Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
72/10.0TTCLD.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2011
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. A forma de processo especial, prevista no art. 98-C do CPT, só é aplicável aos processos cujo despedimento se verificou ao abrigo do art.º387 do CT/2009, que só entrou em vigor 1.01.2010, o que não foi o caso do despedimento em causa que ocorreu ainda ao abrigo do Código do Trabalho de 2003
2. O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art.º 199 n.º1 do CPC).
3. Porém, no caso, o erro cometido não permite o aproveitamento de qualquer acto do processo, atenta a grande diferença de formalismo entre o processo declarativo comum e o processo especial referido, desde a fase inicial.
4. Por outro lado, não se podem aproveitar todos os articulados que, entretanto, o tribunal indevidamente permitiu que fossem apresentados pois obedecem a uma tramitação e lógica diversa da acção comum, nos termos dos quais a acção devia ter sido proposta, nomeadamente em termos de prazos de propositura, e dos ónus de alegação e prova.
5. No caso, o erro cometido determina assim a nulidade de todo o processado, ao abrigo do art. 199 nºs 1 e 2 do CPT, o que constitui uma excepção dilatória que importa à absolvição da instância da ré
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A, (…), intentou – com o benefício do apoio judiciário - a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, ao abrigo do art.98.B e sgts do CPC, contra:
“B, SA", (…), apresentando o formulário legal, ao qual anexou cópia do relatório final do processo disciplinar e da decisão de despedimento com justa causa, por causa imputável ao trabalhador, comunicada em 19/02/2009.


Realizada a audiência de partes, e comparecendo à mesma ambas as partes, acompanhadas dos respectivos ilustres mandatários judiciais, constituídos nos autos, não se mostrou viável a conciliação, em virtude de a entidade empregadora considerar que o despedimento da trabalhadora foi legal e lícito. Pela trabalhadora foi desde logo declarado não pretender a reintegração, optando pela indemnização legal pelo despedimento ilícito.

No articulado posteriormente apresentado a ré invoca o erro na forma de processo, reiterando os factos constantes na nota de culpa no que respeita às faltas injustificadas da autora que foi acusada de ter acumulado 30 faltas injustificadas e interpolados.

Foi proferido despacho saneador que considerou não ter havido erro na forma de processo e concluiu, ainda, pela nulidade do processo disciplinar e em consequência pela ilicitude despedimento decidiu condenar a ré "B, SA" a pagar à autora, A, a quantia de 2.850 € a título de indemnização em substituição da reintegração, nas retribuições em dívida, vencidas e vincendas, bem como numa indemnização pelos danos morais no valor de 1000,00€, que haviam sido pedidos em reconvenção pela autora, no seu articulado de resposta ao articulado da ré.

A ré, inconformada, interpôs recurso tendo nas respectivas alegações invocado as seguintes questões:
- Erro na forma do processo que implica a sua absolvição da instância
- Validade do processo disciplinar cuja nulidade não foi posta em causa pela autora pelo que o tribunal não podia oficiosamente conhecer do mesmo.
- Justa causa no despedimento por 30 faltas injustificadas imputadas à autora.

