Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1903/2003-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: PENHORA
SIGILO BANCÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/14/2004
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: Atentas dificuldades colocadas ao exequente pelo regime do sigilo bancário para a identificação de créditos a penhorar, basta-lhe indicar os elementos identificativos que estejam ao seu alcance e pedir a intervenção prévia do Banco de Portugal, nos termos do art. 861º-A, n.º 6, do CPC, sem que haja que justificar expressamente a necessidade dessa intervenção.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, nos autos de execução para pagamento de quantia certa, movidos por A contra B, nomeou a exequente à penhora, no requerimento executivo, entre outros bens, “os saldos de todas e quaisquer contas, quer à ordem quer a prazo, que a executada possua em quaisquer Bancos ou Instituições Financeiras", a identificar pelo Banco de Portugal, nos termos do art. 861°-A, n.° 6 do CPC.
Em face do requerido, foi proferido despacho a convidar a exequente, ora recorrente, a apresentar novo requerimento de nomeação de bens/créditos à penhora, procedendo à justificação, convenientemente, de dificuldades (concretas) na identificação adequada dos saldos das contas bancárias correspondentes nos termos do artigo 837°-A do Código de Processo Civil.
Tendo a exequente, ora recorrente, declinado tal convite, e de tal despacho interposto recurso, recurso esse que não foi admitido, veio o Senhor Juiz a quo, por novo despacho, anular o requerimento de nomeação de bens a penhora, na parte relativa a nomeação dos ditos saldos das contas de deposito bancário da executada.
Deste último despacho agravou a exequente, pedindo a sua revogação e substituição por outro que mande oficiar ao Banco de Portugal para que identifique os bancos ou instituições financeiras em que o executado possua contas de depósito para, seguidamente, se proceder à penhora dos respectivos saldos.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde foram colhidos os legais vistos, pelo que nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se a indicação dos saldos de depósitos bancários feita pela exequente, com pedido de intervenção prévia do Banco de Portugal, pode considerar-se como nomeação à penhora à luz do estabelecido no artigo 861°-A do Código de Processo Civil.

II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para a apreciação do recurso são os que decorrem do relatório acima inscrito.

