Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3767/22.1T8FNC-C.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
REMUNERÇÃO DO ADMINISTRADOR PROVISÓRIO
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - No processo de insolvência liquidatária a lei reconhece o devedor ou a massa patrimonial que lhe sucede com a declaração da insolvência como a parte ou o sujeito processual responsável pelo direito a remuneração do administrador da insolvência mas, verificada ausência de massa insolvente, perante aquele operador da justiça a lei reconhece o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça - ou seja, o Estado (no sentido lato do termo) -, como o garante do pagamento da remuneração e despesas do administrador da insolvência, o que sucede independentemente da possibilidade de os incluir na conta de custas e de, através destas, cobrar ao devedor o reembolso daqueles valores ou de, na ausência de pagamento voluntário e de bens penhoráveis na esfera jurídica daquele, os suportar em definitivo.
II - No PER a remuneração do AJP é da direta e imediata responsabilidade do devedor candidato à recuperação, do qual o AJP deve cobrar o seu pagamento pois aqui não existe massa insolvente e, diversamente do devedor declarado insolvente, aquele mantém o poder de dispor dos seus rendimentos e de outros valores pecuniários que integrem o seu património.
III - Tal qual como a lei previa e prevê para os processos de insolvência sem massa insolvente, no âmbito do PER, onde pela natureza e efeitos do procedimento também não existe massa insolvente, a remissão do anterior nº 4 do art.º 17º-C do CIRE para o art.º 32º, nº 3, assim como o atual art.º 17º-C, nº 6, ao qualificar a remuneração como encargo compreendido nas custas do processo não visa senão, perante o AJP, responsabilizar o IGFEJ pela garantia de pagamento da remuneração, adiantando-o a título de encargo a incluir oportunamente nas custas do processo para o devido e oportuno reembolso.
IV - Por não corresponder à desresponsabilização do devedor pelo encargo mas ‘apenas’ ao seu adiantamento em benefício da devida satisfação do direito a remuneração do AJP, a lei previu o seu reembolso pelo obrigado ao pagamento da remuneração através da contabilização e inclusão daquele encargo em conta de custas a cargo do requerente do PER (ou do devedor insolvente singular), na qualidade de sujeito processual responsável pelas custas e encargos do processo, adaptando-se então nestes termos a aplicação do art.º 32º, nº 3 à remuneração do AJP nomeado em PER.
V - Do confronto do regime que decorria da aplicação adaptada do art.º 32º, nº 3 com o atualmente previsto nos nºs 6 e 7 do art.º 17º-C do CIRE concluímos que, no que ao regime do pagamento da remuneração do AJP respeita, a alteração introduzida pela Lei nº 9/2022 de 11.01 restringe-se à alteração da qualificação do reembolso devido ao IGFEF a título de reembolso pelo adiantamento daquele encargo, que passa a constituir crédito sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente, sujeitando-o ao procedimento concursal deste processo e, com isso, o agravamento, sério, da possibilidade de o suportar em definitivo
VI - Em síntese, o pagamento da remuneração fixa e das despesas do AJ em PER (e PEAP) está assegurado, em última instância pelo Estado, através do IGFEJ;
VII - De contrário, a norma do art.º 17.º-C, nº 7 (e do art.º 222.ºC, nº 7) e qualquer outra que fosse interpretada no sentido de vedar a satisfação da remuneração fixa devida ao AJP por adiantamento do IGFEJ, não resistiriam a um juízo de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade analisados por referência à referida natureza e contexto jurídico-processual legal do exercício e prestação da atividade do AJ no âmbito dos processos de insolvência, PER e PEAP já que “A imposição legal do dever de colaboração (a medida restritiva) e o regime remuneratório (a medida mitigadora) constituem uma unidade funcional incindível, de modos que [a ausência de garantia do Estado quanto ao pagamento da remuneração que unilateralmente estipulou dever ser paga ao AJ] implica, não a responsabilidade do Estado pelo facto lícito de impor a colaboração do perito, mas a inconstitucionalidade (e consequente ilicitude) da própria imposição do dever de colaboração nesses termos”, e porque “Por outro lado, é justo que o sacrifício seja, na medida possível, suportado não pelo próprio [administrador judicial], mas pelo processo em cujo âmbito presta os seus serviços.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório:
O presente recurso vem interposto pelo Sr. Administrador Judicial Provisório (AJP) nomeado nos autos de Procedimento Especial de Revitalização requerido por B… Unipessoal Ldª, tendo por objeto o despacho que lhe indeferiu o adiantamento do pagamento da sua remuneração pelo IGFEJ, proferido em 12.09.2022 nos seguintes termos:
Nos termos do art.º 17.º C, n.º 6 do CIRE, “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, suportado pela empresa, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo. …” //Por outro lado, nos termos do n.º 7 da norma vinda de elencar, “Caso a empresa venha a ser declarada insolvente na sequência da não homologação de um plano de recuperação, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência.”//Tendo presente as normas vindas de expor, a responsabilidade pelo pagamento da remuneração do Sr. Administrador Judicial Provisório é da Devedora, e consubstanciará uma dívida da insolvência caso não seja liquidada, em face da insolvência daquela.
 Formulou as seguintes conclusões[1]:
1) No âmbito do PER não existe fase de apreensão e de liquidação de bens, pretendendo o legislador evitar essa apreensão e liquidação do património do devedor, pelo que neles não existe qualquer massa.
2) Nos casos em que no âmbito do PER ocorra a homologação judicial, respetivamente, do plano de recuperação ou de pagamento, o art.º 17º-F, n.º 11, do CIRE, estabelecem expressamente que as custas do processo de homologação ficam a cargo do devedor.
3) Dir-se-á que apesar de não se desconhecer que no âmbito do PER não existe nunca massa insolvente que possa responder pelas custas do processo (incluindo-se nestas a remuneração devida ao administrador judicial provisório e a restituição das despesas que este suportou no exercício das suas funções, dado que se trata de encargos do processo - art.º 529º, n.ºs 1 e 3 do CPC), pelo que, a ser aplicável aos mencionados processos o regime integral do n.º 3 do art.º 32º do CIRE, teria de ser sempre o IGFEJ a suportar a liquidação dessa remuneração e despesas devidas ao administrador judicial provisório e demais encargos do PER.
4) O legislador, em relação ao qual se tem, por imperativo legal, de se presumir que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º, n.º 3 do CIRE), afastou, em caso de homologação do plano de recuperação ou de pagamento, aquele regime do art.º 32º, n.º 3 do CIRE, ao estabelecer que as custas do processo de homologação no PER são sempre suportadas pelo devedor, mas já não o fez no caso do PER ser convertido em processo de insolvência, atenta a não homologação de um Plano de Revitalização.
5) Note-se que essa diversidade de regimes que é aplicável, por um lado, ao PER e, por outro, aos processos de insolvência tem na sua base a circunstância de se tratar de processos com pressupostos e com finalidades distintas, em que as funções do administrador judicial provisório não se confundem com as do administrador de insolvência.
6) Com efeito, quando o PER termina com a homologação, do plano de revitalização, existe norma expressa (art.ºs 17º-F, n.º 11 do CIRE) que determina que as custas do processo ficam a cargo do devedor.
7) No caso concreto, ou seja em situações, que o PER não é homologado e o processo é convertido em insolvência, a questão das custas do PER carece de ser resolvida de acordo com as regras gerais previstas no art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ao PER enquanto direito subsidiário, nos termos do art.º 17º do CIRE.
