Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7680/2004-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: LOTEAMENTO CLANDESTINO
ACTAS
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: A acta de assembleia de condóminos da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) que aprova a comparticipação daqueles para obras de execução das infra-estruturas, constitui título executivo contra os obrigados que não tenham pago a comparticipação devida, apesar de não constar de pública forma, nem conter a identificação dos participantes e votantes, nem a assinatura dos mesmos.
As deliberações daquela assembleia consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para terceiros titulares de direitos relativos às fracções, mesmo que não participem nem votem naquela assembleia, nem assinem a respectiva acta.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a Associação de Proprietários e Moradores de Quintinhas Pinheirinho intentou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra A e B, para haver destes a quantia global de 2.323.810$00.
Alegou em síntese, para fundamentar a sua pretensão, que:
Por deliberação da Câmara Municipal de Almada, de 7 de Fevereiro de 1996, foi deliberada a constituição da AUGI das Quintinhas Pinheirinho; - em 22 de Janeiro de 2000 realizou-se a Assembleia Constitutiva da Área Urbana de Génese Ilegal das Quintinhas Pinheirinho, aprovando, nomeadamente que cada proprietário de um lote até 335 m2 pagaria a quantia de 600.000$00, a título de comparticipação para as obras de infra-estruturas e os proprietários de lotes cuja metragem fosse superior àquela área pagariam mais 1.744$00 por cada metro quadrado excedente (doe. 5); os executados são proprietários dos lotes 33 e 34 da Rua da Colina, nas Quintinhas Pinheirinho, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 2938, que estão integrados na Área Urbana de Génese Ilegal das Quintinhas Pinheirinho, pelo que estão obrigados a comparticipar para as obras de execução das infra-estruturas, não tendo pago até este momento a comparticipação, sendo que a referida acta constitui título executivo.
Foi então proferido despacho a indeferir liminarmente a execução, por se entender existir falta de título executivo, por a acta de assembleia de condóminos não constar de pública forma e por não conter a identificação dos participantes e votantes, nem a assinatura dos mesmos.
Inconformada com a decisão, veio a exequente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
A questão a resolver é a de saber se o documento dado à execução (acta da assembleia geral da AUGI) constitui título executivo bastante.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.
Consideram-se provados os factos dados como provados pela 1.ª instância, que se dão por reproduzidos.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Entendeu-se no despacho recorrido que existe na presente execução falta de título executivo, por a acta de assembleia de condóminos não constar de pública-forma e por não conter a identificação dos participantes e votantes, nem a assinatura dos mesmos. Por isso, foi indeferida liminarmente a execução.
Vejamos se o título executivo em apreço, para valer como tal, carecia de constar de pública-forma e se carecia de conter a identificação dos participantes e votantes e a assinatura dos mesmos.
O título em questão, como decorre dos factos considerados assentes, reporta-se a uma dívida respeitante a comparticipação nas despesas de execução de obras de urbanização por parte dos proprietários ou de comproprietários da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI), cujo regime se encontra estabelecido na Lei n.° 91/95, de 2/9, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 165/99, de 14/9.
Conforme decorre do artigo 10°, n.° 2. alíneas g), i) e j) da citada Lei, a aprovação daquelas despesas é da competência da respectiva assembleia.
Acresce que nos termos do n.° 5 do mesmo preceito, “a pública-forma da acta que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo".
Sucede que no caso em apreço, a exequente não apresentou pública-forma da acta da aludida assembleia, mas apenas fotocópia certificada por advogado, ao abrigo do disposto no DL n.° 28/2000, de 13/3.
Será que tal fotocópia equivale para o efeito a pública-forma?
No despacho recorrido, entendeu-se que não, mas não parece que assim se deva entender.
Com efeito, estipula o artigo 386° do CC, que as públicas-formas são cópias de teor, total ou parcial, expedidas por oficial público autorizado e extraídas de documentos avulsos, que lhe sejam apresentados para esse efeito, as quais são dotadas da força probatória do respectivo original, se a parte contra a qual forem apresentadas não requerer a exibição desse original. E o 387°, n.° 2, do mesmo Código, atribui valor de pública-forma às cópias fotográficas de documentos estranhos aos arquivos públicos, desde que a sua conformidade seja atestada por notário.
