Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8187/2007-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: USUCAPIÃO
MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1) Na impugnação da matéria de facto, a omissão da referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C do CPC, acarreta a rejeição do respectivo recurso.
2) Em caso de dúvida quanto ao preenchimento do elemento subjectivo da posse, presume-se este naquele que exerce o poder de facto, nos termos do art. 1252.º, n.º 2, do CC.
3) Q uem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
4) A presunção legal referida é ilidida pela prova de que os actos praticados são por natureza insusceptíveis de conduzir à posse.
5) Não sendo ilidida a presunção, é de reconhecer a posse a quem exerce o poder de facto sobre a coisa.
6) Assim, o direito de propriedade pode ser adquirido por usucapião, sobrepondo-se a registo predial contrário.
7) A responsabilidade por litigância de má fé, prevista no art. 456.º, n.º s 1 e 2, do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, exige uma conduta de natureza dolosa
O.G..
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Rogélio e outros instauraram, em 8 de Junho de 1993, na Comarca do Montijo, contra Incertos, acção declarativa, sob a forma de processo sumário (mais tarde passaria a processo ordinário), pedindo que fosse declarado que os AA. R, M, L, La, Maria e a Interveniente Maria M são donos, na proporção de 1/7 para cada um, e os AA. José Joaquim, Manuel, Maria Helena, e Justiniano na proporção de 1/28 para cada um, do prédio rústico, sito nas Taipadas, freguesia de Canha, concelho do Montijo, descrito, sob o n.º 9139, a fls. 143v., do Livro B-24, na Conservatória do Registo Predial do Montijo, com a área aproximada de 117 200 m2 e composto de terra de semeadura, fosse autorizado o registo do prédio em seu nome e ordenado o cancelamento de quaisquer registos contrários
Para tanto, alegaram, em síntese, que adquiriram o referido prédio por usucapião.
Citados editalmente, contestaram os Réus (…) Manuel e outros, que, impugnando os factos, concluíram pela improcedência da acção. Deduzindo reconvenção, pediram que os mesmos fossem declarados donos da metade indivisa do referido prédio, por o terem adquirido por sucessão e usucapião, assim como pediram a condenação dos AA. em multa e indemnização, não inferior a 1 000 000$00, por litigância de má fé.
Replicaram os AA., no sentido da improcedência da reconvenção e da litigância de má fé.
Como associada dos AA., admitiu-se a intervenção principal de Maria M, a qual foi citada e, mais tarde, a seu requerimento, viu apensado a estes autos a acção declarativa por si instaurada, em 5 de Julho de 1993, e que, com o n.º 66/97, corria termos no 3.º Juízo da mesma Comarca, conforme despacho proferido a 24 de Setembro de 2004 (fls. 248/9).
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida, em 27 de Fevereiro de 2007, sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção procedente, condenando ainda os AA., como litigantes de má fé, na multa de 5 UC e em indemnização aos RR., a fixar após o trânsito em julgado da sentença.

Não se conformando totalmente com a sentença, recorreram os Autores, os quais, tendo alegado, formularam no essencial, as seguintes conclusões:
a) Está provada a usucapião invocada pelos AA, em conformidade com os arts. 1287.º, 1288.º, 1317.º, alínea c), e 1296.º do Código Civil.
b) A inscrição em contrário no registo está inutilizada, por força da usucapião.
c) Os AA. gozam da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre todo o prédio, por força do art. 1268.º, n.º 1, do CC.
d) As respostas aos quesitos 5.º e 6.º devem ser positivas.
e) Os AA. actuaram com total boa fé, transparência, verdade e convencidos de que têm razão.
f) Para além dos que se referiram, foram violados os arts. 344.º n.º 1, 350.º, n.º s 1 e 2, 1252.º, 1268.º, n.º 1, do CC, 456.º e 457.º, do CPC, os quais, na interpretação dada na sentença, são inconstitucionais, por violação dos arts. 2.º (Estado de Direito) e 20.º (tutela jurisdicional efectiva) da Constituição da República Portuguesa.

Pretendem, com o provimento do recurso, a revogação da sentença, de modo a julgar-se a acção totalmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente.

