Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
980/08.8TCSNT-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
LITIGANTE DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Litiga de má fé – prosseguindo, de forma infundada, demanda executiva e omitindo, de forma grave, o dever de cooperação que lhe era exigível - o exequente que:
a)- Em 2008 instaura execução para pagamento de quantia certa, fundada no incumprimento, pelos executados, de cinco contratos de mútuo (outorgados em junho de 2005), liquidando a obrigação exequenda em € 181.378,17 (€164.075,99, a título de capital, e € 17.302,18, a título de juros de mora);
b)- Em fevereiro de 2009 outorga com aqueles, novo contrato de mútuo, em que a quantia mutuada (de € 22.040,00) traduz o montante que, de acordo com o exequente, se encontrava em débito nessa data (fevereiro de 2009) e referente aos cinco contratos de mútuo objeto da execução;
c)- Em 2012 instaura nova ação executiva, para pagamento de quantia certa, contra os mutuários, com fundamento no incumprimento do contrato de mútuo titulado pela escritura outorgada em fevereiro de 2009, liquidando a obrigação exequenda em €22.619,98, acrescida de juros de mora;
d)- Perante a alegação de tais factos pelos embargantes, nega que o contrato de 2009 tenha correlação com os cinco contratos de mútuo celebrados em 2005, prosseguindo as pretensões executivas sem nelas fazer qualquer alteração.

II)De facto, sabendo que o título gerado ulteriormente – respeitante à escritura pública de 2009 – e que foi dado executar na execução subsequentemente instaurada, comportava ou continha valores que eram já objeto de execução na execução primeiramente instaurada, nada fez, nem naqueles autos (por exemplo, reduzindo o montante da quantia exequenda ou desistindo de tal execução), nem nestes (indicando, por hipótese, para tal efeito, a pendência da outra execução), permitindo que, desde, pelo menos, 2009, a execução instaurada em 2008 prosseguisse os seus termos com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda nos termos liquidados no requerimento executivo, do que resulta que o valor em divida relativamente ao contrato de mútuo titulado pela escritura pública outorgada em fevereiro de 2009 fosse reclamado, simultaneamente, em ambas as execuções.

III)Ponderando o longo tempo (mais de dez anos) perante o qual a situação de prosseguimento da lide, nos moldes referenciados, se verificou, a situação económica do embargado (uma instituição de crédito, que deve assegurar, a todo o tempo, de níveis adequados de liquidez e de solvabilidade - cfr. artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e o reduzido impacto que a sanção terá no conjunto patrimonial atinente, mostra-se adequada a condenação do embargado, como litigante de má fé, na multa de 20 UC’s e na indemnização de € 5.000,00.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


*

1.Relatório:


1.RTT e CL, identificados nos autos, vieram, por apenso à ação executiva em que prossegue como exequente NOVO BANCO, S.A., também identificado nos autos, deduzir oposição, mediante embargos de executado, à execução 980/08.8TCSNT, alegando, em síntese, o seguinte:
-As 5 escrituras dadas à execução foram celebradas no mesmo dia 06-06-2005 e no mesmo Cartório Notarial;
-Todos as prestações dos empréstimos tinham vencimento no dia 30 de cada mês;
-O exequente estava ciente das grandes dificuldades de os executados honrarem os compromissos que os fizeram assumir, porque não tinham rendimentos estáveis para tanto e cujo agregado familiar se compunha ainda de dois filhos menores;
-E tanto sabia que os executados, ora embargantes não tinham capacidade financeira bastante que não tiveram dinheiro para pagar os emolumentos, despesas notariais e demais encargos inerentes e assim viabilizar todos os actos, no montante de 5 mil euros;
-O Banco exequente “esqueceu-se” de incluir tal verba nas operações realizadas, obrigando os executados a emitir 10 cheques pelo montante de € 500,00, cada, por forma a pagar à Notária o total em débito;
-Com esse esforço ficaram os embargantes reduzidos à indigência e constrangidos a pedir empréstimos a amigos e familiares para fazer face ao somatório dos encargos dos créditos e notariais;
-E preveniram o exequente de que não conseguiriam manter ambos os encargos, pedindo um auxílio no sentido de encontrarem uma solução que suavizasse os encargos;
-Mas o exequente manteve-se indiferente a tais dificuldades e deixou de debitar as prestações nas contas bancárias indicadas pelos embargantes, provisionadas, embora com esforço, para prover às suas responsabilidades e mercê disso passou a considerar que os embargantes haviam entrado em mora;
-A mora dos embargantes só ocorreu assim por responsabilidade exclusiva do exequente;
-Enquanto puderam, os embargantes regularizaram ambas as situações, mas, em determinada altura, exauridos financeiramente, tiveram de deixar de pagar algumas prestações ao exequente;
-Foi o exequente que, com a sua deliberada conduta, e no afã de apresentar resultados para as suas ilusórias estatísticas visando granjear quotas de mercado, seduziu os embargantes para a outorga das escrituras – e para a sua própria desgraça;
-O exequente estava obrigado a avaliar a situação financeira dos embargantes, a fragilidade que já exibia e o estado vulnerável dos embargantes e, em face disso, não conceder os créditos ou dar conselhos ou recomendações no sentido de que era especialmente oneroso para os mesmos a contracção dos correspondentes débitos;
-O exequente não deu esses conselhos nem fez essas recomendações, nem adequou as prestações à capacidade financeira dos embargantes, procedendo assim com intenção de os prejudicar, pelo que se constituiu na obrigação de os indemnizar pelo valor total dos débitos;
-Mas tal conduta do exequente é agravada com uma outra acção, que deliberadamente omite, qual seja a de ter celebrado com os agora embargantes, em 26-02-2009, para reestruturação de todo o crédito, uma escritura de mútuo com hipoteca e mandato, pelo montante de € 22.040,00, com prestações a ser pagas nos dias 30 de cada mês;
-E isto apesar de no dia 12-10-2007, cerca de 2 anos antes, ter alegadamente denunciado os anteriores 5 contratos que deu à execução nestes autos, sendo certo que nunca as cartas de denúncia chegaram ao poder dos embargantes, como tal se impugnando, notando-se que os docs. 4, 5, 9 a 12 nem sequer foram dirigidas para a respectiva morada;
-A quantia mutuada no dia 26-02-2009 traduz o montante que, segundo o exequente, se encontrava em débito nessa data e referente aos 5 contratos de mútuo que são objecto de execução nestes autos, mencionando-se ali expressamente que se destinava a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente;
-Essa quantia titulada na escritura que constitui o doc. 2 não chegou sequer a ingressar na conta bancária dos ora embargantes;
-Apesar disso, o exequente não imputou o respectivo montante, como estava obrigado, na liquidação da totalidade dos montantes em débito e reclamados nos presentes autos, alegando que se tinha “esquecido” de dois contratos, estando contudo ciente de que o montante em débito é afinal menor do que aquele que reclama, mercê da consignação da quantia mutuada em 26-02-2009 a crédito dos embargantes, como foi ajustado;
-O exequente propôs uma execução para cobrança dessa quantia mutuada em 26-02-2009 (cfr. consta do processo de execução n. …/…, que tramita neste mesmo Juízo de Execução e Juiz 2), querendo assim receber duas vezes a mesma quantia – o que denota de forma clara o seu apetite voraz e avassalador;
-Só que o exequente omite dolosamente esse facto, sabendo da sua relevância na decisão a proferir nestes autos, atuando e litigando assim com manifesta má fé, impondo o peso do seu consentido poderio à fragilidade financeira dos optes., definhando-os até à exaustão e ao esmagamento;
-Acresce que, apesar de a situação financeira dos embargantes à data em que foram realizadas as escrituras dadas à execução não permitir solver as responsabilidades advenientes, como era do conhecimento do exequente, sobreveio entretanto uma dificuldade decorrente do despedimento da embargada – conforme os autos principais demonstram, uma vez que foram penhorados nestes autos, anteriormente, os créditos laborais da mesma, emergentes da cessação do seu contrato de trabalho;
-Ou seja, aquilo que já se revelava como uma impossibilidade dos embargantes de solver as responsabilidades criadas, e que já determinaria a extinção da obrigação, o que se argui, agravou-se com o desemprego da embargante mulher.
Concluíram pela procedência da oposição e pela suspensão do processo executivo nos termos do artigo 733º, n.1, alínea c) do CPC, assim como pela condenação do exequente como litigante de má-fé.
*

2.–Recebidos liminarmente os embargos, o exequente apresentou contestação impugnando, parcialmente, a factualidade alegada pelos executados/opoentes e pronunciando-se sobre as exceções invocadas, bem assim sobre o pedido de condenação a título de litigância de má-fé, concluindo, a final, pela improcedência da oposição.
*

3.–Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual o Tribunal dispensou a realização de audiência prévia, fixou o valor da causa, conheceu dos pressupostos processuais e, parcialmente, dos fundamentos da oposição, julgando-os improcedentes, concluindo pelo prosseguimento dos autos “apenas para apurar se as partes acordaram, em 26.02.2009, numa reestruturação parcial do crédito reclamado nesta execução e se, em virtude desse facto, a dívida exequenda se mostra reduzida em conformidade; complementarmente, importa apurar se alguma das partes litiga de má fé”.
*