Não houve contra-alegações

Colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar de decidir

I. As questões suscitadas no recurso interposto que delimitam o seu objecto são relativas ao erro na forma do processo, à validade do processo disciplinar e à justa causa no despedimento.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados pelo tribunal recorrido os seguintes factos:
1. A Entidade Patronal "B, SA" dedica-se à indústria de preparação de pescado (…).
2. A exerceu funções sob as ordens, direcção e fiscalização da "B , SA" ininterruptamente, desde 13 de Janeiro de 2003 até 19 de Fevereiro de 2009.
3. À data de 19/02/2009 a A exercia funções de preparadora de conservas de peixe, de Segunda a Sexta-Feira, das 8 horas às 12h30m, e das 14 horas às 17h30m.
4. Em 15/01/2009 a Entidade Patronal "B, SA" remeteu à Trabalhadora A carta registada com A/R, que esta recepcionou em 19/01/2009, comunicando-lhe "a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, remetendo-lhe assim a nota de culpa contra si deduzida no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado", acompanhada de Nota de Culpa, como teor do documento junto a fls.51 e sgts
5. A Trabalhadora A não respondeu aos factos imputados na nota de culpa referida (as ditas 30 faltas interpoladas injustificadas) nem apresentou qualquer prova ou arrolou testemunhas.
6. Em sede do procedimento disciplinar, não foi junta qualquer prova documental, designadamente os registos de ponto, o mapa de absentismo relativo ao ano de 2008, cópias dos recibos de retribuições da trabalhadora de onde constem descontadas as quantias relativas às faltas injustificadas ou cópias dos documentos apresentados pela trabalhadora para requerer a justificação das alegadas faltas, e das decisões da ré a considerar tais faltas justificadas ou injustificadas.
7. Em sede do referido procedimento disciplinar, foram inquiridas as duas trabalhadoras da ré arroladas na nota de culpa, cujas fotocópias de depoimentos – constantes do apenso respectivo — aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
8. Com data de 16 de Fevereiro de 2009 a ré elaborou e enviou à autora a decisão de despedimento, com respectivo Relatório Final, cujo teor consta do documento junto a fls. 4.a 7do autos
Resulta ainda dos autos que
9. A autora em 11.02.2010 interpôs requerimento inicial – formulário a que se alude o art. 98º D do CPT, tendo junto a respectiva decisão de despedimento
10 Na audiência de partes convocada pelo tribunal este determinou o prosseguimento dos autos ao abrigo dos art.s 98 n.º1 a 9 do CPT.


