Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1378/11.6TVLSB.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: MANDATO JUDICIAL
OFENSA AO BOM NOME
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: No final das audiências de discussão e julgamento realizadas de acordo com o ritual processual definido no CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, incumbe ao respectivo Juiz do processo traduzir em texto escrito a factualidade que, de acordo com a sua livre e prudente apreciação, considerar que as partes conseguiram provar na audiência por ele presidida e não tecer conjecturas ou considerações que apenas se justificam no momento, que a esse é lógica e processualmente subsequente, em que, já na sentença, se opera a subsunção dos factos provados na extensão/compreensão lógica da previsão normativa reguladora do litígio - em suma, na fundamentação de direito do decreto judicial que dá solução ao conflito.

2. Saber se um determinado Ilustre Advogado ou Escritório de Advogados dispõe de uma determinada imagem pública, reputação e prestígio (ou bom nome) e bem assim se os mesmos foram ou não prejudicados por actos ou afirmações de outrem, são factos materiais e não conclusões.

3. No acordo negocial que se estabelece entre um Advogado e o Constituinte que contrata os seus serviços, o primeiro apenas está vinculado a prestar ao segundo uma obrigação de meios e não uma de resultado.

4. A parte sobre a qual recai o ónus probatório e devendo, em caso de dúvida, os factos em causa ser considerados como constitutivos do direito que esse litigante pretende ver reconhecido em Juízo, tem que demonstrar a verificação da factualidade controvertida em disputa para além de qualquer dúvida razoável, uma vez que à parte contrária apenas incumbe opor contraprova destinada a tornar esses factos duvidosos.

5. Não se verifica uma situação de “perda de chance”, também designada “perda de oportunidade”, quando o patrocinado na acção decide que não deve ser interposto recurso da sentença proferida em 1ª instância, quando a mesma é recorrível, e, mais tarde, não fornece ao seu Mandatário os elementos documentais exigidos pela parte contrária para iniciar negociações extrajudiciais destinadas a proceder à liquidação dos montantes que lhe são devidos por esta última.

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

*
1. JR intentou contra “…, SA” a presente acção declarativa com processo comum e forma ordinária que, sob o n.º …, correu termos pela ..ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de . e na qual a Ré deduziu reconvenção, tendo, depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, sido proferida a sentença de fls 308 a 330, cujo decreto judicial tem o seguinte teor:
“Face ao acima exposto, tudo ponderado de facto e de Direito, decide-se:

I. julgar o pedido formulado pelo autor JR parcialmente procedente e, nessa mesma medida, condenar a ré ., SOCIEDADE DE ADVOGADOS a pagar àquele o montante indemnizatório que em incidente de liquidação posterior a esta sentença se apure como sendo 75% (setenta e cinco por cento) do somatório das remunerações que eram devidas ao autor pela RT no período compreendido entre Julho de 1998 e 22 de Outubro de 2001, deduzido das quantias que correspondiam ao desconto de 1/3 (um terço) sobre a parcela remuneratória dessas retribuições (excluindo, assim, as “ajudas de custo”) a título de penhora judicial, até ao limite dos Euros 83.798,00 (oitenta e três mil setecentos e noventa e oito cêntimos) peticionados.

II. condenar a mesma ré no pagamento de juros de mora sobre o valor da indemnização que apure nos termos anteriormente referidos, à taxa de juro supletiva legal, desde a data da sentença que proceder à liquidação até integral e efectivo pagamento.

III. julgar improcedente, na restante parte, o pedido formulado pelo autor e do mesmo absolver a ré.

IV. julgar integralmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ré e do mesmo absolver o autor/reconvindo.

As custas do pedido ficarão a cargo do autor e da ré na proporção provisória de 25% para o primeiro e 75% para a segunda e as custas da reconvenção serão integralmente suportadas pela demandada, nos termos do artº 446º do Código de Processo Civil.
Notifique.
Registe” (sic - fls 329 a 330).

Inconformada com essa decisão, a Ré/reconvinte dela recorreu (fls 336), rematando as suas alegações com o pedido de que seja “…a sentença recorrida … revogada, e assim se determinando a total improcedência da acção, com a consequente absolvição da Ré da integralidade do pedido do A., e a procedência do pedido reconvencional da Ré, condenando-se o A. no mesmo, bem como nas custas, quer da acção, quer da reconvenção, e ainda como litigante de má fé em multa e indemnização a favor da Ré” (sic - fls 418), formulando, para tanto, as … conclusões que se estendem de fls 407 a 417 e nas quais, em síntese, a apelante invoca que:
(…)

O Autor apresentou contra-alegações (fls 425 a 432), nas quais pugna pela confirmação da decisão recorrida, formulando, no final dessa peça processual, as seguintes 7 sucintas conclusões:
(…)

Estes são, pois, os contornos da lide a dirimir.

2. Considerando as conclusões das alegações da ora apelante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso, impedindo esta Relação de conhecer outras matérias), as questões que nesta instância de recurso cumpre dirimir são, por ordem lógica e ontológica, as seguintes:

- pode ou não manter-se inalterada a resposta de «não provado» dada ao perguntado no número 1 da Base Instrutória?

- podia ou não o Juiz de julgamento considerar conclusivo o número 3 da Base Instrutória que foi inscrito nessa peça processual pelo Juiz que procedeu à selecção da matéria de facto, e, com esse fundamento, não responder ao que aí se perguntava?

- e, em caso negativo, qual o conteúdo dessa resposta ao perguntado no número 3 da Base Instrutória?

- na sentença recorrida, quer quanto à acção quer relativamente à reconvenção, procedeu-se ou não a uma correcta subsunção dos factos provados na previsão/estatuição das normas legais reguladoras aplicáveis à situação em causa e a uma correcta interpretação de tais normas?

- nos presentes autos, o Autor/apelado litigou ou não de má fé?

E sendo esta a matéria que compete julgar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas, tendo sido colhidos em tempo oportuno os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.

3.1. São os seguintes os factos declarados provados em 1ª instância:
(…)

3.2. Na Base Instrutória organizada em 1ª instância foi perguntado e respondido o seguinte:
1. A petição inicial parcialmente reproduzida na alínea c) foi redigida com a concordância do Autor?
Resposta: Não provado.
2. A Ré e os I. Advogados que a integram, ao tomarem conhecimento da petição inicial parcialmente reproduzida na alínea c) dos factos assentes, sentiram-se intensamente vexados e perturbados?
Resposta: Provado que a ré e os Srs. Advogados que a integram, ao tomarem conhecimento da petição inicial parcialmente reproduzida na alínea c) dos factos assentes se sentiram indignados.
2. A imagem de probidade, honestidade, zelo e pertinácia na defesa dos interesses que lhe são confiados que a Ré detém na comunidade ficou diminuída ao ser conhecido e divulgado o teor da petição inicial parcialmente reproduzida na alínea c) dos factos assentes?
Resposta: Não se responde por se tratar de questão conclusiva.

4. Discussão jurídica da causa.

4.1. Pode ou não manter-se inalterada a resposta de «não provado» dada ao perguntado no número 1 da Base Instrutória?

4.1.1. Ao iniciar a análise crítica do mérito do recurso intentado pela Ré contra a sentença proferida em 1ª instância, importa clarificar que, não obstante serem idênticos os dispositivos que dão corpo quer ao art.º 655º do CPC entretanto revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, quer ao n.º 5 do art.º 607º do Código aprovado por essa Lei Preambular, será a primeira dessas normas legais reguladoras que, por ser a que vigorava no momento em que foi elaborada a peça processual através da qual foram dadas as respostas ao perguntado na Base Instrutória (14/12/2012 - fls 302 a 305), servirá de fundamento ao julgamento que aqui e agora compete a este Tribunal Superior realizar.