4.–Em 22-02-2012, o Banco Espírito Santo, S.A. (atual Novo Banco, S.A.) intentou contra os ora embargantes ação executiva, distribuída sob o número …/…, dando à execução escritura pública de “MÚTUO COM HIPOTECA E MANDATO” de fls.7 a 26 desses autos, outorgada a 26-02-2009, à qual os executados deduziram oposição à execução em 18-05-2012, pugnando pela sua absolvição da execução e condenação do exequente como litigante de má fé, tendo alegado, nesta, o seguinte:
1.º- O Banco exequente (exte.) alega que fez um empréstimo em 26.02.2009 aos ora oponentes (optes.), o qual seria reembolsado no prazo de 30 anos, em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros a contar do dia 30.03.2009;
2.º- Refere ainda no ponto 6 do seu requerimento que os optes. Apenas pagaram por conta da quantia mutuada o valor de € 627,10, ficando assim por pagar o remanescente no valor de € 21.412,90;
3.º- Mas diz mais: que os optes, procederam ao último pagamento em 30.03.2011, entrando em mora em 30.04.2011;
4.º- Verifica-se pois uma patente contradição entre o pedido e a causa de pedir, e a ininteligibilidade desta, quando se consigna, num momento, que os optes, só pagaram uma única prestação, e, em momento seguinte, que a última prestação ocorreu em 30.03.2011;
5.º-Ora, se há uma última prestação, tal pressupõe que houve prestações anteriores - mas não se sabe quais, nem quantas;
6.º- E tal não se compatibiliza com a asserção de que só pagaram uma prestação de € 627,10;
7.º- E além disso, vencendo-se a primeira prestação em 30.03.2009, como é que a última prestação só foi paga em 30.03.2011 e a mora só ocorreu em 30.04.2011?
8.º- É que se não houve mora antes dessa data, decorre dai que as prestações anteriores foram regularizadas, o que se aceita para não mais ser retirado;
9.º- Mas se a mora só ocorreu em 30.04.2011, considerando-se desse modo regularizadas, na economia do texto, todas as prestações que precederam a de 30.03.2011, então o montante em divida não pode ser o declarado no ponto 6. do requerimento;
10.º- Tal contradição e ininteligibilidade tingem de ineptidão o requerimento executivo, constituindo uma nulidade que expressamente se argui; Sem embargo,
11.º-Os optes, sempre mantiveram provisionada a conta identificada no requerimento, pelos montantes necessários ao pagamento das prestações;
12.º- E daí que o exte. não possa dizer - contraditoriamente, como se disse - que os optes, só pagaram uma prestação;
13.º- Omitindo o exte. quando ocorreu esse pagamento;
14.º- O empréstimo a que o exte. alude traduz o montante que segundo este se encontrava em débito e referente aos 5 contratos de mútuo, todos celebrados no mesmo dia 06.06.2005 (cfr. consta do processe de execução n. 980/08.8TCSNT, que tramita neste mesmo 2.º Juízo e Juiz 2), e destinou-se à respectiva regularização;
15.º- O montante titulado na escritura que constitui o doc. 1 não chegou sequer a ingressar na conta bancária nem no património dos ora optes.;
16.º- Apesar disso, o exte. não imputou o respectivo montante, como estava obrigado, na liquidação dos montantes em débito no aludido processo;
17.º- E não o tendo feito, daí resulta que afinal os optes, nada devem ao exte., sendo-lhes inexigível o débito;
18.º- O exte. actua e litiga assim com manifesta má fé, impondo o peso do seu consentido poderio à fragilidade financeira dos optes., definhando-os até à exaustão e ao esmagamento;
19.º- A inépcia do requerimento executivo e a inexistência da obrigação constituem fundamentos de oposição à execução, por força do art. 816°, conjugado com o art. 193®, 1 e 2, a) e b), e 814®, n. 1, a) e e), todos do CPC, erguendo-se como excepção que expressamente se argui (…)”.

5.–Recebida a oposição (cf. fls.8 do atual apenso B), o exequente apresentou contestação (cf. fls.11 a 16 do atual apenso B), invocando, em suma, o seguinte:
(…)7.º-Tal como resulta comprovado pelo doc. 1 junto ao requerimento executivo, as partes celebraram um contrato de mútuo com hipoteca e mandato, no valor de € 22.040,00, cujo pagamento foi acordado em 360 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, com início a 30.03.2009.
8.º- O plano de prestações objecto de acordo, como bem sabem os ora Oponentes, respeita a capital (pela quantia mutuada de € 22.040,00) acrescido dos juros calculados â taxa contratualmente prevista - Cfr. n° 3 da cláusula 2a do documento complementar junto sob o doc 1 junto ao requerimento executivo.
9.º- De igual modo, bem sabem os Oponentes, não resultar do exposto pelo Exequente no requerimento executivo, que estes apenas tenham pago, como alegado no art 6.º da Oposição, uma única prestação, no valor de € 627,10.
10.º- Na verdade, bem sabem os Oponentes que as prestações não eram, nem nunca foram, no valor de € 627,10.
11.º- Com efeito, e como supra referido, o valor das prestações no âmbito do contrato de mútuo, incluía uma parcela de capital e outra parcela de juros.
12.º- Pelo que, o que se pretende retirado pelo quanto alegado no requerimento executivo, é que, no período decorrido entre 30.03.2009 e 30.03.2011, os Executados, de acordo com o plano de pagamentos em vigor, amortizaram, a título de capital, através de 25 prestações mensais, apenas o montante de € 627,10.
13.º- Sendo os restantes valores integrantes de cada uma das prestações pagas, imputados para pagamento dos juros contratuais, tal como estipulado contratualmente.
14.º-Tendo os Executados pago, a última prestação, em 30.03.2011, entrando em mora a 30.04.2011.
15.º- Alegam ainda os Oponentes no art. 14° da Oposição, que o valor identificado pelo Exequente no requerimento executivo diz respeito ao montante em débito e referente aos 5 contratos de mútuo, identificados e objecto de acção executiva, no âmbito do processo n°. 980/08,8TCSNT que corre termos no Juiz 2 dos Juízos de Execução de Sintra.
16.º- Ora, uma vez mais, tal não corresponde à verdade, sendo que a presente acção executiva, apenas diz respeito ao contrato de mútuo com hipoteca e mandato, celebrado 26,02.2009, no valor de € 22.040,00, ora dado à execução.
17.º-Deste modo, atentas as convenções contratuais e os documentos já juntos aos autos em sede de requerimento executivo, reitera-se tudo quanto alegado neste, sendo os Executados devedores ao Exequente, à presente data, do valor de capital em dívida, no montante de € 21.412,90, a que acrescem juros de mora calculados à taxa contratualmente estipulada até efectivo e integral pagamento, por força do incumprimento do contrato de mútuo com hipoteca e mandato celebrado a 26.02.2009.
18.º-Por fim, alegam e peticionam os Oponentes que deve o Exequente ser condenado em multa por litigância de má-fé, pedido manifestamente improcedente porquanto, não se encontram reunidos quaisquer dos pressupostos para tal, nos termos do art. 542° do CPC.”.
Concluiu pela improcedência da oposição e pela absolvição do pedido de condenação como litigante de má fé.
*

6.–Nesses autos (actual apenso B) teve lugar audiência preliminar e foi proferido despacho saneador.
*

7.–Nos termos de despacho proferido na audiência de discussão e julgamento do apenso de oposição à execução referente ao processo n.º …/…, que teve lugar em 27-05-2019, foi determinada a apensação deste processo ao apenso n.º 980/08.8TCSNT-A, com vista ao julgamento unitário das oposições deduzidas a cada uma das execuções, passando o processo de execução n.º …/… a prosseguir termos com o n.º 980/08.8TCSNT-C e, o apenso n.º …/…, a prosseguir termos com o n.º 980/08.8TCSNT-B.
*

8.–Teve lugar audiência de discussão e julgamento conjunta dos apensos A e B (cfr. actas documentadas no presente apenso A).
*

9.–Em 07-01-2022 foi proferida sentença cujo dispositivo é do seguinte teor:
“Pelo exposto,
a).- Julgo parcialmente procedente a oposição à execução mediante embargos de executado que constitui o apenso A e em consequência determino o prosseguimento da execução n.º980/08.8TCSNT pelo valor correspondente às prestações vencidas e não pagas posteriores ao incumprimento do acordo de reestruturação ocorrido em 2009, atendendo ao plano prestacional previsto para cada um dos contratos titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificadas nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados, acrescido dos juros vencidos sobre a totalidade do capital vencido (à data do incumprimento do acordo de reestruturação), calculados desde a citação dos executados para os termos da execução, devendo o exequente proceder, na execução e no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da presente sentença, a nova liquidação da obrigação exequenda em conformidade com ora determinado;
b).- Julgo improcedente a oposição à execução correspondente ao apenso B;
c).- Julgo procedente o incidente da litigância de má-fé e em consequência, atendendo aos pedidos, a este título, formulados pelos executados/opoentes, condeno o exequente:
- Na multa que fixo em 20UC;
- No pagamento, aos executados/opoentes, da indemnização que se fixa em €5.000,00 (…)”.
*

10.–Não se conformando com esta decisão, dela apela o embargado, pugnando pela sua absolvição do pedido de litigância de má fé, formulando as seguintes conclusões:
a)-O presente recurso versa sobre a condenação do Recorrente como litigante de má, por ter sido entendido pelo Tribunal a quo que de forma flagrante e manifestamente censurável, o mesmo praticou omissão grave do dever de cooperação, assim como prosseguiu com uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
b)-Acontece que, resulta provado nos presentes autos que o Recorrente intentou duas acções executivas distintas peticionando em cada uma delas, responsabilidades diferentes.
c)-Na primeira acção executiva, intentada em 21.08.2008, o Recorrente peticionou o valor devido pelo incumprimento de cinco contratos de mútuo com hipoteca e fiança, os quais se encontravam resolvidos por incumprimento e, na segunda acção executiva, a qual foi apensada aos presentes autos, e apresentada em juízo em 22.02.2012 o Recorrente peticionou a quantia devida por um outro contrato de mútuo, diferente dos acima referidos, o qual também foi incumprido pelos Recorridos.
d)-Por essa razão, o Embargado sempre afirmou que, stricto sensu, o contrato em causa não é relacionado com os demais porque se trata de uma nova responsabilidade contraída posteriormente.
e)-Ora, embora o crédito mutuado pelo contrato celebrado em 26.02.2009 possa ter servido para amortizar o valor em divida referente aos contratos celebrados em 06/06/2005, a verdade é que o mesmo foi incumprido pelos Recorridos, conforme resulta provado nos autos.
f)-E, o Recorrente nunca omitiu a celebração do contrato sub judice.
g)-A questão de não ter sido comunicada na acção executiva a que estes autos são apensos, de que foi contraído um novo mútuo para liquidação do valor devido a título de incumprimento dos cinco contratos em execução, prende-se com o facto dos Embargantes, terem voltado novamente a uma situação de incumprimento, não só dos contratos em execução, como do novo mútuo.
h)-No entanto, e salvo devido respeito, o facto de não ter sido actualizada a quantia exequenda, em virtude da celebração de um novo contrato de mútuo, não configura em si qualquer atitude susceptível de ser qualificada como litigância de má fé, mas tão só um lapso perfeitamente desculpável.
i)-Acresce que, os Recorridos voltaram a incumprir os contratos, situação que se mantém inalterada até hoje, como resulta provado dos autos.
j)-Assim, a não extinção dos presentes autos, à data, não altera em nada o desfecho dos mesmos, porquanto, o Recorrente teria sempre a possibilidade de fazer uso do instituto da renovação da instância nos termos do disposto no artigo 850.º n.º 1 do CPC, tendo como resultado prático o prosseguimento dos autos.
k)-O Recorrente não teve, assim, qualquer intenção maliciosa ao não comunicar a redução da quantia exequenda nos autos, nem se encontram no processo quaisquer elementos que configurem uma situação de litigância de má fé.
l)-Como refere Lebre de Freitas, a propósito das alterações introduzidas pelo nº 2 do Decreto-Lei nº 329-A/95, a lei processual “passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, com se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes”.
m)-A sanção por litigância de má fé apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo.
n)-A condenação por litigância de má-fé pressupõe a existência de dolo ou grave negligência, não bastando uma lide temerária, ousada, ou uma conduta meramente culposa.
o)-No caso dos autos, não foi isso o que aconteceu o Recorrente não tinha consciência de não ter razão, porquanto a divida dos seis contratos existe, sendo que apenas carecia e carece de actualização.
p)-A condenação do Recorrente em litigante de má fé, para além de carecer de fundamento é premiar os Executados relapsos que se mantém numa situação de incumprimento reiterado das suas responsabilidades até à data de hoje.
q)-Acresce que, ainda que se pudesse considerar que o Recorrente actuou em litigância de má fé, o que não admite mas se aventa por mera cautela de patrocínio, sempre se diria que a condenação em 20 UC seria excessiva.
r)-Prevê o artigo 27º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais que “Nos casos de litigância de má fé a multa é fixada entre 2 (duas) UC e 100 (cem) UC” e a sentença ora recorrida optou por fixar tal condenação em 20 (vinte) UC.
s)-Acontece que, atendendo à natureza e ao alegado tipo de infracção em causa, tendo a ver apenas com uma suposta falta de cuidado e atenção na redução da quantia exequenda, que poderá ser de algum modo ser atenuada pela enorme dimensão de processos e incumprimentos registados diariamente pelos serviços do Embargado, afigura-se-nos que uma eventual multa a aplicar, a qual não se aceita, deveria fixar-se em montante inferior ao constante da sentença recorrida, concretamente no limite mínimo.
t)-Quanto à condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, decorrente da suposta litigância de má fé, sempre se diga que, com o devido respeito, também aqui não andou bem o Tribunal a quo, porquanto a conduta do Recorrente não se subsume nos pressupostos da litigância de má fé.
u)-E, os Recorridos, alegadamente prejudicados com a litigância de má fé, não indicaram as supostas despesas e/ou os prejuízos sofridos (e seus montantes), não fazendo qualquer prova dos mesmos, limitando-se a peticionar, sem mais, uma indemnização que à partida terá sido atribuída com base em juízos de equidade do douto Tribunal a quo, mas que, no entanto, não é acompanhada de qualquer fundamentação que justifique o cômputo atribuído.
v)-O art. 543.º do CPC estatui quanto ao conteúdo da indemnização à parte contrária àquela que foi condenada como litigante de má fé, dispondo que a indemnização a atribuir consistirá no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha imposto à parte contrária, incluindo os honorários de mandatários, bem como os prejuízos directamente sofridos pela parte em consequência da má fé.
w)-Ora, atenta a falta de elementos, os valores em que o ora Recorrente foi condenado mostram-se desadequados quanto a esta matéria, pelo que, nesta confluência, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que o absolva do pagamento do mesmos (…)”.
*

