Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
321/2008-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- A intervenção provocada apenas é admissível em relação ao chamado que seja parte legítima, isto é, seja titular de um interesse em agir na causa, seja como associado do chamante, seja como associado da parte contrária, devendo o chamante indicar no requerimento de intervenção provocada quais as causas justificativas do chamamento, ou seja as razões ou fundamentos donde resulte o invocado interesse em agir ou legitimidade determinantes da pretendida intervenção provocada.
II- Essa legitimidade ou interesse em agir deve-se apreciar em face da relação controvertida tal como é configurada pelo autor na sua petição ou então quando tenham sido aduzidas razões ou fundamentos susceptíveis de configurar a existência de um direito de regresso ou de sub-rogação do chamante relativamente ao chamado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção (Social) do Tribunal da Relação de Lisboa.


I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum que a Autora A… instaurou no Tribunal do Trabalho do Barreiro contra as Rés “I…, S.A” e “J…, LDª”, esta última Ré, inconformada com a decisão proferida por aquele Tribunal ao ter indeferido o requerimento de intervenção principal provocada que formulara na contestação que apresentara e através do qual pretendia o chamamento das sociedades “H…, S.A.” e “S…, Ldª” como suas associadas na referida acção, dele interpôs recurso de agravo para este Tribunal da Relação, apresentando alegações nas quais extrai as seguintes:
Conclusões:
(…)

Contra-alegou a Autora, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO

Face às conclusões delimitadoras do recurso interposto (arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, ambos do C.P.C.), suscita-se, à apreciação deste Tribunal, a seguinte:
Questão:
- Saber se estão reunidos os pressupostos legais de admissão da intervenção principal provocada deduzida pela 2ª Ré.