E exercitando, nos termos permitidos por essa norma, o prudente arbítrio sobre os elementos de prova produzidos em Juízo, de entre os quais assumem um especial predomínio os depoimentos testemunhais prestados na audiência de discussão e julgamento por DB, arrolado pelo Autor, e AM, FF e MM, arroladas pela Ré (parcialmente transcritos, mas de forma fidedigna e deixando transparecer o efectivo conteúdo desses testemunhos, nas alegações de recurso da Ré, e que, por essa razão, aqui não se repetem - v. actas de fls 264 a 267 e 276 a 281), torna-se difícil acompanhar o argumentário exposto pelo Mmo Juiz a quo para motivar a sua resposta negativa ao perguntado no n.º 1 da Base Instrutória (v. fls 302 a 305, sendo que a parte dessa “Motivação” que respeita a este n.º 1 se estende por fls 303 a 305), especialmente quando a fls 304 está escrito que “… desse testemunho e do produzido por AM resulta ainda que o autor leu a petição inicial antes de a mesma dar entrada em Tribunal e nada objectou à mesma no que aqui releva” (sic - referindo-se a expressão “desse testemunho” ao depoimento de FF).

4.1.2. Na verdade, estando - como o próprio Mmo Juiz a quo aceita de um modo perfeitamente inequívoco - cabal e indubitavelmente demonstrada a verificação do facto material «o Autor leu o texto da petição inicial antes de a mesma ter sido apresentada no Tribunal competente e não apresentação por este de objecções - e já agora, também a não apresentação de propostas de alteração - ao texto desse articulado», não se compreende por que razão essa incontornável realidade não foi transposta para a resposta dada ao perguntado no n.º 1 da Base Instrutória.

Ou, para ser mais exacto, o que não se compreende, nem se aceita, são os argumentos esgrimidos nessa “Motivação” que pode ser lida a fls 303 a 305, na qual são tecidas considerações acerca das capacidades de compreensão do Autor (que é ou foi jornalista na RT) e, pior ainda, sobre matéria de facto que não foi inscrita na Base Instrutória - e não o foi porque não foi alegada por qualquer das partes nos seus articulados (e sem que os litigantes tenham sido convidados a aperfeiçoá-los) - e que, por essa singela razão, não foi submetida ao crivo da prova produzida através de um processo em que a parte contrária pode exercer o devido contraditório.

Ora, nessa parte do julgamento (de acordo com o ritual e os pressupostos processuais ínsitos no CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, mas não com os que foram inscritos no Código aprovado por essa Lei), o que incumbe ao Juiz do processo realizar é a tradução em texto escrito da factualidade que, de acordo com a sua prudente e livre apreciação, considerar que as partes conseguiram provar na audiência por ele presidida.

As conjecturas expostas a fls 303 a 305 poderiam justificar-se no momento em que se opera a subsunção dos factos provados na extensão/compreensão lógica da previsão normativa reguladora do litígio - em suma, na fundamentação de direito do decreto judicial que dá solução ao conflito.

Mas esse é um momento lógico e processual subsequente àquele em que então o Mmo Juiz a quo se encontrava.

4.1.3. Nesta conformidade, porque são parcialmente procedentes as conclusões 1ª (apenas na parte em que se pronuncia sobre a resposta criticada aqui sob escrutínio), 11ª a 14ª, 30ª (também apenas na parte em que se pronuncia sobre a resposta criticada aqui sob escrutínio), 48ª a 63ª (uma vez mais, apenas na parte em que se pronuncia sobre a resposta criticada aqui sob escrutínio) e 77ª das alegações de recurso da apelante, altera-se a resposta dada em1ª instância ao perguntado no n.º 1 da Base Instrutória, a qual passará a ser a seguinte: “Provado que, antes de a mesma ter dado entrada em Tribunal, o Autor leu o conteúdo da petição inicial que deu origem ao processo n.º … que correu termos na ..ª Secção do …º Juízo do Tribunal do Trabalho de …, e ao mesmo nada objectou nem formulou qualquer proposta de alteração”.

O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

4.2. Podia ou não o Juiz de julgamento considerar conclusivo o número 3 da Base Instrutória que foi inscrito nessa peça processual pelo Juiz que procedeu à selecção da matéria de facto, e, com esse fundamento, não responder ao que aí se perguntava?

4.2.1. Não existindo no CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, uma norma que tenha correspondência com o n.º 1 do art.º 511º do Código revogado por essa Lei Preambular, são ainda mais válidas do que as enunciada no ponto 4.1.1. supra as razões que justificam que o julgamento da questão jurídica acima identificada seja feito por referência a esse ora revogado normativo legal, pois de outro modo não estaria, de todo, a ser assegurado às partes em litígio o direito a um julgamento leal, não preconceituoso (fair and unbiased) e mediante processo equitativo, que a todos é garantido, com força obrigatória directa e geral (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República), pelos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República, 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa.

E, de igual modo, se não fosse esse o entendimento prosseguido por esta Relação, nem por sombras estaria a ser exercida, sendo que essa é uma das principais obrigações de todos os Juízes, seja qual for o Tribunal em que exercem funções, a devida tutela da confiança e da segurança jurídicas desses intervenientes processuais, as quais constituem um elemento estruturante primordial das Comunidades que se organizam segundo o modelo do Estado de Direito.

Contudo, apesar de outra não poder ser a opção deste Tribunal Superior, na interpretação do texto do n.º 1 do art.º 511º do CPC aplicável (“O juiz, ao fixar a base instrutória, seleciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”), nunca poderá ser olvidado que a mens legis actual inscrita no art.º 596º do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, procura superar essa dicotomia matéria de facto/matéria de direito com o objectivo muito louvável e meritório de que o Juiz do processo possa alcançar uma solução para o litígio que tenha efectivamente em conta os reais contornos da relação material controvertida, na sua plenitude, e sem que, por razões acima de tudo formais, seja deixada sem apreciação alguma questão jurídica relevante para essa proporcionada e equitativa (mas sempre legal) composição do conflito que divide as partes.

Acresce a tudo isto que, como já se aprendia na Roma da Antiguidade Clássica (ou seja, em séculos antes de Cristo) odiosa restringenda favorabilia amplianda - o que significa que “sendo a função constitucional dos Juízes administrar a Justiça em nome do Povo (n.º 1 do art.º 202º da Constituição da República), têm os mesmos que, dentro dos limites da Lei e obedecendo às regras previstas nos três números do art.º 9º do Código Civil – mas dando particular ênfase ao n.º 3 que faz apelo às “soluções mais acertadas” -, tudo fazer para dirimir/eliminar os conflitos que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus actos sempre no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/11/2009, proferido no Processo n.º 3417/08.9TVLSB.L1-1, in www.dgsi.pt/jtrl).

4.2.2. Ora, independentemente de saber se, em abstracto, o Juiz de julgamento pode ou não entender que o Juiz que procedeu à selecção da matéria de facto e organizou a Base Instrutória inseriu nessa peça processual matéria conclusiva, à luz dos critérios e argumentos enunciados no ponto 4.2.1. supra, é inegável que o texto da pergunta em análise (“A imagem de probidade, honestidade, zelo e pertinácia na defesa dos interesses que lhe são confiados que a Ré detém na comunidade ficou diminuída ao ser conhecido e divulgado o teor da petição inicial parcialmente reproduzida na alínea c) dos factos assentes?”) corporiza uma materialidade que é sobremaneira relevante para o destino do pedido formulado em reconvenção pela Ré contra o Autor.

Na verdade, aquilatar se um determinado Ilustre Advogado ou Escritório de Advogados dispõe de uma determinada imagem pública, reputação e prestígio (ou bom nome) é, sem margem para qualquer dúvida, um facto material e não uma conclusão.

Tal como o é apurar se essa imagem, reputação, prestígio e bom nome foram afectados – no sentido de prejudicados - directa ou indirectamente pelos actos ou palavras do apontado autor da lesão.

Por outro lado, todas as palavras inscritas nesse concreto texto têm, cada uma delas (probidade, honestidade, zelo, pertinácia, diminuída, conhecido, divulgado), um claro e inequívoco significado não apenas puramente etimológico mas também na linguagem do dia-a-dia dos membros da Comunidade e que é facilmente percepcionado e compreendido pelas pessoas comuns, que nem sequer apenas por essa ficção normativa que constitui o modelo/padrão aferidor dos comportamentos de todos aqueles que interagem no comércio jurídico que é conhecido pela designação legal de normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art.º 236º do Código Civil).