11.Os embargantes contra-alegaram concluindo no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, com manutenção da decisão recorrida.
*

12.Por despacho de 26-03-2022 foi admitido liminarmente o requerimento recursório.
*

13.Foram colhidos os vistos legais.
*

2.Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
A)-Se deve ser revogada a decisão que condenou o embargado como litigante de má fé?
*

3. Enquadramento de facto:
*

A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1.O Exequente é uma instituição de crédito que tem por objeto a prática de todas as operações permitidas aos bancos.
2.Por escritura pública, outorgada em 06/06/2005, no Cartório de MB, em Lisboa, perante a respetiva Notária, celebrou o ora Exequente com os Executados um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, cuja cópia se mostra junta como “título executivo nº 1” e o teor se dá por reproduzido.
3.Pelo referido contrato, o Exequente emprestou à Executada RTT (“Executada Mutuária”) a quantia de € 49.161,77, nos termos do regime geral do crédito a habitação, destinada à liquidação de um empréstimo contraído na Caixa Económica Montepio Geral para aquisição de habitação própria permanente.
4.Nos termos acordados, o empréstimo seria reembolsado no prazo de 33 anos, em 396 prestações constantes, sucessivas e mensais, vencendo-se as mesmas nos dias 30 de cada mês, com a respetiva regularização de juros.
5.Tal empréstimo foi movimentado através da conta nº …, aberta em nome da Executada Mutuária junto do Exequente.
6.Para garantia da quantia mutuada, a ora Executada Mutuária constituiu uma hipoteca, a favor do Exequente, sobre a fração autónoma designada pela letra G, correspondente à cave 02-C, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua … n.º … e …-A e Rua …, n.º …, Tapada das Mercês, Algueirão, Mem Martins, freguesia de Algueirão Mem Martins, e concelho de Sintra, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º …, da dita freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
7.A referida hipoteca encontra-se registada a favor do Exequente pela inscrição C 4 – AP. n.º …/… e AP. n.º …/…
8.Na mencionada escritura, o Executado CL Lopes constituiu-se fiador e principal pagador por tudo quanto viesse a ser devido pela Mutuária, ora Executada, ao Exequente, em consequência do empréstimo supra referido, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, e, bem assim, às eventuais alterações de prazo que viessem a ser convencionadas entre o Banco credor e a devedora.
9.Por escritura pública celebrada na mesma data, no referido Cartório, o Exequente celebrou com os Executados, um outro contrato de mútuo com hipoteca e fiança, cuja cópia se mostra junta como “título executivo nº 2” e o teor se dá por reproduzido.
10.Pelo referido contrato, o Exequente emprestou à Executada a quantia de €10.000,00, de que a Mutuária se confessou devedora, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pela Executada Mutuária e para aquisição de equipamento para a sua residência.
11.O empréstimo seria pago no prazo de 33 anos, em 396 prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se as mesmas nos dias 30 de cada mês, com a respetiva regularização de juros.
12.Tal empréstimo foi movimentado através da referida conta bancária nº …, tendo a Executada utilizado a totalidade do capital mutuado.
13.Para garantia da quantia mutuada, a ora Executada constituiu uma outra hipoteca, a favor do ora Exequente, sobre a fração identificada em 6.
14.A referida hipoteca encontra-se registada a favor do Exequente pela inscrição C 5 – AP. …/… e AP. …/….
15.Na mencionada escritura o Executado CL constituiu-se fiador e principal pagador por tudo quanto viesse a ser devido pela Mutuária ao Exequente, em consequência do empréstimo supra referido, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, e, bem assim, a eventuais alterações de prazo acordadas.
16.Por escritura pública, outorgada na mesma data, no referido Cartório e diante da respetiva Notária, celebrou o ora Exequente com os Executados um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, cuja cópia se mostra junta como “título executivo nº 3” e o teor se dá por reproduzido.
17.Pelo referido contrato, o Exequente emprestou aos Executados RTT e CL a quantia de € 90.000,00, que estes receberam na data da escritura e de que estes se confessaram solidariamente devedores, nos termos do regime geral do crédito a habitação, para aquisição de imóvel.
18.Nos termos acordados, o empréstimo seria reembolsado no prazo de 40 anos, em 480 prestações constantes, sucessivas e mensais, de capital e juros, vencendo-se as mesmas nos dias 30 de cada mês, com a respetiva regularização de juros.
19.Tal empréstimo foi movimentado através da conta n.º …, aberta em nome dos Executados junto do Exequente.
20.Para garantia da quantia mutuada, os ora Executados constituíram uma hipoteca, a favor do Exequente, sobre a fração autónoma designada pela letra P, correspondente ao quarto andar A, com arrecadação n.º … no sótão e estacionamento n.º 1 na sub-cave, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, e Av. …, n.º …, …-A e …-B, em Rio de Mouro, freguesia de Rio de Mouro e concelho de Sintra, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º …, da dita freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
21.A referida hipoteca encontra-se registada a favor do Exequente pela inscrição C 3 – AP. …/… e AP. …/….
22.Por escritura pública celebrada na mesma data, no referido Cartório de MB, em Lisboa, o Exequente celebrou com os Executados, um quarto contrato, neste caso de mútuo com hipoteca e mandato, cuja cópia se mostra junta como “título executivo nº4” e o teor se dá por reproduzido.
23.Pelo referido contrato, o Exequente emprestou aos Executados a quantia de € 6.362,16, de que os Executados se confessaram solidariamente devedores, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos Executados.
24.O empréstimo seria pago no prazo de 10 anos, em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas, determinadas em função de taxa aplicada, vencendo-se as mesmas no dia 30 de cada mês, com a respetiva regularização de juros, sendo que durante 2 anos, os Executados beneficiariam de um período de carência de capital, durante o qual apenas seriam devidas prestações mensais de juros, constantes e sucessivas, determinadas nos termos do contrato.
25.Tal empréstimo foi movimentado através da conta n.º …, aberta para o efeito em nome dos Executados junto do Exequente.
26.Para garantia da quantia mutuada, os ora Executados constituíram uma outra hipoteca, a favor do ora Exequente, sobre a fração autónoma identificada em 20.
27.A referida hipoteca encontra-se registada a favor do Exequente pela inscrição C 5 – AP. …/… e AP…./….
28.Por escritura pública celebrada na mesma data, no referido Cartório de MB, em Lisboa, o Exequente celebrou com os Executados, um contrato de mútuo com hipoteca, cuja cópia se mostra junta como “título executivo nº5” e o teor se dá por reproduzido.
29.Pelo referido contrato, o Exequente emprestou aos Executados a quantia de €11.700,00, de que os Executados se confessaram solidariamente devedores, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos mesmos, e à aquisição de equipamento para a sua residência.
30.O empréstimo seria pago no prazo de 40 anos, em 480 prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se as mesmas nos dias 30 de cada mês, com a respetiva regularização de juros.
31.Tal empréstimo foi movimentado através da referida conta bancária nº45.......00, tendo os Executados utilizado a totalidade do capital mutuado.
32.Para garantia da quantia mutuada, os Executados constituíram outra hipoteca, a favor do ora Exequente, sobre a fração supra identificada em 20, conforme consta da escritura de retificação celebrada em 02/11/2005, no referido Cartório de MB, diante da respetiva notária, que se mostra junta como título executivo n.º6.
33.A referida hipoteca encontra-se devidamente registada a favor do Exequente pela inscrição C 4 – AP. …/…, AP. …/… e AP. …/….
34.Por escritura pública, outorgada em 26/02/2009, no Cartório Notarial sito no Parque das Nações – Zona Sul, diante do Notário TV, celebrou o Exequente com os Executados um contrato de mútuo com hipoteca e mandato, cuja cópia se mostra junta como “título executivo” que acompanha o requerimento executivo que deu lugar à execução …/… (atual apenso C) e o teor se dá por reproduzido.
35.Pelo referido contrato, o Exequente emprestou aos Executados RTT e CL a quantia de €22.040,00, da qual estes se confessaram solidariamente devedores.
36.O empréstimo seria reembolsado no prazo de trinta anos, em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, determinadas em função da taxa acordada, a contar do dia trinta seguinte à data da escritura, vencendo-se a primeira em 30/03/2009, uma vez que a prestação vencida em 28/02/2009 foi exclusivamente imputada a juros.
37.Tal empréstimo foi movimentado através da conta bancária de depósitos à ordem nº …, aberta em nome dos Executados junto do Exequente.
38.Para garantia da quantia mutuada, os ora Executados constituíram uma hipoteca, a favor do ora Exequente, sobre a fração autónoma identificada pela letra “P”, que corresponde ao quarto andar A do prédio urbano, sito na Rua …, n.º … e Avenida …, n.ºs …, … A e …-B, na freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o número …, da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o número ….
39.A referida fração autónoma foi adjudicada/vendida ao Exequente, por decisão de 16.05.2011, no âmbito da diligência de abertura de propostas que teve lugar na execução n.º 980/08.8TCSNT (execução de que dependem estes autos).
40.Por decisão proferida na execução n.º980/08.8TCSNT (execução de que dependem estes autos), na folha de conclusão de 12.09.2012, transitada em julgado, foi julgado procedente o incidente de nulidade por falta de citação dos executados, ora opoentes, e declarado “nulo todo o processado que se seguiu à propositura da presente execução, salvando-se, apenas, o requerimento inicial”.
41.O empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 foi concedido no âmbito de um processo de reestruturação com vista à liquidação/pagamento das quantias vencidas, àquela data, respeitantes aos mútuos titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados.
42.A quantia mutuada no âmbito do empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 foi diretamente imputada aos valores vencidos, à data de 26/02/2009, por força do incumprimento dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados.
43.O exequente não comunicou à execução n.º980/08.8TCSNT a imputação da referida quantia à dívida exequenda.
44.O exequente elaborou as cartas cujas cópias se mostram juntas a fls.76, 77, 101, 102, 103, 104, 113, 114, 115, 116 (correspondentes aos documentos nsº1, 2, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, juntos com o requerimento executivo do processo n.º980/08.8TCSNT) e os teores se dão por reproduzidos.
45.O exequente elaborou as cartas cujas cópias se mostram juntas a fls.27 e 28 (correspondentes aos documentos nsº 2 e 3, juntos com o requerimento executivo do processo n.º …/…, atual 980/08.8TCSNT-C) e os teores se dão por reproduzidos.
46.Os executados/opoentes pagaram a quantia de €5.000,00 a título de despesas/emolumentos notariais referentes à outorga das escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados, o que fizeram faseadamente, pelo período de 10 meses, mediante a entrega de 10 cheques pré-datados no valor, cada, de €500,00.
*

