Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2755/2006-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
RECURSO SUBORDINADO
AMPLIAÇÃO
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
TERCEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: I – Nas situações em que tendo sido deduzidos dois pedidos – um principal e um subsidiário – um deles foi julgado improcedente, a parte vencedora da acção se pretender sindicar a decisão que lhe foi desfavorável, deverá fazê-lo através dum recurso subordinado (art.º 682.º do CPC) e não mediante uma ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no art.º 684.º-A do CPC, pois que este preceito quando faz referência aos “fundamentos da acção ou da defesa” está a reportar-se a causas de pedir inerentes a determinado pedido.
II – Nas situações de simulação relativa o requisito “intenção de enganar terceiros”, resulta desde logo evidenciado pelo propósito das partes criarem uma aparência que não corresponde à verdade.
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO

A. o e esposa, intentaram acção comum sob a forma de processo ordinário contra, B., Bb. e Bbb., Ldª., tendo pedido que se declarem nulos, por simulados, os contratos de compra e venda no tocante aos imóveis e ao veículo Ferrari, matricula .. – .. – .. e que, em consequência, seja restituído ao património dos 1º RR. os bens objectos de tais contratos e que seja ordenado o cancelamento dos registos efectuados em nome da 2ª R., às competentes Conservatórias do Registo Predial e de Automóveis. Subsidiariamente, peticionaram que sejam declarados os mesmos contratos de compra e venda impugnados, julgando-se os mesmos ineficazes em relação aos AA.
Para fundamentarem tais pedidos alegaram, em síntese:
No que concerne ao primeiro deles, que os 1.ºs RR celebraram com a 2.ª Ré diversas escrituras de compra e venda de imóveis, quando na realidade a vontade real dos contraentes era no sentido da realização de doações de tais bens, razão pela qual se estaria perante negócios simulados que, na perspectiva dos AA, deveriam ser anulados;
No que respeita ao pedido subsidiário, referiram que tais “vendas” dos 1.ºs RR. à 2.ª Ré, foram efectuadas com o exclusivo propósito daqueles se despojarem formalmente de imóveis e de um Ferrari, que integravam o seu património, visando por essa via impossibilitarem que os seus credores, designadamente os AA., se vissem impossibilitados, ou com muitas e insuperáveis dificuldades de executarem os seus créditos.
Referiram ainda serem os 1º RR. donos de uma quota do valor nominal de 1.000.000$00 na Sociedade Bbb., Lda., ora 2ª Ré, não detendo aqueles, em todas as suas contas bancárias, quantia globalmente superior a 1.000.000$00.
Concluíram pois os AA. que, face aos factos, as aludidas compras e vendas não passaram de negócios fictícios e simulados ou, quando menos, que são impugnáveis nos termos dos art. 610.º e segts. do Código Civil.
Regularmente citados os RR contestaram, tendo alegado, em síntese, que os AA não detêm qualquer crédito sobre os 1ºs RR pois que e na verdade os montantes que os AA referem não constituem lucro, já que a quantia de 450.000.000$00 não chegou sequer a integrar o património da sociedade.
No que respeita à simulação a mesma não existiu já que o que o 1º R pretendeu foi transferir para sociedades que controlava os activos que possuía em nome próprio.
Por excepção alegam ainda a prescrição dos juros peticionados.
Os AA replicaram mantendo a posição que tinham defendido na p.i..
Foi proferido despacho saneador onde se não atendeu a excepção invocada, considerando-se que a mesma era irrelevante para a discussão da causa.
Foram fixados os factos assentes e a base instrutória, a qual foi alvo de reclamação que veio a ser atendida já em sede de julgamento.
Realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal.
Foi proferida sentença, que culminou com a seguinte decisão:
Por todo o exposto, o Tribunal julga improcedente o pedido principal formulado e procedente o pedido subsidiário.
Em consequência julga a presente acção procedente e declara ineficazes em relação aos AA. os seguintes negócios:
a) o celebrado em 12/08/99, no qual os ora 1ºs RR. declararam vender à 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço global de 104.000.000$00, já recebidos, os seguintes prédios:
1) – Rústico, denominado Vales, com a área de 10.125m2, sito na freguesia de St.º Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 564 e inscrito na matriz cadastral sob o art.º 20 Secção B, pelo preço de 25.000.000$00;
2) – Rústico, denominado Vales, com a área de 4.000m2, sito na freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1039/Stº Isidoro, inscrito na respectiva matriz, sob o art. 21 Secção B, pelo preço de 9.000.000$00.
3) - Misto, denominado Facho, sito na Rua do Facho Histórico, no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória, sob o n.º 46.988 do Livro B – 126 (actual 2489/Stº Isidoro), que se compõe de parte urbana inscrita na respectiva matriz sob os artºs 2022 e 3069 e da parte rústica, com a área de 3.417m2, inscrita na respectiva matriz cadastral sob o art. 399 Secção B, pelo preço de 45.000.000$00.
4) – Rústico denominado Facho ou Facho do Poente, com a área de 2500m2 sito nos limites de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1042 e inscrito na respectiva matriz sob o art.º 400, Secção B, pelo preço de 25.000.000$00.
b) O celebrado em 09.09.99, no qual os 1º RR, declararam vender à 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço de 50.000.000$00, um prédio rústico denominado Casal Velho, sito nos limites de S. Bernardino, freguesia de Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche sob o n.º 1871/Atouguia da Baleia e inscrito na respectiva matriz sob o art. 101 Secção AV;
c) O celebrado em 16.09.99, mediante o qual os 1º RR, declararam vender à 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço de 15.000.000$00, um prédio urbano composto de lote de terreno para construção urbana, com área de 1.588m2, sito na Rua de Facho Histórico, em Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 42.355 do Livro B.113, omisso na matriz, mas feita a participação para a sua inscrição em 10.09.99;
d) O celebrado em 05.11.99, mediante o qual os 1º RR, declararam vender á 2ª R, que declarou comprar-lhes, pelo preço de 40.000.000$00 já recebidos, um prédio urbano composto de cave, rés do chão e 1º andar, para habitação, com logradouro, sito em Ribamar de Baixo, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2093/freguesia de Stº Isidoro e inscrito na respectiva matriz sob o art. 1312;
e) O celebrado em 06.11.00, mediante o qual os 1º RR, declararam vender á 2ª R., que declarou comprar-lhes, pelo preço global de 73.000.000$00, já recebidos:
1) – pelo preço de 50.000.000$00, um prédio urbano sito no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 43.927 do Livro B -118, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1911.
2) – pelo preço de 8.000.000$00, um prédio urbano sito em Ribamar de Cima, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1977.
3) – pelo preço de 15.000.000$00, um prédio urbano sito em Ribamar de Cima, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o art.º 2457, encontrando-se ambos estes prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 1551/Stº Isidoro (doc. 8 que se dá por reproduzido).
f) O celebrado em 12.08.99, no qual os 1º RR. declararam vender á 2ª R. que declarou comprar-lhes, pelo preço de 45.000.000$00 já recebidos, um prédio misto na Rua do Facho Histórico, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2502/Stº Isidoro, inscrita a parte urbana sob o art. 2011 e 3069 e a parte rústica sob o art. 399 Secção B, todos da freguesia de Stº Isidoro;
g) O celebrado em 16.09.99, no qual os 1º RR. declararam vender á 2ª R. e esta declarou comprar-lhes, pelo preço de 15.000.000$00, já recebido, um prédio urbano composto por terreno para construção, com 1588 m2, sito na Rua do Facho Histórico em Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº 42.355 do Livro B-113, actualmente o n.º 2502/Stº Isidoro e omisso na matriz, mas inscrito actualmente sob o artº 3255;
h) O negócio de transmissão do veículo automóvel de matrícula 56-36-DJ
Custas pelos RR.