Daí que seja impossível a este Tribunal Superior sufragar a até lacónica afirmação - que o é, pois que não pode ser qualificada como argumentação - escrita pelo Mmo Juiz a quo a fls 305: “Finalizando, importa apenas registar que a questão colocada sob o artº 3º que pergunta no essencial se a imagem da ré na comunidade ficou diminuída em consequência do conhecimento desta acção, caracterizando essa imagem com vários atributos, se afigura, com o devido respeito, totalmente eivada de juízos conclusivos, pelo que não merece resposta nesta sede.” (sic - sem que, o que vincadamente se sublinha, outra justificação tenha sido apresentada para essa decisão de não responder a essa pergunta da Base Instrutória).

Uma última questão.

É certo que outros factos instrumentais poderiam ter sido inscritos na Base Instrutória mas, face ao que foi já carreado para os autos, seria neste momento totalmente desproporcionado e injustificado - e, sem dúvida alguma, profundamente desleal -, anular parcialmente a audiência de discussão e julgamento e declarar sem efeito a sentença já lavrada no processo, só para determinar a ampliação da matéria de facto a ser submetida ao crivo da prova.

E porque assim é - e é-o efectivamente porque os elementos disponíveis permitem um leal e não preconceituoso julgamento do pleito -, não pode ser aqui sufragada a posição assumida pelo Mmo Juiz a quo a propósito da questão jurídica que agora se sindica, e, bem pelo contrário, impõe-se a esta Relação repudiá-la e substituí-la pela inversa, como é pedido nesta sede de apelação.

4.2.3. Nesta conformidade, porque são procedentes as conclusões 3ª, 31ª, 33ª a 37ª e 77ª (apenas na parte em que se pronuncia sobre a resposta criticada aqui sob escrutínio) das alegações de recurso da apelante, declara-se que o texto da pergunta formulada sob o n.º 3 da Base Instrutória corresponde a alegação que contém matéria de facto susceptível de ser objecto de produção de prova e, como tal, merecedora de poder ser respondida como qualquer outra pergunta admissível, como esta é, nos termos previstos, à data da elaboração daquela peça processual, no art.º 511º do CPC entretanto revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho.

O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

4.3. E, em caso negativo, qual o conteúdo dessa resposta ao perguntado no número 3 da Base Instrutória?

4.3.1. Determinado que está que é não só possível mas obrigatório responder ao perguntado no n.º 3 da Base Instrutória organizada neste processo, cumpre fazê-lo, sendo certo que, também quanto a esta matéria, valem aqui expressis verbis as considerações expendidas no ponto 4.1.1. do presente acórdão.

Desta vez, os depoimentos relevantes são os prestados pelas testemunhas JS (sendo evidente, perante a audição da gravação da audiência de discussão e julgamento, que foi cometido a fls 276 o lapso de escrita denunciado pela Ré - esta testemunha foi ouvida à matéria dos números 2 e 3 da Base Instrutória), DB e JM, todas arroladas pela Ré e todos amigos pessoais do name partner da mesma, o Ilustre Advogado Dr. AP, sendo certo que os vários documentos juntos aos autos não são de grande utilidade (de facto, bem pouca ou nenhuma) na busca da verdade que permita formular a devida resposta ao perguntado no n.º 3 da Base Instrutória organizada no presente processo.

Procedendo ao escrutínio desses testemunhos, importa, desde logo, recordar que, como resulta do concreto texto do art.º 346º do Código Civil, aquele que tem o ónus de provar a verificação de um dado facto tem a obrigação de fazer essa prova para além de qualquer dúvida razoável, pois à sua contraparte basta “opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos”. 

4.3.2. Ora, porque assim é, o que resulta da prova produzida em audiência, em particular desses depoimentos testemunhais, é que não só não está inequivocamente que as imputações de cumprimento defeituoso do mandato forense feitas pelo Autor à Ré tornaram do conhecimento público como nem, muito menos, que essas afirmações beliscaram a imagem de probidade, honestidade, zelo e pertinácia na defesa dos interesses que lhe são confiados que a Ré detém na comunidade, reputação essa que permaneceu intacta.

O que também pode ser afirmado quanto ao name partner da mesma, o Ilustre Advogado Dr. AP.

Na verdade, quanto muito, de acordo com os testemunhos, respectivamente, de DB e de JM, algumas informações vagas e rumores tornaram-se conhecidos no seio do partido político em que o Dr. GP milita - o …, que até terá procurado actuar no sentido de proteger, acima de tudo, o bom nome daquele - que, sublinha-se, não é parte neste processo - e não exactamente o da Ré -, e do “ST- Sindicato dos Trabalhadores de Empresas do Grupo da C”), mas sem que possa ser afirmado com o antes referido necessário grau de certeza que mesmo esses rumores tenham sido divulgados pelo Autor; de facto, alguém dizer que “numa altura, no norte do país, mais propriamente, começaram a vir algumas pessoas ligadas ao partido a dizer que … epá, era preciso termos, haver algum cuidado, … perceber o que é que se estava a passar porque parece que o Sr. JR andava a levantar … algumas questões … contra o GP”, por se tratar de um claro testemunho de ouvir dizer, (testemunho indirecto) não é suficiente para comprovar que o facto, aqui o comportamento do Autor, ocorreu realmente mas tão só que no seio de um determinado grupo de pessoas essa afirmação era dada como parecendo ser certa (repare-se que o depoente DB apenas afirma que algumas pessoas ligadas ao partido lhe disseram que parece que o Sr. JR andava a levantar … algumas questões … contra o GP, sem, elas próprias afirmarem que tinham a certeza da veracidade desse facto).

Acresce a tudo isto que nem sequer foi alegado e muito menos provado, que a Ré tenha sofrido uma efectiva diminuição da sua clientela após a instauração da presente acção (ou, em geral, como consequência directa e necessária dos actos e das palavras do Autor), o que, isso sim, poderia eventualmente ser um não negligenciável elemento indiciário dessa quebra de prestígio.

No que é verdadeiramente essencial, a situação foi percepcionada pelos próprios depoentes como uma actuação malévola ou mal-intencionada por parte do Autor, da qual tiveram conhecimento primordialmente por pessoas dessa sociedade Ré, e não tinha idoneidade para afectar o bom nome dessa sociedade (isto considerando, o que não é totalmente líquido mas se aceita como um argumento válido, que o bom nome da Ré está indissoluvelmente ligado ao bom nome do seu name partner, o Ilustre Advogado Dr. AP).

E neste número da Base Instrutória, como não podia deixar de ser face às exacta causa de pedir da reconvenção, não está em causa aquilatar do carácter ofensivo (ou não) das imputações feitas à Ré pelo Autor ou ainda se os Ilustres Advogados que exercem funções nessa sociedade ficaram ou não magoados e/ou ofendidos com essas afirmações ou com a injustiça inerente às mesmas face aos concretos resultados alcançados na acção laboral que correspondeu ao processo n.º … que correu termos na 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa.

4.3.3. Nesta conformidade, porque, apesar de serem procedentes as conclusões indicadas no ponto 4.2.3. supra, são, no que é essencial, improcedentes as conclusões 38ª, 39ª, 42ª a 47ª e 79ª das alegações de recurso dos Réus apelantes, responde-se “Não provado” ao perguntado no n.º 3 da Base Instrutória.

O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

4.4. Na sentença recorrida, quer quanto à acção quer relativamente à reconvenção, procedeu-se ou não a uma correcta subsunção dos factos provados na previsão/estatuição das normas legais reguladoras aplicáveis à situação em causa e a uma correcta interpretação de tais normas?

4.4.1. Estando estabilizada a matéria de facto que pode servir de fundamento ao julgamento do presente pleito – quer no que tange à acção quer à reconvenção, importa começar por recordar quais são os exactos pedidos formulados pelas partes em litígio no presente processo, respectivamente, na petição inicial e na contestação/reconvenção.

Assim, no que respeita ao Autor, pede o mesmo que a demandada seja “… condenada no pagamento do montante de € 83 798,00, a título de indemnização por cometimento de acto ilícito … no pagamento de todos os valores a título de juros incidentes sobre o montante referido, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento … (e) ainda … no pagamento de todas as custas resultantes do presente procedimento, nomeadamente as custas de parte, custas processuais e condigna procuradoria” (sic - fls 6).