A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1.O exequente, à data da outorga das cinco escrituras públicas a que se alude nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados, estava ciente das grandes dificuldades de os executados honrarem os compromissos que os fizeram assumir, porque não tinham rendimentos estáveis para tanto e cujo agregado familiar se compunha ainda por dois filhos menores.
2.E tanto sabia que os executados, ora embargantes não tinham capacidade financeira bastante que não tiveram dinheiro para pagar os emolumentos, despesas notariais e demais encargos inerentes e assim viabilizar todos os atos, no montante de 5 mil euros.
3.O exequente “esqueceu-se” de incluir tal verba nas operações realizadas, obrigando os executados a emitir 10 cheques pelo montante de € 500,00, cada, por forma a pagar à Notária o total em débito.
4.Com esse esforço ficaram os embargantes reduzidos à indigência e constrangidos a pedir empréstimos a amigos e familiares para fazer face ao somatório dos encargos dos créditos e notariais.
5.E preveniram o exequente de que não conseguiriam manter ambos os encargos, pedindo um auxílio no sentido de encontrarem uma solução que suavizasse os encargos.
6.O exequente seduziu os embargantes para a outorga das escrituras.
7.O exequente não deu conselhos nem fez recomendações no sentido de os executados não contraírem os créditos em causa nos autos, nem adequou as prestações à capacidade financeira dos embargantes, procedendo assim com intenção de os prejudicar.
8.O exequente deixou de debitar as prestações nas contas bancárias indicadas pelos embargantes, provisionadas, embora com esforço, para prover às suas responsabilidades.
9.A escritura celebrada a 26.02.2009 diz respeito a um contrato independente, não estando correlacionado com os cinco contratos de mútuo objeto da execução nº980/08.8TCSNT, a que aludem os pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados.
10.O exequente remeteu aos executados, que receberam, as cartas cujas cópias se mostram juntas a fls.76, 77, 101, 102, 103, 104, 113, 114, 115, 116 (correspondentes aos documentos nsº1, 2, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, juntos com o requerimento executivo do processo n.º980/08.8TCSNT) e os teores se dão por reproduzidos.
11.O exequente remeteu aos executados, que receberam, as cartas cujas cópias se mostram juntas a fls. 27 e 28 (correspondentes aos documentos nsº 2 e 3, juntos com o requerimento executivo do processo n.º …/…, atual 980/08.8TCSNT-C) e os teores se dão por reproduzidos.
*

4.Fundamentação de Direito:
*

A)- Se deve ser revogada a decisão que condenou o embargado como litigante de má fé?
A única questão a decidir no presente recurso é a de saber se deverá subsistir a decisão que condenou o embargado como litigante de má fé, na multa de 20 UC’s e no pagamento aos executados/embargantes da indemnização de € 5.000,00, ou se, ao invés, tal decisão deverá ser revogada.

Vejamos:

O artigo 8.º do CPC enuncia que “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado” no artigo 7.º do mesmo Código.
De acordo com o disposto no n.º 1 do referido artigo 7.º do CPC, “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
O dever de cooperação consiste, assim, numa responsabilidade conjunta para todos os intervenientes processuais na condução do processo, por forma a caraterizar este como um simples instrumento necessário à busca da solução justa.
A postergação do cumprimento deste dever de cooperação terá, nomeadamente, reflexos “na ilegitimidade de formulação de pretensões ou de argumentos inconsistentes, dedução de incidentes ou oposições sem fundamento razoável ou iniciativas tomadas com o mero objetivo de dilatar a conclusão do processo. A omissão grave do dever de cooperação é suscetível de determinar a responsabilidade da parte como litigante de má fé, nos termos do art. 542.º, n.º 2, al. c) (…)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 33-34).
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 35), “[a] regra da boa-fé é uma norma cogente, de ordem pública no sentido de que atua independentemente da vontade dos interessados e mesmo contra a vontade destes, que não podem impedir a sua aplicação. Neste sentido, pode afirmar-se que a boa-fé objetiva atua como norma delimitadora do exercício doutros princípios processuais como o do contraditório e o da igualdade das partes”.
“A litigância de má-fé surge (…) como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais” (assim, Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006; Almedina, 2006, p. 26, nota 2).
A particular gravidade que assume o abuso processual acontece porque lesa, não apenas a contraparte, mas, devido ao carácter publicístico do processo, também e sobretudo, a própria administração da Justiça.

O artigo 542 º do CPC censura três comportamentos substantivos contrários à boa fé e um comportamento processual do litigante violador da boa fé devida:

A conduta substantiva sancionável pode consistir:
1)-Na dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar (artigo 542.º, n.º 2, alínea a));
2)-Na alteração da verdade dos factos ou na omissão de factos relevantes para a decisão da causa (artigo 542.º, n.º 2, alínea b));
3)-Na grave omissão do dever de cooperação (artigo 542º, n.º 2, alínea c)).

Em termos de atuação processual sanciona-se o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, por qualquer das partes, a fim de:
i)-conseguir um objetivo ilegal;
ii)-impedir a descoberta da verdade; ou
iii)-protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 542, n.º 2. alínea d)).

A delimitação da responsabilização por litigância de má fé impõe sempre uma apreciação casuística sobre a integração dos comportamentos sinalizados no âmbito de alguma das previsões contidas no mencionado n.º 2 do artigo 542.º.
A ilicitude pressuposta pela litigância de má-fé distancia-se da ilicitude civil (artigo 483º CC) não apenas porque se apresenta como um ilícito típico (descrevendo-se no artigo 542.º do CPC, analiticamente, as condutas que o integram), mas também porque, ao contrário do que sucede com o ilícito civil, se encontra dependente da verificação de um elemento subjectivo, sem o qual o comportamento da parte não pode ser tido como típico e, consequentemente, como ilícito, aproximando-se nesta medida muito mais do ilícito penal (assim, Paula Costa e Silva; A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 620).
O litigante tem de atuar imbuído de dolo ou culpa grave. O elemento subjetivo será então considerado não apenas ao nível da culpa, mas também em sede de tipicidade.
Releva a má-fé subjetiva - quando a parte que atua de má-fé tem consciência de que lhe não assiste razão - e, em face das dificuldades em apurar a verdadeira intenção do litigante, essa consciência deve manifestar-se perante a violação ou inobservância das mais elementares regras de prudência.
Se o comportamento da parte preencher objetivamente a previsão de alguma das alíneas do artigo 542º, nº 2, do CPC, mas não se patentear o elemento subjetivo, o mesmo não poderá ser qualificado como litigância de má fé. Não haverá, neste caso, lide dolosa nem temerária.
Refira-se, a este propósito, que a reforma do processo civil de 1995-1996 (operada pelo Decreto-Lei n.º. 329-A/95, de 12 de dezembro, Lei n.º 6/96, de 29 de fevereiro e Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro) veio alargar a figura da litigância de má-fé, passando a abarcar, sob o seu âmbito, não só a lide dolosa, mas também, a lide temerária (esta última ocorrerá quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro – assim, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto; Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pp. 194-195, dando conta de que a lide temerária constitui um “mais” relativamente à lide meramente imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, mas apenas com culpa leve).
A lide temerária pode, pois, ser sancionada como litigância de má fé.
Assim, “hoje (…), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição "cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização” (nesta linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014, Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1, rel. SALAZAR CASANOVA).

O dolo supõe o conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou oposição deduzida – dolo substancial direto – ou a consciente alteração da verdade dos factos ou omissão de um elemento essencial – dolo substancial indireto – podendo ainda traduzir-se no uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais (cfr. Menezes Cordeiro; Da Boa Fé no Direito Civil, 2ª Reimpressão, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 380).

