a legalidade na tramitação do presente processo, e em obediência aos mencionados preceitos, ser reconhecida e declarada a nulidade resultante da predita falta de junção aos autos dos documentos cuja incorporação fora ordenada pelo despacho de fls. 961, bem como a nulidade de todos os termos do processo em que essa falta se reflectiu, designadamente a da decisão da matéria de facto de fls. 974/975 e a da inerente sentença de fls. 1008/1014; 8ª Com tudo isso, naturalmente, o despacho recorrido terá de ser revogado, e, fazendo- -se das normas legais supra citadas aplicação no sentido do exposto, ser deferido o requerido a fls. 1087, com todas as legais consequências. A autora contra alegou, sustentando a confirmação do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Fundamentos: 2.2. De facto: Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos: a) A autora E, SA outorgou, no dia 4 de Janeiro de 2000, no 21° Cartório Notarial de Lisboa como compradora da propriedade plena do prédio urbano denominado Casal Do Alvito sito em Lisboa na Estrada de Monsanto à Cruz das Oliveiras, freguesia de Alcântara, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1880, descrito na 6° Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha nº 869/980921, nos precisos termos documentados a fls. 22 a 37; b) A ré montou na área do prédio referido em a), mantém e utiliza instalações em dois locais do mesmo prédio; c) A ré explora nos aludidos locais (são dois barracões, um em frente do outro) a indústria de reparação de automóveis; d) A autora em 31 de Março de 2000, por notificação judicial avulsa, notificou a Ré nos termos precisos de fls. 14 a 21; e) A ré recusa-se a abrir mão da fruição que faz desses locais; f) A autora adquiriu o Casal do Alvito com o propósito de nele realizar uma operação de reconversão urbanística que permitirá a requalificação da zona, pondo termo ao estado de degradação ambiental e urbanística em que a mesma se encontra; g) Essa aquisição, a preparação dos projectos da dita operação de reconversão urbanística e as demais despesas incorridas pela autora já neste momento e em futuro próximo representam um investimento vultuoso; h) Desde já poderá ser quantificado o investimento inerente à aquisição do Casal do Alvito pelo preço total de esc. 3.300.000.000$00; i) Já se encontram em elaboração o projecto de urbanização e loteamento da propriedade o que representa um encargo não quantificável, em termos definitivos, mas que ascenderá a algumas dezenas de milhares de contos; j) Este investimento destina-se a ser rentabilizado, mediante a rápida realização da operação de reconversão urbanística projectada, o que constitui condição sine qua non da sua viabilidade; l) A permanência da Ré na parcela ocupada impede a normal execução dos trabalhos de urbanização do Casal do Alvito, o que, por sua vez, impede a autora de construir e, subsequentemente, comercializar os futuros edifícios, impedindo a autora de rentabilizar o investimento efectuado; m) Desde a data em que a autora se tornou dona do Casal do Alvito encontra-se, igualmente, privada de dispor do local como melhor entender, o que a impede de receber qualquer contrapartida financeira; 2.2. De direito: Tendo presente que o objecto dos recursos está balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, como determina o estatuído nos artigos 684º nº 3 e 690º do Código de Processo Civil, passa a conhecer-se de todos os agravos pela ordem da sua interposição, sendo a apelação apreciada a final na medida em que o eventual provimento do agravo interposto depois desta pode prejudicar o seu conhecimento. 2.2.1. Do agravo interposto do despacho proferido a fls. 199: A primeira questão que se coloca é a de saber se o despacho em causa é nulo por falta de fundamentação. A causa de nulidade prevista no artigo 668º nº 1 al. b) do Código de Processo Civil, aplicável aos despachos por força do disposto no artigo 666º nº 3 do mesmo compêndio adjectivo, só ocorre quando exista falta absoluta de fundamentação. Como ensinam A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, “ Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (1). Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada. Acontece que o despacho sob recurso, embora demasiado sucinto, não pode considerar-se afectado do vício que lhe é apontado. Importa, pois, analisar a problemática do registo da acção. A autora, fundada na inscrição a seu favor da aquisição do prédio identificado nos autos no registo predial e na presunção dele derivada veio reivindicar da ré uma parcela do referido prédio alegadamente ocupada por esta sem qualquer título e, bem assim, o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da detenção ilícita do mesmo. Suscitada pela ré a questão da necessidade do registo desta acção e da suspensão da instância até que se mostrasse realizado, considerou o despacho recorrido que não deveria proceder-se a tal registo. E afigura-se que o despacho recorrido neste particular não merece censura. Os autos evidenciam que a aquisição do imóvel a que se refere esta acção se encontra registada a favor de Cinco Mil e Oitenta – Sociedade Imobiliária, Lda, através da inscrição G19990820001-Ap.1 de 1999/08/20, sendo aquela a anterior denominação social da autora, conforme documentos juntos a fls. 33 e 35 e 189 a 194. Logo, decorre dos citados documentos que a autora era já a titular inscrita do imóvel em causa, na data em que intentou esta acção de reivindicação contra a ré, ou seja, 23 de Maio de 2000. Como muito bem se escreveu no Ac. da RL de 18.05.1995, “O registo predial, de acordo com o art. 1 do CRP - diploma a que pertencem as disposições que a seguir se citarem sem outra menção -, visa essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança jurídica do comércio imobiliário. Este objectivo é prosseguido através da inscrição dos factos jurídicos que naquela situação têm reflexo, os quais se acham enunciados no art. 2. Em princípio, a inscrição definitiva da aquisição de direitos ou da constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome daquele que os transmite ou onera - art. 34, n. 1. É o chamado princípio do trato sucessivo ou da continuidade, que leva a que as inscrições constituam uma cadeia ininterrupta que explica como o direito em causa veio à esfera jurídica do último titular inscrito. A inscrição prévia acima referida só é dispensada havendo, de acordo com a al. a) do art. 35 e com o art. 116, justificação do direito (...). Por outro lado, o cancelamento dos registos é feito com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos ou em execução de decisão judicial transitada em julgado. Esta mecânica, conjugada com a obrigação, que impende sobre o Conservador, de verificar a legalidade do pedido de inscrição e de o recusar se não estiver de acordo com a lei - arts. 68 e 69, que definem o chamado princípio da legalidade -, legitima que de tudo a lei extraia a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define - art. 7. Este sistema envolve ainda uma consequência: a de que só se efectua uma nova inscrição se ela traduzir uma alteração da situação jurídica do prédio. Não se faz uma inscrição contendo o reconhecimento de um direito de que é titular uma pessoa que no registo predial figura já como seu titular inscrito. Esta conclusão tem reflexos no registo que, de acordo com o art. 3, se faz de certas acções aí enunciadas. Na verdade, quando a al. a) do n. 1 do art. 3 sujeita a registo as acções que tenham por fim o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção dos direitos referidos no art. 2, o que se inscreve é uma antecipação do registo a que a al. c) do mesmo n. 1 sujeita as decisões finais dessas acções logo que transitem em julgado; o registo da acção é feito através de uma inscrição provisória por natureza - art. 92, n. 1, al. a) - e o registo da decisão final nela proferida é feito por averbamento àquela inscrição, que envolve a conversão daquela inscrição em definitiva - art. 101, n. 2, al. a) e n. 4. Daqui decorre, por força da prioridade resultante do art. 6, n. 3, que o direito reconhecido ao autor seja oponível a terceiros que só em data posterior ao registo da acção tenham feito inscrever direitos sobre o mesmo prédio. Sendo assim, impõe-se concluir que, apesar de os arts. 2 e 3 falarem simplesmente em reconhecimento de direitos, sem distinção, deles deve fazer-se uma interpretação restritiva de modo a que sejam entendidos como abrangendo apenas o reconhecimento de um novo direito. Daí se tira que, não obstante a afirmação genérica de que a acção de reivindicação está sujeita a registo - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pg. 102 -, o seu registo só terá, de facto, cabimento quando for proposta por quem ainda não é titular inscrito do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado. Não se diga que a não realização do registo, nos termos daqui decorrentes, pode traduzir a não publicitação de um litígio sobre a situação jurídica do prédio e a consequente inoponibilidade da sentença a terceiros que entretanto venham a adquirir e fazer inscrever direitos incompatíveis com o do autor; esta eventual aquisição só poderá ser levada ao registo com observância do princípio do trato sucessivo, o que significa que só poderão ser inscritos direitos de que seja