Quanto à Ré, a mesma requer que, por “violação de um bem jurídico essencial, com tutela inclusive constitucional, como é o direito ao bom nome e crédito público, de que a R. é legitimamente credora” seja “… o A. condenado a pagar ao R. reconvinte o montante de 30.000,00 €, a título de indemnização, acrescido de juros de mora, à taxa legal, calculado sobre tal montante … desde a data da notificação do pedido reconvencional até integral pagamento” (sic - fls 34 e 36, respectivamente).

E pede também que o Autor seja condenado no pagamento das custas da acção (e, claro, da reconvenção) e também “como litigante de má fé em multa e indemnização (que não quantifica - fls 36).

Da matéria da litigância de má-fé se curará adiante.

Fiquemo-nos, por enquanto, pelo que demais foi peticionado por ambas as partes, começando pelo petitório da acção.

4.4.2. Para o Autor, a Ré cometeu um erro na elaboração da petição inicial da acção que foi intentada contra a “RT, SA” que, sob o n.º …, correu termos pela … Secção do ..º Juízo do Tribunal do Trabalho de .., pois, embora constasse do corpo desse articulado a alegação de que ele não recebia a remuneração desde Julho de 1998, dessa peça processual não constava o pedido de condenação dessa empresa no pagamento de tais valores, razão pela qual, apesar de essa factualidade ter sido julgada provada, a sentença não condenou a empregadora nesses montantes, motivo pelo qual, invoca esse demandante e ora apelado, e em consequência desse erro, deixou o mesmo de receber a quantia de € 83.798,00, correspondente a 40 meses de trabalho prestado e não recebido, devendo a demandada ora apelante ser responsabilizada por esse dano.

E, no Tribunal de 1ª instância, no qual se afirma que “…Sendo a relação entre o advogado e o cliente a contratual emergente do mandato acima caracterizado, a mesma é permeada, não obstante, pelas normas e princípios de ordem pública que regem a actividade do advogado enquanto “servidor da justiça e do direito” [artº 76º, nº 1 do EOA].

Pela razão de que se trata, antes de mais, de uma função social de interesse público, ao advogado estão cometidos deveres não só para com os clientes, os seus pares e os magistrados, mas também perante a própria comunidade …” (sic), essa pretensão obteve parcial ganho de causa.

Isto, apesar de aí se ter reconhecido que a prestação a que um qualquer Ilustre Advogado está vinculado quando celebra um contrato com um qualquer cliente se consubstancia num “… dever que reflecte, como é comummente aceite pela doutrina e jurisprudência, a particular natureza da obrigação do advogado, que é uma obrigação de meios, e não, uma obrigação de resultado.” (sic) e bem assim “… que não seja a perda da demanda ou a falta da satisfação integral da pretensão de tutela jurídica do cliente que importem a constituição do advogado na obrigação de indemnizar, mas antes, a falta da diligência que ao advogado é exigível na condução da actividade tendente a alcançar o melhor resultado para essa mesma pretensão …” e que “… como ensina Antunes Varela, «… nas obrigações chamadas de meios não bastará, neste aspecto, a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão» [Das Obrigações em Geral, vol. II, pág. 97, itálico nosso].” (sic).

Nestas circunstâncias, porque o fundamento da condenação da Ré é outro que não o simples entendimento de que o Mandatário está vinculado à obtenção de um determinado resultado e porque, ao não recorrer da sentença aqui sob escrutínio, o Autor se conformou (como não podia deixar de ser perante a evidência dessa insofismável realidade), não se mostra necessário, porque inútil, por dilatório e impertinente, tecer qualquer outra argumentação justificativa dessa tão patente e evidente conclusão, sendo certo que não pode ser olvidado que praticar actos inúteis constitui uma actividade proibida e punível por Lei - artºs 660º n.º 2, 137º e 265º do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e 608º n.º 2, 130º e 6º do Código aprovado por essa Lei Preambular - e que, no mesmo sentido simplificador, aponta também o Princípio ou Lei da Parcimónia (Lex Parsimoniae ), princípio lógico atribuído ao frade franciscano inglês William de Ockham, que viveu no século XIV, e que, por essa razão, é igualmente conhecido como Navalha de Ockham e que é enunciado nos seguintes termos: "entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem" (as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade), sendo aqui essas “entidades” os passos lógicos entre a constatação dos factos e a sua subsunção nos normativos legais reguladores da situação em análise.

4.4.3. Não obstante, porque, pese embora na sentença recorrida esteja escrito que “Dir-se-á que esse lapso não ocorre quando, como já sucedia à data no direito adjectivo laboral, a lei prevê o dever de o tribunal condenar além do pedido e em objecto diverso do peticionado.” (sic), decorre do argumentário esgrimido pelo Mmo Juiz a quo que o lapso apontado pelo Autor (não formulação do pedido de condenação da “RT, SA” no pagamento do não recebido montante correspondente a 40 meses de trabalho prestado) foi efectivamente cometido pela Ré, importa não deixar passar em claro que é perfeitamente legítimo entender que, nessa matéria, a mora era unicamente do credor (o Autor) e não da sua entidade empregadora (artºs 813º a 815º do Código Civil), pois não é de todo claro que fosse procedente a pretensão do ora apelado no que concerne ao montante de referência para efeito de cálculo do valor a penhorar no âmbito da acção executiva em que este último era o executado.

E, nessas circunstâncias, seria completamente inusitado pedir ao Tribunal que condenasse a “RT, SA” a pagar uma quantia cujo pagamento nunca se negou a fazer, pois desse facto, no mínimo, resultaria que o Autor seria condenado no pagamento das correspondentes custas processuais (artºs 446º n.º 1 e 449º nºs 1 e 2 a) do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e 527º n.º 1 e 535º nºs 1 e 2 a) do Código aprovado por essa Lei Preambular).

Claramente, não é essa a opinião do Mmo Juiz a quo que, a esse propósito, afirma o seguinte:

“Na petição inicial que impulsionou essa demanda, a ré começou por enunciar os factos que no entender do seu constituinte configuravam uma relação jurídica de trabalho subordinado (que não a prestação de serviços para que apontavam os acordos escritos celebrados entre o autor e a RT), o que fez nos artºs 1º a 29º. Seguidamente, a mesma alegou que no âmbito dessa relação, desde Julho de 1998, o autor se havia recusado a receber a remuneração que lhe era paga pelo seu trabalho e que o fizera porquanto a empregadora, no seu entender indevidamente, executara uma ordem judicial de penhora sobre todas as quantias que lhe eram devidas, incluindo as que tinham por finalidade reembolsá-lo de despesas incorridas na actividade laboral (vulgo, ajudas de custo) [nº 3 da factualidade supra]. A petição inicial prosseguiu concluindo que essa actuação da empregadora era ilícita e que tinha subjacente a intenção de levar o autor a reconhecer a existência de um vínculo de prestação de serviços, afirmando, ainda, que por causa da mesma, desde Julho de 1998, aquele não recebia qualquer remuneração.

Pese embora a articulação desses factos fizesse prever a formulação de um pedido de condenação da RT no pagamento das remunerações vencidas desde Julho de 1998 e que o autor não recebera, nenhuma pretensão foi formulada a esse propósito.

De facto, a formulação do pedido, decomposta em várias alíneas, contém o pedido correspondente à qualificação da relação com a RT como um contrato individual de trabalho, a condenação daquela nas remunerações devidas desde o despedimento e a sentença (salários intercalares), a condenação na reintegração do autor na empresa ou na indemnização sucedânea por despedimento ilícito, a condenação no pagamento dos subsídios de férias e de Natal devidos durante a execução do contrato, a condenação da RT numa compensação por danos não patrimoniais e em juros de mora.

Contrariamente ao que perspectivava com a alegação daqueles factos e é próprio do silogismo que preside à elaboração da petição inicial da acção - em que cada facto ou conjunto de factos serve de premissa que se destina a ingressar numa norma ou conjunto de normas, por forma a obter um efeito jurídico, um direito do demandante – nenhum pedido de condenação da ré RT nas remunerações vencidas desde Julho de 1998 foi formulado.

O processo judicial prosseguiu, aquela factualidade foi levada à base instrutória da causa e foi efectivamente julgada provada [nºs 4 e 6 da fundamentação supra].