No “dolo”, “o agente tem a representação do resultado danoso, sendo o acto praticado com a intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito” (assim, Almeida Costa; Direito das Obrigações, 5.ª ed., Almedina, 1991, p. 469).
Por seu turno, “há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um” (assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2001, Processo 01A3692, rel. AFONSO DE MELO).
Finalmente, diga-se que “a lei processual castiga a litigância de má-fé, independentemente do resultado. Apenas releva o próprio comportamento, mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada. O dano não é pressuposto da litigância de má-fé” (cfr. Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006, p. 26, nota 2). Assim, a condenação não depende dos resultados com a conduta reprovável do tipo das referidas no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, serem ou não atingidos (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2019, Processo 6646/04.0TBCSC.L1.S2, rel. CATARINA SERRA).
Contudo, o julgador deve ser especialmente cauteloso e prudente na aferição das situações passíveis de constituírem litigância de má fé, apenas devendo determinar a condenação se se patentearem as condutas típicas e, bem assim, o dolo ou a grave negligência na sua prática.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Processo 280/18.5T8OAZ.P1, rel. RITA ROMEIRA): “A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; O autor deve ser condenado como litigante de má-fé se nega factos pessoais que vieram a ser declarados provados”.
E, na mesma linha, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2020 (Pº 914/18.1T8EPS.G1.S1, rel. ILIDIO SACARRÃO MARTINS) concluiu-se que: “A sanção por litigância de má fé apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo. Para tal, exige-se que o julgador seja prudente e cuidadoso, só devendo proferir decisão condenatória por litigância de má-fé no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte”.
Ou seja: “(…) a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2015, Processo 3067/12.5TBTVD.L1-2, rel. SOUSA PINTO).
De todo o modo, “a condenação como litigante de má fé visa combater a degradação dos padrões de atuação processual e impor uma litigância leal e de boa fé, com convencimento, por banda do litigante, de que a razão lhe assiste”, pelo que, “quem alega factos pessoais, com influência na decisão da causa, que se provou serem falsos, e sem que tenha provado justificação desculpável, tem de ser condenado como litigante de má fé” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-06-2017, Pº 878/10.0TMCBR-G.C1, rel. CARLOS MOREIRA; em semelhante sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 18-10-2018, Pº 74300/16.1YIPRT.E1-A.S1, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, da Relação de Guimarães de 10-05-2018, Pº 27/15.8T8TMC.G1, rel. ALCIDES RODRIGUES e da Relação de Évora de 08-10-2020, Pº 109/18.4T8RDD.E1, rel. FRANCISCO MATOS).
Na sentença ora recorrida, para além das genéricas considerações atinentes ao enquadramento da questão, a apreciação da litigância do embargado e a justificação da sua condenação são fundamentadas do seguinte modo (sublinhando-se os aspetos mais relevantes para a questão que nos ocupa):
“(…) Como resultou supra exposto, o exequente intentou duas execuções contra os executados/opoentes.
A primeira, em 21.08.2008, com base no incumprimento de cinco contratos de mútuo, peticionando capital e juros vencidos desde 30/04/2007, 30/06/2007, 28/02/2007, 30/03/2006 e 28/02/2006, respetivamente (por referência às escrituras identificadas pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados), liquidando a obrigação exequenda em €181.378,17, correspondente a €164.075,99 (€47.885,42, € 9.754,75, € 88.443,64, € 6.362,16 e € 11.360,02) a título de capital, e juros de mora no valor de € 17.302,18.
Posteriormente, em 22.02.2012, o exequente intentou a execução nº4442/08.8T2SNT (atual 980/08.8TCSNT-C), com fundamento no incumprimento do contrato de mútuo titulado pela escritura outorgada em 26.02.2009, descrita no ponto 34 dos factos provados, alegando no requerimento executivo, para o que ora interessa, o seguinte:
“(…) os Executados apenas pagaram por conta da quantia mutuada o valor de €627,10, ficando assim por pagar o remanescente no valor de € 21.412,90, tendo procedido ao último pagamento em 30/03/2011, entrando em mora em 30/04/2011, momento a partir do qual não procederam à liquidação da prestação vencida nessa data, nem das prestações subsequentes, quer a título de capital, quer de juros, (…)
Assim, o débito dos Executados, relativamente ao empréstimo supra referido, é de €22.619,98, ao qual acrescem os juros de mora calculados à taxa acordada de 6,254% que se vencerem desde esta data até efectivo e integral pagamento, sobre a verba de € 21.412,90.”
Sucede que este último empréstimo/mútuo foi concedido no âmbito de um processo de reestruturação com vista à liquidação/pagamento das quantias vencidas, àquela data, respeitantes aos mútuos titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificadas nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados.
Ou seja, a quantia mutuada no âmbito do empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 foi diretamente imputada aos valores vencidos, à data de 26/02/2009, por força do incumprimento dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados.
Tal facto não foi, porém, comunicado à execução n.º980/08.8TCSNT, a qual prosseguiu sem que tivesse sido feita a imputação da referida quantia à dívida exequenda.
Com isso, o exequente permitiu, desde, pelo menos, 2009, que a execução n.º980/08.8TCSNT prosseguisse os seus termos com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda nos termos liquidados no requerimento executivo, do que resulta que o valor em divida relativamente ao contrato de mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 esteja a ser reclamado, simultaneamente, em ambas as execuções, bem sabendo o exequente que o valor deste último mútuo havia sido destinado a pagar os valores (de capital e juros) vencidos até 2009 relativos aos incumprimentos dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificadas nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados.
Acresce que o exequente, confrontado com a posição assumida pelos executados/opoentes nas oposições sob apreciação, não só não esclareceu o que quer que fosse a propósito da invocada reestruturação – apenas o fez em sede de audiência de discussão e julgamento (cf. requerimento de 15.07.2021), em resposta a documento junto pelos executados/opoentes (elaborado pelo exequente) no qual se fazia expressa referência a tal realidade –, como, mais grave, negou perentoriamente qualquer relação entre o contrato de mútuo celebrado em 2009 e os contratos de mútuo celebrados em 2005 (cf. contestação), o que foi “desmentido” categoricamente pelos depoimentos das testemunhas (funcionárias do exequente) em sede de audiência de discussão e julgamento.
Ora, preencherá o ilícito típico da alínea a) do artigo 542.º, nº 2, a parte que tenha consciência da falta de fundamento da sua pretensão, ou aquela que, embora não a tendo, devê-la-ia ter se houvesse cumprido os deveres de cuidado que lhe eram impostos.
Mesmo que a parte alegue a sua boa fé, entendida esta em sentido objetivo, litigará de má fé se, não obstante conhecer a falta de fundamento da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse – ver, neste sentido, Ac. RL, de 16.12.2021, relatado por Nelson Borges Carneiro (in www.dgsi.pt).
O grau de culpabilidade do agente será tanto maior quanto mais intenso o dever de ter agido de outro modo, podendo, em consequência, a negligência com que atua ser considerada simples ou grave.
No caso, o exequente, de forma flagrante e manifestamente censurável, praticou omissão grave do dever de cooperação, assim como prosseguiu com uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Mostram-se, assim, verificados os requisitos que justificam a condenação do exequente como litigante de má-fé, pelo que, atenta a gravidade dos factos em questão e a natureza do exequente – instituição bancária –, vai o mesmo condenado na multa que se fixa em 20UC, bem como em indemnização a pagar aos executados/opoentes no valor de €5.000,00 (…)”.

A conduta processual que é sancionada ao recorrido, na decisão tomada em 1.ª instância, prende-se com uma imputada grave omissão do dever de cooperação (cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC), bem como, pelo prosseguimento de pretensão, cuja falta de fundamento não deveria ignorar (cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC), colocando a questão de saber se ocorreu, por parte do recorrido, o denominado “abuso do direito de ação”.
Esta figura surge sempre que um meio processual é usado de forma abusiva ou para fins diversos dos previstos, podendo verificar-se, quer no acesso ao tribunal propriamente dito, com a interposição de uma ação ou de uma providência cautelar, quer na própria defesa, no âmbito da contestação, invocação de exceções, pedidos de reconvenção e no recurso.
“O direito de ação, com proteção constitucional, é atualmente entendido, de modo pacífico, como um direito público totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela judiciária, afirmando-se como existente, ainda que ela, na realidade, não exista; a afirmação basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença. Salvo casos excecionais, sendo o direito de ação inerente ao Estado de direito e um veículo para a discussão do direito material subjetivo, não é por se decidir na ação que este direito afinal não existe que deixa de se reconhecer que o direito de ação foi plena e corretamente exercido. Situações excecionais, justificativas de responsabilidade, são aquelas em que o direito de ação é exercido com abuso de direito, de que é afloramento a litigância de má fé, e as que caraterizam a culpa in agendo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-11-2016, Processo 982/14.5T8PRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO).
É, aliás, discutível a sua autonomização do instituto da litigância de má fé (cfr. sobre a temática Susana Antas Videira Branco et al.; “A avaliação do regime da litigância de má-fé em Portugal”, in Revista Direito GV, São Paulo, n.º 19, 10 (1), Jan.-Jun. 2014, pp. 347-363).
Independentemente disso, a jurisprudência tem concretizado algumas situações em que a instauração ou o prosseguimento de uma ação consubstanciam “abuso de direito de ação”.
Assim, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2018 (Processo 528/11.7TVPRT.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA), salientou-se que, “o abuso de direito no campo processual, numa perspetiva macroscópica, pode aferir-se tendo em conta, designadamente, os seguintes índices:
- o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente (ex. a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros);
- a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa);
- o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse;
- a ação por má vontade ou para pressionar o lesado (ex., a ação sem fundamento relativa a um imóvel e registo da mesma, com isso podendo impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia);
- o pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real”.