Inconformada com tal decisão, veio a Ré Bb. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:
A) A despeito de na fundamentação da decisão impugnada se declarar que as compras e vendas celebradas pelos RR. (entre si) são simuladas, o Tribunal a quo decidiu, em manifesta contradição, julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade desses mesmos negócios.
B) Violando o princípio dispositivo, o Tribunal a quo introduziu no objecto do processo uma nova questão - a existência de negócios dissimulados - tendo fundado a sentença impugnada no conhecimento de uma questão não suscitada.
C) Basta atentar nos pedidos formulados, na fundamentação e decisão proferidas para se poder concluir que a douta sentença merece a censura deste Tribunal superior.
D) Em nenhum momento decisivo quanto à definição do objecto dos presentes autos os AA. fizeram, sequer, alusão a um pretenso negócio dissimulado celebrado entre os RR. e muito menos o qualificam como uma doação.
E) A douta sentença, ao conhecer e decidir sobre a existência de negócios dissimulados, enferma do grave vício de violação do princípio dispositivo, sendo por isso nula nos ternos do artigo 668° n° 1 alínea d) do C.P.C.
F) Na fundamentação da douta sentença considerou o Tribunal a quo, por referência aos contratos de compra e venda, que "Estamos, pois, perante negócios simulados (...)", não obstante o mesmo julgou improcedente o pedido principal formulado (declaração de nulidade das compras e vendas) e procedente o pedido subsidiário. Assim a nulidade da douta sentença resulta igualmente do facto de existir uma notória oposição entre a fundamentação e a decisão da mesma, nos termos do art.° 668 n.°1 al. c) do CPC. Errou, igualmente, o Tribunal a quo ao dar como provado os factos referidos nos pontos 26, 27, 28 e 34 da douta sentença (págs. 16, 17 e 18).
G) O julgamento supra referido funda-se, exclusivamente, no depoimento de parte da Ré Bb.; no entanto, do depoimento em causa não pode concluir-se que os RR, (ambos) nada receberam ou que os negócios impugnados constituíram uma doação à sociedade ré.
H) O depoimento de parte referido (registado na cassete 1, lado A 0000 a 2165, conforme acta respectiva), e o depoimento da testemunha J. B. registado na cassete com o n° 3, lado A (desde 1287) e lado B (0000 até 2256) impunham diferente decisão sobre aqueles factos.
J) Errou, igualmente, o Tribunal a quo ao dar como provados os factos elencados no ponto 35 da douta sentença (fls. 17 a 19). Trata-se de matéria que não integrou a matéria assente nem a base instrutória, não tendo sido justificada a sua inclusão na fundamentação da decisão.
K) A circunstância de os referidos factos (ponto 35) terem sido dados como provados na acção que correu termos sob o n° 76/93, não permite que os mesmos se devam ter como provados nestes autos.
L) A prova produzida num processo pode aproveitar-se noutro, nas condições previstas no artigo 522.° do CPC e, in casu, é evidente que os requisitos do valor extraprocessual da prova não colhem nos presentes autos. Daquele mesmo preceito e das regras que definem os limites objectivos (artgs. 673° e 97° do C.P.C.) e subjectivos (artgs. 671° e 497° e segts.) do caso julgado não pode deixar de se concluir que a prova produzida nos referidos autos, não podia ser transposta para os presentes.
M) Errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do direito ao considerar que os contratos de compra e venda foram simulados, na medida em que, para além do mais, resultou inequívoca a prova da ausência da intenção de enganar terceiros.
N) No art.° 11 da base instrutória pergunta-se claramente se "os primeiros Réus (ora Recorrentes), procuraram furtar-se às suas responsabilidades, transferindo para o nome de terceiros os bens de que eram donos, com o propósito de evitarem o pagamento daquilo que devem, despojando-se formalmente do seu património!" Ora, após produção de prova entendeu o Tribunal a quo dar aquela factualidade como não provada.
O) Ficou provado que a intenção dos primeiros RR. foi a de transferir os bens em causa para a sociedade, de forma a afectá-los ao fim prosseguido por esta. Não foi dado como provado qualquer tentativa de iludir direitos ou expectativas de outrem, mas sim a intenção de colocar os bens que compõem o negócio pretensamente simulado na sociedade, a fim de esta prosseguir o seu objecto social.
P) Existe na fundamentação da douta sentença uma manifesta imprecisão no que diz respeito aos elementos constitutivos da simulação e uma clara confusão entre as figuras da simulação inocente e simulação fraudulenta. O M° Juiz a quo confunde — salvo o devido respeito — o conceito de simulação, fazendo-lhe corresponder erradamente o conceito de simulação inocente, quando as duas realidades se têm por perfeitamente distintas.
Q) É aliás totalmente contraditório entender, como o Tribunal a quo, que existe uma simulação relativa e, in casu, uma intenção de enganar terceiros. Se a intenção dos primitivos RR, fosse a de enganar terceiros, designadamente os seus pretensos credores, por que razão haveriam os mesmos de dissimular uma doação? Havendo em ambos os casos uma transferência de bens, por que razões haveriam os réus de ter simulado compras e vendas para ocultar doações?
R) O pedido subsidiário de impugnação em caso algum poderia proceder, pois não estão demonstrados factos constitutivos do direito de crédito alegado, nem tão pouco factos que permitam concluir pela existência de má fé.
S) Em nenhuma das decisões já transitadas, em que se funda a douta sentença, se concluiu que o valor de 450.000.000$00 corresponde a lucros da sociedade, ou que os 1°s receberam ou fizeram sua qualquer quantia a título de lucros.
T) Escreve-se na douta sentença que está assente ter o 1.° Réu recebido 200.000.000$00 e que os restantes 450.000.000$00 foi dividido entre os sócios e que assim sendo " segue-se que, pelo menos metade do recebido pelo 1,° R. pertence aos AA. por força do contrato de associação à quota. " (fls. 24). Mas como é que assim se pôde concluir? A condenação em causa não permite concluir pela existência de lucros da sociedade, nem tão pouco que os 1°s RR, fizeram sua qualquer importância a título de juros.
U) Atenta a dita eficácia reflexa do caso julgado os RR. estão impossibilitados de negar a existência das referidas condenações, mas das aludidas condenações não decorrem os factos dados como assentes nestes autos, nem tão pouco que o valor de 450.000.000$00 corresponde a lucros da sociedade, ou que os 1°s receberam ou fizeram sua qualquer quantia a título de lucros.
V) O crédito exigido pelos AA. funda-se num pretenso lucro obtido pela sociedade R…., Lda., que manifestamente não existiu e como tal não foi demonstrado nem nestes, nem em qualquer outros autos. O certo é que nem nestes autos nem em qualquer outros se indicou um único facto concreto que seja susceptível de permitir a conclusão de a sociedade teve uma actividade lucrativa.
X) A tese – aceite pelo Tribunal a quo – de que a mera celebração de um contrato promessa outorgado à data da constituição da sociedade R…. e o seu incumprimento por parte do promitente vendedor pode traduzir por si só uma actividade lucrativa, não pode ser acolhida neste Tribunal superior.
Z) Do incumprimento de um contrato promessa pode derivar a obrigação de indemnizar, mas do mesmo não resulta uma actividade lucrativa. Entre danos e lucros há uma grande diferença.
A') Os AA não lograram demonstrar factos constitutivos do seu invocado crédito, não podendo concluir-se que a existência do mesmo decorre das decisões já transitadas. A existência do invocado crédito não decorre da parte dispositiva das sentenças referidas, nem tão pouco dos factos que aí se deram como provados, sendo que relativamente a estes últimos nem sequer é possível prevalecer-se do seu valor probatório.
B’) Atenta a conformação do objecto dos autos o que releva é questionar a verificação dos pressupostos da procedência da impugnação pauliana relativamente às compras e vendas em causa, e o certo é que dos factos dados como provados não pode concluir-se pela existência de má-fé dos RR e como tal sempre se impunha a sua absolvição, também quanto a este pedido.

