Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
89359/10.7YIPRT.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO INOMINADO
PROGRAMA INFORMÁTICO
DIREITOS DE AUTOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - É de qualificar como “contrato de prestação de serviços inominado” o contrato em que uma parte adjudica a outra a prestação de serviços na área informática, designadamente serviços de desenvolvimento, implementação e manutenção de software e hardware, helpdesk e formação;
II - O DL nº 252/04 inclui no seu âmbito de proteção todos os «programas de computador» que tiverem carácter criativo, independentemente do seu tipo funcional, do seu suporte material e da sua fase de desenvolvimento;
III - Para além do chamado «código fonte», a proteção legal abrange também o «código objeto»;
IV - A autorização de utilização do programa, ainda que seja estipulada a cláusula de exclusividade, não implica a transmissão dos direitos atribuídos ao autor do programa de computador, designadamente os direitos de reprodução, transformação e colocação em circulação.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I-Relatório:


1. “S., Unipessoal, Lda instaurou procedimento de injunção, transmutada em ação declarativa com forma ordinária, contra R. pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de EUR 164.112,60, acrescida de EUR 2.131,66, a título de juros de mora, já vencidos.

Para tanto, alegou, em síntese, que:
Dedica-se à consultoria na área das tecnologias de informação e comunicação, à venda e locação de programas e serviços de informática e de telecomunicações, sistemas de computadores, incluindo hardware e software.

Em 22/08/2008, celebrou com a requerida um contrato de prestação de serviços na área da informática, designadamente serviços de implementação e manutenção de software e hardware, helpdesk e formação.

Nesse âmbito, a autora prestou à ré diversos serviços, no montante de EUR 164.112,60 e que a ré, apesar de instada, não pagou.

2. A ré deduziu oposição e reconvenção, alegando, em suma, que:
Na petição inicial, a autora não identifica a concreta relação contratual que fundamenta a sua pretensão, pelo que a petição inicial é inepta, por falta de causa de pedir.

A ré foi vítima de diversos ilícitos criminais praticados por um seu ex-diretor, os quais se encontram em averiguação no DIAP, sendo que a relação contratual estabelecida com a ora autora é uma das situações em averiguação naquele processo-crime. Por se configurar a existência de causa prejudicial, deve ser suspensa a instância até ser proferida decisão com trânsito em julgado no processo que corre no foro criminal.

A ré dedica-se à gestão de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, tendo implantado uma rede de centros de receção para a receção, separação e armazenagem de resíduos. Para tal estabeleceu parcerias com operadores de gestão e resíduos e parceiros operacionais que asseguram a prestação dos serviços necessários.

A ré celebrou um contrato com a empresa I., Lda visando a criação de um sistema informático denominado “SIGRes3e”, especialmente desenvolvido para a ré, de acordo com as suas necessidades específicas.

Posteriormente, por influência do seu então diretor financeiro, a ré celebrou um contrato com a empresa C., atualmente denominada S., Unipessoal, Lda, ou seja, a ora autora. Este contrato visava aperfeiçoar, desenvolver e melhorar o sistema existente, ou seja, o “SIGRes3e”, cabendo ainda à autora disponibilizar serviços de helpdesk e de formação. Esses serviços foram prestados pela A, sociedade controlada pelo então diretor financeiro da ré.

A ré delegou no seu diretor financeiro a coordenação e acompanhamento da execução deste contrato. Este, porém, como a ré veio posteriormente a apurar, não defendeu os interesses da ré, tendo aceitado que a ré ficasse na total dependência técnica da autora e autorizado o pagamento de faturas de Janeiro de 2008 a Outubro de 2009, no valor total de EUR 2.216.884,00, sem estar comprovado que os respectivos serviços tenham sido prestados, e sem que a autorização de pagamento contivesse assinatura de um membro do Concelho de administração da ré ou por valores superiores aos do mercado.

Por outro lado, entre 2007 e 2009, por serviços de consultoria, projetos de desenvolvimento aplicacional e de formação, a ré pagou EUR 1.207,929,00, sendo que este valor representa uma diferença de EUR 374.584,00 face aos preços de mercado.

Além disso, apenas por efeito da atuação ilícita do ex-diretor da ré, ficou clausulado que a titularidade dos direitos sobre o software (que a requerente desenvolveu) lhe pertence.

Sendo assim, pelo licenciamento do sistema SIGMA, a ré pagou indevidamente à autora EUR 597.358,00. Ainda que se entenda que o custo do licenciamento do SIGMA deveria ser suportado pela ré, ainda assim, a autora cobrou esse serviço em duplicado, o que representa um prejuízo para a ré de EUR 192.500,00.

Nesta conformidade, a ré invoca a nulidade do contrato por ser contrário à ordem pública e aos bons costumes (art. 280º, nº2, do CC). Ou, se assim não for entendido, a sua anulabilidade, por se tratar de negócio usurário (art. 282º, nº1, do CC). Afirma ainda que o negócio é anulável, por ter sido celebrado com base em erro na formação da vontade (art. 251º, do CC).

Conclui, pedindo que:
a) Seja declarada a ineptidão da petição inicial e a ré absolvida da instância;
b) Caso assim não se entenda, seja ordenada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do acórdão a proferir no processo-crime, instaurado contra o ex-diretor da ré;
c) Seja declarado nulo o contrato celebrado com a autora;
d) Subsidiariamente, seja anulado o dito contrato;
e) Seja, em consequência, determinada a restituição de todas as prestações efetuadas e reconhecida a titularidade da ré sobre o software de base e ainda de todas as aplicações operacionais correspondentes ao atual sistema informático;
f) Se assim não se entender, e se considerar o contrato válido, seja a autora condenada a reconhecer a titularidade da ré sobre o software de base e ainda de todas as aplicações operacionais correspondentes ao atual sistema informático;

g) Em reconvenção, seja a autora condenada:

- A pagar à ré, a título de compensação, a quantia de EUR 971.942,00, correspondente à diferença entre o montante que a autora deve restituir à ré e o valor dos serviços ao preço de mercado prestados pela autora à ré, até 31/12/2009, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a apresentação da oposição e vincendos até integral pagamento;
- A pagar à ré a quantia que se vier a liquidar posteriormente, correspondente à compensação entre as quantias a restituir pelas partes, relativas aos serviços faturados pela autora e os que sejam indevidamente pagos pela ré, após 31/12/2009;
- A reconhecer o direito de acesso da ré ao código-fonte do software de base e de todo o software aplicacional.