8) Ou seja, nessas situações, as custas são a cargo do requerente do processo, isto é, os honorários e as despesas arbitradas ao administrador judiciário provisório, enquanto encargos do processo, são a cargo do requerente (assim como, reafirma-se, todas as custas), que viu o PER a improceder.
9) Acontece que estando a Devedora insolvente, a mesma não terá já condições de liquidar as custas do processo, até porque teriam as custas em divida de ser reclamadas no processo de insolvência, pela Fazenda Nacional, como qualquer outra divida da insolvente.
10) O aqui Recorrente não desconhece, haver quem defenda que os honorários do Administrador Judicial Provisório não deveriam ser adiantados pelo IGFEJ, fazendo diferente interpretação da norma supra citada.
11) Contudo a ser assim, teria o senhor Administrador Judicial Provisório que extraprocessualmente reclamar junto da devedora o pagamento da contrapartida do seu trabalho no processo, ficando dependente da vontade ou da disponibilidade financeira desta.
12) Nos casos em que o plano de revitalização não é aprovado ou, sendo, não é proferida sentença de homologação do mesmo, dando o Administrador Judicial Provisório parecer de que o requerido se encontra insolvente, como irá o Administrador Judicial Provisório cobrar os seus honorários e despesas?
13) Não podendo no caso concreto receber diretamente da Devedora, sob pena de favorecimento de credores, indevido e ilegal, outra solução não restaria ao aqui Recorrente que a de reclamar créditos no próprio processo de insolvência (nos termos do art.º 128º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e como crédito comum, atrás de todos os créditos privilegiados e garantidos que vierem a ser reconhecidos e ao lado dos outros créditos comuns, esperando que o produto da liquidação seja suficiente para satisfação dos honorários do serviço que prestou.
14) Acresce, que o aqui Recorrente não poderia aceitar a nomeação como Administrador da Insolvência no processo de insolvência, perdendo a remuneração e o trabalho que decorreriam dessa nomeação, sob pena de conflito de interesses, por se ver na posição de ter que reconhecer como Administrador da Insolvência um crédito que reclama como credor, ou seja, por ser ao mesmo tempo Administrador da Insolvência e credor.
15) Verifica-se assim uma discriminação gritante entre o Administrador Judicial Provisório e os restantes intervenientes processuais que são nomeados pelo tribunal para desempenhar funções num processo.
16) Peritos, tradutores, Administrador da Insolvência ou Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência, todos têm os seus honorários liquidados diretamente no próprio processo em que participem, sem necessidade de recurso a via judicial, na forma de outro processo, executivo ou de insolvência, sujeitando-se às vicissitudes, ao sucesso ou ao insucesso, normais para quem recorre ao tribunal.
17) Veja-se que até as testemunhas podem requerer diretamente ao processo onde tenham prestado depoimento o pagamento das despesas de deslocação e fixação de uma indemnização equitativa (cfr. art.º 525º do Código de Processo Civil), sem necessidade de intentarem outro processo judicial para sua cobrança.
18) O Administrador da Insolvência em sede de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente - cfr. art.º 29º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial) - ou na insuficiência desta, através do IGFEJ - cfr. art.º 30º, nº 1 do mesmo diploma.
19) Também o Administrador Judicial que exerça funções como Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente ou na insuficiência desta, através do IGFEJ - cfr. art.º 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
20) Desta forma, o legislador protegeu sempre o Administrador da Insolvência e o Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência, servidor da justiça nomeado pelo tribunal, permitindo sempre que este obtenha o pagamento dos seus rendimentos e despesas diretamente do processo onde presta funções.
21) Terá querido o legislador que fosse diferente quanto aos Administradores Judiciais Provisórios em PER e PEAP, discriminando-os?
22) Haverá razão para essa discriminação?
23) O aqui Recorrente entende que não, atento o facto de em ambos os casos se tratarem de servidores da justiça nomeados pelo tribunal, para exercerem funções em processos judiciais, funções essas essenciais e imprescindíveis para o cumprimento do fim a que se destinam aqueles.
24) O nº 3 do artigo 32º do CIRE em apreço (sempre “com as devidas adaptações” aos presentes autos por força do art.º 17º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas): “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”.
25) Qual a razão de ser da norma?
26) Cremos, salvo melhor opinião, ser a de garantir a remuneração do Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência (qualificando-a mesmo como um encargo compreendido nas custas do processo), que será sempre liquidada antes de findo o mesmo ou através das disponibilidades da massa insolvente ou, na ausência destas, através do IGFEJ.
27) Razão de ser semelhante, à que está na génese dos art.ºs 29º, nº 1 e 30º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.
28) Daí que, procurando interpretar o art.º 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (por força dos art.ºs 17º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), se nos afigura ser de abolir a referência a “sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”, que não pode ser aplicado a estes processos, pois estes não têm, por natureza, massa insolvente ou património semelhante que possa responder pelo pagamento dos honorários do senhor Administrador Judicial Provisório.
29) Consequentemente, os honorários e despesas do senhor Administrador Judicial Provisório constituirão um encargo compreendido nas custas do processo e serão suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, tratando-o o legislador da mesma forma e a par do Administrador da Insolvência e do Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência.
30) Aliás, só desta forma é que os honorários e despesas passam a constituir um encargo compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que, a final, vier a ser condenado nas custas processuais, ou seja, o Devedor.
31) Em face de tudo o exposto, será de concluir que por força do disposto no art.º 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER (nos termos dos art.ºs 17º-C, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), os honorários do Administrador Judicial Provisório deverão ser adiantados pelo IGFEJ e após constituídas como um encargo a ser compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que foi condenado no pagamento destas.
32) Pelo que deverá a Apelação ser julgada procedente, e ser a remuneração fixada ao Administrador Judicial Provisório, seja suportado do IGFEJ, IP, compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que foi condenado no pagamento destas.
3. Em resposta ao recurso o Ministério Público requereu a manutenção do despacho recorrido. Apresentou alegações que sintetizou nas seguintes conclusões:
I - Sendo as custas uma dívida da responsabilidade da empresa no âmbito do PER (Cfr. art.º 17º - F, n.º 12 do CIRE), não sendo pagas, as mesmas constituem créditos sobre a insolvência, não se colocando a hipótese do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça ser chamado a suportá-las, a menos que o responsável beneficiasse de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que não se tem por verificado, no caso concreto.
II - O Apelante ao considerar defensável que o legislador pretendeu salvaguardar o pagamento da remuneração referida, nos casos de falta de homologação do PER, da mesma forma que é legalmente conferida ao Administrador Judicial em sede de insolvência, terá de concluir que o sentido interpretativo proposto, na motivação de recurso, esvazia de conteúdo uma norma específica que regula sobre esta matéria, prevista no n-º 7 do art.º 17º- C do CIRE.
III- Contrariamente ao sustentado pelo Apelante, a nova redação do n.º 5 do art.º 17ºC afasta a aplicação, no âmbito do Processo Especial de Revitalização (Título I, Cap II do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa), quanto ao Administrador Judicial Provisório, do preceituado no n.º 3 do art.º 32º do CIRE, o que, aliás, surge em perfeita coerência com a tomada de posição expressa do legislador no (novo) n.º 7 do art.17º- C do CIRE.