Seguiu-se a sentença que reconheceu que a relação contratual entre o autor e a RT tinha por causa um contrato individual de trabalho e que condenou esta no pagamento de várias prestações próprias da execução e extinção desse vínculo jurídico, mas não no pagamento das remunerações vencidas desde Julho de 1998 [nº 6 idem].

Da referida sentença foi interposto recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, apenas pela RT, tendo o tribunal alterado uma parte das condenações (a relativa aos salários intercalares entre o despedimento e a data da sentença).

Aqui chegados, questiona-se se a ré, ao omitir a formulação do pedido de condenação da RT no pagamento das remunerações vencidas desde Julho de 1998, incumpriu a obrigação de meios que é própria do contrato de mandato forense celebrado com o autor, ou seja, se não actuou com o zelo, dedicação e cuidado a que estava obrigada na actividade tendente à satisfação dos direitos do mandante, seu cliente.

Tem-se como certo que o dever de diligência que para os advogados se desprende do mandato não é o que se retira do padrão de conduta do homem médio a que se refere o artº 487º, nº 2 do Código Civil e que o nº 2 do artº 799º do mesmo código manda aplicar à responsabilidade contratual.

Esse dever é especialmente qualificado e exigente, é o dever de um profissional com elevada preparação intelectual, actualizado e experiente. É o dever que se exige da pessoa a que se confia uma parte da vida pessoal, da pessoa a que está cometida a função nobre, mas particularmente difícil, de escolher a forma de pedir em Tribunal a tutela jurídica de que é merecedor o cliente e de actuar em Juízo buscando, pelos meios que a lei faculta e em litígio permanente com a contraparte, essa mesma tutela.

Tendo por bom esse critério particularmente exigente de cumprimento da obrigação de meios a que o advogado está adstrito, a omissão de formulação de um pedido que precipitasse aquela parte da factualidade articulada e que permitisse a que fosse apreciado o direito do autor às remunerações vencidas desde Julho de 1998, constituiu um erro, um lapso profissional, um incumprimento do mandato.

Dir-se-á que esse lapso não ocorre quando, como já sucedia à data no direito adjectivo laboral, a lei prevê o dever de o tribunal condenar além do pedido e em objecto diverso do peticionado.

Com efeito, o Código de Processo do Trabalho então aplicável (emergente do Decreto-Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro) previa expressamente no respectivo artº 69º que “o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artº 514º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”.

Ainda que a condenação “extra vel ultra petitum” pudesse prefigurar-se na situação em presença, o correspondente dever do tribunal não eximia o advogado diligente e cauteloso de formular um pedido que o tribunal devesse apreciar. Tratava-se de uma precaução elementar, idónea a prevenir entendimento diverso do tribunal que arredasse, pura e simplesmente, a pretensão do cliente da discussão jurídica da sentença.

Por outro lado, como já era então jurisprudência constante dos tribunais superiores, findo o contrato de trabalho, o direito de crédito a salários vencidos na sua execução não é um direito indisponível que se encontre ao abrigo daquela previsão excepcional do processo laboral …

A ré, contrariamente ao que era seu ónus, nada demonstrou que permitisse justificar a omissão acima detectada, nomeadamente, como se pode prefigurar no plano das meras hipóteses, uma estratégia de defesa do interesse do autor que passasse por não peticionar aquele crédito na acção judicial.

Vê-se assim que a ré omitiu o dever de cuidado e de diligência a que estava adstrita e que o fez com a culpa que a lei presume no citado artº 799º, nº 1 do Código Civil.

O incumprimento culposo do contrato constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor pelos danos que tenham nesse incumprimento a sua causa adequada [artºs 798º e 563º do Código Civil].

O critério consagrado pelo legislador é, pois, o da causalidade adequada, que se exprime na seguinte proposição normativa: “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” [artº 563º do Código Civil] …” (sic).

4.4.4. Com todo o respeito que é devido às opiniões contrárias, este raciocínio padece de um vício lógico designado por petição de princípio, que, apesar desta denominação resultar da expressão latina petitio principii, já se encontra definido no estudo e nos textos dos filósofos da Grécia Antiga, designadamente Aristóteles (in “Refutação dos Sofistas” ou “Refutações Sofísticas”, que constitui um apêndice da parte do “Organon” que se chama “Tópicos e Elencos Sofísticos”) como sendo aquela falácia em que, pese embora a conclusão derive inequivocamente das premissas, essa derivação só é possível porque a conclusão é, ela mesma, pressuposta nas premissas).

Na verdade, a questão fundamental que importaria discutir é a de saber se era ao Autor que, antes de tudo o mais, competia provar que o lapso foi cometido, ou, ao invés, que era a Ré que competia provar que não havia cometido qualquer lapso.

Como se de uma acção de honorários se tratasse (mas aí os Autores são os Advogados que têm de justificar o pedido de pagamento da contraprestação pela actividade que prestaram que formulam.

E, face ao exacto texto dos nºs 1 e 2 do art.º 342º do Código Civil causa algum espanto que se afirme tão peremptoriamente que existiu mesmo esse lapso e que era sobre a Ré que recaía o ónus de justificar a omissão detectada.

Na sua singela petição inicial apresentada nestes autos, o Autor limita-se a argumentar que a Ré no articulado inicial da acção laboral identificada nos pontos 3.1.2. e 4.4.2. do presente acórdão não formulou o pedido de condenação da aí Ré “RT, SA” no pagamento do não recebido montante global correspondente a 40 meses de trabalho prestado por ele trabalhador da empresa e que, por via dessa omissão, deixou de receber esse valor.

Na sua contestação, a Ré (e, o que vincadamente se sublinha, foi essa sociedade e não o Autor quem juntou aos autos uma cópia integral da petição inicial da acção laboral intentada contra a “RT, SA”) nega a verificação do lapso que lhe foi imputado.

E como resulta inequivocamente do texto da sentença recorrida que acima se transcreveu, o que fundamentalmente pesou na decisão do Mmo Juiz a quo foi a circunstância de na petição inicial da acção laboral em referência a Ré, através do Ilustre Advogado que subscreve essa peça processual, ter escrito o seguinte:
“39º
A partir de Junho de 1998, porque a Ré – perante uma ordem judicial que ordenou se procedesse à penhora de 1/3 do vencimento do A. – se permitiu calcular esse 1/3 em relação ao montante global de todas as quantias pagas ao trabalhador, máxime as liquidadas a título de abonos ou ajudas de custo, e exactamente por considerar tal actuação da Ré em absoluto ilegítima (já que esses montantes não são retribuições, mas antes a cobertura de despesas já suportadas pelo trabalhador), o A. recusou-se a receber a errada parcela da sua remuneração que a R. lhe pretendia impor.
62º
Pelas razões já apontadas – e nomeadamente as circunstâncias de a R. pretender efectuar ilegalmente a penhora de montantes que não constituem remuneração e também de pretender levar o A. a aceitar implicitamente a qualificação de prestação de serviços – o A. não recebe qualquer remuneração desde Julho de 1998.”.

Destes dois trechos, retira o Mmo Juiz a quo a conclusão que foi afirmada nesse Tribunal do Trabalho a legitimidade da recusa do recebimento das remunerações por parte do aí (como aqui) Autor e que, por essa razão (e por não existir mora do credor), tinha necessariamente de ser, nessa acção, formulado o pedido de condenação da “RT, SA” no pagamento dos não recebidos vencimentos correspondentes a 40 meses de trabalho prestado pelo ora apelado a essa sua entidade patronal.

Esta subsunção dos factos é realmente plausível (ou seja, possível), mas, sem o deixar totalmente de ser, torna-se menos certa e consistente se se atender à circunstância de estar igualmente provado neste processo que “… antes de a mesma ter dado entrada em Tribunal, o Autor leu o conteúdo da petição inicial que deu origem ao processo n.º … que correu termos na ..ª Secção do …º Juízo do Tribunal do Trabalho de .., e ao mesmo nada objectou nem formulou qualquer proposta de alteração” (resposta ao n.º 1 da Base Instrutória, como decretado no ponto 4.1. do presente acórdão).