Sucede que o DL n.° 28/2000, no seu artigo 1°, veio atribuir competência aos advogados para certificar a conformidade de fotocópias com documentos originais que lhes sejam apresentados para esse fim e para proceder à extracção de fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, sendo que nos termos do mesmo preceito as fotocópias assim conferidas têm o valor dos originais.
A medida legislativa, inovada por este diploma, como se refere no respectivo preâmbulo, teve por finalidade introduzir mecanismos de simplificação na certificação de actos e admitir formas alternativas de atribuição de valor probatório a documentos, de modo a responder às necessidades de celeridade, reclamadas pela exigência da vida moderna, sem perda das garantias de rigor e clareza.
Em face do estabelecido no diploma em apreço, tem de se aceitar que a competência para extracção e certificação de fotocópias deferidas aos advogados versa, nomeadamente, sobre quaisquer documentos não arquivados nas repartições públicas ou nas repartições notariais.
Do que se conclui que a fotocópia da acta da assembleia, junta aos autos como título executivo, cuja conformidade se encontra certificada por advogado, equivale ao original da acta que reproduz, pelo que nenhuma pública-forma da mesma era de exigir.
Mas será que tal documento, para valer como título executivo, carecia de conter a identificação dos participantes e votantes na assembleia e a assinatura dos mesmos?
Para ponderar uma resposta, é necessário tomar em consideração que nos termos do artigo 8°, da citada Lei n.° 91/95, o prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respectivos proprietários ou comproprietários, tendo aquela administração como órgãos: - a assembleia de proprietários ou comproprietários; a comissão de administração e a comissão de fiscalização.
Acresce que nos termos do n.° 1 do artigo 9° do mesmo diploma "têm assento na assembleia os proprietários ou comproprietários cujo direito esteja devidamente inscrito na conservatória do registo predial competente".
Por outro lado, o artigo 15°, n.° 1, alínea b), confere à comissão de administração a competência para "elaborar os mapas de comparticipação e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização ". E o artigo 9°, n.° 2, alínea O, na redacção da Lei n.° 165/99, atribui à assembleia competência para aprovar os mapas referidos na alínea b) do n.° 1 do predito artigo 15°.
Além disso, o artigo 12°. n.º 1. estabelece que "a assembleia delibera em primeira ou em secunda convocatória nos termos previstos no Código Civil para a assembleia de condóminos dos prédios em propriedade horizontal, sem prejuízo dos números seguintes. Tal remissão reporta-se, pois, ao preceituado no artigo 1432° do CC, salvo no tocante à matéria de convocação da assembleia, que encontra disciplina própria no artigo 11º da Lei n.° 91/95, e às disposições específicas dos n.°s 2 a 5 do citado artigo 12°.
É de salientar que a remissão do n.° 1, do referido artigo 12°, se confina às normas de funcionamento das assembleias de condóminos previstas no artigo 1432° do CC, com as ressalvas aludidas, onde não se incluem as formalidades da elaboração das actas destas assembleias estabelecidas no artigo 1°, n.° 1, do DL n.° 268/94, mormente a exigência de que sejam subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.
Mas, será que a norma especial do artigo 1° n.° 1. do DL 268/94, relativa às actas das assembleias de condóminos é aplicável analogicamente às assembleias das AUGI ?
Não parece, pois que o n.° 5 do artigo 10° da Lei n.° 91/95, introduzido pela Lei n° 165/99, não formulou tal requisito em termos de fazer depender dele a natureza de título executivo atribuído às actas das assembleias das AUGI, nem tão pouco remeteu para o preceituado no artigo 1º do citado diploma.
Note-se que o artigo 12°, n.° 4, desta Lei, estabelece que a acta da assembleia referente a deliberação de aprovação do projecto de acordo de divisão de coisa comum, depois de aprovada, é assinada pelos presentes, o que parece significar que não é exigida a mesma formalidade nas demais hipóteses.