IV - Com efeito, na anterior redação dada ao n.º 4 do art.º 17º-C referido previa-se a aplicação no âmbito do PER do disposto nos “artigos 32º a 34º com as devidas adaptações”, e a nova redação do n.º 5 do art.º 17º - C estabelece-se a aplicação, quanto ao administrador judicial provisório, do “ (…) disposto no n.º1 do art.º 32º e nos art.ºs 33º e 34º, com as devidas adaptações”, excluindo, manifestamente, os nºs 2 e 3 do art.º 32º sob pena de falta de congruência do próprio pensamento legislativo.

II– Objeto do recurso:
Considerando que o thema decidendum do recurso é balizado pelo objeto da decisão recorrida e, este, pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que ex officio se imponha conhecer, na presente apelação cumpre apreciar se deve ser adiantado pelo IGFEJ o pagamento da remuneração fixa devida ao Administrador Judicial Provisório nomeado nos autos de Procedimento Especial de Recuperação cujo encerramento ocorreu sem aprovação/homologação de plano de recuperação da devedora e na sequência do qual esta foi declarada insolvente.

III – Fundamentação
A) De Facto
Resulta adquirido do processado nos autos que:
1. Por despacho de 07.03.2022 o recorrente foi nomeado Administrador Judicial Provisório.
2. No decurso do prazo de negociações a devedora declarou nos autos não ter capacidade para apresentar plano de recuperação aos seus credores e encontrar-se em situação de insolvência, sobre o que recaiu despacho a declarar encerrado o processo negocial nos termos do art.º 17º-G, nº 1 do CIRE.
3. Notificado para cumprimento do art.º 17º-G, nº 3, o recorrente apresentou parecer concluindo pela situação de insolvência da devedora.
4. Seguidamente foi proferido despacho a ordenar a extração de certidão do parecer para remessa à distribuição como processo de insolvência e a fixar a remuneração do AJP em €2.000,00.
5. Distribuída e autuada a referida certidão como processo de insolvência, em 15.07.2022 foi proferida sentença que declarou a insolvência da devedora requerente do PER.

B) De Direito
1. A remuneração do administrador judicial constitui matéria objeto de regulação no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e no Estatuto do Administrador Judicial (EAJ) aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26.02 e sobre a qual também incidiram alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11.01, diploma que nos termos das respetivas disposições transitórias tem aplicação imediata aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, com exceção do disposto nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do CIRE, cuja nova redação apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor (cfr. art.º 10º, nº 1 e 2 da citada Lei). Releva ao caso o art.º 17º-C que, apesar de manter a epigrafe Requerimento e formalidades, eliminou a aplicação dos nºs 2 e 3 do art.º 32º do CIRE à nomeação do AJP (mantendo a aplicação do art.º 32º, nº 1 e dos art.ºs 33º e 34º) e, sob os nºs 6 e 7 citados e aplicados pela decisão recorrida, passou a incluir ex nuovo duas normas atinentes com a remuneração do AJP. Sem alteração no que ao ora releva, o art.º 17º-F continua a prever que Compete à empresa suportar as custas do processo de homologação (agora sob o nº 12, anteriormente sob o nº 11).
Conforme alega, o recorrente invoca a citada disposição transitória da Lei nº9/2022 para censurar à decisão recorrida a aplicação ao caso das normas atualmente previstas nos nºs 5, 6 e 7 do art.º 17º-C do CIRE, defendendo que a questão deve ser apreciada de acordo com a redação das normas em vigor à data da instauração dos autos.
Neste concreto - apesar de se nos afigurar que a intenção do legislador foi tão só a de afastar a aplicação aos processos pendentes das alterações atinentes com a introdução de categorias de créditos e das novas maiorias legais de aprovação do plano daquelas decorrente e que, ao indicar e excluir os art,ºs 17º-C e 17º-F da aplicação imediata sem qualquer restrição, delimitação ou especificação de conteúdo, o legislador terá dito mais do que o que pretendia dizer[2] -, a questão da sucessão de l eis no tempo para determinação da versão do regime legal surge irrelevante na medida em que as alterações que àquelas normas foram introduzidas não afetam nem alteram o que na questão submetida a apreciação já resultava da redação anterior das normas, conforme se passa a justificar.
2. Prevê e previa o art.º 2º do EAJ que O administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei. Nomeado em processo de insolvência, é designado administrador da insolvência; nomeado em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento, é designado administrador judicial provisório; nomeado no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, é designado fiduciário. Tratam-se de cargos de natureza pública a exercer por profissional liberal que, não obstante essa qualidade, mas com a observância dos requisitos a que obedece a respetiva inscrição em lista oficial, é legalmente considerado - e deve o próprio administrador judicial considerar-se -, “servidor da justiça e do direito em ordem ao cumprimento do objeto do processo para o qual é nomeado, no essencial, comum a todos, de maximização da satisfação dos interesses dos credores. Enquadra por isso na categoria de profissionais que, com o órgão jurisdicional e de forma essencial e determinante, contribui para o cumprimento da tutela jurisdicional específica do processo de insolvência, do PER e o PEAP.  
No exercício das suas funções, para além da aptidão académica, técnica e logístico-organizacional pressuposta para o bom desempenho do cargo, os AJ estão expressamente vinculados aos deveres de legalidade, justiça, imparcialidade, diligência, e de informação, aos valores máximos da isenção e da imparcialidade, e sujeitos aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos magistrados. Como tal estão igualmente sujeitos a ação de fiscalização, que no caso é disciplinar e contraordenacional, exercida por entidade administrativa independente com funções de regulação dos auxiliares da justiça, criada através da Lei nº 77/2013 de 21.11[3] (art.ºs 17º a 20º do EAJ) e, nesta senda, obrigados ao pagamento de uma taxa[4] que é direta e pessoalmente devida àquela entidade por cada processo para o qual o AJ seja nomeado[5] (cfr. art.ºs 4º e 12º, nº 1, 2 e 9 do EAJ). Debruçando-se sobre a natureza da função do AJ (para apreciar de alegada inconstitucionalidade do regime sancionatório que recai sobre a sua atividade, sujeitando-o a responsabilidade disciplinar e a responsabilidade contra-ordenacional), concluiu o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09.04.2021[6] que “O administrador judicial é um misto de profissional liberal e de funcionário público, que no exercício das suas funções atua como servidor da justiça e do direito, na prossecução do interesse público e investido de funções de autoridade, em nome e em representação do Estado, desempenhando uma função pública jurisdicional, e daí que o regime sancionatório, que o sujeita a responsabilidade civil, disciplinar e contraordenacional não padeça de qualquer inconstitucionalidade material, nomeadamente, por violação dos princípios da legalidade e da igualdade.”[7]
Ressalvada a possibilidade de a assembleia de credores eleger o administrador da insolvência – que, note-se, o art.º 53º do CIRE sujeita à prévia aceitação do proposto à eleição -, a investidura no cargo de qualquer um dos AJ inscrito em lista(s) oficial(is) de Administradores Judiciais apenas ocorre em contexto processual e depende exclusivamente de ato de nomeação judicial, por despacho devido proferir nos termos previstos pelos art,ºs 36º nº 1, al. d), 17º-C, nº 5, 222º-C, nº 4, e 239º, nº 2 do CIRE. Mais cumpre salientar que os AJ exercem as suas funções por tempo indeterminado (art.º 14º do EAJ) e que, sob pena de sujeição a procedimento de averiguação e eventualmente disciplinar, só em caso de grave e temporária impossibilidade de exercício de funções é reconhecido ao AJ o direito de se escusar ao cargo e ao cumprimento das funções no processo em que é nomeado (art.º 16º, nº 1, 2 e 5 do EAJ).