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
A solução que obteve vencimento, sufraga por inteiro o entendimento que foi seguido no Agravo n.º 2850/04, desta secção e tribunal, de que foi relatora a Ex.ma Adjunta, Desembargadora Fernanda Isabel Pereira, em caso similar ao versado nos presentes e no qual se exarou, na parte que interessa, o seguinte:
«Tem-se revelado difícil conciliar as regras da penhora de saldos em contas bancárias com o princípio do sigilo bancário, sendo bem visíveis na jurisprudência as divergências que esta matéria tem suscitado, como dá conta., entre outros, o Ac. do STJ de 4.5.2000, in BMJ 497-323.
Porém, como se escreveu neste acórdão, "A evolução legislativa demonstra que o legislador foi sensível às dificuldades do credor em identificar, para além do que lhe é possível, os créditos de saldos de depósitos bancários. E, assim, não só afastou as restrições ancoradas em sigilo bancário, mediante decisão do juiz da causa, nos termos do artigo 519º-A, como veio a criar um modelo expedito de identificação através do Banco de Portugal, consagrando uma prática que estava já em curso..."
Com efeito, à penhora de depósitos bancários são aplicáveis as regras da penhora de créditos com as especialidades consagradas no citado artigo 861"-A, das quais se destacam, com relevo para o caso vertente, as estabelecidas no n.° 6, aditado pelo DL n.° 375-A/99, de 20 de Setembro, nos termos do qual, tendo sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias.
Afigura-se que uma interpretação demasiado formal deste normativo acabará por lhe retirar as potencialidades que o legislador pretendeu imprimir-lhe no sentido de procurar remover obstáculos à realização coactiva da prestação, o que, como é natural, é do interesse do credor.
Efectivamente, o credor exequente socorre-se da acção executiva para obter a satisfação coerciva do seu direito de crédito e é o principal interessado em promover os seus termos, nomeadamente na fase da penhora, da qual faz parte, como acto preparatório, a nomeação dos bens à penhora.
Assim, quando a nomeação é deferida por lei ao exequente tem de considerar-se implícito que no requerimento para tanto apresentado estão indicados os bens do executado que conseguiu identificar ou, de entre eles, aqueles que melhor assegurarão os fins da execução.
Na nomeação à penhora de saldos de depósitos bancários será do interesse do exequente, a quem cabe impulsionar a execução, indicar todos os elementos que permitam a rápida efectivação da penhora, tendo de considerar-se implícito que se os não indica é porque deles não dispõe. Seria um verdadeiro contra-senso o exequente dispor de elementos ou de meios para os obter que permitissem uma penhora mais rápida e eficaz, protegendo com esta garantia a satisfação do seu crédito, e não os facultar, desde logo, ao tribunal, tanto mais que o tempo joga em seu desfavor porque aumenta o risco de o executado se desfazer do seu património, designadamente, esvaziando as sua contas bancárias dos fundos de que dispõe.
Tratando-se de bens de difícil averiguação para terceiros, que se debatem com as dificuldades inerentes às regras do sigilo bancário, é razoável o entendimento de que o pedido prévio de colaboração do Banco de Portugal formulado ao Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 861°-A, no sentido de ser identificada a existência de saldos em contas bancárias do executado, pressupõe ou tem por base a falta de acesso do exequente, por razões que lhe não são imputáveis, aos elementos necessários à afirmação da sua existência e respectiva identificação».
No mesmo sentido, se exarou no douto aresto, desta Relação, de 9.7.2003, o seguinte:
«Sendo nomeados à penhora saldos bancários, o exequente não deixará de, no seu próprio interesse, fornecer, desde logo, todos os elementos de que disponha, e que permitam a imediata efectivação da penhora. Mas essa será, em princípio, uma situação excepcional, pois que, em regra, não existe informação disponível sobre as contas bancárias de terceiros. Nem o facto de o exequente conhecer uma conta bancária do executado deve impedi-lo de requerer a averiguação, pois que é disso mesmo que se trata, da existência de outras contas para tornar possível a penhora simultânea dos respectivos saldos, de modo a prevenir que uma primeira diligência de penhora comprometa a possibilidade de efectivação de penhoras de outros saldos,entretanto esvaziados pelo executado.
  Ou seja, quando o exequente requer a colaboração do Banco de Portugal para identificar a existência de contas bancárias do executado, deverá entender-se que, como de resto acontece com a generalidade das pessoas, o mesmo não tem efectivo conhecimento de factos que permitam dispensar essa colaboração, nem tem meios próprios que lhe permitam suprir a necessidade dessa colaboração»[1].
Note-se que existindo o sigilo bancário, em princípio o exequente não pode, nem deve, ter conhecimento, das contas bancárias e respectivos saldos, do executado, sob pena de alguém ter violado tal sigilo. Isto a menos que o executado tenha fornecido ao exequente elementos em tal matéria ou que, por uma qualquer relação - de parentesco, laboral ou de mera amizade  - a existência de uma determinada conta bancária seja do conhecimento de ambos.
É que o dever de sigilo bancário apenas cessa em face de uma justa causa, que pode ocorrer designadamente quando a revelação se torna necessária para salvaguardar interesses manifestamente superiores aos protegidos por aquele dever, como é o caso dos valores da realização da justiça. Mas tal só no próprio âmbito do pleito pode ter lugar.
Por outro lado, também não se pode olvidar que uma conta bancária é um bem propício a existência efémera, ora existe hoje para não existir amanhã, ora tem saldo ora deixou de o ter. Ou vice-versa. Assim, a informação, fidedigna e actual, só a entidade bancária a pode assegurar.
E, em todo o caso, atenta a multiplicidade de instituições bancárias, sempre o exequente, por regra, não poderá dispor de um conhecimento exaustivo da existência, ou não, das contas bancárias de que o executado eventualmente usufrua. Tal conhecimento apenas está ao alcance daquelas instituições, a quem cabe facilitar um esclarecimento, seguro e integral, sobre a matéria em discussão, com vista a viabilizar a realização da penhora.
Do que se conclui que constituindo o sigilo bancário sério obstáculo ao dever do exequente de especificar os créditos bancários que nomeia à penhora pela forma constante do art. 837º, n.º 5, do Cód.Proc.Civil, é-lhe lícito nomeá-los nos termos do n.º 1 do mesmo artigo (ex vi do art. 861º-A, n.º 1), indicando os elementos identificativos que estejam ao seu alcance e pedindo a intervenção prévia do Banco de Portugal (art. 861º-A, n.º 6) para identificação da existência de contas bancárias detidas pelo executado, sem que haja que justificar expressamente a necessidade dessa intervenção do Banco de Portugal.
Consequentemente, considera-se suficiente e adequado o requerimento de nomeação à penhora de saldos de depósitos bancários deduzido pela exequente, nos termos em que está formulado, procedendo, no essencial, as conclusões da alegação da agravante.

IV.  DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao agravo e revogar o despacho recorrido, ordenando-se que na 1.ª instância se dê cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 861°-A do Código de Processo Civil.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2004. 

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
FERNANDA ISABEL PEREIRA
ALVITO ROGER DE SOUSA (com voto de vencido)

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[1]InWWW.dgsi.pt.jtrl.