3. A autora replicou e ampliou o pedido. Neste âmbito, alegou que desde a instauração do requerimento de injunção até à data da apresentação da réplica se venceram (outras) faturas no valor global de EUR 253.152,00 que a ré, mais uma vez, não pagou. Concluiu, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe (também) esta quantia, acrescida dos respectivos juros de mora, já vencidos e vincendos.
Pediu, ainda, a condenação da ré com litigante de má fé.

4. A ré treplicou.

5. Foi proferido despacho que indeferiu a suspensão da instância – cf. fls. 738.

6. Na audiência preliminar, foi admitida a reconvenção, bem como a ampliação do pedido e julgada improcedente a ineptidão do requerimento de injunção. Foi selecionada a matéria assente e organizada a base instrutória.

7. Foi produzida prova pericial - cf. fls. 1105 e ss e 1132-1133 e 1202 e ss..

8. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que:
a)- Julgando a ação procedente, condenou a ré “a pagar à autora a quantia de EUR 415.428,00, acrescida de juros de mora sobre o valor de cada uma das faturas – a primeira deduzida da nota de crédito – discriminadas nos pontos 1º e 2º dos factos provados, contados 60 dias após a data de emissão de cada uma delas, às taxas supletivas legais que resultam da aplicação da Portaria 597/2005, de 19/07, até integral pagamento”;
b)- Julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido reconvencional;
c)- Julgou inverificados os pressupostos da litigância de má-fé.

9. Inconformada, apelou a ré, e, nas suas alegações, concluindo, disse:
(…)

10. Nas contra-alegações, pugna-se pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.

11. Cumpre apreciar e decidir se deve, ou não, ser alterada a decisão de facto; se o contrato deve, ou não, ser declarado nulo ou anulado e se, em consequência, deve ser ordenada a restituição das prestações peticionadas nas conclusões das alegações.

12. É a seguinte a factualidade dada como provada:
1º- A Requerente emitiu à Requerida as seguintes faturas que as recebeu:
- Fatura n.º 38/2009, emitida a 30.09.2009, com vencimento em 29.11.2009, no valor de € 39.954,00;
- Fatura n.º 42/2009, emitida a 31.10.2009, com vencimento em 29.12.2009, no valor de €41.108,40;
- Fatura n.º 46/2009, emitida a 2.12.2009, com vencimento em 30.01.2010, no valor de €41.607,60;
- Fatura n.º 2010000002, emitida em 8.01.2010, com vencimento em 9.03.2010, no valor de € 41.442,00. (Alínea AA) dos Factos Assentes).

2º- A Requerente emitiu e enviou à Ré as faturas, que as recebeu:
- Fatura n.º 2010000007, de 01/02/2010, no valor de € 46.832,40;
- Fatura n.º 2010000014, de 04/03/2010, no valor de € 49.225,20;
- Fatura n.º 2010000017, de 05/04/2010, no valor de € 50.419,20;
- Fatura n.º 2010000021, de 03/05/2010, no valor de € 52.675,20;
- Fatura n.º 2010000024, de 01/06/2010, no valor de € 54.000,00 (BB).

3º- A requerente emitiu e enviou à requerida a nota de crédito n.º 2 de 30/09/09, no valor de 1836,00€. (CC).

4º- A Requerida não pagou as faturas referidas em AA) e BB). (DD).

5º- Com data de 22/08/2008, entre a requerida e a requerente, então denominada C., foi celebrado um contrato, do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

“Cláusula 1.ª (Objeto):
1. Pelo presente contrato, adiante designado como Contrato, a primeira Contratante adjudica à Segunda Contratante a prestação de serviços na área de informática, designadamente serviços de desenvolvimento, implementação e manutenção de software e hardware, helpdesk e formação, nos termos definidos nos Anexos ao Contrato que dele fazem parte na data da celebração ou venham a ser aditados, sendo as condições específicas de tais serviços objeto de aditamento ao Contrato, sob a forma de Anexo.
2. Os termos e condições da prestação dos serviços objeto do presente Contrato, bem como as obrigações, responsabilidades e exclusões, são especificamente reguladas nos respectivos Anexos, sem prejuízo da legislação vigente aplicável.
3. As Partes Contratantes reconhecem e delegam no Departamento Financeiro da Primeira Contratante a coordenação, acompanhamento e controlo da prestação de serviços da Segunda Contratante, efetuada ao abrigo do presente Contrato.

Cláusula 2. (Preço):
1. O preço da prestação dos serviços objeto do presente Contrato a pagar pela Primeira à Segunda Outorgante será o definido em sede do respectivo Anexo que, especificamente, regular os termos da prestação de serviços.

Cláusula 3.ª (Faturação e Condições de Pagamento):
1- A faturação do preço anual dos serviços prestados objeto do presente Contrato será feita em duodécimos, no primeiro dia do mês seguinte ao do mês da prestação dos serviços.
3. As faturas emitidas pela segunda Contratante serão liquidadas pela Primeira Contratante no prazo máximo de 60 (sessenta dias) a contar da respectiva emissão, por meio de transferência bancária para conta a indicar pela Segunda Contratante, considerando que a receção das mesmas pela Primeira Contratante não exceda 5 (cinco) dias úteis da respectiva data de emissão, caso em que a data de vencimento passará a ser contada a partir da efetiva receção.
5. Em caso de mora da Primeira Contratante na liquidação das faturas, a Segunda Contratante poderá suspender a prestação dos serviços objeto do presente Contrato, dependendo o seu reinício da efetiva cobrança dos valores em dívida, acrescidos de juros de mora à taxa legal.