É por isso claro que a investidura no cargo, o seu exercício, e as competências ou conjunto de poderes-deveres em que os AJ são investidos para cumprimento das suas funções, são delimitadas e atribuídas pelo Estado através da lei e do poder jurisdicional que a aplica e, por isso, subtraídas à disponibilidade de nomear ou não nomear AJ, de este aceitar ou não aceitar a nomeação, e à possibilidade de conformação do conteúdo dos direitos e obrigações do AJ pela vontade dos demais sujeitos do processo - devedor, credores e outros intervenientes, e também do juiz.
É neste quadro que se impõe compreender o direito dos AJ à remuneração e, no que ao caso releva, os termos em que é, pode ou deve ser feito o seu pagamento, no pressuposto, que temos por incontornável, de que o Administrador não atua graciosamente e que, independentemente de não se tratar da prestação de trabalho subordinado, não pode ser ‘obrigado’ a exercer o seu trabalho sem ‘garantia’ de pagamento da sua remuneração. Note-se que dos atos incluídos no leque da sua competência, o único que o AJ pode recusar-se a prestar corresponde à elaboração de plano de insolvência[8] de que for incumbido por deliberação da assembleia de credores (art.º 26º do EAJ), precisamente, por discordar da remuneração para o efeito por aquele órgão deliberada. No demais, o regime a que os AJ estão legalmente sujeitos, a sua vinculação à aceitação, exercício e cumprimento do cargo para o qual são nomeados, e a imprescindibilidade dessa nomeação e do exercício do cargo à tramitação e cumprimento processual e material de procedimentos e de tutela jurisdicionais e, assim, à administração da justiça (no caso, de natureza sócio-económica), pressupõe e impõe que o reconhecimento do direito à remuneração seja acompanhado de regime legal que garanta a sua satisfação.
3. No capítulo do EAJ epigrafado de Remuneração e Pagamento do administrador judicial prevê e previa o art.º 22º que O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas. Sob a epígrafe Remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz o art.º 23º, nº 1 do EAJ previa e prevê que O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados (…)”. Para além da alteração das coordenadas de cálculo do valor da remuneração variável do AI previstas pela Portaria nº 51/2005 e da previsão ex nuovo das regras e coordenadas de cálculo da remuneração variável do AJP, as alterações introduzidas pela Lei 9/2022 ao art.º 23º[9] do EAJ tiveram a virtualidade de introduzir no EAJ a previsão do montante da remuneração fixa devida ao AI e ao AJP (€ 2.000,00), bem como a base de referência, critérios e termos de cálculo da respetiva remuneração variável, que passaram a constar do próprio Estatuto, com a consequente eliminação da anterior remissão para o montante (fixo) e para o valor (variável) estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia[10].
Sob a epígrafe Pagamento da remuneração do administrador judicial, ao que ora releva, na redação anterior à Lei nº 9/2022 o art.º 29º[11] do EAJ dispunha nos seguintes termos:
1 - “(…) a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte.”
2 - A remuneração prevista no n.º 1 do artigo 23.º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo.
3 - A remuneração variável relativa ao resultado da recuperação do devedor é paga em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada no momento da aprovação do plano de recuperação e a segunda dois anos após a aprovação do referido plano, caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado.
4 – (…)
5 - A remuneração variável relativa ao produto da liquidação da massa insolvente é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo.
6 – (…).
7 - Sempre que a administração da massa insolvente seja assegurada pelo devedor, nos termos dos artigos 223.º a 229.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração prevista no n.º 2 e a provisão para despesas referida no número seguinte são por este retiradas da massa insolvente e entregues ao administrador da insolvência.
8 - A provisão para despesas corresponde a duas UCs e é paga imediatamente após a nomeação.
 9 - Nos casos em que a administração da massa insolvente ou a liquidação fiquem a cargo do administrador da insolvência e a massa insolvente tenha liquidez, os montantes referidos nos números anteriores são diretamente retirados por este da massa.
10 - Não se verificando liquidez na massa insolvente, é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo seguinte relativamente ao pagamento da provisão para despesas do administrador da insolvência.
(…).
O art.º 30º, nº 1 previa e prevê, sob a epígrafe “Pagamento da remuneração do administrador da insolvência suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça”, que “Nas situações previstas nos artigos 39.º e 232.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça.
Em síntese, as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 às normas do EAJ acima transcritas resumem-se à introdução de um novo ponto, com a nova redação do nº 8 do art.º 29º - “A provisão para despesas, paga pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, no valor de 2 UC, é paga imediatamente após a nomeação e corresponde às despesas efetuadas pelo administrador da insolvência” -, e à alteração da numeração das normas previstas nos pontos 9 e seguintes que, mantendo-se quanto ao seu teor, passaram a constar nos pontos 10 e seguintes. Alterações que não representam alteração às soluções legais anteriormente previstas, sequer o segmento intercalado na redação do atual nº 8 - paga pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça -, que não corresponde mais que a densificação ou clarificação do alcance da anterior redação para atalhar, e bem, a divergências da prática judiciária quanto aos termos e timing do pagamento da provisão para despesas ao AI.
No CIRE, previa o art.º 17º-C, nº 4 que “Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações.” Com as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 esta norma passou a constar no nº 5 com o seguinte teor: “Recebido o requerimento referido no n.º 3, o juiz nomeia, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto no n.º 1 do artigo 32.º e nos artigos 33.º e 34.º, com as devidas adaptações. A par com a eliminação da aplicação dos nºs 2 e 3 do art.º 32º do CIRE à nomeação do AJP – e, adianta-se, por causa dela[12] -, a Lei nº 9/2022, introduziu neste artigo duas normas atinentes com a remuneração do AJP, com o seguinte teor (subl. nosso):
6 - A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, suportado pela empresa, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.
7 - Caso a empresa venha a ser declarada insolvente na sequência da não homologação de um plano de recuperação, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência.
No art.º 17º-F foi mantido que “Compete à empresa suportar as custas do processo de homologação[13].
Da conjugação das normas citadas resulta que - agora, como antes -, o sujeito passivo do direito a remuneração do AJ são o devedor insolvente e o devedor requerente do PER.
3.1. Na insolvência liquidatária, como é apanágio das execuções (singular/parcial ou coletiva/universal) e do princípio da precipuidade das custas que as caracteriza - previsto na lei geral no art.º 541º do CPC e na lei falimentar pelas disposições conjugadas dos art.ºs 51º, nº 1, al. a) e b), 172º, nº 1 e 304º do CIRE -, e em conjugação com a regra de imputação, na conta de custas do responsável pelo seu pagamento, dos encargos a reembolsar ao IGFEJ nos termos conjugados do art.º 16º, nº 1, al. a) e 24º, nº 2 do RCP[14], existindo produto da liquidação, a obrigação da responsabilidade do devedor é por ele coercivamente cumprida por recurso ao produto do seu património que, na insolvência e com a declaração desta, é juridicamente desagregada da esfera jurídica do seu titular para passar a constituir uma massa patrimonial autónoma de afetação à satisfação do passivo do devedor e sujeito processual do processo da insolvência distinto do devedor. Assim resulta inequivocamente do art.º 23º, nº 1 do EAJ, colhendo aqui pertinência o acórdão da Relação do Porto de 11.05.2020[15] que, sobre o princípio da precipuidade e na conjugação do mesmo com a dispensa de pagamento de custas concedida pelo beneficio do apoio judiciário, consignou que “significa que sendo penhorados bens do executado, e procedendo-se à liquidação judicial de tais bens, antes de se dar qualquer destino ao produto da liquidação há-de retirar-se a quantia necessária para pagamento das custas, ou seja, o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento.”(subl. nosso).