Contra-alegaram os identificados RR., no sentido da improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

No presente recurso, para além da impugnação de parte da matéria de facto, está essencialmente em causa o direito de propriedade e a litigância de má fé.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. Mostra-se inscrito na matriz cadastral da freguesia de Canha sob o art. 11.º da secção K, o prédio rústico, sito nas Taipadas, freguesia de Canha, composto de terra de semeadura, com a área aproximada de 117 200 m2, a confinar de Norte com o Dr. Vasconcelos, de Sul e Nascente com a estrada municipal e de Poente com herdeiros de Manuel, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.º 00489/960109, da freguesia de Canha, correspondente à anterior descrição n.º 9139, de fls. 143 v.º do Livro B-24, que foi desanexado da descrição n.º 1759, a fls. 95, do Livro B-5.
2. Os AA. R (…) e a Interveniente são filhos de Rogélio.
3. Rogélio e Consuelo faleceram, respectivamente, em 26 de Novembro de 1945 e 20 de Agosto de 1984, sem deixarem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.
4. Em Setembro de 1987, faleceu Albino, filho de Rogélio e de Consuelo.
5. A A. Maria D é filha de Albino e sua única herdeira.
6. Os AA. J (…) são filhos de José, falecido em 31 de Outubro de 1974, também filho de Rogélio e Consuelo.
7. O R. Manuel e Albino são filhos de José, falecido em 16 de Junho de 1927, sem ter deixado testamento ou qualquer disposição de última vontade.
8. Albino veio a falecer em 12 de Agosto de 1989, no estado de casado com a R. Amélia, sem deixar testamento, tendo, como únicos herdeiros, os seus filhos, os RR. Jorge, Avelino, José e D.
9. Através de escritura pública, celebrada em 6 de Novembro de 1924, José e seu irmão Rogélio adquiriram, na proporção de metade para cada um, o prédio referido em 1.
10. O R. Manuel e Albino, através da inscrição n.º 35398, a fls. 89 do Livro G-55, inscreveram a seu favor, em comum e sem determinação de parte, a metade indivisa do prédio descrito, então, sob o n.º 9139, a fls. 143 v., do Livro B-24.
11. Os herdeiros de Albino inscreveram a seu favor os direitos de Albino e o usufruto a favor da viúva Amélia.
12. Mostra-se inscrito na matriz cadastral da freguesia de Santo Isidro de Pegões, sob o art. 35.º da secção J, o prédio rústico sito em Foros do Trapo, composto de terra de semeadura, pinhal e eucaliptal, com edificações rústicas, com a área aproximada de 252 250 m2, a confinar de Norte e Nascente com aceiro público e terrenos da Junta de Colonização Interna e Luzia, de Sul com aceiro público e Francisco, e de Poente com aceiro público e João (apenso C).
13. Mostra-se inscrito na matriz cadastral da freguesia de Santo Isidro, sob o art. 18.º, o prédio urbano para habitação e comércio, sito em Foros do Trapo, concelho do Montijo, a confinar de Norte, Sul, Nascente e Poente com herdeiros de Rogélio e de Consuelo (apenso C).
14. Mostra-se inscrito na matriz cadastral da freguesia de Santo Isidro de Pegões, sob o art. 66.º da secção A, o prédio rústico sito em Foros do Trapo, freguesia de Santo Isidro, composto de terra de semeadura, regadio, com edificações rústicas, com a área aproximada de 65 750 m2, a confinar de Norte com herdeiros de António, de Sul com estrada camarária, de Nascente com António e de Poente com aceiro público e Joaquim (apenso C).
15. Os falecidos Rogélio e Consuelo, desde finais de 1928, começaram a explorar todo o prédio referido em 1.
16. Cultivavam e melhoravam esse prédio, davam-no de arrendamento, auferiam os respectivos frutos e pagavam as respectivas contribuições prediais, agindo com ânimo de proprietários, com o conhecimento de todos.
17. Por morte dos seus progenitores, os AA. continuaram, ininterruptamente, a explorar o referido prédio nos mesmos termos.
18. Os falecidos Rogélio e Consuelo começaram a explorar todo o prédio referido em 12., desde há mais de 28 anos, arroteando-o, explorando-o, melhorando-o, dando-o de arrendamento, auferindo-lhe os frutos e pagando as respectivas contribuições prediais, agindo com ânimo de proprietários, em nome próprio e com o conhecimento de todos.
19. Por morte dos seus progenitores, os AA. continuaram, ininterruptamente, a explorar o referido prédio nos mesmos termos.
20. Os falecidos Rogélio e Consuelo começaram a explorar todo o prédio referido em 13, desde há mais de 28 anos, arroteando-o, explorando-o, melhorando-o, dando-o de arrendamento, auferindo-lhe os frutos e pagando as respectivas contribuições prediais, agindo com ânimo de proprietários, em nome próprio e com o conhecimento de todos.
21. Por morte dos seus progenitores, os AA. continuaram, ininterruptamente, a explorar o referido prédio nos mesmos termos.
22. Os falecidos Rogélio e Consuelo começaram a explorar todo o prédio referido em 14, desde há mais de 28 anos, arroteando-o, explorando-o, melhorando-o, dando-o de arrendamento, auferindo-lhe os frutos e pagando as respectivas contribuições prediais, agindo com ânimo de proprietários, em nome próprio e com o conhecimento de todos.
23. Por morte dos seus progenitores, os AA. continuaram, ininterruptamente, a explorar o referido prédio nos mesmos termos.