III. Fundamentos de direito

Comecemos por apreciar a 1ª questão suscitada pela recorrente
Erro na forma do processo
O art.º387 do Código do Trabalho, actualmente em vigor, aprovado pela Lei n.º7/2009, de 12/02, estabelece nos seus nºs 1 e 2 que:
“1. A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.
2. O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte.”
- O art.º14 n.º 1 da citada Lei n.º7/2009 estabelece que os nºs 1, 3 e 4 do art.º356, os art.ºs 358, 382, 387 (apreciação judicial do despedimento individual) e 388 (apreciação judicial do despedimento colectivo), o n.º 2 do art.º389 e o n.º1 do artº391 entram em vigor na data de início de vigência da legislação que proceda à revisão do Código de Processo de Trabalho.
- O artº7 n.º5, alíneas b) e c) da Lei n.º7/2009 dispõe, por sua vez, que o regime estabelecido no Código do Trabalho, anexo àquela lei, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor relativas a prazos de prescrição e caducidade, procedimentos para aplicação de sanções, bem como para a cessação do contrato de trabalho;
- O art.º12 n.º5 da mesma Lei estabelece que a revogação dos artºs 414, 418, 430 e 435 (impugnação judicial do despedimento), do n.º2 do art.º436 do n.º1 do art.º438 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08, produz efeitos a partir da entrada em vigor da revisão do Código de Processo do Trabalho.
- Finalmente, o DL n.º295/2009, de 13/10 – diploma legal que procedeu à revisão do CPT, que entrou em vigor no dia 1/01/2010 – introduziu um conjunto de alterações na disciplina processual do direito do trabalho e criou novos processos especiais na jurisdição laboral, entre os quais figura o processo especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento, regulado nos art.ºs 98-B a 98-P do CPT, dispondo o art. 98º-C, n.º 1 que:
“Nos termos do art.º387 do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento, inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento (…).”
Resulta assim do quadro normativo enunciado que:
- O art.º387 do Código do Trabalho de 2009 só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 e que até essa data esteve em vigor o disposto no art.º435 do Código do Trabalho de 2003;
- A acção de apreciação judicial do despedimento a que se refere o art.º387 do CT está regulada nos artºs 98º-B a 98º-P do CPT;
Assim, a nova acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, regulada nos referidos artigos do CPT, só pode ser aplicável aos despedimentos cujo procedimento tenha sido desencadeado após a entrada em vigor das alterações ao CPT e simultaneamente aos despedimentos ocorridos, ao abrigo do art.º387 do CT/2009, ou seja, a partir de 1/01/2010.
A decisão de despedimento do recorrente data de 16 de Fevereiro de 2009, pelo que o processo adequado para impugnar esse despedimento é o processo declarativo comum, regulado nos artºs 51 e seguintes do novo CPT e não o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulado nos artigos 98.º-B a 98.º-P, na medida em que o despedimento não foi realizado ao abrigo do art.º387 do CT/2009.
É certo que o art.º6 do DL nº295/2009, de 13/10, em sintonia com o art.º142 n.º2 do CPC, consagra o princípio da aplicação imediata da lei processual, ao estabelecer que as normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção por ele dada se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor.
Todavia, não está em causa a entrada em vigor do CPT em 01.01.2010, que se aplica, mas apenas saber qual a forma de processo adequada à impugnação de um despedimento ocorrido e comunicado, por escrito ao trabalhador, antes dessa data.
Ora, face às disposições acima referidas, conclui-se que a forma de processo adequada é a forma de processo comum pois a forma de processo especial, agora prevista no CPT, só é aplicável aos processos cujo despedimento se verificou ao abrigo do art.º387 do CT/2009, que só entrou em vigor 1.01.2010, o que não foi o caso do despedimento em causa que ocorreu ainda ao abrigo do Código do Trabalho de 2003.
Este tem sido o entendimento unânime nesta Relação, citando-se para o efeito alguns dos acórdãos já proferidos que analisaram de forma exaustiva esta questão e para os quais se remete, veja-se, a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos processos com os nºs 93/10.2TTLSB.L1; 320/10.6.TTLSB.L1; e 470/10.9TTLSB.L1.
Houve, portanto, erro na forma de processo. O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art.º 199 n.º1 do CPC). Porém, no caso, o erro cometido não permite o aproveitamento de qualquer acto do processo, atenta a grande diferença de formalismo entre o processo declarativo comum e o processo especial referido, desde a fase inicial. Com efeito, o requerimento apresentado pela recorrente não contém os requisitos mínimos de uma petição inicial (primeiro acto processual do processo declarativo comum), pois dele não constam, designadamente, os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art.º467 n.º 1, al. d) do CPC).
Por outro lado, não se podem aproveitar todos os articulados que, entretanto, o tribunal indevidamente permitiu que fossem apresentados pois obedecem a uma tramitação e lógica diversa da acção comum, nos termos dos quais a acção devia ter sido proposta, nomeadamente em termos de prazos de propositura, e dos ónus de alegação e prova.
Assim, o erro cometido determina a nulidade de todo o processado, ao abrigo do art. 199 nºs 1 e 2 do CPT, o que constitui um excepção dilatória que importa à absolvição da instância da ré, nos termos dos art.s 493 e 494 b) do CPC. Fica assim prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas.


IV. Decisão
Face ao exposto julga-se procedente o recurso interposto, pelo que se revoga a sentença recorrida, absolvendo-se a ré da instância.
Custas pela recorrida

Lisboa, 24 de Março de 2011

Paula Sá Fernandes
José Feteira (vencido conforme declaração de voto junta)
Filomena de Carvalho

Declaração de voto:
Com todo o respeito pela decisão que obteve vencimento, não a posso acompanhar, porquanto, embora reconheça a existência de erro na forma e processo ao abrigo do disposto no art. 199.º do C.P.C. decidiria aproveitar os articulados produzidos nos autos após a audiência de partes, bem como o requerimento inicial formulado pela autora com a pretensão aí deduzida para, com as necessárias adaptações, considerar como que convolado o processo especial em comum, conhecendo, subsequentemente, das restantes questões suscitadas no recurso em apreço.

José Feteira