Com interesse para a apreciação desta questão, importa considerar que dos autos resulta que:
a) A Autora deduziu petição inicial pedido que:
1. Seja declarada a ilicitude do despedimento da A., com as legais consequências;
2. Sejam as Rés condenadas a pagar à A., as retribuições que este deixou de auferir desde a data de 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
3. Sejam as Rés condenadas a pagar à A., uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
4. Sejam as Rés condenadas a pagar à A., as seguintes quantias:
a. € 1000,00, a título de férias e respectivo subsídio;
b. € 333,33, correspondente a 20 dias de salário do mês de Janeiro de 2006.
b) No essencial, alega como fundamento que:
- Foi admitida ao serviço da 1ª Ré no dia 22 de Julho de 2005, para exercer as funções inerentes à categoria de jardineira, nas instalações do Ministério…, Base…, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, auferindo o salário mensal de € 500,00;
- No dia 20 de Janeiro de 2006, quando se apresentou no local de trabalho foi impedida de exercer a sua actividade;
- Por informação escrita datada de 1 de Fevereiro de 2006, a 1ª Ré informou a A. que o respectivo contrato de trabalho transitou para a empresa detentora de prestação de serviços de jardinagem, 2ª Ré;
- Todavia a 2ª Ré não aceita a A., não aceitando a posição contratual que a mesma detinha com a 1ª Ré;
- A atitude da Ré configura a prática de um despedimento ilícito na medida em que não foi precedido de processo disciplinar, nem ocorreu justa causa.
c) Na contestação que formulou a Ré “J…, S.A.”, deduziu requerimento de intervenção provocada das sociedades:
“N…, S.A” e
“S…, Ldª.
d) Alega como fundamento desse requerimento de intervenção provocada:
- Haver celebrado com a Base…. Montijo, em 16 de Janeiro de 2006, um contrato de prestação de serviços tendo por objecto a manutenção de espaços verdes a efectuar nas instalações da referida unidade militar;
- Esse contrato foi celebrado pelo prazo de um ano com início em 1 de Janeiro de 2006.
- De imediato, porque tal lhe era contratualmente consentido, celebrou com a sociedade “H…, S.A.” um contrato de subempreitada referente à manutenção dos espaços verdes da Base…, contrato este que vigorou até 31 de Outubro de 2006.
- Nesta conformidade, desde o início dos serviços contratualizados, foram estes efectivamente prestados pela referida “H…”.
- Cessado aquele contrato, de imediato a Ré celebrou idêntico subcontrato com a sociedade “S…, Ldª”, em virtude do qual, entre 1 de Novembro e 31 de Dezembro de 2006 os referidos serviços de manutenção foram prestados por esta empresa, com equipamento seu e pessoal por si contratado.
- Donde, a ser verdade que o seu “contrato de trabalho transitou para a empresa detentora do contrato de prestação de serviços de jardinagem”, como alega a Autora, as inerentes responsabilidades terão de recair sobre a “H…” desde 01-01-2006 até 31-10-2006 e sobre a “S…” desde 01-11-2006 até 31-12-2006;
- Se alguma entidade deveria assumir os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço eram as referidas sociedades, uma vez que a Ré nunca interveio directamente na obra em causa ou ali manteve pessoal seu.
- O seu interesse no chamamento é óbvio pois se a Ré contestante está em juízo porque o afastamento da Autora “consubstancia a prática de um despedimento ilícito”, como se refere no art. 7º da p.i., o mesmo foi levado a cabo pelas entidades que efectivamente prestaram serviço contratado, recorrendo a pessoal por si contratado em vez de assegurarem o posto de trabalho da Autora e daí a pertinência da intervenção daquelas duas sociedades, como associadas da Ré contestante.
e) Notificadas as demais partes para se pronunciarem sobre a dedução do referido incidente de intervenção provocada, respondeu apenas a Autora no sentido de o mesmo dever ser indeferido, porquanto;
- A intervenção provocada destina-se às situações em que está, exclusivamente, em causa a própria relação jurídica invocada pelo autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal.
- No caso dos autos a A. celebrou um contrato de trabalho com a Ré “I…” em Março de 2005;
- Em Fevereiro de 2006, esta informou-a que o aludido contrato de trabalho tinha transitado para a empresa detentora do contrato de prestação de serviço de jardinagem com a Base…, ou seja a Ré “J…, Ldª”.
- As entidades cuja intervenção se requer, não estabeleceram qualquer relação jurídica com a A. nem sucederam à posição contratual da chamante, não se verificando, por isso, os pressupostos para tal chamamento.
f) Por decisão de fls. 118 e 119 a requerida intervenção principal provocada foi indeferida com base nos seguintes fundamentos:
Dispõe o nº 1 do artº 320º do C.P.C. que qualquer das partes primitivas pode provocar o chamamento a juízo do interessado com direito a intervir na causa.
No caso, a autora invoca a transmissão da posição contratual de empregador, a aqui ré, Iberlim, SA, celebrado em Março de 2006 para a ré chamante, por força da Cláusula nº 17º do CCTV do sector de Limpezas.
Nesta matéria a ré chamante diz que não está vinculada a tal CCTV.
Sem prejuízo, e porque nesta sede não cabe essa discussão, sempre se dirá que, o disposto no artº 318º do Cód. Do Trabalho, plasma os mesmos efeitos jurídicos da aludida cláusula no seu número 3.
Assim, e do que apreende do teor da petição inicial, a autora configura acção, dizendo que em 1 de Fevereiro de 2006, a 1ª ré, I…, SA, informa a autora que o respectivo contrato de trabalho transitou para a empresa detentora do contrato de prestação de serviços de jardinagem com a Base… para, a segunda ré, transmissão que esta não aceita.
Por força dos normativos acima referidos (CCTV e artº 318º do Cód. Do Trabalho), apenas são partes na relação material controvertida a empresa cessante e a cessionária, porque apenas estas, verificados os pressupostos a que aludem os referidos normativos, estão obrigados a integrar os funcionários da empresa cessante.
A ré chamante não põe em causa que o contrato de empreitada celebrado com a Base… com o objectivo de manutenção de espaços verdes a efectuar nas instalações da referida Unidade … cessou; aliás, invoca-o expressamente. Pois é precisamente deste contrato que decorrem as obrigações que nesta acção é demandada a cumprir.
As entidades subempreiteiras são terceiros à causa de pedir da presente acção, que apenas equaciona (por força do artº 17º da CCTV invocada e artº 318º do C. Trabalho) três partes, (base da relação material controvertida): a autora e as entidades cessionário e cessante já citadas nos autos.
É irrelevante que a ré chamante tenha celebrado contratos de subempreitada com terceiras entidades, que a nada estão vinculadas por força do disposto no artº 318º do Cód. Do Trabalho ou da Cláusula 17º do CCTV invocada.
Assim, não podendo ser responsabilizadas, não têm interesse em estar na acção, pelo que improcede a fundamentação da ré I…, SA.