2.2. Descritos os factos dados como provados, importa agora conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram já destacadas.
Preliminarmente, não pode deixar de se observar que os recorrentes não apresentaram as conclusões, de “forma sintética”, cujo ónus está estabelecido no art.º 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), correspondendo as mesmas (41 pontos) à reprodução quase integral da motivação do recurso.
Não se formalizou, todavia, qualquer convite à sua correcção, por tal se revelar, na prática, como uma inutilidade, para além de constituir um indesejável factor de morosidade processual, que agravaria ainda mais o tempo de pendência destes autos, instaurados em 8 de Junho de 1993.

2.3. Na sua alegação, os apelantes impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente as respostas negativas aos quesitos 5.º e 6.º, indicando para tal efeito, como meio de prova, o depoimento de parte de Rojélio, também recorrente.
A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada, desde que ocorra qualquer uma das situações previstas no n.º 1 do art. 712.º do CPC, designadamente quando tiver sido impugnada, nos termos do seu art. 690.º-A.
No entanto, a decisão sobre a matéria de facto proferida nestes autos não pode ser modificada.
Desde logo, por falta de cumprimento do ónus, por parte dos recorrentes, especificado no n.º 2 do art. 690.º-A do CPC. Efectivamente, os recorrentes, embora indicando o referido depoimento, omitiram a referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C do CPC. O incumprimento desse ónus acarreta, nos termos legais, a rejeição do respectivo recurso.
Por outro lado, ainda que o recurso não fosse rejeitado, pelo motivo formal referido, sempre improcederia a impugnação, na medida em que o mencionado depoimento de parte recaiu sobre a matéria dos quesitos 8.º, 9.º e 10.º do questionário (fls. 385). Mas, mesmo que o depoimento a essa matéria fosse susceptível de ser aproveitado para resposta aos quesitos 5.º e 6.º, não era possível modificar a resposta negativa dada. Na verdade, o depoimento não podia conter uma declaração confessória, com o conteúdo emprestado pelo art. 352.º do Código Civil (CC), porquanto a materialidade daqueles quesitos favorece os próprios recorrentes. Para além disso, mesmo usando do critério da simples apreciação, o depoimento não podia ser considerado, para o efeito pretendido pelos recorrentes, visto que, pertencendo a uma parte interessada e atendendo à natureza da matéria controvertida dos autos, não merece, sem mais, a credibilidade suficiente para se obter a “prudente convicção” acerca da realidade dos respectivos factos (art. 655.º, n.º 1, do CPC).
Nestes termos, improcede a impugnação sobre a matéria de facto, mantendo-se a resposta negativa aos quesitos 5.º e 6.º.