Cláusula 4.ª (Direitos de Autor e Marcas):
1. Os direitos de autor do software já utilizados por qualquer das Partes Contratantes, bem como quaisquer marcas que já tenha registadas a seu favor, são da sua exclusiva titularidade, obrigando-se a outra Parte Contratante a respeitá-las, salvo se diferente decorrer nos termos da legislação vigente aplicável.
3. Sem prejuízo do dever de confidencialidade, a Primeira Contratante reconhece que a Segunda Contratante poderá adquirir conhecimentos técnicos na área de informática durante a vigência do presente Contrato, e que os poderá aplicar no decorrer da sua atividade na medida em que não colida com os direitos da Primeira Contratante.
4. Os eventuais direitos de autor que decorram das obras produzidas pela Segunda Contratante na execução do presente Contrato, para além das metodologias e ferramentas que já se encontram na titularidade desta, são propriedade exclusiva da Segunda Contratante, nos termos em que tal se verifique legítimo ao abrigo da legislação vigente aplicável e salvo disposição em contrário no Anexo correspondente ao serviço e/ou obra especificamente contratada.

Cláusula 11.ª (Resolução do presente Contrato):
2. Sem prejuízo do disposto na Cláusula Décima, qualquer das Partes Contratantes poderá resolver o contrato nos seguintes casos:

e)- Se o Conselho de Administração da Primeira Contratante deliberar, nos termos estatutariamente definidos, na resolução do presente contrato, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3. A resolução do presente Contrato nos termos do número anterior não prejudicará os direitos adquiridos e as obrigações contraídas pelas Partes Contratantes durante a vigência do mesmo e não impedirá a Parte Contratante não faltosa de reclamar da Parte Contratante faltosa quaisquer pagamentos em mora e indemnizações de qualquer espécie que lhe sejam devidas, incluindo reparações de danos emergentes, lucros cessantes ou aplicações de qualquer penalidade, multa ou sanção pecuniária, podendo a Parte não faltosa reter quaisquer quantias já recebidas.
4. A resolução do presente Contrato nos termos previstos na alínea e) do número 2 da presente Cláusula confere à Segunda Contratante o direito de ser indemnizada num montante nunca inferior ao equivalente do valor das prestações médias vincendas até ao final do período de vigência do presente Contrato, inicial ou de renovação, no momento da resolução unilateral.

Cláusula 15.ª (Relações comerciais):
1. Atendendo à especificidade da atividade desenvolvida e em respeito pelas regras da leal concorrência, as Partes Contratantes reciprocamente acordam e reconhecem que a Segunda Contratante abster-se-á, durante a vigência do presente Contrato, de prestar os serviços objeto do Presente Contrato e outros similares que, pela sua natureza, constituam potencial risco de lesar o dever de confidencialidade, a qualquer entidade concorrente da Primeira Contratante.
2. Para os efeitos previstos no número anterior, as Partes Contratantes consideram como entidade concorrente da Primeira Contratante e entidade que detenha Licenciamento para a atividade de gestão de REEE, atribuída pelo Governo Português, ou que assuma esse encargo em nome e por conta da Licenciada.
3. As Partes Contratantes reciprocamente acordam e reconhecem que a Primeira Contratante abster-se-á, durante a prestação de cada serviço específico contratado, de contratar, simultaneamente, a qualquer entidade concorrente da Segunda Contratante, a prestação de serviço específico que pela sua natureza constitua potencial risco de comprometer a boa execução do presente Contrato por parte da Segunda Contratante.
Anexo I
Licenciamento do Software «SIGMA».

Cláusula 1.ª (Objeto):
1. A Segunda Contratante, assumindo-se com plenos poderes para o efeito, licencia o direito de utilização do SIGMA, cuja Ficha de Especificações faz parte integrante do Anexo Adicional A, à Primeira Contratante para a gestão da sua atividade, adiante designada por Licença, nos termos e condições adiante acordados.
2. Sem prejuízo do n.º 2 da Cláusula 5.ª, a Segunda Contratante compromete-se a garantir, durante a vigência do Contrato e Anexo (s) e prestação dos respectivos serviços, sob qualquer circunstância a legitimidade para conferir a Licença à Primeira Contratante nos exatos termos ora contratados e livre de quaisquer ónus para com terceiros.

3. A Segunda Contratante prestará à Primeira Contratante os seguintes serviços, conexos e diretamente relacionados com a Licença ora cedida:
a) Organização da informação relativa à base de dados da Primeira Contratante, bem como o processamento da informação que lhe seja comunicada;
b) Administração da segurança interna do SIGMA;
c) Correção de todas as anomalias relacionadas com o funcionamento do SIGMA, originadas por causas diretamente imputáveis ao SIGMA ou ao seu normal funcionamento;
d) Disponibilização de novas versões ou atualizações das funcionalidades atualmente existentes, sempre que existam e conquanto sejam relevantes para a prestação dos serviços objeto do presente Contrato;
e) Esclarecimento de questões relacionadas com a utilização ou resolução de erros ou deficiências do SIGMA, através de um help-desk;
f) Serviço informativo relativo ao SIGMA, sobre melhoramentos e atualizações;
g) Fornecimento de atualizações e melhoramentos do SIGMA, quando estejam disponíveis.

3. A Segunda Contratante, durante o período de vigência da Licença, poderá trocar ou modificar os serviços contratados no âmbito da Licença, de forma a se adaptar aos avanços ou melhoramentos tecnológicos que se verificarem.

4. As partes expressamente reconhecem que a Licença, ora conferida, é extensível aos funcionários e demais colaboradores da Primeira Contratante e por esta legitimados para o acesso à respectiva área restrita.

5. Para os efeitos do número anterior, a Segunda Contratante acionará e atribuirá palavra-chave para o login dos utilizadores identificados pela Primeira Contratante através da respectiva Ficha de Pedido de Utilizador.

Cláusula 4.ª (Preço, faturação e condições de pagamento):
1. Nos termos das Cláusulas Segunda e Terceira do Contrato, o peço da Licença ora concedida e dos serviços contratados no seu âmbito é de EUR: 90.000, devidos em quatro tranches de 22.500 Euros, a pagar mensalmente, nos meses de Setembro a Dezembro de 2008.

2. Adicionalmente, será devido um valor mensal por utilizador comprovadamente registado na aplicação, variável em função do tipo de utilização, nos termos indicados no quadro abaixo a faturar, pela Segunda Contratante, nas condições previstas na Cláusula Terceira do Contrato.