Os recorridos apresentaram as suas contra-alegações, nas quais defenderam a bondade da decisão recorrida e, subsidiariamente, caso se venha a entender o contrário, entendem dever este Tribunal conhecer do fundamento em que os apelados decaíram na acção, julgando procedente o pedido de nulidade por simulação dos contratos de compra e venda.

Perante tais contra-alegações, vieram os apelantes defender a inadmissibilidade deste Tribunal poder conhecer da questão subsidiária suscitada pelos apelados nas suas contra-alegações, considerando que a mesma só poderia ser apreciada se os mesmos tivessem apresentado recurso subordinado.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Questões a apreciar

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela apelante, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).
São as seguintes as questões a apreciar:
A) QUESTÃO PRÉVIA:
Da ampliação do âmbito do recurso por parte dos recorridos
B) NULIDADES DA SENTENÇA:
- Conhecimento de questão de que se não podia conhecer – art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC
- Oposição entre a fundamentação e a decisão – art.º 668.º, n.º 1, al. c) do CPC
C) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
- Dar como não provados os factos constantes dos pontos 26, 27, 28 e 34 da sentença
D) Inadmissibilidade dos factos constantes do ponto 35 da matéria dada por provada
E) ERRO DE JULGAMENTO
a) Falta do requisito – “intenção de enganar terceiros”
b) Inexistência de direito de crédito
c)Má fé como requisito da impugnação pauliana