Por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09-2019 (Processo 423/19.1T8PVZ.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA) considerou-se: “Verifica-se abuso de direito de ação quando agente, de má-fé, e ciente do facto de que não tem o direito de pleitear, usa a justiça como se realmente possuísse tal direito ou utiliza os meios judiciários sem causa razoável ou provável”.
Outras situações retiram-se da jurisprudência, a saber:
- Acórdão da Relação de Évora de 13-06-1985 (in BMJ n.º 350, p. 405): “(…) Toda a pretensão (como toda a defesa) manifestamente inviáveis constituem abuso de direito de acção (…)”;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 23-11-2004 (Processo 3064/04, rel. HELDER ALMEIDA): “Constitui abuso de direito, pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo respectivo exercício a outrem, a notificação de todos os Notários do País, através da Direcção Geral dos Registos e Notariados, da providência cautelar, que proíbe o requerido de utilizar uma determinada procuração ou qualquer fotocópia autenticada em qualquer escritura notarial”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2004 (Pº 04B882, rel. MOITINHO DE ALMEIDA): “Constitui abuso de direito o comportamento da recorrente que, sem qualquer interesse e depois de ter confirmado a qualidade de sucessor de determinada pessoa, vem recorrer da decisão que a considerou habilitada”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2004 (Pº 04B2175, rel. FERREIRA DE ALMEIDA): “Litiga de má-fé a parte que alega que um dado pagamento se destinou a solver uma dívida reclamada em juízo quando bem sabia que tal pagamento se destinara a solver uma outra sua dívida respeitante a um período temporal anterior”;
- Acórdão da Relação do Porto de 12-06-2008 (Processo 0716047, rel. FERREIRA DA COSTA): “Deve ser condenado como litigante de má fé em multa e indemnização a favor da ré, o autor (engenheiro civil) que invocou ter sofrido um acidente de trabalho e se provou que se lesionou a jogar futebol”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2010 (Pº 420/08.2TBFVN.C1.S1, rel. FONSECA RAMOS, sumariado em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Cíveis – Boletim Anual 2010, p. 214, consultado em: https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2010.pdf): “As partes, recorrendo a juízo para defesa dos seus interesses, estão sujeitas aos deveres de cooperação, probidade e boa fé com o tribunal, visando a obtenção de decisões conformes à verdade e ao Direito, sob pena de a protecção jurídica que reclamam não ser alcançada, no que muito saem desacreditadas a Justiça e os tribunais. A actuação processual do litigante de boa fé postula uma actuação verdadeira, correcta no tempo e modo processuais, não se compadecendo com subterfúgios e meias verdades, que mais não visam senão uma egoísta defesa de posições próprias que, prejudicando o opositor, acabam por não conduzir o tribunal à célere e correcta percepção da realidade. Uma das condutas em que se exprime a litigância de má fé consiste na alegação, voluntária e consciente, de factos que seriam relevantes para a decisão da causa, mas que a parte sabe que, ao alegar como alega, desvirtua a realidade por si conhecida, visando, por isso, intencionalmente um objectivo censurável. Também actua de má fé a parte que litiga com propósitos dilatórios, obstando, pela sua conduta temerária, a que o tribunal almeje uma rápida decisão, pondo assim em causa o objectivo da realização de uma justiça pronta, que, decidindo o litígio com rapidez, reponha a certeza, a paz social e a segurança jurídica, afrontadas pelo litígio. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos diversa da que a decisão acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a espoletar a aplicação do art. 456.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. O facto dos réus terem intentado várias acções visando, ora com este ora com aqueloutro fundamento, evitar a decisão que já estava na fase executiva e que levou a que as instâncias tivessem considerado procedente a excepção do caso julgado, só por si, evidencia que os recorrentes agiram com censuráveis propósitos dilatórios, violando de forma clara os deveres de probidade, de cooperação e boa fé. Se é certo que o direito de recorrer aos tribunais para aceder à justiça constitui um direito fundamental – art. 20.º da CRP – já o mau uso desse direito implica uma conduta abusiva, sancionada nos termos do art. 456.º do CPC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-01-2011 (Pº 1807/08.6TVLSB-A.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS): “Não deve ser condenada como litigante da má fé a parte que, negando na contestação um facto pessoal alegado na petição, vem posteriormente a admiti-lo, na sequência da junção do documento que o atesta, assim viabilizando, por via dessa admissão, que o mesmo integre, na fase condensatória, o elenco dos factos considerados assentes”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014 (Pº 1063/11.9TVLSB.L1.S1, rel. SALAZAR CASANOVA): “(…) [H]oje (art. 542.º do NCPC que corresponde ao mencionado art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-01-2015 (Pº 36/12.9TVLSB.L1.S1, rel. FONSECA RAMOS, sumariado em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Cíveis – Boletim anual 2015, p. 15, consultado em: https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2015.pdf): “A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do NCPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-02-2015 (Pº 1120/11.1TBPFR.P1.S1, rel. SILVA SALAZAR): “A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento. Atuam como litigantes de má fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2016 (Pº 1220/14.6TVLSB.L1-7, rel. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA): “Para efeitos de aferição da existência de litigância de má fé, a negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um». A parte deduz pretensão, cuja falta de fundamento não devia ignorar, quando negligencia o dever de indagação quanto à existência de fundamento suficiente para a pretensão que deduz, atuando com desleixo. Para este efeito, basta a demonstração de que era exigível à parte a consciencialização da falta de fundamento da pretensão, não sendo necessário demonstrar que a parte sabia, efetivamente, da falta de fundamento, sob pena de se inviabilizar o funcionamento da regra prevista no Artigo 542º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-10-2019 (Pº 1121/18.9T8FAR.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO): “Justifica-se a condenação da autora como litigante de má fé, se a mesma omitiu parcialmente a verdade de factos essenciais, que eram evidentemente do respectivo conhecimento, com o fito de tentar obter também da ré indemnização que já havia recebido parcialmente na acção de preferência”; e
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-07-2021 (Pº 14770/14.5T8PRT-C.P1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA): “Tendo o recorrente, numa outra execução em que é executado, invocado a compensação, para redução do crédito (superior) aí exequendo, sabia, ou não poderia ignorar, que daí decorreria a extinção do seu crédito, retirando fundamento à execução que veio a instaurar depois (para cobrança desse seu crédito activo). Se, nessa execução, omitiu esse facto e veio a assumir postura contraditória à que tivera, pondo em causa a certeza do crédito da contraparte (passivo) e até a intenção de compensar, justifica-se a sua condenação como litigante de má-fé”.

No caso da alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC - “Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”- como refere Susana Teresa Moreira Vilaça da Silva Barroso (O Abuso de Direito de Ação; Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2016, p. 40), “o conceito de “não devia ignorar” tem uma carga demasiado subjetiva e demasiado pessoal que impossibilita a sua aplicação direta.
É que o enfoque da norma não está na manifesta falta de fundamento, critério mais ou menos objetivo se entendido na perspetiva do “homem médio”, “bonus pater família” etc., mas sim no facto da falta de fundamento “não dever ser ignorada”. Ora esta nuance devolve à norma um caráter de subjetividade que lhe vem introduzir dificuldades interpretativas. Onde está a linha que separa até onde é “aceitável ignorar” e a partir de onde deixa de o ser.
Dito de outra forma, até onde é razoável aceitar estarmos perante o exercício genuíno do direito de ação ou do direito de defesa, e a partir de onde se pode razoavelmente assumir que o agente conhecia (ou devia conhecer) a falta de fundamento?
É esta dificuldade interpretativa de imputação de conhecimento presumido que dificulta a arguição da culpa do agente, e torna a norma inaplicável, inócua e esvaziada de conteúdo. Isto no âmbito do instituto da má-fé, já não do abuso do direito.
Já quanto à alínea “c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação” o problema interpretativo situa-se ao nível da definição de “omissão grave”. A partir de onde é que a omissão é grave?
Por exemplo, a falta de resposta a 3 notificações do tribunal para apresentação de documento essencial constitui omissão grave, ou é justificável (…)?”.

A respeito da alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, cumpre sublinhar que para a dedução de pretensão/oposição sem fundamento, de forma não ignorada, basta que à parte seja exigível tal conhecimento, cabendo-lhe indagar se a pretensão era concretamente fundamentada, de facto e de direito: “a parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano um bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quanto à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável” (assim, Paula Costa e Silva; A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 394).
A mesma Autora (A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 395) carateriza o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte nos seguintes moldes: “A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte”.
Por seu turno, a respeito ainda desta alínea a) refere Abrantes Geraldes (Temas Judiciários, Volume I, Almedina, 1998, p. 320) que, embora a lei não o diga expressamente, “é evidente que se é passível de sancionamento a atitude da parte que, com leviandade, de forma gravemente grosseira ou de forma precipitada, deduz uma determinada pretensão infundada, não deixará de ser sancionada a mesma actuação que, de forma mais reprovável, tenha subjacente o conhecimento inequívoco da referida falta de apoio fáctico ou jurídico”.
Com alusão à grave omissão do dever de cooperação (cfr. artigo 542.º, n.º 2, al. c) do CPC) refere Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1996, p. 63) que “o dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância de boa fé (…). A infracção do dever do honeste procedere pode resultar de uma má fé subjectiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis”.
De todo o modo, sublinha Abrantes Geraldes (Temas Judiciários, Volume I, Almedina, 1998, p. 328) que “não é toda e qualquer omissão que determina o referido sancionamento agravado”, sendo que, para situações de menor gravidade, poderá ser suficiente e eficaz a aplicação de multa processual, “ficando a sanção correspondente à litigância de má fé reservada para omissões de especial gravidade apurada em função do grau de culpa relevado pela parte ou das consequências emergentes da falta de colaboração prestada” (cfr., também, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-12-2017, Pº 1166/14.8TBGMR-B.G1, rel. MARGARIDA SOUSA).

Revertendo estas considerações e equacionando-as para o caso dos autos, contesta o embargado/recorrente a decisão recorrida, invocando, em síntese, a seguinte argumentação:
1.ºO recorrente instaurou duas ações executivas distintas peticionando em cada uma delas, responsabilidades diferentes (na primeira, intentada em 21.08.2008, peticionou o valor devido pelo incumprimento de cinco contratos de mútuo com hipoteca e fiança, os quais se encontravam resolvidos por incumprimento e, na segunda, intentada em 22.02.2012, peticionou a quantia devida por um outro contrato de mútuo, diferente dos acima referidos, que referiu incumprido pelos recorridos);
2.ºPor essa razão - refere o recorrente - afirmou que, stricto sensu, o contrato em causa não é relacionado com os demais porque se trata de uma nova responsabilidade contraída posteriormente;
3.ºEmbora o crédito mutuado pelo contrato celebrado em 26.02.2009 possa ter servido para amortizar o valor em divida referente aos contratos celebrados em 06/06/2005, o mesmo foi incumprido pelos Recorridos, e o Recorrente nunca omitiu a celebração do contrato sub judice;
4.ºA questão de não ter sido comunicada na acção executiva a que estes autos são apensos, de que foi contraído um novo mútuo para liquidação do valor devido a título de incumprimento dos cinco contratos em execução, prende-se com o facto dos Embargantes, terem voltado novamente a uma situação de incumprimento, não só dos contratos em execução, como do novo mútuo;
5.ºO facto de não ter sido actualizada a quantia exequenda, em virtude da celebração de um novo contrato de mútuo, não configura em si qualquer atitude susceptível de ser qualificada como litigância de má fé, mas tão só um lapso perfeitamente desculpável;
6.ºA não extinção dos presentes autos, à data, não altera em nada o desfecho dos mesmos, porquanto, o Recorrente teria sempre a possibilidade de fazer uso do instituto da renovação da instância nos termos do disposto no artigo 850.º n.º 1 do CPC, tendo como resultado prático o prosseguimento dos autos;
7.ºO Recorrente não teve, assim, qualquer intenção maliciosa ao não comunicar a redução da quantia exequenda nos autos;
8.ºO Recorrente não tinha consciência de não ter razão, porquanto a divida dos seis contratos existe, sendo que apenas carecia e carece de actualização;
9.ºA condenação do Recorrente em litigante de má fé, para além de carecer de fundamento é premiar os Executados relapsos que se mantém numa situação de incumprimento reiterado das suas responsabilidades até à data de hoje.
Ora, não obstante a laboriosa construção do recorrente, certo é que, não se alcança fundamento para a procedência da mesma.

É que, conforme bem relembram os recorridos (em sede de contra-alegações), foi invocado na petição de embargos pelos embargantes, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 17.- Mas tal conduta do exte. é agravada com uma outra acção, que deliberadamente omite, qual seja a de ter celebrado com os agora embargantes, em 26.02.2009, para reestruturação de todo o crédito, uma escritura de mútuo com hipoteca e mandato, pelo montante de € 22.040,00, com prestações a ser pagas nos dias 30 de cada mês (cfr. doc. 2 que se junta e aqui se dá por reproduzido).
18.- E isto apesar de no dia 12.10.2007, cerca de 2 anos antes, ter alegadamente denunciado os anteriores 5 contratos que deu à execução nestes autos.
(…)
20.- A quantia mutuada no dia 26.02.2009 traduz o montante que, segundo o exte., se encontrava em débito nessa data e referente aos 5 contratos de mútuo que são objecto de execução nestes autos, mencionando-se ali expressamente que se destinava a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente (sic).
21.- Essa quantia titulada na escritura que constitui o doc. 2 não chegou sequer a ingressar na conta bancária dos ora embargantes.
(…)
23.- Estando contudo ciente de que o montante em débito é afinal menor do que aquele que reclama, mercê da consignação da quantia mutuada em 26.02.2009 a crédito dos embargantes, como foi ajustado.
24.- O exte. propôs uma execução para cobrança dessa quantia mutuada em 26.02.2009 (cfr. consta do processo de execução n. …/…, que tramita neste mesmo Juízo de Execução e Juiz 2), querendo assim receber duas vezes a mesma quantia – o que denota de forma clara o seu apetite voraz e avassalador.
25.- Só que o exte. omite dolosamente esse facto, sabendo da sua relevância na decisão a proferir nestes autos.
26.- O exte. actua e litiga assim com manifesta má fé (…)”.