2.4. Assente a matéria de facto, nos termos anteriormente descritos, importa agora apreciar a questão substantiva suscitada na apelação.
Na sentença recorrida foi reconhecido aos apelantes a propriedade sobre os prédios sitos na freguesia de Santo Isidro de Pegões (melhor identificados nos n.º s 12,13 e 14 da matéria de facto), por aquisição através de usucapião, enquanto aos apelados foi reconhecido a propriedade sobre a metade indivisa do prédio rústico sito na freguesia de Canha (melhor identificado no n.º 1 da matéria de facto).
Com a procedência do presente recurso, os apelantes pretendem também o reconhecimento do direito de propriedade sobre este último prédio, em detrimento dos apelados.
Destaca-se factualmente dos autos que Rogélio e Consuelo, desde finais de 1928, começaram a explorar todo o prédio referido em 1. Nesse âmbito, cultivavam e melhoravam esse prédio, davam-no de arrendamento, auferiam os respectivos frutos e pagavam as respectivas contribuições prediais, agindo com ânimo de proprietários, com o conhecimento de todos. Por morte dos referidos Rogélio e Consuelo, os apelantes continuaram, ininterruptamente, a explorar o referido prédio nos mesmos termos.
Como resulta da resposta restritiva ao quesito 3.º, não se provou que a mencionada actuação com o ânimo de proprietários tivesse sido “em nome próprio” (fls. 410/412), o que determinou a improcedência parcial do pedido dos apelantes e a procedência da reconvenção.
Mas será esta última questão decisiva para se ter decidido nos termos descritos?
Desde já, adiantando, a resposta é negativa.

A posse exercida durante certo lapso de tempo, obedecendo a determinadas condições, proporciona a aquisição do respectivo direito real. Trata-se daquilo que se designa por usucapião, que o actual Código Civil (CC) emprega (art. 1287.º), em substituição da expressão “prescrição aquisitiva” (art. 505.º do CC/1867).
Para que exista essa posse, é indispensável a reunião de dois elementos: o corpus e o animus. O primeiro elemento, objectivo, corresponde ao exercício de um poder de facto sobre a coisa, enquanto o segundo elemento, subjectivo, é consubstanciado pela intenção de agir no próprio interesse (MANUEL RODRIGUES, A Posse, 3.ª edição, págs. 182 e seguintes).
A verificação apenas do elemento objectivo tipifica somente uma situação de simples detenção (art. 1253.º do CC), irrelevante para a aquisição.
No caso vertente, a controvérsia limita-se ao preenchimento do elemento subjectivo (animus sibi habendi), pois em relação ao elemento do corpus é inequívoca a sua verificação, nomeadamente desde finais de 1928.
Reconhecendo-se a dificuldade, senão a impossibilidade, de fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente, manteve-se, à semelhança do CC/1867 (art. 481.º, § 1.º), a consagração da presunção segundo a qual, “em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto” (art. 1252.º, n.º 2, do CC).
Como registam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, estabelece-se uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa, salvo se não for o iniciador da posse (Código Civil Anotado, 2.ª edição, pág. 8).
Esta presunção, segundo Manuel Rodrigues, só pode ser ilidida pela demonstração de que os actos praticados são por natureza insusceptíveis de conduzir à posse, como seja aqueles que denomina como facultativos ou de mera tolerância (ibidem, pág. 195).
Na mesma senda, segue igualmente MOTA PINTO, afirmando que o exercício do corpus faz presumir a existência do animus (Direitos Reais, 1976, pág. 191).
Mais enfáticos são os defensores da concepção objectivista da posse, quando afirmam que, “havendo corpus, em princípio há posse, salvo quando o possuidor revele uma vontade segundo a qual ele age sem animus possidendi” (CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 4.ª edição, pág. 276, e PINTO DUARTE, Curso de Direitos Reais, 2002, pág. 271).
Para além da doutrina, também a jurisprudência se tem orientado na mesma direcção, destacando-se, entre outros arestos, o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 1996, segundo o qual “podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa” (BMJ, n.º 457, pág. 55), cuja doutrina se mantém, actualmente, como uniformização de jurisprudência (art. 732.º-A do CPC).
Por outro lado, não se vislumbram razões válidas para não se seguir a jurisprudência uniformizada.