No PER a remuneração do AJP é da direta e imediata responsabilidade do devedor candidato à recuperação, do qual o AJP deve cobrar o seu pagamento pois, diversamente do devedor declarado insolvente, aquele mantém o poder de dispor dos seus rendimentos e de outros valores pecuniários que integrem o seu património.
A questão é que o cumprimento da obrigação de pagamento da remuneração e despesas do AJ por recurso ao produto da massa insolvente só é possível, como é óbvio, se existir massa insolvente e, existindo, se o produto da sua liquidação for suficiente para pagamento daqueles valores. Noutro caso – que corresponde ao cenário factual objeto da apreciação que aqui se faz e subjaz à pretensão do recorrente -, na ausência de aprovação e/ou de homologação do plano de recuperação, o devedor que nessa sequência é declarado em situação de insolvência perde o poder de disposição patrimonial sobre o seu património e inibe-o legalmente de proceder ao pagamento das dívidas da sua responsabilidade e anteriormente constituídas, cujos correspetivos créditos só pela via do processo de insolvência poderão ser satisfeitos, novamente, condicionados à existência e suficiência da massa insolvente para o efeito (cfr. art.ºs 81º, nº 1 e 90º do CIRE). Condicionante esta que, de resto, é comum à execução singular (com a agravante de que na ausência de bens penhoráveis na esfera jurídica do executado, o exequente não só nada recebe para satisfação do seu crédito, como ainda suporta as custas e encargos da execução, designadamente, os honorários devidos ao agente de execução).
Vale o exposto para acompanhar a argumentação do recorrente e confirmar que, a considerar-se única e exclusivamente o facto – que não recusamos - de o devedor corresponder ao sujeito passivo do direito a remuneração do AJ, na ausência de massa insolvente na insolvência liquidatária e na ausência de pagamento voluntário da remuneração no PER (assim como no PEAP e no processo de insolvência encerrado com fundamento em homologação de plano de recuperação), o administrador judicial não teria qualquer garantia de pagamento da remuneração e despesas e, em ultima linha, na ausência de património penhorável do devedor, não teria sequer como satisfazer subsequente e coercivamente o direito à remuneração que lhe é legalmente atribuída pelo exercício do cargo para o qual, e por imperativo legal, foi nomeado pelo tribunal e que por sujeição estatutária o AJ aceitou. Resultado que, a nosso ver e sob pena de inconstitucionalidade, por si só bastaria para afastar qualquer interpretação da lei que a ele conduzisse, sendo certo que, na interpretação sistemática que fazemos, é outra a solução por ela contemplada no que à remuneração fixa do AI e do AJP respeita (de € 2.000,00).
3.2. Conforme acima transcrito, e reportando agora por facilidade de exposição ao texto atual do EAJ, o nº 2 do art.º 29º estabelece o momento do vencimento e os termos do pagamento da remuneração fixa do AI - é paga em duas prestações, a primeira vence na data da nomeação do AI e a segunda seis meses após a nomeação. Em conjugação com os nº 7 e 10, prevê a lei que nas datas de vencimento de cada uma das duas prestações da remuneração são retiradas da massa insolvente para pagamento ao AI - retiradas pelo devedor se a administração da massa insolvente for por ele assegurada (art.ºs 224º e ss. do CIRE), pelo próprio AI se a administração estiver a seu cargo. Relativamente à provisão para despesas, da conjugação dos nºs 7 e 10, e 8 e 11 resulta que é retirada da massa insolvente imediatamente após a nomeação do AI mas, na ausência de liquidez na massa para o efeito, é paga pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça que, atualmente, corresponde ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ). Da expressa previsão do imediato pagamento da provisão pelo IGFEJ para suprir a inicial ausência de liquidez da massa insolvente para o efeito, a contrastar com a ausência de previsão nesse sentido para as prestações da remuneração fixa, parece resultar que o legislador consente na possibilidade de o pagamento destas não ocorrer na data do seu vencimento. Porém, ainda que assim seja, não aporta negação da possibilidade de esse pagamento ser feito posteriormente pelo IGFEJ pois, conforme prevê o art.º 30º, nº 1 do EAJ, constatando-se ab initio (art. 39º do CIRE) ou no decurso do cumprimento da sentença de declaração da insolvência (art.º 232º do CIRE) ausência definitiva de massa insolvente para o efeito, aqueles valores são ‘suportados pelo IGFEJ[16]. Mas a expressa manifestação da conformação do legislador com a necessidade de, na ausência de massa insolvente para o efeito, o Estado se adiantar, substituindo-se ao devedor para assegurar o pagamento da remuneração do AJ em tempo razoável - no mínimo, concomitante com a pendência do processo e na vigência do cargo -, consta do art.º 30º, nº 2 do EAJ que, precisamente, prevê o pagamento da remuneração do AI pelo IGFEJ nos casos em que o devedor beneficia do diferimento do pagamento das custas nos termos do art.º 248º, nº 1 do CIRE, ou seja, até ao termo do incidente de exoneração do passivo restante. Por isso, a expressão – ‘suportados’ – utilizada na redação dos nºs 1 e 3 do art.º 30º do EAJ surge sem total propriedade ou adequação semântica já que, tratando-se o devedor de pessoa singular, os pagamentos realizados pelo IGFEJ no âmbito do processo a título de remuneração e despesas do AI, assim como qualquer outro pagamento por aquela entidade realizado a terceiros no âmbito do processo, são a final contabilizados e incluídos em regra de custas[17] para, a título de reembolso de pagamento de encargos, e na ausência de massa insolvente e da concessão de dispensa de pagamento de custas e encargos pelo organismo competente, serem suportados pelo insolvente singular que por elas permanece responsável na medida em que, contrariamente ao que sucede com o insolvente pessoa coletiva, aquele não beneficia da isenção de custas prevista pelo art.º 4º, nº 1, al. u) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nem se ‘extingue’ com o registo do encerramento do processo de insolvência. 
Daqui decorre que a lei reconhece o devedor ou a massa patrimonial que lhe sucede com a declaração da insolvência como a parte ou o sujeito processual responsável pelo direito a remuneração (e provisão para despesas) do AI; mas, verificada ausência de massa insolvente, e sem que tanto signifique reconhecer o IGFEJ como o sujeito passivo do direito à remuneração e o responsável em definitivo pelas mesmas, perante o AI a lei reconhece aquela entidade como a responsável pelo pagamento da sua remuneração e despesas. Ou seja, em ultima linha e através daquele instituto publico-administrativo, a lei reconhece quem nomeou o AI para o cargo – o Estado, no sentido lato do termo - como o garante do pagamento da sua remuneração e despesas, o que sucede independentemente da possibilidade de as vir a incluir na conta de custas[18] e de, através destas, cobrar ao devedor, voluntária ou coercivamente, o reembolso daqueles valores ou, na ausência de pagamento voluntário e de bens penhoráveis na esfera jurídica daquele (como ocorrerá na esmagadora maioria dos casos), de os suportar em definitivo.