III – FUNDAMENTOS

1. De facto
São os seguintes os factos que a sentença recorrida deu como provados:
1. Por sentença transitada proferida no processo n.º 76/93 que correu termos pela 2ª Secção do Tribunal da Comarca de Mafra, foram os 1ºs Réus condenados a reconhecer a existência de um contrato de associação dos Autores à sua quota na sociedade “R…., Construções & Urbanizações, Lda” (alínea A da matéria de facto assente)
2. A reconhecer que tal contrato confere aos Autores o direito de participar em 50% dos lucros, reservas e quaisquer outros resultados que para os 1ºs Réus advenham na sua qualidade de titulares da aludida quota, designadamente em sede de venda ou amortização da quota, liquidação e partilha (alínea B da matéria de facto assente);
3. A pagar aos Autores metade do que eles, 1ºs Réus, tenham recebido ou venham a receber em virtude de quaisquer das operações relacionadas na al. b) supra referida (alínea C da matéria de facto assente);
4. A 12/07/01, os Autores intentaram contra os 1ºs Réus acção executiva por apenso ao referido processo, liquidando e especificando os valores que consideram compreendidos na prestação devida no valor total de 233.883.094$80, equivalente a €1.166.354,56. (alíneas D e E da matéria de facto assente);
5. Quando em Julho de 1993 os ora Autores intentaram a acção declarativa 76/93, eram os ora 1º RR. donos e proprietários dos seguintes prédios:
i) Urbano composto por pavilhão destinado a oficina e fábrica com a área coberta de 180m2 e logradouro com 200m2 e casa com rés do chão e sótão, com a área coberta de 180 m2 e logradouro com 3.235m2, sito em Ribamar de Cima, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz sob os art. 1977 e 2457, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 1551/Stº Isidoro, com o valor patrimonial 14.400.000$00.
ii) Prédio urbano sito em Ribamar de Baixo, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, composto por casa de cave, rés do chão e 1º andar, para habitação, com 125m2 e logradouro com 1037m2, inscrito sob o art.º 1312, descrito na mesma Conservatória sobre o n.º 2093/Stº Isidoro,
iii) Prédio urbano sito na Rua do Facho Histórico em Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, constituído por terreno para construção, com 1.588m2 omisso na matriz, actualmente inscrito sob o artº 3255, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 2502 /Stº Isidoro.
iv) Prédio rústico denominado Facho ou Facho Histórico sito nos limites de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro concelho de Mafra, com 2.500m2, inscrito na matriz sob o art.º 400 Secção B, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1042/Stº Isidoro.
v) Prédio misto denominado Facho, sito na Rua do Facho Histórico, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, composto por casa para cozinha rural e logradouro, casa de arrecadação e terreno com 3.471 m2, inscrito na matriz, a parte urbana sob os artºs 2022 e 3069 e cadastral sob o art. 399 Secção B, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 2489/Stº Isidoro.
vi) Prédio rústico denominado Vales, com 10.125 m2, sito na freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o art. 20 Secção B, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 564/Stº Isidoro.
vii) Prédio rústico denominado Vales, sito na freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o art. 21 Secção B, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1039/Stº Isidoro.
viii) Prédio urbano sito no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 2651/Stº Isidoro, inscrito na matriz sob o art. 1911 (alínea F da matéria de facto assente);
6. Por contrato de 12/08/99, os ora 1ºs Réus declararam vender à 2ª Ré, que declarou comprar-lhes, pelo preço global de 104.000.000$00, já recebidos, os seguintes prédios:
i) Rústico, denominado Vales, com a área de 10.125m2, sito na freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 564 e inscrito na matriz cadastral sob o art.º 20 Secção B, pelo preço de 25.000.000$00,
ii) Rústico, denominado Vales, com a área de 4.000m2, sito na freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1039/Stº Isidoro, inscrito na respectiva matriz, sob o art. 21 Secção B, pelo preço de 9.000.000$00.
iii) Misto, denominado Facho, sito na Rua do Facho Histórico, no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória, sob o n.º 46.988 do Livro B – 126 (actual 2489/Stº Isidoro), que se compõe de parte urbana inscrita na respectiva matriz sob os artºs 2022 e 3069 e da parte rústica, com a área de 3.417m2, inscrita na respectiva matriz cadastral sob o art. 399 Secção B, pelo preço de 45.000.000$00,
iv) Rústico denominado Facho ou Facho do Poente, com a área de 2500m2 sito nos limites de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1042 e inscrito na respectiva matriz sob o art.º 400, Secção B, pelo preço de 25.000.000$00 (alínea G da matéria de facto assente);
v) Encontra-se registada a favor da 2ª Ré a aquisição, por compra aos 1ºs Réus do prédio rústico denominado Casal Velho, sito nos limites de S. Bernardino, freguesia de Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche sob o n.º 1871/Atouguia da Baleia e inscrito na respectiva matriz sob o art. 101 Secção AV (alínea H da matéria de facto assente);
7. Por contrato de 5.11.99, os 1º Réus, declararam vender à 2ª Ré, que declarou comprar-lhes, pelo preço de 40.000.000$00 já recebidos, um prédio urbano composto de cave, rés do chão e 1º andar, para habitação, com logradouro, sito em Ribamar de Baixo, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2093/freguesia de Stº Isidoro e inscrito na respectiva matriz sob o art. 1312 (alínea I da matéria de facto assente);
8. Por contrato de 6.11.00, os 1º Réus, declararam vender à 2ª Ré, que declarou comprar-lhes, pelo preço global de 73.000.000$00, já recebidos:
i) pelo preço de 50.000.000$00, um prédio urbano sito no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 43.927 do Livro B -118, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1911.
ii) pelo preço de 8.000.000$00, um prédio urbano sito em Ribamar de Cima, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1977.
iii) pelo preço de 15.000.000$00, um prédio urbano sito em Ribamar de Cima, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o art.º 2457, encontrando-se ambos estes prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 1551/Stº Isidoro (al. J da matéria de facto assente);
9. Por contrato de 16.09.99, os 1º Réus, declararam vender à 2ª Ré, e esta declarou comprar-lhes, pelo preço de 15.000.000$00, já recebido, um prédio urbano composto por terreno para construção, com 1588 m2, sito na Rua do Facho Histórico em Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº 42.355 do Livro B-113, actualmente o n.º 2502/Stº Isidoro e omisso na matriz, mas inscrito actualmente sob o artº 3255 (alínea K da matéria de facto assente);
10. A sociedade Bbb., Lda. foi constituída em 30/05/89, com o capital social de 500.000$00, no qual o 1º Réu era titular de uma quota de 370.000$00, seu filho L…., de uma quota de 50.000$00, e seu filho, J…., uma quota de 80.000$00, sendo o B. o seu único gerente (alínea L da matéria de facto assente);
11. Por aquisição, com registo efectuado em 21/07/94, o Réu B., adquiriu a quota de 80.000$00 do filho, J….. (alínea M da matéria de facto assente);
12. Desde 1994 a 11/1/01, esta sociedade tinha um capital de 500.000$00, pertencendo 450.000$00 (90%) aos 1º Réus e 50.000$00 (10%) ao seu filho, L. (alínea N da matéria de facto assente);
13. Actualmente, 74% do capital social da Bbb., Lda., pertence a uma sociedade anónima, denominada P…., S.A., matriculada em 4/1/00 com o n.º 11657 da Conservatória do Registo Comercial da Amadora e cujo Presidente do Conselho de Administração com poderes para obrigar, por si só a sociedade, é o Réu B. que dela não possui qualquer acção (alínea O da matéria de facto assente);
14. Pertencendo 24% aos filhos dos Réus, M…., L…. e A…., divididos em três quotas (alínea P da matéria de facto assente);
15. O primeiro Réu é titular formalmente de apenas 1% do capital da Bbb., Lda. (alínea Q da matéria de facto assente);
16. E mantém-se como único gerente da 2ª Ré (alínea R da matéria de facto assente);
17. Situação que já ocorria antes de Janeiro de 2000, quando era titular de 90% do capital social (alínea S da matéria de facto assente);
18. Em nome dos 1º Réus encontra-se registada a aquisição de:
i) Prédio rústico composto por terra de semeadura com 312 m2, sito em Ribamar de Baixo, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o n.º 390 Secção B e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 41503 a fls. 116 do livro B-III,
ii) Direito a um nono do prédio rústico denominado Vale Junqueiros, limites de Montesouros, freguesia e concelho de Mafra, inscrito na matriz respectiva sob o art. 165 Secção G e descrito na mesma Conservatória sob o n.º 2033/Mafra,
iii) Prédios urbanos sitos no lugar de Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, inscritos na respectiva matriz sob os art. 160 e 175 e descritos na mesma Conservatória sob os nºs. 28.405 a fls. 59 vº do livro B-76 e 18.696 a fls. 112 do livro B-51, respectivamente (alínea T da matéria de facto assente);
19. A casa de habitação dos primeiros Réus correspondente ao prédio urbano sito em Ribamar de Baixo e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2093/Santo Isidoro é onde estes continuam a viver ininterrupta e diariamente, ali dormindo, comendo, praticando os seus actos de higiene diária e ali passando os seus tempos de lazer (alínea U da matéria de facto assente);
20. Em Julho de 1993 eram primeiros Réus donos do veículo automóvel ligeiro Mercedes matrícula VA-86-82 (artº 4º da base instrutória);
21. O veículo 34-48-AD encontra-se registado a favor de M…. desde 07.05.1992, inscrição que se mantinha em vigor em 21.02.2005 sendo que desde 16.06.1990 esteve registado a favor de B. (artº 6º da base instrutória);
22. O veículo ..-..-.. foi registado a favor de L… em 15.04.1992 (artº 7º da base instrutória);
23. Em 21.02.1997 o veículo ..-..-.. foi registado a favor de , para uma sociedade, Casa …, Lda., de que A…. e M…. são sócia gerentes (artº 8º da base instrutória);
24. O veículo de matrícula 81-85-NN esteve registado, entre 14 de Julho de 1999 e 09.09.2003 a favor de M…. S.A e que sobre o mesmo esteve inscrita uma locação financeira a favor de B. com início em 25.06.1999 e final em 26.04.2003 (artº 9º da base instrutória);
25. O veículo 56-36-DJ foi registado em 22.08.1996 a favor de B. e em 10.01.2001 a favor da sociedade R. (artº 10º da base instrutória);
26. As vendas que os RR. efectuaram desde Agosto de 1999 e que se prolongaram por Setembro e Novembro de 1999, bem como aquela que se diz realizada em Setembro de 2000 foram realizadas com o exclusivo propósito de, sob a capa de compras e vendas, fazer ingressar na sociedade R. os bens objecto das mesmas sendo que desta forma os RR. B. e A…. pretenderam ofertar e ofertaram os mesmos à sociedade a fim desta prosseguir o seu objecto social com excepção do veículo Ferrari que ingressou no património da sociedade R. por razões fiscais (artº 12º da base instrutória);
27. A Ré sociedade nunca pagou aos 1º Réus quaisquer quantias a título de preço, os quais dela nada receberam (artº 14º da base instrutória);
28. Nunca os 1º Réus tiveram intenção e vontade de vender tais imóveis e o veículo automóvel Ferrari e a 2ª R. de os comprar (artº 15º da base instrutória);
29. Por contrato de 16.09.99, os 1º Réus, declararam vender à 2ª Ré, que declarou comprar-lhes, pelo preço de 15.000.000$00, um prédio urbano composto de lote de terreno para construção urbana, com área de 1.588m2, sito na Rua de facho Histórico, em Ribamar, freguesia de Stº Isidoro, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 42.355 do Livro B.113, omisso na matriz, mas feita a participação para a sua inscrição em 10.09.99 (artº 19º da base instrutória);
30. Por contrato de 12.08.99, os 1º Réus, declararam vender à 2ª Ré, que declarou comprar-lhes, pelo preço de 45.000.000$00 já recebidos, um prédio misto na Rua do Facho Histórico, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2502/Stº Isidoro, inscrita a parte urbana sob o art. 2011 e 3069 e a parte rústica sob o art. 399 Secção B, todos da freguesia de Stº Isidoro (artº 20º da base instrutória);
31. O referido em U ocorre sem que os primeiros Réus paguem qualquer retribuição à segunda Ré ou tenha sido gratuitamente cedido por esta o prédio (artº 21º da base instrutória);
32. Não tendo os primeiros Réus qualquer necessidade de vender a sua casa de habitação onde habitavam e continuam a habitar (artº 22º da base instrutória);
33. ...nem nunca foi sua intenção fazê-lo (artº 23º da base instrutória);
34. O objectivo das vendas realizadas entre os primeiros Réus e a segunda Ré foi o de ofertar os bens à sociedade a fim desta prosseguir o seu objecto social com excepção do veículo Ferrari que ingressou no património da sociedade R. por razões fiscais (artº 24º da base instrutória);
35. Resultou provado, entre outros, na acção n.º 76/93, o seguinte:
a) “a 14/8/84, M…., A…. e B., ora 1º R., constituíram entre si uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com a denominação R…., Lda, com o capital social de 10.000.000$00, correspondendo à soma de 3 quotas: duas iguais no valor de 2.500.000$00, cada uma, pertencentes aos sócios M. N. e A. S. e uma de 5.000.000$00, pertencente ao sócio B. (al. D) Especificação).
b) B., A…., A…. e M…., outorgaram entre si contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual os primeiros prometeram vender à R…., Lda, representada pelo A…., S…. e N…., que por sua vez prometeram comprar, um conjunto de 3 prédios rústicos que compõe o Casal da Marinha, pelo preço, de 200.000.000$00 (al. D) Especificação).
c) Em aditamento ao contrato promessa atrás referido, no interesse dos promitentes vendedores e da promitente compradora, foi achado preferível que o conjunto Casal da Marinha fosse vendido a terceira pessoa por inteiro e como prédio rústico, tendo sido acordado com a Sociedade de Construções P…., Lda, a venda do dito imóvel por 750.000.000$00 (al. E) Especificação),
d) Tendo sido acordado que dos 750.000.000$00, caberia aos 1ºs RR., o montante de 200.000.000$00, correspondentes ao preço da venda do Casal da Marinha, sendo o restante dividido em partes iguais pelos AA., e pelos 1ºs RR., e por A. S. e por M. N. (al. G) Especificação).
e) A 15/03/89, P….e R…., Lda, pagou a 1ª prestação do preço, no montante de 200.000.000$00, divididos nos termos do referido no anterior n.º 4 (al. H) Especificação).
f) O ora R., depositou 25.000.000$00, após o pagamento referido no anterior n.º 5, nas contas bancárias dos AA., de M. N. e de A. S. (al. I) Especificação).
g) O 1º R. já recebeu da Sociedade de Construções P…. e R…., Lda, o montante total de 750.000.000$00 (al. J) Especificação).
h) A participação dos AA. na Sociedade a constituir referida na al. C) da Especificação foi pretendida pelo A., pelo R., por M. N. e por A. S., em pé de igualdade com o ora 1º R. (resposta quesito 1 e 2).
i) Tendo sido decidida a constituição de uma sociedade pertencente em partes iguais aos AA., aos ora 1ºs RR., a M. N. e a A. S. (resposta quesito 3).
j) A Sociedade a que se referiam as negociações mencionadas na al. c) e nos quesitos 1º, 2º e 3º (Sociedade a constituir em pé de igualdade e pretendida pelo A., pelo ora 1º R. e por M. N. e por A. S.), veio a ser constituída nos termos constantes da a. D) da Especificação (resposta quesito 4),
k) Não tendo os AA. outorgado a escritura por razões de ordem particular, ficando acordado com os RR., que os AA. ficassem agregados à quota daqueles na proporção de metade, quinhoando naquela proporção nos lucros e reservas relativas à quota do 1º R. e em todos os demais direitos, nomeadamente o produto da venda, amortização, liquidação e partilha, relativos à quota do R. (resposta quesitos 5, 6, 7 e 8).
l) O depósito efectuado na conta dos AA. pelo 1º R., referido na al. I) da Especificação, foi-o para cumprimento do acordo referidos nos quesitos 6º, 7º e 8º - ficou acordado com os RR. que os AA. ficavam agregados à quota daqueles na proporção de metade, quinhoando naquela proporção nos lucros e reservas relativos à quota do 1º R. e em todos os demais direitos, nomeadamente o produto da venda, amortização, liquidação e partilha, relativos à quota do ora R.” (certidão de fls. 28 e segs.)