Utilizadores Custo Mensal / Utilizador
Intranet
Financeira 85,00 €
Comercial 85,00 €
Gestão de Resíduos 85,00 €
Extranet
Aderentes 4,00 €
Centros de Receção 85,00 €
Operadores Logísticos 85,00 €
Unidades Tratamento e Valorização 85,00 €.

3. No sentido do número 2 da Cláusula 1.ª, em circunstância alguma serão considerados devidos quaisquer valores a pagar pela Primeira Contratante a qualquer entidade que não seja a Segunda Contratante.

Cláusula 5.ª (Direitos de Autor e Marcas):
1. Sem prejuízo do disposto na Cláusula Quarta do Contrato, as Partes Contratantes expressamente reconhecem que:

a) O SIGMA é da propriedade exclusiva da Segunda Contratante;
b) Os Servidores e todos os seus componentes, documentação ou outros equipamentos que sejam disponibilizados e identificados à Primeira Contratante como parte da Licença são da propriedade exclusiva da Segunda Contratante;
c) Para efeitos da presente cláusula não são considerados quaisquer relatórios e demais documentos retirados ou processados pelo SIGMA que são da exclusiva propriedade e utilização da Primeira Contratante.
2. A Segunda Contratante deverá comunicar à Primeira, todas as alterações jurídicas a que seja sujeito o SIGMA, designadamente alienação e registo.

Cláusula 8ª (Cópia de segurança):
1. Nos termos da Licença ora concedida, a Primeira Contratante efetuará uma cópia de segurança do SIGMA, para fins de arquivo e desde que tal cópia seja realizada sob a supervisão da Segunda Contratante e contenha expressamente a referência aos direitos de propriedade e de distribuição do SIGMA dados a conhecer à Primeira Contratante pelo presente Anexo.
2. Não obstante os direitos de titularidade do SIGMA, a Segunda Contratante compromete-se a depositar na ASSOFT – Associação Portuguesa de Software, ou noutra entidade equiparada, uma cópia integral do Código-Fonte do SIGMA, que deverá ser substituída pela Segunda Contratante por uma versão atualizada de seis em seis meses.
3. Simultaneamente ao depósito previsto no número anterior, a Segunda Contratante compromete-se a admitir o acesso da Primeira Contratante ao Código-Fonte do SIGMA em caso de incumprimento definitivo do Contrato por parte da Segunda Contratante ou caso a Segunda Contratante encerre a sua atividade, devendo as demais condições ser definidas em contrato tripartido a celebrar para o efeito entre as Partes Contratantes e a ASSOFT – associação Portuguesa de Software, ou outra entidade equiparada, na qual seja efetuado o referido depósito.” (A).

6º- A Requerida é uma associação, sem fins lucrativos, que se dedica à atividade de gestão de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos e recolha, tratamento, reciclagem e eliminação dos resíduos de pilhas e acumuladores, em todo o território nacional, tendo para o efeito implementado uma rede de centros para receção, separação seletiva e armazenagem de resíduos, tendo ligação a cerca de 90 operadores de gestão de resíduos. (B).

7º- Neste contexto, o sistema informático utilizado e disponibilizado pela Requerida, constitui um mecanismo imprescindível para a prossecução da sua atividade e objetivos. (C).

8º- Entre muitas outras valências, os Produtores acedem ao sistema informático para efetuarem as suas declarações trimestrais, sendo que as declarações trimestrais são confidenciais e estão à guarda da Requerida, numa base de dados informáticos concebida e especificamente desenvolvida para esse efeito. (D)

9º- A Requerida, aquando da celebração do contrato referido em A), com a Requerente, disponibilizou-lhe um sistema informático, desenvolvido por uma terceira, por solicitação da Requerida, para tratamento informático integrado da gestão de resíduos elétricos e eletrónicos, de acordo com as necessidades específicas da atividade da Requerida. (E)

10º- A “C.” foi registada em 22.01.2008, tinha como sócios com quotas de igual valor, de 2.000,00 euros cada, LA, AJ e A Consulting; em 15.07.2008, “A” passou a deter a totalidade das quotas; em 12.09.2008, passou a ser gerente MG; em 10.10.2008, a totalidade das quotas passou para MG. (F)

11º- AJ é tio do ex-diretor Financeiro da Ré, o FJ, ambos sócios fundadores da A Consulting, Lda. (G)

12º- Em 12.09.2008, o Sr. AJ renunciou à gerência da empresa, assumindo tais funções a Sra. D. MG, com relação de grande amizade com o FJ, que, a partir de 10.10.2008, se tornou sócia única e gerente única da sociedade, data em que a Autora se passou a designar como “S., Unipessoal, Lda. (H)

13º- Em 25.02.2009, a mulher do ex-diretor Financeiro da Ré, IJ, tornou-se Gerente da Autora. (I)

14º- A Requerente, em 24.11.2008, requereu junto do INPI registo da marca SIGMA, o que lhe foi concedido em 13.03.2009. (J)

15º- Desde Dezembro de 2009 que a Requerida deixou de pagar à Requerente todas as faturas relativas ao licenciamento SIGMA. (L)[1]

16º- A Requerida interpôs uma providência cautelar que correu os seus termos no 4.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, sob o n.º 1201/10.9TBOER e foi julgada, em 16.04.2010, improcedente. (N)

17º- Nesse procedimento pretendia obter cópias dos códigos fonte do Software do programa S., Unipessoal, Lda existentes na sede da requerida, a fim de compará-los com os que estavam depositados na Assoft e que o tribunal ficasse depositário desses códigos códigos-fonte. (R)

18º- A A Consulting, Lda. (atualmente em liquidação) foi matriculada em 27.07.2007, tinha como sócios fundadores, com uma quota de € 3.500,00 cada, LA, AJ e FJ.

Em 20.12.2007, o sócio AJ passou a deter a totalidade das quotas.
Em 19.09.2008, MG passou a deter a totalidade das quotas. (O)

19º- A Requerente começou a laborar no sistema informático da Requerida ainda em 2007 e cabia-lhe elaborar software aplicacional no sentido de serem disponibilizadas aplicações feitas por encomenda à medida das necessidades da Requerida. (P)

20º- Foi por sugestão do então Diretor Financeiro, FJ, que a ré contratou com a autora, então C., o sistema informático a que se reporta o contrato referido em A). (Resposta ao ponto 1º da Base Instrutória).