3.3. O tratamento legal do direito à remuneração fixa do AJP não diverge do exposto relativamente ao direito à remuneração fixa do AI, nem poderia divergir, sob pena de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade – seria tratar de forma desigual profissionais da mesma categoria e sujeitos a nomeação aleatória e obrigatória, em função de circunstâncias externas à sua vontade e controlo (tais como a existência ou não de património do devedor suscetível de satisfazer o pagamento da remuneração, ou desde logo a sujeição da sua satisfação à disponibilidade e vontade de pagamento voluntário pelo devedor), e a fazer recair a álea da falta de pagamento ou até mesmo da incapacidade de pagamento dos devedores sobre os prestadores do serviço, e em benefício do Estado que, pela sua indispensabilidade legal[19] e através de órgão jurisdicional, os nomeou.
Relembrando, apesar de o PER e, com ele, a figura do AJP (mediador de negociações entre o devedor e os seus credores) terem sido instituídos pela Lei nº 16/2012 de 20.04, até às alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11.01 as únicas referências legais à remuneração do AJP nomeado naquele procedimento eram as previstas no EAJ, e que se mantêm: nos art.ºs 23º, nº 1 e 2, que estabeleciam o direito do AJP à remuneração fixa e à remuneração variável (esta em função do resultado da recuperação do devedor) em montante e valor a estabelecer por Portaria (que, como já se referiu, não chegou a ser publicada), e nos nºs 3 e 4 do art.º 29º, que estabelecia os termos e o vencimento da remuneração variável (uma prestação no momento da aprovação e a segunda dois anos após) e a sua redução em caso de incumprimento do plano. Antes, como agora, as disposições do art.º 29º, nº 1 e 2 - que preveem os termos do pagamento da remuneração fixa e não foram alterados pela Lei nº 9/2022 - só por aplicação extensiva poderão aplicar-se à remuneração do AJP na medida em que pressupõem a existência de massa insolvente que, com é sabido, corresponde a figura patrimonial exclusiva do processo de insolvência.
No CIRE, a única disposição que reportava à remuneração do AJP nomeado em PER correspondia ao art.º 32º, nº 3, por força da remissão operada pelo art.º 17º-C, nº 4, que previa o momento processual da prolação do despacho de nomeação do AJP “aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações.
Sob a epígrafe “Escolha e remuneração do administrador judicial provisório” previa e prevê o art.º 32º, nº 3 do CIRE que “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta.” (subl. nosso).
Com a alteração imposta para adaptação desta norma às características do PER, precisamente, por aqui não existir massa insolvente, o legislador de 2022 integrou-a no corpo do art.º 17º-C, com a seguinte redação:
6 - A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, suportado pela empresa, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.
Do confronto de uma e outra norma ressaltam os pontos comuns e os pontos em que diferem, e que as divergências decorrem das características de cada um dos processos (insolvência e PER):
i) ambas preveem que a remuneração do AJP é fixada pelo juiz na própria decisão ou posteriormente;
ii) ambas preveem que a remuneração constitui encargo[20] compreendido nas custas do processo, estas da responsabilidade da massa insolvente no art.º 32º, nº 3 e da responsabilidade da empresa no atual art.º 17º-C, nº 6;
iii) ambas preveem que a remuneração é suportada pelo IGFEJ – no art.º 32º, nº 3, caso as custas não sejam satisfeitas pela massa; no PER, caso a empresa beneficie de dispensa do pagamento da taxa de justiça e encargos do processo.
Tal qual como se considerou na decisão singular de 29.06.2022[21] desta secção, à qual se adere e que se cita, “A omissão de regulamentação específica quanto ao pagamento da remuneração em caso de recusa de homologação não equivale a impedimento legal de pagamento pelo IGFEJ. A remissão do então art.º 17º-C, nº 4 para o art.º 32º, nº 3 do CIRE é expressa “com as devidas adaptações” (…). Entendendo-se, pois, que em caso de não homologação do PER se aplica o disposto no art.º 32º, nº 3, CIRE.” Ou seja, tal qual como a lei previa e prevê para os processos de insolvência sem massa insolvente, no âmbito do PER, onde, pela natureza e efeitos do procedimento, também não existe massa insolvente, a remissão do então nº 4 do art.º 17º-C do CIRE para o art.º 32º, nº 3, assim como o atual art.º 17º-C, nº 6, ao qualificar a remuneração como encargo compreendido nas custas do processo não visa senão, perante o AJP, responsabilizar o IGFEJ pela garantia de pagamento da remuneração, adiantando-o a título de encargo a incluir oportunamente nas custas do processo para o devido e oportuno reembolso. Com efeito, sendo a remuneração do AJP, como é, da responsabilidade do devedor, qualifica-la como encargo compreendido nas custas do processo só faz sentido no pressuposto do seu adiantamento pelo IGFEJ - só os encargos adiantados podem considerar-se compreendidos nas custas a contabilizar a cargo do por elas responsável.
Por não corresponder à desresponsabilização do devedor pelo encargo mas ‘apenas’ ao seu adiantamento em benefício da devida satisfação do direito a remuneração do AJP, a lei previu o seu reembolso pelo obrigado ao pagamento da remuneração através da contabilização e inclusão daquele encargo em conta de custas a cargo do requerente do PER (ou do devedor insolvente singular), na qualidade de sujeito processual responsável pelas custas e encargos do processo, adaptando-se nestes termos a aplicação do art.º 32º, nº 3 à remuneração do AJP nomeado em PER. Posta a conta de custas em cobrança (voluntária ou coerciva), como uma e outra norma expressamente preveem, o IGFEJ só suporta (em definitivo) aquele encargo, na insolvência, no caso de não existir massa insolvente para o pagamento das custas e encargos, no PER, no caso de a empresa responsável pelas custas beneficiar de dispensa de pagamento de custas e encargos.
Chegados aqui, estamos agora em condições de compreender o sentido e alcance do atual nº 7 do art.º 17º-C do CIRE (Caso a empresa venha a ser declarada insolvente na sequência da não homologação de um plano de recuperação, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência.).
Para além de por remissão e nos termos expostos o então nº 4 do art.º 17º-C prever o adiantamento da remuneração do AJP pelo IGFEJ, de qualificar a remuneração como encargo compreendido nas custas do processo, e de prever o seu reembolso ao IGFEJ, ao prever que este era satisfeito através das custas e pelas forças da massa insolvente, o art.º 32º, nº 3 mais qualificava este crédito a título de reembolso ao IGFEJ como dívida da massa insolvente que, assim, acrescia ao rol das previstas pelo art.º 51º, nº 1[22] do CIRE. Daqui resultava que, sendo declarada a insolvência do devedor requerente do PER, o crédito que para o IGFEJ e a título de reembolso emergia do adiantamento da remuneração por ele realizado não concorria com os créditos sobre a insolvência, antes era subtraído ao concurso dos credores para ser pago com preferência pela massa insolvente como custas do processo e de acordo com o princípio da precipuidade, suportando-o em definitivo no caso de ausência ou insuficiência da massa insolvente para aquele efeito.