Acresce que, tem de reconhecer-se que a aludida formalidade seria de difícil prática no âmbito das assembleias das AUGI, atento o elevado número de participantes que podem compreender. Esse condicionalismo afasta, neste particular, qualquer analogia com as assembleias de condóminos, por forma a excluir a aplicação ao caso do preceituado no artigo 1º, n.º 1, do DL 268/94.
Do que só se pode concluir que não existe imposição legal a exigir que a acta das assembleias gerais das AUGI seja assinada por todos os participantes nessas assembleias, para terem valor jurídico.
Mas será que a acta não pode valer como título executivo sem tal formalidade, por não permitir a determinação dos sujeitos passivos das obrigações nela tituladas?
Como se viu, o art. 12°, n.° 1, da Lei 91/95, dispõe que a assembleia delibera em primeira ou em segunda convocatória nos termos previstos no Código Civil para a assembleia de condóminos dos prédios em propriedade horizontal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
Por seu lado, o art. 1°, n° 2 do Decreto-Lei n.° 268/94 determina que as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções. O que só pode significar que a deliberação não vincula apenas quem esteve presente na assembleia, mas todos os titulares de direitos relativos às fracções.
Por isso é que o art. 3°, n° 4 da Lei n.° 91/95 estipula que os encargos com a operação de reconversão impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo o caso de renúncia expressa.
Deste normativo resulta que o responsável pode ser pessoa diferente daquela que o era no momento da deliberação, pelo que a força executiva da acta lhe advém da respectiva deliberação como vontade colectiva, independentemente de quem participou na assembleia.
A deliberação da assembleia limitou-se a estabelecer a importância a pagar pelos lotes de terreno, de acordo com a respectiva área, e a forma por que devia ser efectuado tal pagamento. A pessoa do responsável por esse pagamento não é determinada pela assembleia, pois a mesma resulta da disposição legal que já referimos, ou seja, os encargos impendem sobre os titulares dos prédios. Por isso, não importa saber a identificação dos proprietários participantes e votantes, nem a sua assinatura, pois todos eles são responsáveis.
O que importa é que a execução tenha sido movida contra um proprietário devedor, sendo indiferente que ele já detivesse essa qualidade de proprietário à data da deliberação determinativa do pagamento ou que só posteriormente a tivesse adquirido, caso em que até se verificaria uma impossibilidade de ser identificado na acta e de a ter assinado, bem como de ter votado na assembleia.
Ora, no caso vertente, decore dos factos considerados provados e dos documentos juntos que:
Por deliberação da Câmara Municipal de Almada de 7 de Fevereiro de 1996 foi deliberada a constituição da AUGI das Quintinhas Pinheirinho;
Em 22 de Janeiro de 2000 realizou-se a Assembleia Constitutiva da Área Urbana de Génese Ilegal das Quintinhas Pinheirinho, aprovando, nomeadamente que cada proprietário de um lote até 335 m2 pagaria a quantia de 600.000$00, a título de comparticipação para as obras de infra-estruturas, e que os proprietários de lotes cuja metragem fosse superior àquela área pagariam mais 1.744$00, por cada metro quadrado excedente, o que foi exarado na acta dada à execução;
Os executados são proprietários dos lotes 33 e 34 da Rua da Colina, nas Quintinhas Pinheirinho, descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 2938, que estão integrados na Área Urbana de Génese Ilegal das Quintinhas Pinheirinho.
Sendo a referida acta título executivo e estando os executados obrigados a comparticipar para as obras de execução das infra-estruturas, a não terem pago até ao momento a comparticipação devida, como invoca a exequente, nenhum obstáculo parece existir ao prosseguimento da execução.
Aliás, o entendimento que aqui se perfilha é, no essencial, o que já foi seguido em várias outras decisões desta Relação, que o agravante alude nas suas alegações e que juntou aos autos.
Procedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.

IV. DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento à ao agravo e revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução.
Custas pelo agravado.

Lisboa, 21 de Outubro de 2004.

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
FERNANDA ISABEL PEREIRA
MARIA MANUELA GOMES