2. De Direito

Apreciemos agora as questões supra indicadas.

QUESTÃO PRÉVIA:
Da admissibilidade ou inadmissibilidade da ampliação do âmbito do recurso por parte dos recorridos

Os apelados, nas suas doutas alegações, vieram ao abrigo do disposto no art.º 684.º-A, n.º 1, do CPC (que por lapso manifesto – erro de simpatia – referiram como sendo o art.º 864.º, n.º 1 do mesmo diploma legal) requerer a título subsidiário (na eventualidade do recurso da apelante proceder), a ampliação do âmbito do recurso, no que concerne à improcedência do pedido principal, ou seja do pedido de declaração de nulidade dos contratos de compra e venda por simulação.
A apelante, face a tal posição dos apelados, veio defender a inadmissibilidade dos recorridos se socorrerem da ampliação do âmbito do recurso, por entender que tal só ocorrerá quando, existindo uma pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, a parte vencedora tenha, relativamente a algum ou alguns dos fundamentos invocados, saído vencida.
Sustenta ainda que nas situações, como a vivenciada nestes autos, em que se está perante dois pedidos – um principal e um subsidiário – a possibilidade que a parte vencedora terá de fazer reapreciar o pedido que foi julgado improcedente (o principal) é interpor recurso subordinado.
Afigura-se-nos que a apelante tem razão nesta sua questão prévia.
Com efeito, o legislador prevê duas situações distintas em que a parte vencedora poderá fazer valer as suas posições que não tiveram vencimento na decisão recorrida:
- uma, ocorrerá quando face a um determinado pedido forem apresentados vários fundamentos (causas de pedir) e o tribunal a quo tenha julgado a acção procedente com base em determinado fundamento, mas tenha considerado algum ou alguns dos outros fundamentos improcedentes;
- outra, verificar-se-á quando tenham sido deduzidos vários pedidos - cumulativos ou subsidiários – e algum deles tenha sido julgado improcedente, pese embora outro ou outros tenham procedido.
No primeiro caso a lei permite que o recorrido lance mão do estipulado no art.º 684.º-A, n.º 1, do CPC e, aproveitando as suas contra-alegações, requeira e deduza aí a ampliação do âmbito do recurso.
Na segunda situação, a lei prevê que a parte deduza atempadamente recurso subordinado, nos termos previstos no art.º 682.º do CPC.
Da leitura de ambos os preceitos legais resulta para nós claro que o legislador quando fala em “fundamentos da acção ou da defesa” está a reportar-se a causas de pedir inerentes a determinado pedido, enquanto que no art.º 682.º se fala em decisões desfavoráveis, estas, logicamente reportadas a pedidos julgados improcedentes.
No caso em apreço é manifesto estarmos face a esta segunda situação pois que o Senhor Juiz do Tribunal a quo apreciou e julgou improcedente o pedido principal deduzido, tendo julgado procedente o pedido subsidiário.
Assim, face ao recurso intentado pela R. Bb., pretendendo os apelados ver reapreciada a decisão que julgou o pedido principal improcedente, deveriam estes ter apresentado em devido tempo recurso subordinado nos termos do disposto no aludido art.º 682.º do CPC.
Não o tendo feito (o que implicava que tivessem entregue requerimento nesse sentido, no prazo de dez dias após a notificação que lhes foi feita do despacho que admitiu o recurso da parte contrária – art.º 682.º, n.º 2 – o que não fizeram), não podem agora socorrer-se da previsão do art.º 684.º-A, pois que a situação em causa não se enquadra nesse normativo legal.
Desta forma, por tudo o que se deixa dito, não se apreciarão as questões suscitadas pelos apelados à luz de tal dispositivo legal – ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido.