Do confronto do regime que decorria da aplicação adaptada do art.º 32º, nº 3 com o atualmente previsto nos nºs 6 e 7 do art.º 17º-C do CIRE concluímos que, no que ao regime do pagamento da remuneração do AJP respeita, a alteração introduzida pela Lei nº 9/2022 de 11.01 restringe-se à alteração da qualificação do reembolso devido ao IGFEF a título de reembolso pelo adiantamento daquele encargo, que passa a constituir crédito sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente, sujeitando-o ao procedimento concursal deste processo e, com isso, o agravamento, sério, da possibilidade de o suportar em definitivo[23].
Deste regime resulta que o AJP que, por aplicação da preferência prevista pelo art.º 52º, nº 2 do CIRE, venha ser nomeado AI na sequência do encerramento do PER sem aprovação ou sem homologação de plano de recuperação do devedor, não ‘corre o risco’ de cumular essa qualidade (de AI) com a de credor da insolvência na medida em que o pagamento da sua remuneração (que se restringe à fixa) já lhe foi adiantado pelo IGFEJ, entidade à qual, através do Ministério Publico, cabe reclamar aquele crédito no processo de insolvência, à laia do que sucede e sucedia para qualquer dívida de custas da responsabilidade do devedor no âmbito de qualquer outro processo.
3.4. Em síntese, e contrariamente ao entendimento a respeito vertido por Nuno Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo[24], o pagamento da remuneração fixa e das despesas do AJ em PER (e PEAP) está assegurado, em última instância pelo Estado, através do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça (atualmente com a designação de IGFEJ). De contrário, e conforme alerta aquele magistrado, as normas dos art.º 17.º-C, nº 7 e 222.ºC, nº 7, e qualquer outra que fosse interpretada no sentido de vedar a satisfação da remuneração fixa devida ao AJP por adiantamento do IGFEJ, estamos convictas, não resistiriam a um juízo de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade analisados por referência à já referida natureza e contexto jurídico-processual legal do exercício e prestação da atividade do AJ no âmbito dos processos de insolvência, PER e PEAP já que “A imposição legal do dever de colaboração (a medida restritiva) e o regime remuneratório (a medida mitigadora) constituem uma unidade funcional incindível, de modos que [a insuficiência da remuneração[25]] implica, não a responsabilidade do Estado pelo facto lícito de impor a colaboração do perito, mas a inconstitucionalidade (e consequente ilicitude) da própria imposição do dever de colaboração nesses termos”, e porque “Por outro lado, é justo que o sacrifício seja, na medida possível, suportado não pelo próprio [perito[26]], mas pelo processo em cujo âmbito presta os seus serviços.[27]
A título de exemplo, e para além do tratamento desigual que a interpretação da lei no sentido da decisão recorrida proporcionaria à remuneração de profissionais dentro da mesma classe, note-se que, ainda que na pendência do processo o AJP solicite e diligencie pela cobrança da remuneração fixa junto do devedor/requerente do PER, não se vislumbra nem se consente na lei fundamento que o legitime a escusar-se do exercício do cargo com fundamento em falta e/ou até que ocorra o pagamento dessa remuneração o que, no confronto com a faculdade que nesse sentido é reconhecida ao agente de execução[28], só pode compreender-se com o facto de beneficiar da garantia de pagamento daquela remuneração pelos cofres, prorrogativa que não é reconhecida ao agente de execução. De contrário, tratar-se-ia de tratamento desigual do mesmo direito – à remuneração - em prejuízo dos AJ, sendo certo e sem qualquer dúvida que a responsabilidade funcional destes é deveras mais intensa do que a que recai sobre o agente de execução.
Juízo de inconstitucionalidade que preconizaríamos, além do mais, estribado nas considerações do Tribunal Constitucional no âmbito do acórdão nº 33/2017 de 01.02.2017[29] que, com força obrigatória geral, declarou a inconstitucionalidade da norma que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UCs, interpretativamente extraída dos n.ºs 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais por violação do princípio da proporcionalidade, consignando em sede de fundamentação que “apesar de o legislador ter «mandato constitucional para implementar medidas que promovam e garantam o acesso à justiça de todos os cidadãos (…) esse mandato não lhe confere legitimidade para o garantir à custa da imposição de um sacrifício excessivo aos agentes que colaboram na administração da justiça» (Acórdão n.º 656/2014, ponto 20.).”, sendo certo que se enquadra na categoria do sacrifício dessa jaez a prestação de trabalho sem a garantia e, pelo menos em abstrato, com palpável risco de não ver satisfeita a remuneração mínima correspondente.
Na síntese de todo o exposto, concluímos pela revogação da decisão recorrida, que se substitui por outra, de deferimento do pedido de pagamento da remuneração de € 2.000,00 fixada nos autos ao recorrente, a adiantar pelo IGFEJ.

IV – Das custas
Não obstante a ausência de decaimento da recorrente, na ausência de contra-alegações e de causa legal de isenção ou dispensa de tributação, as custas do recurso são da responsabilidade daquela por aplicação do critério subsidiário da vantagem ou do proveito processual previsto pelo art.º 527º, nº 2 do CPC, e porque apenas a recorrente dele beneficiou[30].

V - DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam as Juízas deste coletivo em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra, de deferimento do pedido de pagamento da remuneração de € 2.000,00 fixada nos autos ao recorrente, a adiantar pelo IGFEJ.

As custas do recurso são a cargo do recorrente, e por referência ao montante da remuneração fixado ao recorrente (€2.000,00).

                                              
Lisboa, 28.02.2023
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
_______________________________________________________
[1] Apesar da deficiente prestação processual das alegações traduzida na evidente falta de sintetização dos fundamentos do recurso, consigna-se que não se convidou o recorrente ao seu aperfeiçoamento para obviar ao retardamento dos autos e porque, não obstante, não impede a correta apreensão e compreensão das questões por ele suscitadas e, assim, a cabal definição e delimitação do objeto do recurso.
[2] Note-se que apesar de a Lei nº 9/2022 também ter introduzido alterações ao regime da remuneração do AJ previsto no EAJ, não excluiu a sua aplicação imediata aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, aplicando-se a nova lei independentemente da data da instauração dos autos, da data da nomeação do AJP e do período durante o qual exercer as suas funções, relevando para o efeito apenas a data em que o Juiz procede ao cálculo e fixação da remuneração.
[3] No art.º 1º, nº 2 estabelece que “estão sujeitos ao acompanhamento, fiscalização e disciplina da CAAJ os auxiliares da justiça cujos estatutos prevejam a sua intervenção, nomeadamente os agentes de execução (AE) e os administradores judiciais (AJ), bem como outros auxiliares da justiça nos termos que a lei determine.
[4] Prevista pela Portaria nº 90/2015 de 25.03 no valor de €100,00, que se mantém inalterado.
[5] A referida taxa só não é devida na situação prevista pelo art.º 5º, nº 4 da Portaria nº 90/2015, de substituição do AJ, ou quando a nomeação é feita para o cargo de fiduciário, de acordo com a deliberação nº 36.OG.69.P35/2018 do Órgão de Gestão da CAAJ.
[6] Processo nº 00608/19.0BECBR da 1ª Secção - Contencioso Administrativo, disponível na página da dgsi.