transmitente o titular inscrito, que é, precisamente, o autor. Não se contraria, com este entendimento, a opinião expressa por Antunes Varela na Rev. Leg. Jur., ano 103, pg. 484, para quem o registo da acção - de preferência ou de reivindicação - visa possibilitar executar a decisão contra quem tenha adquirido do réu o prédio. É que, sendo o autor o titular inscrito, não poderá ser inscrita sem sua intervenção uma aquisição em que o transmitente seja o réu, e não o autor. E a sentença, mesmo sem o registo da acção, sempre será oponível ao adquirente, nos termos do art. 271, n. 3, do C. P. Civil. Acresce que, se a acção tiver êxito, resulta confirmado o direito do autor, o que nada acrescenta ao que o registo atesta; e se não tiver êxito, daí não decorre a afirmação de que o direito pertença ao réu, a não ser que haja sido deduzida reconvenção nesse sentido, sendo então esta que deve ser registada.” Este entendimento, com o qual se concorda em absoluto, vem sendo defendido quase uniformemente pela jurisprudência (2) e é sustentado na doutrina por Seabra de Magalhães (3). E dele decorre que, sendo a autora a titular inscrita do imóvel no registo predial quando a acção foi proposta não carece a mesma de ser registada. Mas mesmo que assim não fosse, sempre resulta dos autos que a autora tentou posteriormente registar a presente acção sem êxito, uma vez que tal registo foi recusado pelo conservador competente, conforme documento junto a fls. 340 e 341, precisamente com o fundamento de que “As acções de reivindicação intentadas pelos titulares inscritos não estão sujeitas a registo”. E essa recusa sempre determinaria o prosseguimento desta acção, pois que é aos serviços de registo predial que compete, com total autonomia técnica e jurídica, decidir da necessidade ou não do registo. Neste sentido tem vindo, igualmente, a pronunciar-se unanimemente a jurisprudência(4). Analise-se então a questão da suspensão da instância fundada na pendência de causa prejudicial. Estabelece o nº 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil que o tribunal pode, além do mais, ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta. Invocando este normativo e alegando que requereu a sua intervenção espontânea como associado do autor na acção nº 50/00, pendente na 3ª secção da 16ª Vara do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, movida por M contra a aqui autora e os vendedores do imóvel a que respeitam estes autos, na qual foi pedida a condenação dos réus a “Verem declarada a nulidade da compra e venda do prédio urbano situado no casal do Alvito, em Lisboa, (...), celebrada por escritura pública de 4 de Janeiro de 2000...” e, subsidiariamente, para o caso de aquele pedido não proceder, a “Verem reconhecido o direito de preferência...”, adquirindo aquele para si o prédio alienado à E, SA, requereu a ré, ora agravante, a suspensão desta acção, pretensão que foi indeferida. Na tese da ré a prejudicialidade radicaria no pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda do imóvel celebrado entre os ali réus, na medida em que a procedência desse pedido retiraria à aqui autora legitimidade para a presente acção de reivindicação, pois que, sendo nulo o negócio, já não poderia arrogar-se proprietária do imóvel. Acontece, porém, que foram, entretanto, juntos aos autos os documentos de fls. 1403 a 1410, que não sofreram impugnação e terão de ser considerados por força do disposto no artigo 659º nº 3 do Código de Processo Civil. Desses documentos resulta que o referido M, autor na acção nº 50/00, ali desistiu do pedido quanto aos réus vendedores, subsistindo apenas do lado passivo a ora autora E, SA, adquirente do imóvel em questão nestes autos, desistência que foi homologada por sentença. Neste contexto a prejudicialidade invocada assente no pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda do imóvel, deixou de perspectivar-se face à desistência do pedido naquela acção nº 50/00 relativamente aos réus demandados na qualidade de vendedores do imóvel que a aqui autora reivindica em parte, uma vez que sem estes na lide aquela nulidade não poderá ser declarada. Face ao exposto, improcedem na totalidade as conclusões da alegação da ré, sendo de negar provimento ao agravo. 