Como emerge da respectiva matéria de facto, não se provou qualquer facto susceptível de ilidir a presunção prevista no n.º 2 do art. 1252.º do CC.
Aliás, percorrendo a contestação, não se encontram sequer factos alegados que, desde que provados, demonstrem ser os actos praticados, por natureza, insusceptíveis de conduzir à posse, com o sentido empregue no art. 1251.º do CC.
A situação de dúvida quanto à posse dos apelantes, ao contrário do sustentado pelos apelados, mantém-se. A prova negativa sobre certo facto, como se sabe, não equivale à prova da realidade contrária. Nesse caso, é como se não existisse para a economia dos autos. A circunstância de não se ter demonstrado a actuação “em nome próprio” (quesito 3.º) somente significa que o facto, não existindo no processo, não pode influenciar a decisão da causa. Gozando os apelantes da referida presunção, nem havia sequer necessidade de integrar tal matéria, para efeitos substantivos, no então questionário (art. 511.º, n.º 1, do CPC). Efectivamente, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350.º, n.º 1, do CC).
Assim, competia aos apelados alegar e demonstrar os factos susceptíveis de ilidir a presunção, nos termos do n.º 2 do art. 350.º do Código Civil, o que, como já se aludiu, não sucedeu.
Neste contexto, com efeito, encontrando-se reunidos nos autos os dois elementos caracterizadores do conceito de posse, não pode deixar de se reconhecer aos apelantes a posse sobre o prédio em causa, nomeadamente “desde finais de 1928”.
Por isso, inexistindo obstáculo legal, a usucapião produz efeitos, nomeadamente no sentido da aquisição do direito de propriedade sobre a totalidade do prédio rústico sito na freguesia de Canha.
O registo predial contrário não se sobrepõe à usucapião, não podendo, nesta situação, extrair-se qualquer consequência da invocada presunção de propriedade plasmada no art. 7.º do Código do Registo Predial.
Deste modo, procedendo integralmente a acção, a reconvenção deduzida pelos apelados improcede.

Com a procedência total da acção, não pode também subsistir a condenação dos apelantes como litigantes de má fé.
Na verdade, não ocorrem os pressupostos de facto e de direito, tal como eram previstos no art. 456.º, n.º s 1 e 2, do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, sendo certo ainda que, pela antiguidade dos autos, era exigível uma conduta de natureza dolosa.

2.5. Em conclusão:

1) Na impugnação da matéria de facto, a omissão da referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C do CPC, acarreta a rejeição do respectivo recurso.
2) Em caso de dúvida quanto ao preenchimento do elemento subjectivo da posse, presume-se este naquele que exerce o poder de facto, nos termos do art. 1252.º, n.º 2, do CC.
3) Q uem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
4) A presunção legal referida é ilidida pela prova de que os actos praticados são por natureza insusceptíveis de conduzir à posse.
5) Não sendo ilidida a presunção, é de reconhecer a posse a quem exerce o poder de facto sobre a coisa.
6) Assim, o direito de propriedade pode ser adquirido por usucapião, sobrepondo-se a registo predial contrário.
7) A responsabilidade por litigância de má fé, prevista no art. 456.º, n.º s 1 e 2, do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, exige uma conduta de natureza dolosa.

Nesta conformidade, obtendo a apelação provimento, é de revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a acção totalmente procedente e a reconvenção improcedente.

2.6. Os apelados, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em ambas as instâncias, de harmonia com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Conceder provimento à apelação, revogando a sentença recorrida, na parte respectiva, e, em consequência, declarar que os AA. são proprietários do prédio rústico, sito nas Taipadas e descrito, sob o n.º 00489/960109 (freguesia de Canha), na Conservatória do Registo Predial do Montijo, ordenando o cancelamento de registos contrários, e absolver os AA., também, do pedido reconvencional.
2) Condenar os RR. no pagamento das custas, em ambas as instâncias.
Lisboa, 8 de Novembro de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)