Sobre tal invocação dos embargantes, o embargado (ora recorrente), depois de considerar que tal matéria não correspondia à verdade – cfr. artigo 3.º da contestação - contrapôs o seguinte:
“(…) 21.º- Relativamente à escritura celebrada a 26.02.2009 e junta como Doc. 2 aos presentes embargos, face ao incumprimento dos Embargantes no que respeita ao contrato de mútuo com hipoteca e mandato a que diz respeito, o Embargante intentou outra acção executiva que actualmente se encontra a correr termos na Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central de Sintra, 1a Secção de Execução, J2, sob o processo n.° 4442/12.0T2SNT.
22.º- Atente-se que essa escritura celebrada a 26.02.2009 diz respeito a um contrato independente, não estando correlacionado com os cinco contratos de mútuo presentemente em litígio, tendo sido judicialmente accionada em momento posterior, porquanto, o incumprimento e consequente mora dos Embargantes no contrato de mútuo com hipoteca e mandato a que diz respeito a escritura celebrada a 26.02.2009, ocorreu a 03.04.2011.
23.º- Ademais, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 7.°, 130.° e 131°, todos do CPC, “não é licito realizar no processo actos inúteis”, devendo os actos processuais ter a forma "mais simples que, melhor corresponda ao fim que visam atingir1’, de forma a “se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”, pelo que se impugnam os artigos 17° e 20° a 26° do Embargos, porquanto, a escritura aludida pelos Embargantes é objecto de um processo independente, devendo a sua apreciação ser realizada nesses autos.
24.º- Mesmo que assim não se entenda, o que por mero exercício de raciocínio se equaciona, não demonstrando o Embargante a veracidade das suas alegações, apenas se poderá concluir pela improcedência do alegado, por não provado, impugnando-se expressamente os artigos 21° a 26° dos Embargos (…)”.

Ora, verifica-se que o embargado, na sequência da invocação dos embargantes - no sentido de que existia uma “duplicação” da exigência de valores em ambas as execuções pendentes - em vez de vir “atualizar” os valores da quantia exequenda dos presentes autos, ou, em vez de manifestar (nestes autos ou naqueles que penderam primeiro sob o n.º …/…) qual a consequência para os presentes autos da pendência de outra uma execução, fundada em título que abrangia a dívida em execução nos presentes autos, singelamente, referenciou que a escritura celebrada a 26-02-2009 dizia respeito a um “contrato independente”, o qual – precisou – não ter correlação com os cinco contratos de mútuo dados à execução com os presentes autos, visando, claramente, autonomizar a exigibilidade das quantias peticionadas em ambas as execuções: “a escritura aludida pelos Embargantes é objecto de um processo independente, devendo a sua apreciação ser realizada nesses autos”.

Ora, conforme resultou do elenco dos factos provados, submetidos que foram a julgamento, “o empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 foi concedido no âmbito de um processo de reestruturação com vista à liquidação/pagamento das quantias vencidas, àquela data, respeitantes aos mútuos titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados” (cfr. facto provado n.º 41) e a que respeitam os títulos dados à execução dos presentes autos (os autos de execução instaurados com base no requerimento executivo apresentado em 21-08-2008).

Mais se apurou que “a quantia mutuada no âmbito do empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 foi diretamente imputada aos valores vencidos, à data de 26/02/2009, por força do incumprimento dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados” (cfr. facto provado n.º 42), elemento que demonstra, ao invés do invocado pelo embargado, a correlação existente entre tal título assim formado e a dívida exequenda objeto da execução dos presentes autos, fundada em escrituras de empréstimo/mútuo outorgadas anteriormente (em 06-06-2005).
E ficou ainda demonstrada a ausência de comunicação à execução n.º980/08.8TCSNT a imputação da referida quantia à dívida exequenda (cfr. facto provado n.º 43).
Perante estes elementos, ponderados na decisão recorrida, verifica-se que a censurabilidade da conduta da exequente e ora recorrente prende-se com a circunstância de, sabendo que o título gerado ulteriormente – respeitante à escritura pública de 26-02-2009 – e que foi dado executar na execução que seguiu termos sob o n.º …/… (atual apenso B) comportava ou continha valores que eram já objeto de execução nos autos de processo n.º 980/08.8TCSNT, nada fez, nem naqueles autos (por exemplo, reduzindo o montante da quantia exequenda ou desistindo de tal execução), nem nestes (indicando, por hipótese, para tal efeito, a pendência da outra execução), alegando, pelo contrário e para que assim não houvesse interferência decisória, nem de valores entre ambos os processos, que os contratos de mútuo nenhuma correlação tinham entre si, alegação – stricto sensu - condicente com o teor literal constante da escritura de 26-02-2009, mas que, materialmente e de acordo com o que veio a ser apurado, em sede de julgamento, na sequência, aliás, de labor “defensivo” da contraparte, tinha a obrigação de saber que não correspondia à verdade.
Convoque-se, por consubstanciar um juízo inteiramente acertado, o que ficou expendido na decisão recorrida: Ao não comunicar aos presentes autos – com o n.º 980/08.8TCSNT – que a quantia mutuada no âmbito do empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26-02-2009 foi diretamente imputada aos valores vencidos, à data de 26-02-2009, por força do incumprimento dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005 e que, nessa base foi deduzida execução com o n.º …/…, “[c]om isso, o exequente permitiu, desde, pelo menos, 2009, que a execução n.º980/08.8TCSNT prosseguisse os seus termos com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda nos termos liquidados no requerimento executivo, do que resulta que o valor em divida relativamente ao contrato de mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 esteja a ser reclamado, simultaneamente, em ambas as execuções, bem sabendo o exequente que o valor deste último mútuo havia sido destinado a pagar os valores (de capital e juros) vencidos até 2009 relativos aos incumprimentos dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificadas nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados”.

O prosseguimento da demanda – com integral exigência das quantias exequendas peticionadas – em ambas as execuções, sem qualquer “correcção” da posição expressa em sede de contestação aos embargos, traduz, por parte do embargado, um comportamento de má fé na litigância, podendo concluir-se, que, concomitantemente, foi omitido, de forma grave, o dever de cooperação exigível ao embargado, sendo que, este poderia e deveria ter atuado de outro modo.
Assim e, em síntese, litiga de má fé – prosseguindo, de forma infundada, demanda executiva e omitindo, de forma grave, o dever de cooperação que lhe era exigível - o exequente que:
a)-Em 2008 instaura execução para pagamento de quantia certa, fundada no incumprimento, pelos executados, de cinco contratos de mútuo (outorgados em junho de 2005), liquidando a obrigação exequenda em € 181.378,17 (€164.075,99, a título de capital, e € 17.302,18, a título de juros de mora);
b)-Em fevereiro de 2009 outorga com aqueles, novo contrato de mútuo, em que a quantia mutuada (de € 22.040,00) traduz o montante que, de acordo com o exequente, se encontrava em débito nessa data (fevereiro de 2009) e referente aos cinco contratos de mútuo objeto da execução;
c)-Em 2012 instaura nova ação executiva, para pagamento de quantia certa, contra os mutuários, com fundamento no incumprimento do contrato de mútuo titulado pela escritura outorgada em fevereiro de 2009, liquidando a obrigação exequenda em €22.619,98, acrescida de juros de mora;
d)-Perante a alegação de tais factos pelos embargantes, nega que o contrato de 2009 tenha correlação com os cinco contratos de mútuo celebrados em 2005, prosseguindo as pretensões executivas sem nelas fazer qualquer alteração.
Quanto ao mais, sublinhe-se que não tem razão de ser, no sentido de afastar a censurabilidade na litigância operada pelo embargado, a invocação de que a razão da “não comunicação” se relacionou com a situação de incumprimento do contrato celebrado em 26-02-2009, sendo que, nenhuma relação se alcança entre este incumprimento – que legitimaria a demanda da nova execução – e o simultâneo prosseguimento da primeira execução, onde o aludido incumprimento não era pressuposto.
Como se disse – e cumpre reafirmar – a conduta devida e conforme com a boa fé exigível, determinaria que, senão em momento contemporâneo com o de instauração da execução posterior, logo de imediato, o exequente desses autos (o mesmo que dos presentes) ali viesse reduzir a quantia porque prosseguia a execução com o n.º …/… ou desistir dessa execução, ou, em alternativa, que viesse aos presentes autos – com o n.º 980/08.8TCSNT - mencionar a existência daqueloutra execução e tirando para a mesma as consequências inerentes da simultânea pendência de dois títulos executivos, sobrepondo, pelo menos, em parte, a dívida exequenda objeto de ambas as execuções.
Dito de outro modo: Não pode conceder-se alguma relevância à situação de incumprimento do mútuo que sustentou os autos de execução n.º …/… para ilibar a conduta censurável do embargado - enquanto causa justificativa para a não comunicação de tal dupla execução -, pois, certo é que, foi precisamente tal incumprimento que determinou a instauração da mencionada execução (dado que, conforme se menciona na carta datada de 20-12-2010 e junta em audiência de discussão e julgamento, “a reestruturação ocorrida em 2009 incluiu todos os processos vencidos”, que o mesmo é dizer que, o mútuo de fevereiro de 2009, se destinou a contemplar as dívidas vencidas até então nos 5 mútuos firmados em junho de 2005), o que, só reafirma o conhecimento do embargado sobre tal situação e, de que, nesses termos, pendendo então já a presente execução (com o n.º 980/08.8TCSNT), a exigência de ambos os valores exequendos, comportava uma indevida duplicação (pelo menos, em parte, como se disse) da prestação exequenda.
Nenhum lapso se configura, pois, ter ocorrido no âmbito da esfera de atuação que era exigível ao embargado.
Quanto ao mais, não procede a argumentação do recorrente, pois, como se viu, a condenação por litigante de má fé da parte não depende da intenção subjetiva “maliciosa” da mesma em litigar desse modo (sendo que essa é apenas uma das vertentes em que assentará a possibilidade de uma condenação a esse título, conforme, inequivocamente, resulta do disposto no corpo do n.º 2 do artigo 542.º do CPC) ou da ausência de consciência de não ter razão, mas, poderá ter lugar em situação de dolo ou de grave negligência relativamente ao comportamento verificado e, bem assim, em situação de lide temerária, ou seja, aquela que o embargado não poderia ter ignorado a tomada de um outro comportamento (sendo-lhe exigível a consciencialização de que, a sua conduta omissiva verificada, era juridicamente censurável).
Verificado o comportamento censurável por lei, cumpre retirar as consequências legalmente previstas para o colmatar.
Na decisão recorrida concluiu-se em condenar o embargado na multa de 20 UC’s e na indemnização de € 5.000,00.