B) NULIDADES DA SENTENÇA:
- Conhecimento de questão de que se não podia conhecer – art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC

Sustenta a apelante que o Senhor Juiz do Tribunal a quo terá conhecido de questão de que não podia conhecer, na medida em que terá desenvolvido o seu raciocínio não só com base na alegação feita pelos AA de que se estaria perante negócios simulados, antes terá ido mais além e terá feito referência ao facto de existirem negócios dissimulados, tendo-os classificado como sendo doações, situação que não lhe foi colocada pelas partes.
Na óptica da apelante estaríamos face à nulidade prevista na al. d), do n.º 1, do art.º 668.º do CPC, na sua vertente de excesso de pronúncia.
Afigura-se-nos no entanto não assistir razão à recorrente.
Na realidade, há desde logo que ter presente que a falta ou o excesso de pronúncia se reportam a “questões” que as partes tenham submetido à apreciação do Juiz. Daqui se extrai que não estarão em causa “… os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes” (Acórdão do STJ, de 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html).
Com efeito, importa ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Por outro lado ainda, há que ter presente que as normas atinentes ao princípio do dispositivo, designadamente as que integram os artigos 264º e 664º do Código de Processo Civil, nada têm a ver com a nulidade da sentença prevista na al. d), do n.º 1, do art.º 668.º deste diploma, atenta a sua localização sistemática e o seu escopo.
Com efeito, dada a estrutura daqueles normativos, a sua infracção pelo juiz nas sentenças apenas é susceptível de constituir erro de julgamento (artigo 659º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Face ao conteúdo da sentença em causa, vê-se que o Tribunal a quo com base nos factos que deu por provados fez a sua interpretação e integração na lei que reputou aplicável, isto é, aplicou o regime jurídico que entendeu adequado, em cumprimento do estipulado no art.º 664.º do CPC, sem ter extravasado as questões que as partes lhe tinham colocado.
Com efeito, a matéria do negócio dissimulado surge tão só como reflexo da aplicação da lei aos factos que se deram como provados, não se podendo olvidar que é a própria lei, nos seus artgs. 241.º e 293.º do Código Civil que prevê a conversão do negócio nulo em negócio de tipo diferente. A referida apreciação não extravasa assim os limites do conhecimento admitido por lei, tanto mais que tal apreciação serviu tão só para alicerçar a improcedência do pedido principal formulado pelos AA. o qual, lembre-se, pedia a declaração de nulidade dos negócios simulados.
Em idêntico sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 31/05/2005, em que foi relator o Senhor Conselheiro Salvador da Costa (in www.dgsi.pt).
Pelo que se deixa dito há pois que concluir não estarmos face a uma situação de nulidade da sentença, afigurando-se-nos que a apelante, nesta sede, confunde a questão da nulidade com o erro de julgamento, inexistindo, por isso, fundamento legal para a conclusão por ela afirmada no sentido da nulidade da sentença por violação do disposto nos artigos 264º, 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Improcede assim esta questão.

- Oposição entre a fundamentação e a decisão – art.º 668.º, n.º 1, al. c) do CPC

Defende a apelante existir na sentença uma notória oposição entre a fundamentação e a decisão, pois que se considerou que os contratos de compra e venda eram simulados, sendo certo porém que o pedido principal foi julgado improcedente. Ora, consubstanciando-se este na declaração de nulidade de tais contratos de compra e venda simulados, tendo-se entendido que o eram, a consequência lógica de tal constatação seria a declaração de nulidade dos mesmos e, assim, a procedência do pedido principal.
Vejamos.
A nulidade em causa - art.º 668.º, n.º 1, al. c), do CPC - só se verifica quando (nas doutas palavras do Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 141) «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto».
No caso em apreço, verificamos que o raciocínio seguido na sentença, assenta na valoração feita dos factos, revelando-se perfeitamente coerente e lógico com a decisão proferida, não podendo por isso afirmar-se que exista qualquer oposição entre o decidido e a factualidade dada por provada.
Com efeito, na sua fundamentação, o Senhor Juiz começa por considerar que a factualidade dada por provada revela a existência de contratos de compra e venda simulados e daí extrai as primeiras consequências legais, ou seja, refere que os mesmos serão nulos.
O raciocínio do Senhor Juiz, porém, não termina aqui.
Na realidade, perante os factos provados, considera que sob os negócios simulados existem outros – dissimulados – que terão condições de substância e de forma para poderem ser considerados válidos e, seguindo na esteira desse raciocínio que admite a conversão do negócio nulo em negócio válido, conclui que os referidos contratos configuram verdadeiras doações, inteiramente válidas e, assim, julga improcedente o pedido principal formulado pelos AA – de declaração de nulidade das compras e vendas - por via dessa indicada conversão.
Ora este raciocínio é perfeitamente lógico e coerente.
Os recorrentes parecem confundir esta oposição, que constitui nulidade da sentença, com o entendimento diverso que têm quer quanto aos factos que foram dados por provados, quer quanto à aplicação do direito.
O primeiro susceptível de impugnação nos termos do art.º 690.º-A do CPC e o segundo susceptível de apreciação em sede de erro de julgamento.
Certo é que esta nulidade invocada não se regista no caso em análise.

C) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
- Dar como não provados os factos constantes dos pontos 26.º, 27.º, 28.º e 34.º da sentença