2.2.2. Do agravo interposto do despacho proferido a fls. 533/534: O presente agravo versa sobre despacho que é constituído por vários segmentos decisórios autónomos dos quais importa aqui destacar, face ao objecto do agravo traçado pelas conclusões oferecidas pela ré, o relativo ao pedido de suspensão da instância com base em causa prejudicial; o respeitante à condenação da ré nas custas do incidente na sequência de expressa admissão de articulado superveniente deduzido pela ré; o tocante à decisão sobre a reclamação contra a selecção da matéria de facto. No requerimento que apresentou a fls. 443 e 444 a ré alegou ter proposto contra a aqui autora e todos os vendedores do imóvel a que se referem estes autos acção de simples apreciação cujo desfecho se reflectirá na sorte destes face à conexão existente entre ambos e ao facto de naquela acção intervirem todos os interessados a que o assunto respeita, garantindo uma discussão judicial mais aprofundada. Resulta dos autos que nesse processo, a que coube o nº 44/2001, e cuja pendência constituiria segundo a ré causa prejudicial relativamente ao presente, foi já proferida sentença, encontrando-se findo. Logo, nesta parte o recurso encontra-se prejudicado, como a própria ré veio afirmar no seu requerimento de fls. 1495, pelo que dele não se toma conhecimento. No tocante à condenação da ré nas “Custas do incidente” reportadas à decisão que admitiu o articulado superveniente que a mesma apresentou, verifica-se que este segmento decisório não é passível de recurso. Com efeito, à luz do disposto no artigo 678º nº 1 do Código de Processo Civil só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal. Cingindo-se a sucumbência da ré à condenação nas custas do incidente, forçoso é concluir que o despacho ora em análise não foi desfavorável à ré em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, sendo que não ocorre qualquer das excepções previstas nos nºs 2 a 5 do citado normativo. Como tal não se toma também neste particular conhecimento do agravo em apreciação. Idêntica sorte tem o agravo na parte em que é impugnado o despacho proferido sobre a reclamação contra a selecção da matéria de facto, uma vez que, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 511º do Código de Processo Civil, esse despacho apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final. Assim e concluindo, não se toma conhecimento do agravo interposto do despacho proferido a fls. 533/534. 2.2.3. Do agravo interposto do despacho proferido a fls. 961/963: Reagiu a ré contra o despacho que lhe indeferiu o articulado superveniente que apresentou a fls. 956. O artigo 506º nº 1 do Código de Processo Civil permite que depois de terminado o prazo para a apresentação do último articulado a parte venha deduzir em articulado posterior ou em novo articulado factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que sejam supervenientes e que lhe aproveitem, dedução que pode ocorrer até ao encerramento da discussão da causa. Para o efeito é atendível quer a superveniência objectiva, quer a superveniência subjectiva, como decorre do disposto no nº 2 do citado artigo 506º, impondo-se neste último caso a alegação e prova da data em que a parte teve conhecimento dos factos, ou seja, de que este ocorreu depois de terminados os prazos previstos na lei adjectiva para a apresentação dos respectivos articulados. No caso em apreço, que seria de superveniência subjectiva, extrai-se da análise do articulado superveniente apresentado que a ré não alegou factos novos, sejam constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, reproduzindo ou reportando-se o mesmo articulado unicamente ao conteúdo de documentos juntos, os quais, na leitura de que deles é feita, seriam susceptíveis de demonstrar factos já incluídos na base instrutória e que contêm a versão que a ré sustentou nestes autos, ou seja, de que a ocupação do espaço reivindicado nesta acção tem lugar ao abrigo de um contrato de arrendamento que legitima tal ocupação e que obsta à pretendida entrega do referido espaço à autora. O articulado apresentado pela ré consubstancia na sua essência a apresentação de provas que alegadamente não pôde oferecer com os respectivos articulados (artigo 523º do Código de Processo Civil) e que na sua óptica iriam habilitar o tribunal a julgar provados pontos de facto concretos relevantes já seleccionados e controvertidos. E o que acaba de afirmar-se decorre claramente da alegação contida naquele articulado superveniente que passa a transcrever-se: “1º - Em 20 de Março de 1992, foi entregue na Repartição de Finanças do 6º Bairro Fiscal de Lisboa, uma declaração modelo 129 - oficialmente destinada à inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz - preenchida em nome de A e por este assinada na qualidade de cabeça de casal da herança de seu pai F, a qual se encontrava ainda indivisa e de que fazia parte o prédio ora reivindicado pela Autora. 