[7] Lê-se na fundamentação do citado aresto que “(…) o específico estatuto do administrador judicial, o qual, no exercício das suas funções e fora delas, assume o estatuto de servidor da justiça, encontrando-se sujeito aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes, bem como às regras gerais sobre incompatibilidades aplicáveis aos titulares dos órgãos sociais das sociedades, que no exercício das suas funções, atua como auxiliar da justiça, revestido de poderes de autoridade, em nome e em representação do Estado, exercendo funções públicas jurisdicionais, faz com que esse seu estatuto não seja equiparável à generalidade de outras “classes profissionais” pretensamente equiparáveis (mas que o recorrente não cuida em identificar), aproximando-o antes ao estatuto dos magistrados judiciais, que como titulares de órgãos de soberania, se encontram submetidos a um estatuto profissional, disciplinar e sancionatório específico, não aplicável, porque não equiparável, a outras atividades profissionais.
[8] Precisamente, por tratar-se de ato/serviço que a lei não deferiu à exclusiva competência do AI, e que, se assim o entenderem, o devedor ou os credores podem solicitar/contratar com terceiros sem custo ou encargo que ao processo por ele possa ser imputado.
[9] Cuja transcrição aqui dispensamos por inúteis à economia da decisão.
[10] Portaria que deveria suceder à Portaria nº 51/2005 de 20.01 mas que nunca foi aprovada, omissão que deu causa a vasta discussão jurisprudencial atinente com o cálculo da remuneração variável do AJP e, na prática judiciária, à aplicação de uma Portaria (nº 51/2005 de 20.01) expressamente revogada pela Lei nº 22/2013 de 26.02, aplicação que, para além de defendida pela jurisprudência, foi expressamente assumida pelo legislador na consulta pública publicada a 11.06.2019, informando que é dado início ao procedimento conducente à aprovação da portaria que tem por objeto regulamentar o regime de remuneração dos administradores judiciais e revogar a Portaria n.º 51/2005, de 20 de janeiro (consultável em https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/consulta-publica?i=320).
[11] Com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei nº 52/2019 de 17.04.
[12] Conforme infra se justifica, a inserção, no CIRE, de duas normas especificamente atinentes com a regulação da remuneração do AJP, no corpo de um artigo que, sob a epígrafe “Requerimento e formalidades”, regula uma temática sem conexão lógico-processual com o pagamento da remuneração, e contrariando a opção legislativa operada pelas alterações introduzidas pela Lei 9/2022 ao EAJ, é para nós revelador que aquelas normas apenas surgem ali localizadas na sequência e para substituição da regra eliminada pela remissão para o nº 3 do art.º 32º.
[13]  Constava prevista no nº 11, passou a constar no nº 12 do art.º 17º-F.
[14] Importando aqui relembrar que a nomeação do AJ ocorre por imperativo da lei e que, para além de sobre as empresas recair dever de apresentação à insolvência, as insolventes e, na pendência do processo, as requerentes de PER, estão isentas do pagamento de custas.
[15] Processo nº 2835/13.5TBGDM-D.P1, disponível na página da dgsi.    
[16] É assim para a insolvência de pessoa coletiva, mas não necessariamente para a insolvência de pessoa singular, conforme infra se refere.
[17] Prevê o art.º 3º, nº 1 do RCP que “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
[18] Sem prejuízo da dispensa de pagamento de custas e encargos concedida nos termos da Lei nº 34/2004 de 29.07, conforme já referido, o devedor singular, mesmo que beneficiário da exoneração do passivo restante, permanece responsável pelas custas e encargos do processo que não tenham sido satisfeitos pelo produto da massa insolvente, conforme bem resulta do art.º 248º do CIRE, que impõe uma leitura restritiva do âmbito da dispensa de elaboração de conta prevista pelo artº. 29º, nº 1, al. b) do RCP para a cingir aos processos de insolvência de pessoa coletiva. Nestes, as custas e encargos do processo de insolvência que não tenham sido satisfeitos pela massa insolvente são definitivamente suportados pelo IGFEJ.
[19] Não é excessivo afirmar que, sem AJ, não há processo de insolvência, pelo menos com caráter pleno, nem PER; no mínimo, porque é impossível a tramitação e cumprimento legal destes procedimentos sem a nomeação e o exercício do cargo pelos AJ.
[20] Na definição prevista no art.º 529º, nº 3 do CPC, “São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa.” Na definição de Cláudia Rodrigues Rocha, “Correspondem às despesas ocasionadas pela realização de determinadas diligências, por terceiros, requeridas ou oficiosamente ordenadas e, naturalmente, que tenham relevância para o prosseguimento da lide e para a boa decisão a causa… que só não consta elencado no rol das remunerações fixas previstas no art.º 17º, nº 2 do RCP porque, conforme refere Salvador da Costa (As Custas Processuais, 7ª ed., p. 208), estas constam especialmente do seu estatuto
[21] Decisão singular proferida no processo nº 4417/21.9FNC-E.L1, e junta aos autos pelo AI com o requerimento sobre o qual incidiu o despacho recorrido.
[22] Prevê esta norma que “(…) são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: (…).
[23] Sobre a restrição desta garantia de pagamento do IGFEJ ao valor da remuneração fixa, que se impõe pelo próprio pressuposto do direito à remuneração variável (na insolvência, existência de resultado positivo da liquidação; no PER ou na insolvência encerrada com homologação de Plano de recuperação, a homologação - e não mera aprovação - do Plano e consequente encerramento do processo e prosseguimento da atividade do devedor, em conjugação com o momento processual do ‘nascimento’ do crédito a título de remuneração variável), mas que aqui não releva analisar para o objeto deste recurso, vd. Nuno Nóbrega Araújo, A remuneração do Administrador Judicial e a sua apreciação depois de 2022, em DataVenia, Revista Jurídica Digital, nº 13, 2022, p. 79 e s. e, em conexão com a questão, págs. 86-88 (disponível em https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao14/datavenia14_p027_076.pdf)
[24] Texto citado, p. 83.
[25] No caso, e com maior gravidade, a ausência de garantia do Estado quanto ao pagamento da remuneração que unilateralmente estipulou dever ser paga ao AJ.
[26] Aqui, administrador judicial.
[27] Declaração de voto do Sr. Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro no acórdão do Tribunal Constitucional nº 33/2017 de 01.02.2017, a que infra fazemos referência. Com pertinência ao caso, mais consta da citada declaração que “Neste particular, o problema tem algumas afinidades com o da requisição e a expropriação por utilidade pública, admitidas pela Constituição desde que ao proprietário seja paga uma justa compensação destinada, quer a ressarci-lo do sacrifício imposto pela medida, quer a distribuir os seus custos pelos cidadãos (através do uso de dinheiros públicos) cujo interesse é por ela servido. E assim como a expropriação sem justa indemnização constitui uma violação ilícita do direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 2), a colaboração imposta sem justa remuneração constitui uma restrição excessiva do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e da liberdade de escolha de profissão (artigos 26.º, n.º 1, 47.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2).
[28] Conforme decorre dos nºs 4 a 7 do art.º 2º da Portaria n.º 282/2013 de 29.08 – regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis – a execução não se considera instaurada enquanto o exequente não comprovar o pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas e, se for o caso, do pagamento da retribuição prevista no n.º 8 do artigo 749.º do Código de Processo Civil. O art.º 721º, nº 2 do CPC prevê que “A execução não prossegue se o exequente não efetuar o pagamento ao agente de execução de quantias que sejam devidas a título de honorários e despesas.
[29] Disponível na página do Tribunal Constitucional.
[30] Nesse sentido, acórdão da RL de 1194/14.3TVLSBL2 de 11.02.2021, disponível na página da dgsi.