21º- Entre Setembro de 2007 e Fevereiro de 2008 foram prestados à Ré serviços de helpdesk e de formação, pela sociedade A, da qual o ex-diretor financeiro da ré, FJ, foi sócio. (3º BI)

22º- A Requerida não tinha quadros ou dirigentes com conhecimento na área informática. (4º BI)

23º- Uma das componentes do preço a pagar mensalmente à Requerente é o licenciamento do software de base. (7º BI)

24º- Outra componente do preço é o licenciamento do software aplicacional desenvolvido para a Requerida no âmbito do contrato referido em A). (8º BI)

25º- Entre Janeiro de 2008 e Outubro de 2009, a autora cobrou à ré, por vários serviços a seguir discriminados, o valor total de 2 110 767,46€ (IVA incluído):
a)- Licenciamento de utilizadores Extranet e Intranet, de Agosto de 2008 a Outubro de 2009, o valor de 553 386€;
b)- Projeto Sigma, de Agosto de 2008 a Outubro de 2009, o valor de 385 173,60€;
c)- Formação na aplicação Sigma para aderentes e UTV’s, Dezembro de 2008, o valor de 183 806,97€;
d)- Serviços de helpdesk e gestão de infraestruturas, de Dezembro de 2007 a Dezembro de 2008, o valor de 171 160€;
e)- Software – desenvolvimento aplicacional incluindo reestruturação do SI, de Março a Julho de 2008, o valor de 135 950€;
f)- Outsourcing TI e Consultoria SI, de Janeiro a Outubro de 2009, o valor de 180 000€;
g)- Licença da instalação do Sigma Digital, de Setembro a Novembro de 2008, o valor de 108 000€;
h)- Software (standard + desenvolvimento aplicacional), Janeiro e Fevereiro de 2008, o valor de 87 120€;
i)- Business Continuity Environment, de Maio a Julho de 2008, faturação totalmente anulada;
j)- Parametrização do sistema de informação, Maio a Julho de 2008, no valor de 57 920€;[2]
k)- Business (Impact Analysis + Continuity Plan) de Janeiro a Abril de 2008, o valor de 34 730€;
l)- Sistema de Monitorização de Segurança, de Abril a Julho de 2008, o valor de 36 250€;
m)- Formação Sigma, Setembro de 2009, 23 930,18€;
n)- Serviços de desenvolvimento aplicacional, Dezembro de 2007, no valor de 12 100€;
o)- Outros serviços, no valor de 141 240,71€. (10º BI).

26º- O acompanhamento das relações da ré e a autora estava sob a alçada do ex-diretor Financeiro da ré. (11º BI)

27º- Alguns dos pagamentos efetuados pela ré à autora não indicavam a que faturas se reportavam. (12º BI)

28º- Parte dos pagamentos efetuados pela ré à autora através de transferência bancária foram por valores superiores a 10 000€ e, não obstante apresentarem autorização conjunta do diretor financeiro e do diretor geral da ré não continham a assinatura de um membro do conselho de administração da ré. (13º BI)

29º- Entre 2007 e 2009, foram faturados à Ré pela A Consulting e pela autora serviços de SI/TI, de consultoria, de projetos de desenvolvimento aplicacional e de formação um valor de, pelo menos, € 1.204.197,00. (14º BI)

30º- O software de base do S., Unipessoal, Lda era o “SIGRes3e”. (16º BI)

31º- O S., Unipessoal, Lda é uma evolução do SIGRes3e, com novas funcionalidades e oito novos módulos. (17º BI)

32º- Foi a ré que encomendou e forneceu todas as especificações de negócio necessárias aos serviços de desenvolvimento e manutenção aplicacional, os quais foram adjudicados e pagos, desde 2006 até à data da assinatura do Contrato celebrado com a autora, a várias empresas: I e A-Consulting. (19º BI)

33º- Por licenciamento do SIGMA a ré pagou à autora € 587.358,00. (21º BI)

34º- Os custos informáticos suportados pela ré junto da autora quintuplicaram no ano de 2008 e quadruplicaram no ano de 2009, em relação a 2006/2007, anos em que esses serviços foram prestados por terceiros. (22º BI)

35º- A autora não entregou à ré o código-fonte da aplicação SIGMA. (27º BI)

36º- O sistema SIGRes3e tinha limitações face às crescentes e cada vez mais complexas necessidades da ré. (30º BI)

37º- O SIGMA tinha de ter as mesmas funcionalidades do sistema anterior, o SIGRes3e, para que, quando implementado, tivesse o menor impacto nos utilizadores. (32º BI)

38º- O contrato referido em A) foi objeto de negociações, durante vários meses, envolvendo um advogado da requerente e, pelo menos, uma jurista da requerida. (33ª BI)[3]

39º- A indemnização prevista na Cláusula 11.ª, n.º 4, resultou de circunstâncias do acordo de exclusividade estabelecido na Cláusula 15.ª. (34º BI)

40º- A autora criou um novo manual para o novo programa, um manual online, interativo e user friendly que foi disponibilizado aos interessados em 2009. (35º BI)

41º- O ex-diretor Financeiro da Requerida, por referência ao exercício de 2007 e de 2008, apôs a sua assinatura nas Declarações de Responsabilidade conducentes à Certificação Legal de Contas da Requerida, nas quais consta, além do mais:
“Não existem relações ou transações da R com Entidades Especiais ou Relacionadas. Para este efeito, entendemos como partes em relação de dependência as definidas como tal na Norma Internacional de Contabilidade nº 24 e que são designadamente as seguintes entidades:
a)…….
b)……
c) ……
d) Pessoal chave da Direção ou Administração, isto é, as pessoas que tendo autoridade e responsabilidade pelo planeamento, direção e controlo das atividades da empresa que relata, incluindo administradores e o pessoal superior de empresas e membros íntimos das famílias de tais indivíduos.
e)…e empresas que tenham um membro chave da gerência em comum com a empresa que relata”. (36º BI)

42º- A ré integrou as faturas referidas em AA) e BB) na contabilidade e deduziu o respectivo IVA. (Por confissão em depoimento de parte).