2° - Essa declaração conteve a menção de que «não existem arrendamentos e desconhece-se as datas das ocupações» - o que no contexto de tal documento tem de entender-se como referência à inexistência de títulos escritos de arrendamento - bem como a menção de que em «anexo - junta-se duas folhas dactilografadas com a relação dos actuais inquilinos e áreas ocupadas». 3° - Na primeira folha do mencionado Anexo também este subscrito pelo mesmo A. vem referido como uns dos nomes dos arrendatários «J e outros» com a renda anual de «80.450$00» respeitante a um «armazém», com afectação à «OF.REP.AUTO», cobertura em «chapa e área aproximada 100» (entenda-se m2). 4° - Este facto que como ficou dito só veio ao conhecimento da Ré após a última sessão de julgamento comprova e documenta de forma autêntica que o dito cabeça de casal A assumiu e reconheceu, já em Março de 1992 os actuais sócios daqui Ré como arrendatários das instalações, que esta ocupa no Casal do Alvito.” O despacho recorrido não merece, por conseguinte censura. Improcedem, assim, as conclusões da alegação da ré, sendo de negar provimento ao agravo. 2.2.4. Do agravo interposto do despacho proferido a fls. 1095: Para o conhecimento deste agravo importa, antes de mais, considerar a seguinte dinâmica processual: a) na sessão da audiência de julgamento realizada em 27 de Janeiro de 2003 a ré requereu a junção aos autos de certidões extraídas do processo nº 9886 que correu termos pela 1ª secção do 2º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, constituídas por cópia de documentos que se encontram naquele processo; b) após pronúncia da autora, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Face à complexidade do Despacho que cabe proferir dou sem efeito a continuação do Julgamento para hoje designado, ordenando que os autos venham conclusos ficando os documentos a Título provisório na contra capa do processo.” c) por despacho de 10 de Março de 2003, proferido a fls. 961, foi admitida a junção aos autos dos referidos documentos; d) a fls. 1049 a ré, alegando ter verificado após consulta do processo que não se encontravam juntos ao mesmo os documentos que apresentou na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 27 de Janeiro de 2003, conforme acta de fls. 956, e que haviam sido admitidos por despacho proferido a fls. 961, arguiu a nulidade consistente na falta de junção aos autos dos referidos documentos, pedindo que fossem anulados todos os subsequentes termos do processo em que tal falta pudesse influir, como é o caso da decisão sobre a matéria de facto proferida a fls. 974 e 975 e, bem assim, da sentença proferida a fls. 1008/1013, que naquela assentou; e) a autora pugnou pelo indeferimento da arguida nulidade. f) a fls. 1071 a secção de processos abriu conclusão “informando (...) que, após pesquisa efectuada aos duplicados existentes nesta secção, foram localizados os documentos que antecedem, que, por lapso, não foram juntos aos autos conforme ordenado no despacho de 10-03-2003”. g) no despacho que se seguiu foi relevado o lapso, determinou-se que os documentos em causa ficassem nos autos e ordenou-se a audição das partes. h) posteriormente, foi proferido a fls. 1099 despacho com o seguinte teor: “Os documentos em causa já foram encontrados e incorporados nos autos, pois que antes tinham estado «presos por linha» com os demais cuja junção se requereu. Nunca saíram da secção de processos, nem da alçada e controle da Senhora Escrivã e do Magistrado titular, nem desapareceram. Apenas não foram entranhados quando deviam ser e no lugar em que deviam ser, com os demais. Não há qualquer nulidade, nem tal lapso influiu na decisão da causa, nem tal lapso pode influir nas futuras apreciações da questão sub judice. Indefiro o requerido”. Apreciando: De harmonia com o estabelecido no nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. No caso apreço é manifesto que foi omitida a prática de uma acto previsto na lei, uma vez que os documentos em questão deveriam ter sido incorporados no processo logo que foi proferido despacho em 10 de Março 2003 a admitir a sua junção (nº 2 do artigo 542º do código de processo Civil). Essa incorporação só veio a ter lugar depois de proferida a sentença, quando a ré veio arguir a correspondente nulidade nos autos a fls. 1049, deixando bem claro a informação prestada pela secção de processos a fls. 1071 que só “após pesquisa efectuada aos duplicados existentes nesta secção, foram localizados os documentos que antecedem, que, por lapso, não foram juntos aos autos conforme ordenado no despacho de 10-03-2003”. Quer isto significar que os documentos em causa não faziam parte do processo, por nele não terem sido devidamente incorporados, quando foi proferida a decisão sobre a matéria de facto. E a circunstância de estarem «presos por