Posto isto, desde já diremos que, no caso em apreço, não é admissível o requerimento de intervenção provocada formulado pela 2ª Ré, razão pela qual, bem andou a Mmª Juiz ao decidir pela respectiva rejeição.
Vejamos!
Estabelece o art. 325º n.º 1 do Cod. Proc. Civil (redacção dada pelo Dec. Lei 180/96 de 25-09 depois de alterada pelo Dec. Lei n.º 329-/95 de 12-12) e aqui aplicável por força do disposto no art. 1º n.º 2 a) do Cod. Proc. Trab. que «Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária».
Estipula-se, depois, no n.º 3 do mesmo preceito que «O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar».
Como se refere no preâmbulo do mencionado Dec. Lei n.º 329-A/95 de 12-12, o incidente de intervenção principal provocada engloba «todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores, ou quando existam garantes da obrigação a que a acção se reporta, tendo o réu interesse atendível em os chamar à demanda, quer para propiciar defesa conjunta quer para acautelar o eventual direito de regresso ou sub-rogação que lhe possa assistir».
No entanto, importa não esquecer que, como se refere noutro passo do mesmo preâmbulo, «impõe-se, por outro lado, ao chamante o ónus de indicar a causa do chamamento e alegar o interesse que, através dele, se pretende acautelar, como forma de clarificar liminarmente as situações a que o incidente se reporta e ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir de quem suscita a intervenção e é chamado a intervir».
Significa isto que, a intervenção provocada apenas é admissível em relação ao chamado que seja parte legítima, isto é, seja titular de um interesse em agir na causa, seja como associado do chamante, seja como associado da parte contrária, devendo o chamante indicar no requerimento de intervenção provocada quais as causas justificativas do chamamento, ou seja as razões ou fundamentos donde resulte o invocado interesse em agir ou legitimidade determinantes da pretendida intervenção provocada.
Por outro lado, importa ter presente que a referida legitimidade ou interesse em agir se deve apreciar em face da relação controvertida tal como é configurada pelo autor na sua petição ou então quando tenham sido aduzidas razões ou fundamentos susceptíveis de configurar a existência de um direito de regresso ou de sub-rogação do chamante relativamente ao chamado.
Ora, acontece que, no caso vertente e atendendo à relação controvertida tal como esta se apresenta configurada pela Autora na sua petição inicial, nada leva a concluir pela verificação de um qualquer interesse em agir, de qualquer legitimidade das entidades chamadas a intervir no presente pleito pela Ré/chamante. Com efeito, nada transparece da respectiva causa de pedir e pedido que nos leve a considerar haver, em relação àquelas uma qualquer transmissão da posição contratual que na petição se invoca ter existido entre a Autora e qualquer das Rés.
Acresce por outro lado, que, no requerimento de intervenção provocada, a chamante não invoca quaisquer factos ou circunstâncias susceptíveis de configurar a existência de um qualquer direito de regresso seu relativamente a qualquer das chamadas e era aí que se lhe impunha que o fizesse.
Não se vislumbra, pois, em que é que o despacho recorrido possa ter violado o disposto, quer no art. 320º do Cod. Proc. Civil, quer no art. 318º do Cod. Trabalho e muito menos o disposto no art. 1213º do Cod. Civil.
Bem andou, pois, a Mmª Juiz ao indeferir a pretendida intervenção provocada, não merecendo qualquer censura o despacho recorrido.

III – DECISÃO.

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da agravante.
Registe e notifique

Lisboa, 2008/03/05

José Feteira
Ramalho Pinto
Hermínia Marques