Aliás e em boa verdade, porque as palavras têm um significado etimológico que as pessoas com habilitações literárias superiores não podem de todo ignorar (ou melhor, é absolutamente exigível a essas pessoas que o não ignorem), no artigo 39º antes transcrito apenas se afirma que o Autor se recusou a receber os quantitativos que a sua empregadora que lhe queria entregar por considerar que a actuação dessa empresa era em absoluto ilegítima e não que tal conduta era realmente ilegítima.

Todavia, mais importante que esse pormenor (que, contudo, poderia ser útil para interpretar a expressão, essa sim mais afirmativa, «a R. pretender efectuar ilegalmente a penhora de montantes que não constituem remuneração» contida no artigo da peça), é a definição do alcance e significado dessa manifestação de vontade do ora apelado consubstanciada nessa não objecção ou formulação de sugestões de alteração perante o texto do articulado que aqui e agora se escalpeliza.

E a postura do ora recorrido nesta acção declarativa perante a alegação da ora apelante não foi, de todo, satisfatória no que tange à justificação dessa sua conduta.

E a factualidade considerada provada é, a esse respeito, ainda menos esclarecedora - sendo certo, como nunca será demais recordar, que só essa materialidade pode servir de fundamento à decisão do pleito.

4.4.5. Perante esta dúvida, o Mmo Juiz a quo, no seguimento das considerações que expendeu na motivação da sua resposta de “não provado” ao perguntado no n.º 1 da Base Instrutória acerca da capacidade do Autor para compreender o conteúdo e o significado do texto da petição inicial da acção laboral intentada contra a “RT, SA”, entendeu que cabia à Ré justificar a não formulação do pedido.

Não é essa a posição deste Tribunal Superior.

Efectivamente, perante a matéria de facto que resultou provada nestes autos, são bem mais do que razoáveis as dúvidas que se suscitam a propósito da formulação daquela peça processual: pode ter existido um lapso do Ilustre Advogado que a elaborou, mas também não pode ser descartada a possibilidade de esse texto ser o resultado de uma estratégia estabelecida pelo Patrocinado e/ou acordada e aceite por este.

E nestas circunstâncias, para além do estatuído no n.º 1 do art.º 342º do Código Civil (“Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”), que, por si só, já inculcaria a conclusão que, na presente acção, era sobre o Autor que recaía o ónus probatório relativamente à matéria em análise, rege sobremaneira a estatuição do n.º 3 desse mesmo normativo, no qual o Legislador determina – e muito bem - que “Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”.

Ou seja, face ao que foi alegado pelo aqui Autor e à contestação produzida pela Ré, não existem nestes autos elementos de facto provados que permitam concluir com a necessária e exigível certeza que a Ré cometeu um lapso ao não formular esse pedido de condenação já abundantemente identificado.

E, insiste-se, era ao Autor que competia fazer a prova, e fazê-la para além de qualquer dúvida razoável (artºs 341º, 342º nºs 1 e 3, e 346º do Código Civil), de que, por ser fundamentada essa sua recusa de recebimento das quantias que a sua empregadora lhe quis, durante todo esse tempo, entregar, o pedido condenatório em causa tinha mesmo de ser formulado na acção laboral em questão e que isso não aconteceu por incúria da Ré.

Ora, não tendo o Autor feito essa prova - como manifestamente não fez -, essa singela razão seria, por si só, bastante para julgar improcedente a acção e absolver a Ré do pedido e assim o decretar desde já; mais, face ao estatuído tanto no n.º 2 do art.º 660º do CPC revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, como no n.º 2 do art.º 608º do Código aprovado por essa Lei Preambular, podia até este Tribunal Superior entender-se dispensado de exercer pronúncia quanto às demais questões jurídicas decorrentes da argumentação usada em 1ª instância para justificar a condenação da Ré aí decretada.

Contudo, a prudência e o desígnio de evitar às partes os incómodos decorrentes de uma nunca impossível anulação do presente acórdão por omissão de pronúncia, levam a concluir pela utilidade, quiçá necessidade, de prosseguir a análise crítica da fundamentação em matéria de direito do julgamento proferido no Tribunal recorrido.

E assim se fará.

4.4.6. Retomando, então, o escrutínio da sentença criticada pela Ré, cumpre neste momento referir que a condenação decretada em 1ª instância, para além dos enunciados no ponto 4.4.3. supra, se estribou também nos seguintes fundamentos:

“Pergunta-se então se é possível afirmar que não fora a conduta omissiva da ré ao não peticionar a condenação da RT no pagamento das referidas remunerações, o autor teria visto julgada procedente também essa pretensão.

A resposta é, afigura-se, negativa, por força da impossibilidade de determinar, com aquela certeza, qual o entendimento ou a solução jurídica que seriam dados pelo tribunal no caso concreto.

Poder-se-á efectivamente, no caso concreto, concluir que a matéria provada na sentença teria importado, em subsunção jurídica, a pretendida condenação da ré na acção laboral?

Afigura-se que não, pelas razões expostas.

Dir-se-á que estando-se perante uma questão de direito – uma tarefa de subsunção dos factos provados ao direito então aplicável – deverá este tribunal resolvê-la e dar, ele mesmo, a solução jurídica que o Tribunal do Trabalho não teve a oportunidade de proporcionar na acção laboral.

Se assim fosse, pensa-se, este tribunal não estaria a resolver o problema de causalidade adequada, estaria a fazer o julgamento do que, no seu entender, deveria ter ocorrido na acção laboral.

Ora, o que releva para a adequação causal do dano à conduta lesiva não é o julgamento que hoje e aqui se fizesse da pretensão do autor, mas aquele que o Tribunal do Trabalho de Lisboa teria feito se o pedido de condenação tivesse sido formulado.

Não é essa, pois, a abordagem correcta da questão do nexo causal.

A mesma é, segundo se julga, aquela que a jurisprudência dos nossos tribunais vem propugnando para situações similares, a saber, a indemnização do dano de perda de oportunidade ou “perda de chance”.

Nessa abordagem, tutela-se o chamado “dano avançado” ou seja o dano que se traduz na perda de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um dano.

Lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2013 «(…) o ordenamento jurídico-civil nacional tutela o dano conhecido pela “perda de chance” ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a “chance” de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, com a omissão da ré, que privou o autor da “chance” de obter um resultado favorável, isto é, de conseguir a condenação do réu na acção de indemnização» [idem].

Revertendo esse ensinamento para o caso concreto, pode afirmar-se, agora com certeza, que a omissão da ré privou o autor de ver discutida, apreciada e decidida a pretensão de condenação da ré na acção laboral intentada, causando-lhe desse modo um dano correspondente à postergação dessa mesma oportunidade.

Provou-se, ainda, que após o trânsito em julgado da sentença laboral o autor sugeriu a inclusão dos montantes de remuneração em causa nas negociações então havidas com a RT para liquidação da condenação laboral e que essas negociações ficaram comprometidas porquanto o mesmo não entregou à ré os documentos que comprovavam os salários que obtivera desde o despedimento e a data daquela condenação [nºs 9 e 10 da factualidade provada].

Dessa factualidade pretende a ré extrair a sua irresponsabilidade pelos danos causados ao autor, mas é claro que ante a natureza do dano que efectivamente se tem como verificado – o dano da perda de oportunidade de haver uma condenação, isto é, um comando de pagamento susceptível de execução coerciva - essa factualidade é, salvo melhor juízo, totalmente inócua.

Cumprindo fixar o “quantum” desse dano, é bom de ver que o recurso à equidade, conforme previsto no artº 566º, nº 3 do Código Civil, é inevitável.

Voltamos ao encontro das doutas considerações do aresto acabado de citar «o dano da “perda de chance” deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização» [idem].

É comum nos arestos dos tribunais superiores que o dano de perda de oportunidade quando verificado em acções judiciais, como é o caso, seja avaliado em 50% da pretensão do lesado, pois que, como é sabido, quando se intenta uma acção judicial ou se exerce na mesma o direito de defesa, existe, por princípio, metade das hipóteses de ver a respectiva posição processual sufragada pelo tribunal.

Essa asserção é particularmente válida quando o acto que se pratica ou se omite, o ilícito contratual, está antes da produção de prova, v.g quando se omite a dedução da contestação ou a apresentação do rol de testemunhas.