43º- O SIGRes3e foi desenhado de acordo com as necessidades específicas da atividade da ré e mediante encomenda. (38º BI)

13. Da impugnação da decisão de facto
(…)

Porém, no que respeita ao art. 33º, é de reconhecer não haver elementos factuais que permitam afirmar que a Dra. RG, ainda que jurista, seja advogada, pelo que é de alterar a resposta ao art. 33º, nos seguintes termos:
“O contrato referido em A) foi objeto de negociações, durante vários meses, envolvendo um advogado da requerente e, pelo menos, uma jurista da requerida”.
(…)

Em face do exposto, é de concluir que a decisão da matéria de facto se encontra devidamente suportada pelos meios de prova produzidos, mostrando-se bem fundamentada e coerente, não se evidenciando qualquer erro de apreciação e de valoração das provas que deva ser corrigida por esta Relação (salvo no que toca à resposta ao art. 33º, da base instrutória, quanto à qual se justifica, como se viu, uma pontual alteração).

14. Enquadramento jurídico:
14.1. Resulta dos autos que as partes celebraram entre si um contrato denominado “contrato de prestação de serviços”, mediante o qual a ré adjudicou à autora a prestação de serviços na área informática, designadamente serviços de desenvolvimento, implementação e manutenção de software e hardware, helpdesk e formação, nos termos definidos nos Anexos ao contrato – cf. cláusula 1ª do contrato junto aos autos e o ponto 5º, da fundamentação de facto.
No âmbito deste contrato e seus anexos, ficou provado que cabia à autora elaborar software aplicacional, no sentido de serem disponibilizadas aplicações feitas “por encomenda”, à medida das necessidades da ré, tendo esta fornecido todas as especificações de negócio necessárias ao desenvolvimento e manutenção da aplicação – cf. pontos 19 e 32, dos factos provados.
Ou seja: feito o diagnóstico das necessidades específicas da ré, a autora elaborou um programa informático com determinadas características técnicas e qualidades funcionais (o S., Unipessoal, Lda), cuja utilização cedeu à ré, para gestão da sua atividade, nos termos que foram contratualmente definidos, tendo reservado para si a propriedade desse programa. [4]
Estamos, assim, perante um contrato de software «à medida» (ou de desenvolvimento), cujos direitos de utilização foram cedidos à ré, através de uma «Licença».[5]
“Em termos de enquadramento jurídico, a licença de software feito à medida obtém-se no quadro de um contrato de encomenda de obra intelectual. Na doutrina e na jurisprudência do direito comparado, é praticamente consensual a qualificação da encomenda de obra intelectual como contrato de empreitada, o mesmo valendo para os casos em que o utilizador encomenda a adaptação de um programa já existente, que se traduza na criação de um novo programa.”[6]
No direito português, a questão da qualificação jurídica de contratos de software “feito à medida” (ou adaptado) dividiu a doutrina e a jurisprudência, com vários autores a considerarem estarmos perante um contrato de empreitada, enquanto outros entendiam tratar-se de um contrato inominado de prestação de serviços.[7] Não vamos agora desenvolver esta problemática, cumprindo apenas salientar que, atenta a factualidade provada, o contrato dos autos é de qualificar como contrato de prestação de serviços atípico ou inominado, qualificação jurídica que nem sequer é objeto de controvérsia entre as partes.

14.2. Na sequência das alterações à factualidade provada formuladas nas alegações de recurso, veio a recorrente suscitar a questão da validade do contrato, pretendo que o mesmo seja declarado nulo, por alegadamente ser contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes (art. 280º, do CC). Se assim não for entendido, pede que seja anulado por usura (art. 282º, do CC), ou por erro (art. 251º, do mesmo Código).

Sucede que a pretensão da recorrente no que respeita à alteração da decisão de facto não mereceu acolhimento, o que, desde logo, deixa antever a falta de fundamento da sua pretensão.

Na realidade, a matéria de facto dada como provada, de modo algum, permite suportar qualquer das teses defendidas pela recorrente.

Com efeito, não ficou provada factualidade que permita concluir pela nulidade do negócio, isto é, ao contrário do alegado pela recorrente, não foi demonstrado serem “excessivas as vantagens concedidas à ora recorrida”; “estar a declaração de vontade da recorrente viciada e instrumentalizada pelo seu ex-diretor financeiro, em resultado da sua conduta criminosa” (cf. resposta ao art. 1º, da BI, bem como a total ausência de prova de aquele dirigente tenha sido condenado em processo penal, com trânsito em julgado); “ter sido este quem definiu os termos do contrato objeto da presente ação, em detrimento dos interesses patrimoniais recorrente e em manifesto benefício da Recorrida” (cf. respostas negativas aos arts. 5º e 6º e restritiva ao art. 11º, da BI); ser o ex-diretor financeiro da recorrente quem controlava (direta ou indiretamente) a sociedade com quem a recorrente celebrara o contrato” (cf. respostas aos arts. 3º, 5º e 9º, da BI); “ter havido dupla faturação”, por interferência do ex-diretor financeiro (cf. resposta negativa ao art. 20º, da BI).

De igual forma, não ficaram provados os fundamentos em que a recorrente baseava a anulação do contrato por usura e/ou erro.

Efetivamente, não ficou provada a matéria alegada que poderia levar a concluir pela existência de “uma grave desproporção entre as prestações assumidas pelas partes e de um aproveitamento de uma das partes da inexperiência, ligeireza, estado mental ou fraqueza de carácter do diretor geral da recorrente.”
Efetivamente, não se provou que o ex-diretor financeiro tivesse instrumentalizado, manipulado ou sequer influenciado o diretor geral, no sentido de o levar a assinar o contrato em causa nesta ação, ou que se tenha aproveitado da falta de conhecimento dos quadros da recorrente para fazer incluir determinadas cláusulas no contrato (cf. respostas negativas aos arts. 5º e 24º e resposta restritiva ao art. 1º, da BI); que a recorrente se encontrasse numa situação de dependência tecnológica face à recorrida (cf. resposta negativa ao art. 28º, da BI); que o «Sigma» fosse uma mera atualização do software utilizado anteriormente pela recorrente e que ao apropriar-se deste indevidamente a recorrida o tenha afinal “comprado a custo zero” (cf. respostas aos arts. 2º, 16º e 17º, da BI); ou sequer que os preços praticados pela recorrida fossem superiores aos do mercado (cf. resposta negativa ao art. 15º, da BI).