Defende a apelante que as respostas dadas aos pontos 12.º, 14.º, 15.º e 24.º da base instrutória e que deram origem aos pontos 26.º, 27.º e 28.º e 34.º da matéria provada constante da sentença, deveriam ser dados como não provados, portanto eliminados do probatório. Fundamenta essa sua pretensão na circunstância de, quanto a si, a prova produzida e na qual o Senhor Juiz fundamentou tais respostas apontar nesse sentido e não naquele que foi acolhido.
Antes de nos pronunciarmos especificamente sobre o caso em concreto, importará fazer uma breve abordagem sobre os poderes e limites ao conhecimento da matéria de facto, em sede de 2.ª instância.
O art.º 712.º do CPC, refere nas três alíneas do seu n.º 1, quais as situações em que o Tribunal da Relação pode alterar a decisão de facto estabelecida na 1.ª instância, indicando-se por seu turno no n.º 1 do art.º 690.º-A, do mesmo diploma legal, quais os procedimentos que o(a) recorrente deve assumir para que tal reapreciação possa verificar-se.
Assim, deverá o(a) recorrente especificar “quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” (al. a), do n.º 1 desse último dispositivo), bem como “quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b) do mesmo normativo).
No caso, a recorrente deu efectivo cumprimento a estes requisitos formais.
Ainda no tocante às situações que permitem a modificabilidade da decisão de facto, haverá que ter presente a posição dominantemente aceite na jurisprudência que aponta no sentido de tal reapreciação não poder subverter o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 655.º do CPC.
Como muito bem é salientado no Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, in CJ, Ano XXV, T. 4, págs. 186 “…o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”.
Este é aliás o sentido que o legislador pretendeu dar à possibilidade do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, pois que expressamente refere no preâmbulo do diploma que possibilitou a documentação da prova (Dec.-Lei n.º 39/95, de 15/12) que “…a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como também é referido num outro aresto, “Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto de julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta o mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado ou não provado, possibilitando assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão (cfr. Michel Taruffo, “La Prueba de los Hechos”, Editorial Trotta, 2002, pág. 435 e ss.).
“De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art.º 653.º, n.º 2, do CPC).
“Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras de experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
“Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1.ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.”
Transpondo estes princípios para o caso em apreço, somos forçados a concluir não assistir razão à recorrente no tocante à questão da impugnação da matéria de facto.
Com efeito, tendo-se procedido à audição da prova gravada e apreciado quer os docs. juntos aos autos, quer a prova pericial efectuada, somos de concluir que a leitura que foi feita pelo Senhor Juiz do conjunto dessa prova se revela correcta, encontrando nela inteiro sustentáculo.
Comece-se por dizer que, contrariamente ao que a apelante alegou, a prova relativa aos quesitos em causa (12.º, 14.º, 15.º e 24.º) não se fundou apenas no depoimento de parte da R. Bb..
Com efeito, sendo o depoimento de parte desta de bastante importância - pois que se tratando de transferência de bens seus e de seu marido para uma sociedade, ninguém melhor que os próprios cedentes/vendedores para indicarem a forma como tal se terá processado – não se mostra o mesmo isolado.
Efectivamente também as testemunhas J. B. e A. R., embora não conhecendo directamente os contornos exactos dos negócios em causa, adiantaram factos indiciadores de que as vendas teriam sido ficcionadas, como seja a circunstância das mesmas terem ocorrido num curto espaço de tempo (cerca de seis meses) e de nas respectivas escrituras terem comparecido, para além da R. Bb. o Réu B., a outorgar quer na qualidade de vendedor, quer na qualidade de legal representante da sociedade Ré.
Também o testemunho de J. B. acaba por não destruir a confissão feita pela Ré Bb., pois que não conseguiu convencer que o preço dos prédios alegadamente vendidos tenha sido pago aos 1.ºs Réus, na medida em que os suportes da escrita não espelhavam de forma clara e transparente que tais pagamentos tenham sido efectuados.
Tal testemunha escudou-se no facto de ter elaborado a contabilidade com base nos docs. que lhe foram fornecidos pelo Sr. Hélder, funcionário da sociedade Ré, tendo acrescentado que não tinha qualquer acesso aos extractos bancários da sociedade, não podendo assim saber quais os movimentos de conta que teriam sido realizados. Referiu ainda não ter assistido às escrituras, nem visto qualquer cheque com elas conexionado.
De realçar ainda que a perícia efectuada, cujo relatório e seus anexos constam de fls. 634-648, não foi objecto de qualquer reclamação nos termos do disposto no art.º 587.º do CPC, sendo certo que as partes o poderiam ter feito caso assim o entendessem. Ao não o fazerem assume a mesma um peso probatório maior, ainda que sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Tal relatório é explícito ao referir que a contabilidade da sociedade Ré não refere em pormenor os valores dos imóveis adquiridos, acrescentando ainda não ter sido identificado o valor de aquisição individual de cada imóvel e portanto não podemos afirmar que os valores creditados na conta 25.5.1.1 do P.O.C. dizem respeito aos valores dos imóveis adquiridos pela Ré sociedade através de escrituras notariais.
A versão das testemunhas indicadas pelos RR e mesmo os depoimentos de parte dos representantes da sociedade Ré não foram de molde a afastar a convicção resultante da restante prova já mencionada, sendo certo que, designadamente estes últimos, não lograram convencer ao afirmarem que o dinheiro tinha saído da sociedade, não tendo porém exibido (como poderiam) extractos bancários demonstrativos de tais saídas. De outro lado, a fazer fé no alegado bom relacionamento familiar existente na família R. A., também poderiam ter sido apresentados os extractos bancários dos 1.ºs RR reveladores das entradas nas suas contas dos quantitativos equivalentes às alegadas vendas.
O que é certo é que ninguém apresentou tais elementos.
Por tudo o que se deixa dito, há pois que considerar que bem andou o Senhor Juiz do Tribunal a quo, nas respostas que deu aos indicados pontos 12.º, 14.º, 15.º e 24.º da base instrutória, não havendo assim razões para modificar as respostas dadas aos mesmos, que assim se mantêm.

D) Inadmissibilidade dos factos constantes do ponto 35 da matéria dada por provada

Entende a apelante que na sentença recorrida não poderia o Senhor Juiz ter dado como provados os factos constantes do ponto 35.º da matéria de facto constante da sentença, por entender que tal matéria não integrou a matéria assente nem a base instrutória, não tendo sido justificada a sua inclusão na fundamentação da decisão, sendo que por outro lado o facto de tais factos terem sido dados como provados noutro processo não permite que os mesmos se devam ter como provados nestes autos, designadamente porque não se estará perante a situação prevista no art.º 522.º do CPC.
Também aqui não assiste qualquer razão à apelante.
Em primeiro lugar há que ter presente que o referido ponto 35.º da matéria de facto provada inicia a sua redacção da seguintes forma:
Resultou provado, entre outros, na acção n.º 76/93, o seguinte:
a) a 14/8/84…
….”
Na realidade, face a tal redacção, é claro para nós que o que se deu como provado não foram directamente os factos provados integrantes da acção 76/93, mas sim o facto de que nessa acção foram dados como provados determinados factos que depois se elencam.
Com efeito, o Senhor Juiz, face à certidão da sentença relativa ao proc.º 76/93 - que constitui o doc. de fls. 28 a 36, destes autos - limitou-se a transcrever as passagens desse documento que entendeu por relevantes.
Fê-lo em respeito pelo estipulado no art.º 659.º, n.º 2 e 3 do CPC que lhe permite considerar factos resultantes de docs. constantes dos autos (como é o caso do presente) que depois poderão (como foram) ser apreciados livremente.
A este propósito será de referir o que se disse no acórdão do S.T.J. de 27/09/2001 (Revista n.º 2424/01 – 7.ª Secção, in www.dgsi.pt): A especificação tem uma mera função instrumental dentro da marcha ou sequência processual e não deve, portanto, passar além disso, nomeadamente interferir com o final e definitivo poder do juiz sentenciador de fixar os factos provados nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 659.º, tendo em conta, naturalmente, “os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados…”.
Assim, o juiz sentenciador não está impedido de alterar o rol de factos da especificação, eliminando o que lá não deveria constar, acrescentando o que o saneador considerou não lhe pertencer, modificando o sentido ou a extensão dos especificados.
Diga-se, por outro lado, não se adequar ao caso a objecção de tais factos não poderem ser considerados na sentença por tal não o permitir o art.º 522.º do CPC, pois que a situação prevista nesse normativo nada tem a ver com a que aqui se verificou.
Na realidade, esse preceito legal reporta-se aos casos em que se pretende fazer valer os depoimentos e arbitramentos produzidos num determinado processo, em processo distinto, dentro de determinados condicionalismos.
Ora, na situação destes nossos autos, não se trata de aproveitar os depoimentos e/ou arbitramentos produzidos noutro processo (até porque se ignora qual tenha sido o teor de tais depoimentos ou mesmo o relatório de arbitragem), trata-se sim de referir que determinados factos foram dados como provados num outro processo. É, sem dúvida, realidade distinta.
Desta forma entendemos que também aqui não assiste razão à apelante, razão pela qual também esta questão não merece o nosso acolhimento.