Crê-se que na situação vertente a solução deverá ser distinta.

Com efeito, no caso em presença, os factos que sustentavam a pretensão do autor (vertidos nos nºs 32 e 33 da sentença da acção laboral) foram julgados provados, o que confere à pretensão que seria a do autor uma maior probabilidade de sucesso do que a que normalmente é reservada às posições processuais que não atingem sequer a fase da produção de prova.

Assim, se no julgamento de uma acção existe a álea própria da produção de prova em ambiente contraditório e do julgamento da matéria de facto de acordo com a prova produzida e a livre apreciação do julgador e, de outro lado, a incerteza específica criada pelas várias concepções sobre a questão de direito, no caso vertente, a primeira inexiste, uma vez que, como se disse, os factos que eram susceptíveis de fundamentar a condenação visada pelo autor foram efectivamente dados como provados.

Nessa medida, julga-se que uma adequada fixação do “quantum” indemnizatório de acordo com a probabilidade de um desfecho da acção favorável ao demandante, deve passar pela atribuição àquele, não dos 50% do pedido que deveria ter sido formulado, mas de uma percentagem superior, equivalente a 75%.

Posto que não dispomos das remunerações que eram devidas ao autor desde Julho de 1998 até à data do seu despedimento (ocorrido em 22 de Outubro de 2001, cfr. sentença laboral, na folha 187) o montante da indemnização terá que ser liquidado em incidente posterior, em conformidade com o disposto no artº 661º, nº 2 do Código de Processo Civil.

Ao valor dessas remunerações deverá obviamente ser deduzido o montante dos descontos que em cumprimento da ordem judicial de penhora a RT sempre deveria que efectuar (e que incidem sobre a parcela remuneratória da retribuição, que não sobre as ajudas de custo), uma vez que sobre essa parcela da sua remuneração nenhum direito assistiria ao autor.

A liquidação terá como limite o valor do pedido formulado e sobre o respectivo montante serão devidos juros de mora, à taxa de juro supletiva legal, desde a data da sentença que proceder à mesma liquidação, pois só então se iniciará a mora [artºs 804º, 805º, nº 1 e 3 primeira parte e 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil].

Face ao exposto e em síntese conclusiva, procederá parcialmente (em função da percentagem de 75% arbitrada, do que se afirmou quanto à necessidade de liquidação posterior e ao desconto dos valores da penhora) o pedido do autor.” (sic).

Deixando de lado, pelos motivos enunciados no ponto 4.4.5. supra, mas mantendo-se aqui, na íntegra, a validade tudo o que antes já se explanou neste acórdão, face à factualidade declarada provada, não pode, de igual modo, ser mantido o conteúdo dispositivo do argumentário da 1ª instância que se acabou de transcrever.

Na verdade, como é possível considerar que se verifica uma situação de “perda de chance”, também designada “perda de oportunidade”, quando está provado nestes autos, para além de qualquer dúvida razoável, que o patrocinado na acção laboral não só decide que não deve ser interposto recurso da sentença proferida em 1ª instância, quando a mesma é recorrível, como, mais tarde, não fornece ao seu Mandatário os elementos documentais exigidos pela parte contrária para iniciar negociações extrajudiciais destinadas a proceder à liquidação dos montantes que lhe devidos por esta última?

Manifestamente, a resposta a esta pergunta só pode ser negativa, sendo certo que é mais a segunda das situações descritas - e não tanto a primeira - que impõe essa conclusão.

De facto, não tendo sido discutida em 1ª instância a questão da utilização pelo Juiz laboral da faculdade que a Lei lhe concede de condenar extra vel ultra petitum (isto é, para além do pedido), não poderia o Autor, em sede de recurso, peticionar que essa faculdade fosse usada pela Relação - sem prejuízo de, todavia, poder abordar o assunto nas suas alegações, dando à sua contraparte a possibilidade de, nas contra-alegações, exercer o devido contraditório.

Porém o que é incontornável e absolutamente decisivo para o destino do pleito, é a voluntária recusa do ora apelado em deixar a Ré participar no acerto de contas com a “RT, SA” na qual o pagamento dessas quantias salariais (e outras) em dívida podia, com perfeito cabimento, ser discutido.

E se tal não aconteceu no entendimento negocial que o aqui recorrido estabeleceu com a sua antiga entidade patronal, este apenas de si se pode queixar.

E porque assim é, repete-se, não se verifica nestes autos a invocada “perda de chance” ou “de oportunidade”.

O que significa que, também por estas razões, não pode, de todo, ser mantida a condenação da Ré decretada em 1ª instância relativamente ao petitório formulado na acção pelo Autor, havendo antes que decretar a absolvição dessa demandada quanto a esse pedido.

4.4.7. Já no que respeita ao pedido reconvencional, ainda que não pelos motivos invocados na sentença recorrida (porque, manifestamente, a Ré não põe em causa o direito do Autor a intentar acções judiciais mas apenas o modo como esse direito foi exercido, e bem assim a alegada falsidade das imputações que lhe são feitas e o carácter malévolo da actuação do demandante ora apelado), outra tem de ser a posição assumida por este Tribunal Superior; aliás, para ser mais exacto, é a inversa a posição desta Relação - ou seja, há que declarar que, nesta parte, a apelação, tal como a reconvenção, é improcedente.

Vejamos.

Extinta a relação de mandato forense estabelecida entre o Autor e a Ré, nenhuma outra relação contratual se estabeleceu entre essas partes, facto do qual decorre, crê-se que com meridiana clareza, que o reconhecimento à demandada reconvinte do direito a auferir uma indemnização como resultado da conduta do reconvindo consubstanciada na interposição da presente acção e na divulgação pública do seu conteúdo, considerado pela Ré como falso e ofensivo, poderia apenas decorrer da aplicação das normas que regulam a responsabilidade civil aquiliana ou por factos ilícitos, a saber, em primeira linha, os artºs 483º a 488º e 496º do Código Civil e, num segundo momento lógico, os artºs 562º a 566º do mesmo Código.

E porque assim é, teria necessariamente essa Ré que comprovar, para além de qualquer dúvida razoável, que o Autor, com dolo ou mera culpa, violou ilicitamente um seu direito, neste caso, o seu bom nome e que dessa violação resultaram para ela, directa e necessariamente, danos de natureza patrimonial ou não patrimonial.

O que não fez porquanto, como já ficou demonstrado neste acórdão, não conseguiu a reconvinte fazer prova, para além de qualquer dúvida razoável, que da interposição da presente acção e da limitada divulgação do seu conteúdo resultaram para essa Sociedade de Advogados (e, embora isso seja irrelevante face aos contornos da relação material controvertida definidos pelos litigantes nos seus articulados, o mesmo acontecendo para o name partner da mesma, que não é parte na acção, o Ilustre Advogado Dr. ….) quaisquer danos na sua imagem pública, reputação e prestígio (ou bom nome) e bem assim efectivos prejuízos materiais no seu património.

Por outro lado, a crítica formulada à actuação da Ré não consubstancia a prática de um acto ilícito quer porque ninguém está acima de críticas quer porque, não obstante tudo o que antes foi exposto nos pontos 4.4.2. a 4.4.6. do presente acórdão - e sem sequer fazer apelo, como bem poderia ser feito, à circunstância de ter sido proferida, com base nestes mesmos factos, uma sentença condenatória subscrita por um Juiz de um Tribunal de 1ª instância -, não é ilegítimo sustentar que na situação em causa (a formulação do pedido no articulado inicial da acção laboral em referência) ocorreu um lapso por parte dessa Sociedade de Advogados.

E essa conclusão de não irrazoabilidade de tal entendimento torna-se ainda mais incontornável quando no artigo 62º dessa petição inicial subscrita por um Ilustre Advogado da Ré está escrito que a entidade empregadora pretendeu efectuar ilegalmente a penhora de montantes que não constituem remuneração (para além de essa empresa também … pretender levar o A. a aceitar implicitamente a qualificação de prestação de serviços - em vez de reconhecer que entre essas partes havia sido celebrado um efectivo contrato de trabalho), o que inculca a ideia que foi legítima a recusa de recebimento dos montantes que a “RT, SA” queria pagar ao também Autor.