linha», como se referiu no despacho recorrido, ou depositados na secção, como parece resultar da informação prestada pela secção de processos, não afasta tal conclusão. Não está aqui em causa saber se os documentos saíram da secção de processos ou estiveram sempre sob a “alçada e controle da Senhora Escrivã e do Magistrado titular”. A verdade é que os documentos não estavam incorporados no processo, entendido este como o “conjunto dos actos que hão-de praticar-se em juízo na propositura e desenvolvimento da acção” ou na acepção de “caderno (autos) constituído pelas peças escritas emanadas das partes, pelas decisões do tribunal e pelo relato, mais ou menos circunstanciado, dos actos e diligências praticados no desenvolvimento da acção”(5). E quod non est in actis non est in mundo. Assim sendo e nada nos autos evidenciando, designadamente ao nível da decisão sobre a matéria de facto, que os documentos em causa foram considerados nesta, tem de concluir-se que a não incorporação dos documentos nos autos constituiu preterição de um acto previsto na lei susceptível de influir no exame e decisão da causa, uma vez que a análise de tais documentos, que se mostram juntos a fls. 1403 a 1410, não permite concluir, desde logo, pela sua irrelevância e/ou insusceptibilidade de influir no sentido da decisão sobre a matéria de facto que foi proferida. Está basicamente em causa nesta acção saber se a ré é arrendatária do espaço que ocupa no imóvel designado por Casal do Alvito e esses documentos são cópias de certidões extraídas do processo nº 9.886, que correu termos pela 1ª secção do 2º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, que reproduzem documentos juntos a este processo constituídos, essencialmente, por uma planta do imóvel em questão denominado Casal do Alvito, relações dos ocupantes desse imóvel com menção individualizada dos quantitativos mensais pagos por cada um deles e uma certidão emitida pela Repartição de Finanças do 6º Bairro Fiscal de Lisboa da qual faz parte um anexo “com a relação dos actuais inquilinos e áreas ocupadas”. Neste contexto também o exame e a análise crítica destes documentos, tal como as demais provas produzidas na sua globalidade, constituía um pressuposto necessário à formação da livre e prudente convicção do julgador acerca de cada facto (artigo 655º do Código de Processo Civil). Verifica-se, pois, a arguida nulidade, pelo que devem anular-se os termos subsequentes ao despacho proferido a fls. 961, de 10 de Março de 2003, que admitiu os documentos no processo, que dele dependam absolutamente, designadamente, a decisão sobre a matéria de facto e a sentença proferidas. 2.2.5. Da apelação: O provimento do antecedente agravo reflecte-se, necessariamente, na apreciação da apelação, prejudicando-a, pelo que dela se não toma conhecimento. 3. Decisão : Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: a) negar provimento aos agravos interpostos dos despachos proferidos a fls. 199 e 961/963; b) não tomar conhecimento do agravo interposto do despacho proferido a fls. 5333/534; c) conceder provimento ao agravo interposto do despacho proferido a fls. 1095 e, julgando procedente a nulidade arguida, anular os termos subsequentes ao despacho que admitiu os documentos no processo, proferido a fls. 961, que dele dependam absolutamente, designadamente, a decisão sobre a matéria de facto e a sentença proferidas. d) não tomar conhecimento da apelação. Custas dos agravos mencionados em a) e b) pela agravante e do agravo referido em c) pela agravada. As custas da apelação são pelo vencido a final. 29 de Setembro de 2005 _____________________________________(Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes) (Olindo dos Santos Geraldes) 1 In Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pág. 687. 2 Cfr. Acórdãos RC, 10/5/88, Col. Jur., 1988, Vol. III, pg. 65; RE, 4/5/89, Col. Jur. 1989, Vol. III, pg. 264; RE, 26/10/89, Col. Jur. 1989, Vol. IV, pg. 265; RP, 9/4/92, Col. Jur. 1992, Vol. II, pg. 233; RC, 21/12/93, Col. Jur. 1993, Vol. V, pg. 52; RE, 11/11/93, ibidem, pg. 218; RC, 7/4/1994, Col. Jur. 1994, Vol. II, pg. 22 ; STJ, 12/7/2001, Agravo nº 2121/01 - 7ª Secção, in Sumários 2001; STJ, 13.05.2003, e STJ, 9/12/97, in http://www.dgsi.pt/jstj, 3 In Estudos de Registo Predial, Almedina, 1986, pgs. 35 e segs. 4 Cfr., além do já citado Ac. da RL de 18.05.1995, que se seguiu de perto, os Acórdãos RL, 24/10/80, Col. Jur, 1980, Vol. IV, pg. 122; RP, 23/3/89, Col. Jur., 1989, Vol. II, pg. 209; RP, 1991, Col. Jur., Vol. II, pag. 251; STJ, 15/1/91, BMJ n. 403, pg. 345; RC, 23/11/1999, Col. Jur., Vol. V. 5 Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 13. |