O recorrente considera excessiva a condenação operada, dizendo que, “atendendo à natureza e ao alegado tipo de infracção em causa, tendo a ver apenas com uma suposta falta de cuidado e atenção na redução da quantia exequenda, que poderá ser de algum modo ser atenuada pela enorme dimensão de processos e incumprimentos registados diariamente pelos serviços do Embargado, afigura-se-nos que uma eventual multa a aplicar (…) deveria fixar-se em montante inferior ao constante da sentença recorrida, concretamente no limite mínimo”.

Vejamos:

De acordo com o previsto no artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, “nos casos de litigância de má fé a multa é fixada entre 2 (duas) UC e 100 (cem) UC”.

De harmonia com o estatuído no n.º 4 do mesmo artigo 27.º, “o montante da multa (…) é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.
Tratam-se de critérios de natureza cumulativa (cfr., neste sentido, José António Coelho Carreira; Regulamento das Custas Processuais Anotado; 2.ª ed., Almedina, 2018, p. 361).
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-03-2021 (Pº 2504/20.0T8CBR.C1, rel. FONTE RAMOS):
“A multa por litigância de má fé deve ser fixada tendo em conta os critérios legais constantes do n.º 4 do art.º 27º do Regulamento das Custas Judiciais, nomeadamente, a situação económica do agente e a repercussão que a multa terá no seu património. Como qualquer outra sanção, procurará desempenhar uma função repressiva e, simultaneamente, preventiva, que apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração aquela situação económica, garantindo que tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo”.

No caso, ao invés do pugnado pelo recorrente, não se verifica motivo que justifique a fixação da multa no montante mínimo, não se tendo apurado, desde logo, factos demonstrativos de reduzida ou diminuta culpa do agente, nem ser precária a condição económica do embargado, antes, se configurando ser proporcional e adequada à conduta omitida a multa no montante fixado na decisão recorrida, onde se ponderou a gravidade dos factos em questão e a natureza da exequente, uma instituição bancária.
Com efeito, ponderado o longo tempo (mais de dez anos) perante o qual a situação de prosseguimento da lide - nos moldes executados - se verificou, a situação económica do embargado (uma instituição de crédito, que deve assegurar, a todo o tempo, de níveis adequados de liquidez e de solvabilidade - cfr. artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e o (apesar de tudo) reduzido impacto que a sanção terá no conjunto patrimonial atinente, não se mostra qualquer desajuste no montante da multa arbitrada, ainda muito aquém do máximo legal aplicável, devendo, consequentemente, manter-se a mesma no montante de 20 (vinte) U.C.’s.
Contesta o embargado também a justeza da indemnização de € 5.000,00, fixada em razão da má fé na litigância, considerando, por um lado, que, em face do disposto no artigo 543.º do CPC, os recorridos não demonstraram despesas e/ou prejuízos sofridos e seus montantes e, por outro, que a fixação da indemnização “não é acompanhada de qualquer fundamentação que justifique o cômputo atribuído”.

Relativamente ao conteúdo da indemnização por litigância de má fé estatui o artigo 543.º do CPC, o seguinte:

1- A indemnização pode consistir:
a)- No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b)- No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.
2- O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.
3- Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.
4- Os honorários são pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado”.
A respeito das situações contempladas nas duas alíneas do n.º 1, anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 595) que “a situação prevista na al. a) constitui uma modalidade de indemnização simples que abarca apenas as despesas diretamente relacionadas com a conduta maliciosa do litigante. A al. b) prevê uma modalidade de indemnização agravada, abrangendo prejuízos correspondentes a danos emergentes e lucros cessantes que tenha, direta ou indiretamente, por fonte o comportamento doloso ou gravemente negligente, sem exclusão dos danos de natureza não patrimonial, desde que com a litigância tenham o nexo de causalidade exigido por lei”.
Referem os mesmos Autores (ob. cit., p. 595, nota 3) que, “[e]m qualquer caso, o juiz deve ponderar a gravidade da conduta, não relevando a capacidade económica e financeira do condenado nem tão pouco o valor da ação”.

Em sentido algo diverso, referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-02-2020 (Pº 33/16.5TBCMN-A.G1, rel. ALEXANDRA VIANA LOPES) que: “A indemnização por litigância de má-fé deve ser fixada, de forma adequada ao grau da conduta ilícita e culposa do litigante de má-fé; proporcional aos demais fatores atendíveis, nos quais relevam, nomeadamente, a natureza e o valor processual da ação, os atos processuais praticados e não praticados e as consequências destes (…)”.

No caso, os embargantes tinham peticionado a condenação do embargado numa indemnização em montante não inferior a € 10.000,00. O Tribunal recorrido, ponderando “a gravidade dos factos em questão e a natureza do exequente” condenou o embargado na indemnização de € 5.000,00.
Verifica-se em face do que se vem referindo que não procede o argumento do recorrente, relativamente à ausência de fundamentação do cômputo da indemnização arbitrada, pois, de facto, em termos suficientes e congruentes com a decisão alcançada, o Tribunal recorrido expressou as razões em que alicerçou o seu juízo.
Relativamente à adequação da indemnização cumpre afirmar – como se aludiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-05-2019 (Pº 1473/17.8T8BGC.G1, rel. EUGÉNIA CUNHA) que “a indemnização por litigância de má fé não é ressarcitória, mas sancionatória e compensatória, e tem o conteúdo consagrado no art. 543.º do CPC, não havendo lugar a condenação genérica no que vier a ser liquidado”, devendo, para a determinação do seu montante, operar “o critério legal do prudente arbítrio do julgador, vinculado por uma bitola de equidade, remetendo para a ideia de razoabilidade e proporcionalidade” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-11-2016, Pº 79/13.5TBTCS.C2, rel. VÍTOR AMARAL).
Sobre a demonstração de despesas ou prejuízos pelo requerente da indemnização por litigância de má fé, importa convocar o que foi referido, a este respeito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-05-2017 (Pº 1639/14.2 TBVCT.G2, rel. MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO):
“Resulta do disposto no artigo 542º.nº1, do C.P.C. que a condenação em multa como litigante com má fé não depende de pedido da parte, podendo/devendo, como é evidente, o Tribunal efectuá-la desde que se verifiquem os respectivos pressupostos. Já no que diz respeito à indemnização, face ao disposto nesse mesmo preceito, afigura-se-nos indubitável que ela terá de ser pedida pela parte, pois que, pese embora se nos afigure evidente que a indemnização não tem que ser formulada nos articulados, podendo inclusive ser pedida na pendência do recurso, o litigante de má fé apenas poderá ser condenado no pagamento de indemnização à parte contrária se, como diz a norma, “se esta a pedir”. Para que o crédito indemnizatório se constitua na esfera jurídica do lesado é necessária a verificação cumulativa de dois indispensáveis pressupostos: por um lado, a demonstração de um ilícito perpetrado pelo lesante, traduzido na sua litigância censurável; E, por outro, que o lesado com essa conduta, formule o pedido indemnizatório. Quanto à produção de prova dos prejuízos sofridos pela parte lesada duas correntes de opinião tem surgido: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio. Parece-nos claramente mais assertiva, por em absoluta conformidade e coerência com a lei e mais razoável a segunda por duas ordens de motivos: pode a parte lesada não conseguir reunir atempadamente os elementos necessários a produção da prova dos prejuízos sofridos ou, noutros casos, pode a mesma não conseguir identificar a totalidade desses prejuízos. Então aí competirá ao tribunal prudentemente fixar a indemnização entendida como justa. Em favor desta corrente anote-se que para arbitrar a indemnização em causa não se torna necessário que o requerente formule um pedido certo pois “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 2 do mencionado artigo 543.º do Código de Processo Civil)”.

Também nos parece que, verificada a litigância de má fé, a indemnização peticionada deverá ser fixada equitativamente pelo Tribunal, mesmo que a parte demandante dessa indemnização não demonstre o quantum preciso dos prejuízos e das despesas que invoca ter sofrido, desde que se possa considerar, ainda assim, que tais prejuízos e despesas, em razão da litigância, terão tido ocorrência.

Neste sentido, alinharam, entre outras, as seguintes decisões jurisprudenciais, cuja doutrina, igualmente, se subscreve, por melhor se adequar ao sentido interpretativo do artigo 542.º do CPC (onde perante a verificação de que uma parte “tiver litigado de má fé” se prevê uma inexorável consequência, “a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”- cfr. n.º 1 do referido artigo) e à natureza (sancionatória e não ressarcitória) da mencionada indemnização:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-03-2019 (Pº 611/12.1TYVNG.P1, rel. ANA LUCINDA CABRAL): “Ainda que a parte não tenha feito a prova das despesas que suportou, o tribunal pode fixar-lhe uma indemnização com base na equidade”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-10-2019 (Pº 587/18.1T8PTL-A.G1, rel. PAULO REIS): “Mesmo não provando a parte as despesas em que incorreu devido à má-fé da parte contrária sempre o Tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários que tenham sido apresentadas pela parte (artigo 543.º, n.º 3, do CPC)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-06-2020 (Pº 2374/19.0T8VIS-A.C1, rel. ALBERTO RUÇO): “No que respeita à fixação da indemnização por litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento. O prudente arbítrio, a razoabilidade, arrancam de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando aos dados que constam do processo, às alegações das partes, ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência (…). A indemnização originada pela litigância de má fé não está limitada ao valor fixado para a respetiva multa”.

Ora, considerando os elementos que já foram referenciados a respeito da fixação do quantum da multa, em particular, a gravidade da conduta assinalada, que levou ao prosseguimento da lide em ambas as execuções, durante vários anos, pelos valores de pretensão exequenda pelos quais foram instauradas, constituindo uma ilegítima (face aos valores objeto de duplicação) ameaça sobre o património e a pessoa dos embargantes, não se encontra desadequação ou desproporcionalidade, na fixação do valor indemnizatória alcançado pelo Tribunal recorrido, sendo que, a mesma se conforma, com assinalável adequação e em respeito da equidade, aos prejuízos e despesas que os embargantes terão tido em razão do prosseguimento das demandas executivas nos termos ocorridos.

A decisão recorrida não merece, em consequência, qualquer censura, devendo ser mantida nos seus precisos termos, improcedendo a apelação.

*
A responsabilidade tributária incidirá sobre o recorrente, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.

*

5.Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas do presente recurso pelo recorrente/embargado.
Notifique e registe.

*


Lisboa, 12 de maio de 2022.



(Carlos Castelo Branco - Relator)
(Orlando dos Santos Nascimento - 1.º Adjunto)
(Maria José Mouro Marques da Silva - 2.ª Adjunta)