Finalmente, e invocando o disposto no art. 251º, do CC., a recorrente pretende que se anule o contrato com base em erro, alegando que o seu diretor geral assinou o contrato sem se ter apercebido que a autora ficaria titular do software «Sigma», pois, de contrário, não o teria assinado, optando por manter em vigor o contrato com a empresa que prestava até então serviços informáticos à ré. Mais uma vez, a recorrente não provou a correspondente factualidade (cf. as respostas negativas aos arts. 23º, 24º, 25º e 26º da BI).

Em suma, não restam dúvidas de que a recorrente não logrou fazer a prova dos factos em que assentava a arguida invalidade do contrato, não se mostrando, pois, preenchidos os pressupostos dos institutos jurídicos invocados (nulidade e anulabilidade).

Assim, sabido que “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos (...) ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver” (art. 405º, n.º 1, CC), e não se suscitando qualquer dúvida no tocante à observância daqueles limites, nem se vislumbrando qualquer desequilíbrio contratual ou violação dos ditames da boa-fé (cf. art. 227º, do CC), é de concluir que o contrato celebrado entre as partes não padece de nenhuma patologia que pudesse pôr em causa a sua validade.

14.3. A proteção de programas de computador suscitou amplo debate no plano internacional, centrado na possibilidade de se utilizarem os sistemas de proteção de patentes ou os de direitos de autor. Tendo ficado excluída a sua proteção no âmbito das patentes pelo art. 52º, nº2, da Convenção de Concessão de Patentes Europeias, Convenção de Munique de 5/10/1973, veio a ser aprovada, no seio da União Europeia, a Diretiva nº 91/250/CEE, de 14 de Maio que aderiu ao esquema de proteção através da “concessão de direitos de autor”, enquanto obras literárias, na aceção da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (art. 1º).

A Diretiva comunitária foi transposta para o nosso ordenamento jurídico pelo DL nº 252/94, de 20 de Outubro[8], diploma no qual se condensaram todas as normas específicas de proteção dos programas de computador.

Na linha da Diretiva 91/250, o DL nº 252/04 inclui no seu âmbito de proteção todos os «programas de computador» que tiverem carácter criativo, independentemente do seu tipo funcional, do seu suporte material e da sua fase de desenvolvimento.

Efetivamente, ali se dispõe que “aos programas de computador que tiverem carácter criativo é atribuída proteção análoga à conferida às obras literárias” (art. 1º, nº2) e que “para efeitos de proteção, se equipara ao programa de computador o material de conceção preliminar daquele programa” (art. 1º, nº3).

Por seu turno, estabelece-se no art. 2º, nº 1 que “a proteção atribuída ao programa de computador incide sobre a sua expressão, sob qualquer forma.”

Consequentemente, todas as operações que impliquem a reprodução ou transformação de todo ou de parte do programa e bem assim a reprodução do programa derivado carecem, em princípio, de autorização do titular (cf. art. 5º, do DL citado).

Note-se que, para além do chamado «código fonte»[9] do programa, isto é a expressão do programa na forma de texto escrito numa linguagem de programação, a proteção abrange também o «código objeto»[10], enquanto forma expressiva do programa.

Nem a Diretiva nº 91/250/CEE, nem o DL nº 252/94 definem o que se deve entender por programa «original», ou o que seja «criação intelectual». A Diretiva declara que a originalidade é igual a criação intelectual; o DL não se refere à originalidade, mas apenas ao carácter criativo.

Sobre esta problemática, e como ensina Libório Dias Pereira,[11] “levando a sério o requisito da originalidade”, a proteção dos direitos de autor no domínio do software, designadamente no que respeita ao código-objeto, ficaria comprometida. Nesta perspectiva, aquele autor questiona-se sobre se “a proteção do software pelos direitos de autor não será sobretudo simbólica, para não dizer virtual, dando-se por adquirida essa proteção sem se discutir os respectivos requisitos.

Também Garcia Marques e Lourenço Martins[12], referem que “alguma pureza de princípios deve ficar arredada no âmbito da proteção de programas de computador, desde logo porque como se diz no considerando 8º da Diretiva, para se saber se um programa é ou não original «não se deverá recorrer a testes dos seus méritos qualitativos ou estéticos».”

Parece, portanto, que, no âmbito dos programas de computador, a satisfação do requisito da originalidade deve aferir-se segundo critérios menos exigentes (ou seja, segundo o critério da denominada «originalidade minimalista»), ainda que não se deva considerar suficiente a comprovação do mero investimento de trabalho, capital e tempo, para que os programas de computador possam beneficiar da proteção dos direitos de autor.

No que respeita à autoria e titularidade de direitos, aplicam-se aos programas de computador as regras sobre autoria e titularidade vigentes para o direito de autor, com as especialidades previstas no DL 252/94 (art. 3º, nº1, deste DL).

Neste âmbito, importa ter presente a disposição constante do nº3, do art. 3º, segundo a qual “quando um programa de computador for criado (…) por encomenda, pertencem ao destinatário do programa os direitos a ele relativos, salvo estipulação em contrário ou se outra coisa resultar da finalidade do contrato”.[13]

Ou seja: a presunção de titularidade que decorre daquele normativo pode ser afastada, por expressa convenção das partes ou sempre que a finalidade do contrato imponha solução diversa.

14.4. In casu, decorre dos factos provados[14]que a autora, visando satisfazer as necessidades específicas da ré, criou especialmente para esta um novo programa informático com determinadas características e funcionalidades (o «Sigma»), o qual, embora tendo por base um programa já existente (o «SIGRes3e»), contém novas funcionalidades e novos módulos, em resultado do esforço investido, do engenho e da capacidade criativa do(s) seu(s) autor(es).