Ou, pelo menos, uma tal afirmação abre campo ao argumento de que essa seria uma leitura plausível para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário (art.º 236º n.º 1 do Código Civil), sendo certo que não existem nos autos elementos que permitam apurar qual foi a vontade real do declarante (idem, n.º 2).

E tanto basta (isto é, essa manifesta e ineludível incerteza) para proferir julgamento acerca do mérito - aqui demérito - da parte da apelação que se reporta ao sentenciamento formulado em 1ª instância acerca da reconvenção deduzida nestes autos pela Ré recorrente.

4.4.8. Nesta conformidade, apesar de serem parcialmente procedentes as conclusões 2ª, 4ª a 30ª, 41ª, 53ª a 56ª, 64ª a 70ª e 78ª, porque, no que é verdadeiramente essencial, são improcedentes as conclusões 38ª a 40ª e 71ª a 76ª das alegações de recurso da apelante, revoga-se a sentença proferida nestes autos em 1ª instância apenas na parte respeitante ao petitório formulado pelo Autor na acção, decretando, em sua substituição que a Ré vai absolvida desse pedido, e mantém-se inalterada a parte através da qual o Autor foi absolvido do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos sobre esse capital, deduzido em reconvenção pela Ré.

O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

4.5. Nos presentes autos, o Autor/apelado litigou ou não de má-fé?

4.5.1. Exercida pronúncia quanto ao objecto da acção e ao da reconvenção, resta aquilatar se, no presente processo, o Autor litigou ou não de má-fé.

E, tal como antes, são as normas que compõem o CPC revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, e em concreto o n.º 2 do art.º 456º desse Código, que têm de ser usadas na resolução do conflito.

Feita esta clarificação, é indispensável começar por referir, a propósito do que agora se discute, que litigar em Juízo é uma actividade não só de profundo significado ético mas também de enorme importância/relevância social; a exigência de um julgamento leal e não preconceituoso (fair and unbiased), que é obrigação dos Tribunais - isto é, dos Juízes - assegurar a todos os que litigam em Juízo, implica também para as partes o cumprimento de determinados deveres, que são, nomeadamente, os previstos nos artºs 266º a 266ºB daquele CPC aplicável, entre os quais se destaca pela sua primordial importância, o dever de boa-fé processual (art.º 266ºA), encontrando-se a definição de litigância de má-fé inscrita no art.º 456º n.º 2 desse Código.

Ora, perante a matéria de facto que resultou provada neste processo, não pode deixar de reconhecer-se que o Autor omitiu factos relevantes para a decisão da causa (art.º 456º n.º 2 b) do CPC 1961), não no que tange à configuração do objecto da acção laboral e à potencial dificuldade que existe na comprovação que uma dada relação negocial assume a natureza de vínculo contratual laboral mas sim quanto ao facto de ter lido, sem apresentar objecções ou formular indicações de alteração dessa peça processual, a petição inicial dessa acção antes de esta ter sido introduzida em Juízo, ao de ter decidido não recorrer da sentença lavrada nesse processo em 1ª instância, e, acima de tudo, por ter omitido que impediu a Ré de participar nas negociações com a “RT, SA” respeitantes ao acerto de contas na qual o pagamento das quantias salariais (e outras) em dívida podia, com perfeito cabimento, ser discutido.

E, como já antes se enunciou, esse último facto constitui um ponto fulcral – quiçá a “pedra de toque”, como diriam os alquimistas - do julgamento das questões submetidas, através dos presentes autos, à pronúncia do Tribunal.

Assim sendo - isto é, constatada a ocorrência da matéria factual inscrita na previsão normativa do comando sancionatório -, resta tão só aquilatar se se verifica igualmente o conteúdo volitivo da actuação do agente potencialmente infractor que é indispensável para a aplicação da medida punitiva.

Ou seja, é ou não possível declarar nesta acção que o Autor praticou essa omissão com dolo ou negligência grave?

Negligência grave, sublinha-se - e não uma simples negligência.

4.5.2. Não é fácil, neste caso, responder a tal pergunta, especialmente quando, no exercício da sua função social e institucional estatutária se impõe aos Juízes (o que aqui naturalmente não se questiona, antes se abraça) um dever de obediência à lei que não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo (cuja constitucionalidade é indiscutível) e a obrigação de nas decisões a proferir, o julgador ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - art.º 8º nºs 2 e 3 do Código Civil.

Quer-se com esta afirmação significar que este Tribunal Superior não ignora a esmagadora (em todos os sentidos do termo) Jurisprudência do STJ acerca da problemática da litigância de má-fé e a enormíssima relutância (para ser brando com as palavras) que existe em aplicar às partes as sanções previstas nos artºs 456º n.º 1 e 457º do CPC - e nas normas do RCP que igualmente regem esta matéria.

Dir-se-á que será provavelmente tempo de inverter essa tendência e estabelecer patamares de responsabilização ética mais elevados do que aqueles que actualmente balizam a conduta processual das partes em conflito.

Talvez sim, mas este não é seguramente um dos casos que permitirá essa alteração nos costumes e nas interpretações da Lei, não essencialmente porque um Juiz de Direito aceitou como boa a descrição simplista e lacunar da relação material controvertida apresentada pelo Autor nos seus articulados juntos nesta acção, mas sobremaneira porque não ficaram claras as razões pelas quais não foi formulado o pedido de condenação da “RT, SA” no pagamento dos salários e outros valores que constituíam a contrapartida pelo trabalho prestado por esse ora recorrido a favor dessa empresa entre Julho de 1998 e 22 de Outubro de 2001 (descontado o valor sobre o qual incidia a penhora ordenada por outro Tribunal, antes sendo essa parte da deliberação deste Tribunal Superior fundada, única e exclusivamente, num indevido cumprimento pelo Autor do ónus de prova que sobre ele legalmente impendia, circunstâncias estas que tornam frágil a construção de uma justificação assente na ideia de que, para um diligente bom pai (boa mãe) de família - art.º 487º n.º 2 do Código Civil -, a actuação do ora apelado assume contornos que permitem qualificá-la como conduta gravemente negligente.

Assim sendo e na linha da referida Jurisprudência do STJ, apenas pode ser afirmado – e é isso que aqui e agora esta Relação afirma - que o Autor agiu de uma maneira negligente, ou, dito de outro modo, actuou de forma muito leviana, porquanto o Direito não é, de todo, uma realidade tão simples ou simplista como a petição inicial deste processo pretende fazer crer e sustenta.

4.5.3. Nesta conformidade, apesar de serem parcialmente procedentes as conclusões 2ª, 4ª a 23ª, 25ª a 30ª, 41ª, 53ª a 56ª, 64ª a 70ª e 78ª, porque, considerando o específico contexto agora referenciado, no que é verdadeiramente essencial, são improcedentes as conclusões 24ª, 38ª a 40ª e 71ª a 76ª das alegações de recurso da apelante, mantém-se a não condenação do Autor como litigante de má-fé.

O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

*

5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4 do presente acórdão, julgar-se parcialmente procedente a apelação interposta pela Ré e, consequentemente, delibera-se:

a) alterar para “Provado que, antes de a mesma ter dado entrada em Tribunal, o Autor leu o conteúdo da petição inicial que deu origem ao processo n.º ... que correu termos na 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, e ao mesmo nada objectou nem formulou qualquer proposta de alteração” a resposta dada ao n.º 1 da Base Instrutória;

b) declarar que o perguntado no n.º 3 da Base Instrutória não constitui matéria conclusiva e responder “Não provado” ao que nesse número se pergunta;

c) revogar a sentença recorrida na parte respeitante à apreciação do petitório formulado pelo Autor na acção, decretando em sua substituição que a mesma é improcedente e que a Ré vai absolvida do pedido;

d) confirmar, pelas razões expostas no ponto 4.4.7. do presente acórdão, a parte da sentença recorrida que julgou improcedente a reconvenção e absolveu o Autor do pedido reconvencional e também do pedido da sua condenação como litigante de má-fé.

Custas por apelante e apelado na proporção de 1/3 para a primeira e 2/3 para o segundo.
Lisboa, 09/07/2014

(Eurico José Marques dos Reis)

(Ana Maria Fernandes Grácio)

(Afonso Henrique Cabral Ferreira)