E) ERRO DE JULGAMENTO
Neste sede, defendeu a apelante ter existido por parte do Senhor Juiz do Tribunal a quo uma inadequada aplicação do direito aos factos, sendo certo que nalgumas situações parte do pressuposto de que a matéria de facto que foi dada por provada e que por si foi impugnada, teria tido vencimento, o que, como vimos já, não aconteceu.
Entendemos que as objecções levantadas pela recorrente à forma como a acção foi julgada em 1.ª instância não colhem, tendo o Senhor Juiz do Tribunal recorrido aplicado a lei de forma correcta.
Apreciemos então tais questões.

a) Falta do requisito – “intenção de enganar terceiros”
A apelante começa por colocar em causa o facto de, no caso em apreço, não se ter demonstrado que tenha existido intenção de enganar terceiros, situação que afastaria a figura jurídica da simulação, nos termos em que vem desenhada no art.º 240.º, n.º 1 do CC.
Vejamos.
Decorre daquele normativo legal haver negócio simulado sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros.
Por outro lado, a simulação tanto pode ser absoluta – situação em que os contraentes não pretenderam realizar negócio nenhum – como relativa – caso em que os contraentes pretenderam realizar negócio distinto daquele que declararam querer celebrar, sendo que neste caso a lei estipula que a validade do negócio dissimulado não fica prejudicada pela nulidade do negócio simulado, desde que a tal não obstem razões de natureza de formal (vd. art.º 241.º, n.ºs 1 e 2, do CC).
Nas situações de simulação relativa tem-se entendido que o requisito “intenção de enganar terceiros”, resulta desde logo “evidenciado pelo propósito das partes de criar uma aparência que não corresponde à verdade” (Ac. do STJ de 09/10/2003, proc.º 03B2536, em que foi relator o Ex.mo Senhor Conselheiro Oliveira Barros).
Com efeito, como se salienta nesse mesmo acórdão, fazendo-se referência ao Ac. do mesmo Tribunal de 30/05/95, “o intuito de enganar terceiros identifica-se com a intenção de criar uma aparência: intenção essa, adita-se, necessariamente revelada pela divergência entre a vontade real e a declarada e pelo acordo que tal determina.
“Concertadamente criada aparência não conforme com a realidade, tanto basta para que tenha de julgar-se outrossim revelado ou manifestado – tornado, mesmo, sem margem para tergiversação, evidente – o intuito ou propósito de enganar terceiros.”
No caso em apreço, é para nós evidente estarmos face a um caso de simulação relativa, como resulta claro, designadamente, dos pontos 26, 27, 28 e 34 da matéria de facto dada por provada.
A ser assim, não tem razão de ser a objecção suscitada pela apelante, no sentido de não terem existido terceiros enganados ou prejudicados, pois que o indicado requisito passa a existir desde que se cria a aparência de realizar negócio distinto do pretendido.
Mas mesmo que tal não bastasse, sempre se adiantará que pelo menos um terceiro sairia enganado da simulação realizada. Falamos do Estado, corporizado pela Fazenda Pública, pois que a incidência tributária num e noutro negócio são distintas.
Concluímos pois, entendendo não ser de atender a esta questão.

b) Inexistência de direito de crédito
Sustenta a apelante que o Senhor Juiz do Tribunal a quo não poderia em sede de apreciação do pedido de impugnação pauliana, julgar procedente o mesmo, pois que na sua óptica não se encontrariam demonstrados os factos constitutivos do direito de crédito que os AA. terão alegado.
Também aqui a argumentação apresentada não colhe, sendo de salientar que a fundamentação constante da sentença se mostra bem sustentada.
Na realidade, da conjugação dos pontos 1, 2 e 3, com o ponto 35, da matéria provada, resulta que os AA teriam direito “de participar em 50% dos lucros, reservas e quaisquer outros resultados que para os 1.ºs RR advenham da sua qualidade de titulares da aludida quota…” (relativa à Sociedade R….), devendo tais RR “pagar aos AA metade do que eles 1.ºs RR tenham recebido ou venham a receber em virtude de tais operações…”.
Ora a venda enunciada no ponto 35, só ocorreu porque os sócios da sociedade “R….” entenderam que seria mais vantajoso a sua sociedade ceder a sua posição no contrato promessa, passando a compradora a Sociedade “P…. & R….”, tendo porém acordado entre todos eles (sócios da “R….”) que o produto da venda, retirados que fossem os 200.000.000$00 do valor do prédio, seria repartido entre todos eles (os sócios da “R….”).
Trata-se duma situação em que o negócio é efectuado no âmbito dos interesses da Sociedade “R….”, afigurando-se-nos por isso que os AA teriam direito à sua quota parte do produto da venda, não por via dos alegados lucros da sociedade, mas sim por via do compromisso assumido pelos 1.ºs RR de pagarem aos AA 50% de “… quaisquer outros resultados que para os 1.ºs RR advenham na sua qualidade de titulares da aludida quota.”
Não estamos pois a falar de lucros da sociedade “R….”, estamos sim a considerar a situação enquadrável num plano mais vasto que o “contrato de associação” dos AA à quota dos 1.ºs RR na sociedade “R…., Lda.”, previa e que abarcava, designadamente, “… quaisquer outros resultados que para os 1.ºs RR advenham na sua qualidade de titulares da aludida quota…”.
Nesta vertente o crédito será uma realidade, não tendo por isso razão a apelante quando tenta afastar a sua existência invocando não haverem lucros apurados, razão pela qual também aqui não assiste razão à recorrente.

c) Má fé como requisito da impugnação pauliana
Por fim, refere a apelante que não poderia o Senhor Juiz ter julgado procedente a impugnação pauliana, pois que os pressupostos de procedência desta deveriam ser aferidos em função das compras e vendas efectuadas, sendo certo que não se comprovou a existência de má fé, requisito indispensável para que aquela possa ser determinada em contratos onerosos.
Uma vez mais não assiste razão à recorrente.
Com efeito, a apelante desloca o centro do debate para os contratos de compra e venda realizados (onerosos), esquecendo completamente que o Senhor Juiz ao apreciar tais negócios os julgou inválidos, enquanto tais, e pegando na prerrogativa que lhe é dada pelo art.º 664.º, n.º 1 do CPC, em conjugação com o disposto no art.º 241.º do CC, convalidou-os em doações (no caso, gratuitas).
A apreciação da impugnação pauliana que teria de ser feita teria pois de recair não sobre os negócios inválidos (as compras e vendas), mas sim sobre os negócios convalidados (as doações), sendo certo que foi isso precisamente que fez o Senhor Juiz do Tribunal a quo.
Ora, assim sendo, e uma vez que tais negócios não tiveram natureza onerosa, não era exigível a má fé como requisito necessário para a procedência da impugnação pauliana (art.º 612.º, n.º 1 do CC).
Desta forma se conclui que também esta questão não procederá.

IV – DECISÃO

Face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em negar provimento ao recurso e, nessa conformidade, confirma-se inteiramente a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 19.10.2006