É, assim, indiscutivelmente, merecedor da proteção legal conferida pelos arts. 1º e 2º, do DL. nº 252/94, de 20 de Outubro.
Ficou estipulado no contrato que “os eventuais direitos de autor que decorram das obras produzidas pela segunda contratante na execução do presente contrato, para além das metodologias e ferramentas que já se encontram na titularidade desta, são propriedade exclusiva da segunda contratante, nos termos em que tal se verifique legítimo ao abrigo da legislação vigente aplicável, salvo disposição em contrário no anexo correspondente ao serviço e obra especificamente contratada” (cf. cláusula 4ª, nº 4).

Também na cláusula 5ª, al. a), do Anexo I, do contrato, intitulado “Licenciamento do Software «Sigma»”, ficou estabelecido que “sem prejuízo do disposto na cláusula quarta do contrato, as partes contratantes expressamente reconhecem que “o «Sigma» é da propriedade exclusiva da segunda contratante.”

Foi ainda consignado na clª 7ª do Anexo I, do contrato, que a primeira contratante (ora recorrente) não pode “efetuar qualquer operação com vista à obtenção do código-fonte do Sigma, nem por qualquer forma ou meio tentar a engenharia inversa, a descompilação, decomposição, desmontagem ou a desassemblagem do Sigma (…).”

Por seu turno, na cláusula 1ª, nº1, do mesmo Anexo, convencionou-se que “a segunda contratante, assumindo-se com plenos poderes para o efeito, licencia o direito de utilização do «Sigma» à primeira contratante para a gestão da sua atividade, adiante designada por Licença (…).”

Ora, as autorizações de utilização, ainda que seja estipulada a cláusula de exclusividade, não implicam a transmissão dos direitos atribuídos ao autor de programas de computador, designadamente direitos de reprodução, transformação e colocação em circulação (cf. arts. 5º e 8º, do DL nº 252/94), ficando o utilizador obrigado a utilizar o programa, nas condições estipuladas na Licença.

Nesta linha, na cláusula 7ª, do Anexo I, do contrato estabeleceram-se as obrigações a que ficava adstrita a primeira contratante (ora ré), designadamente “não utilizar ou instalar o «Sigma» em suportes diferentes dos definidos pela segunda contratante” (al.a); a de “não permitir que sejam efetuadas quaisquer alterações às características técnicas dos mesmos” (al. b) e a de “não efetuar qualquer operação com vista à obtenção do código-fonte do «Sigma», (…) nem por qualquer forma ou meio tentar a engenharia inversa, a descompilação, decomposição, desmontagem ou a desassemblagem do «Sigma» (…) bem como quaisquer alterações, ainda que parciais, ao software, serviços, manuais, documentação ou respectivo material de suporte” (al. d).
De tudo o exposto, resulta que é a autora (e não a ré) a titular do programa que ela própria criou (o «Sigma»), o qual goza da proteção conferida pela lei (e pelo contrato firmado entre as partes) e que, incidindo sobre a sua expressão por qualquer forma, desde logo, exclui o livre acesso por parte da ré ao código fonte e demais trabalhos preparatórios à codificação do programa.

Por sua vez, assiste à ré o direito de o utilizar, mediante o pagamento do preço estipulado, nos termos definidos no contrato e no seu Anexo I.

A este respeito, convém recordar que a recorrente não logrou provar que os preços acordados e praticados pela autora fossem «superiores aos do valor de mercado», pelo que não poderá deixar de improceder a sua pretensão de ser “compensada” por um eventual excesso cobrado.

Improcedem, pois, in tottum, as pretensões da recorrente, pois que os contratos “devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei” (art. 406º, n.º 1), normas naturalmente aplicáveis aos negócios relativos a direitos sobre programas de computadores, como, de modo expresso, dispõe o art. 11º, n.º 1, do citado DL 252/94.[15]

15. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 8/9/2015


Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro


[1] Foi eliminado o ponto M) dos Factos Assentes, conforme consta da decisão proferida sobre a matéria de facto-v.a fundamentação do ponto 29º dessa  decisão.
[2] Por mero lapso, que agora se corrige, a matéria da al. j), do art. 10º, da base instrutória e que foi dada como provada, nos termos que constam da decisão de fls. 1561, não foi integralmente transcrita no ponto 25º, da fundamentação de facto da sentença.
[3] Cf. infra ponto 13.
[4] Cf. anexo I de fls. 137 e ss. e pontos 31º e 40º, da fundamentação de facto.
[5] Sobre a distinção entre os diferentes tipos de contratos informáticos e seu enquadramento, cf. Direito da Informática, Garcia Marques e Lourenço Martins, Almedina, 2000, pags. 398 e ss.; Alexandre Libório Dias Pereira, Direitos de Autor e Liberdade de Informação, Almedina, 2008, 206 e ss.; la Contratation Informática: los contratos eletrónicos e informáticos, Carrascosa López e outros, Comares, 2000, 162 e ss.
[6] Cf. Alexandre Libório Dias Pereira, Direitos de Autor e Liberdade de Informação, Almedina, 207-208.
[7] Cf. Alexandre Libório Dias Pereira, ob. cit, pág. 208.
[8] Com as modificações que resultam da Retificação nº 2-A/95, de 31/01 e do DL 334/97, de 27/11.
[9] O código fonte é o núcleo formal do programa e constitui a primeira expressão independente do processo de criação, gozando por isso de uma proteção direta do direito de autor.
[10] O código objeto ou código máquina é  a versão em linguagem de máquina do programa-fonte.
[11] Ob. cit., págs. 397 e ss.
[12] Ob. cit., 446-452.
[13] Segundo Alexandre Libório Dias Pereira, a presunção decorrente do art. 3º, nº3, não dispensa a observância de exigências formais de transmissão de direitos ou de autorização de utilização – cf. ob. cit., pág. 461.
[14] Cf., além de outros, os pontos 30º, 31º, 36º, 37º e 40º, da fundamentação de facto.
[15] Nos termos do qual, os negócios relativos a direitos sobre programas de computador são disciplinados pelas regras gerais dos contratos e pelas disposições dos contratos típicos em que se integram ou com que ofereçam maior analogia, sendo aplicáveis a estes negócios as disposições dos artigos 40º, 45º a 51º e 55º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

Decisão Texto Integral: