Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7033/2007-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: NOTIFICAÇÃO À PARTE
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
PRAZO DE DEFESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1. A notificação por carta registada presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, salvo se o notificando provar que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
2. Quem é parte num processo judicial e sabe que vai receber notificações por carta registada para a prática de determinados actos deve providenciar no sentido de haver alguém presente no seu domicílio, ou pelo menos, abrir ou mandar abrir a caixa do correio para se inteirar dos avisos de registos que o carteiro ali depositou e proceder, diligentemente, ao levantamento das cartas.
3. Quem assim não proceder, quem pelo seu desinteresse ou negligência deixar que as cartas registadas que lhe são enviadas pelos tribunais sejam devolvidas, ou quem conscientemente ou por negligência deixar que essas cartas aguardem na estação dos CTT, durante vários dias, quando podiam perfeitamente ser levantadas no dia em que foi deixado o aviso na caixa do correio, presume-se notificado terceiro posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando o não seja.
4. É muito menos grave a atitude daquele que, por simples descuido, não esteve atento à distribuição do correio e deixou devolver a carta, do que a atitude daquele que, conscientemente, utilizou o expediente atrás referido no intuito de protelar o andamento normal do processo e prorrogar para o dobro os prazos peremptórios previstos na lei.
5. Se o disposto no art. 254º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPC consentisse a utilização deste tipo de expedientes, estaria claramente a prejudicar o destinatário diligente e a beneficiar o negligente e aquele que protela o andamento normal do processo, premiando-os com um prazo superior ao dobro do concedido àqueles que não procederam dessa forma.
(sumário elaborado pela Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório, factos, ocorrências processuais relevantes e objecto do recurso

(J), casado, contribuinte fiscal n.º ..., residente em Lisboa, instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra

(X) – Edições e Marketing, Lda, contribuinte fiscal n.º... , sociedade com sede em Alfragide, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe € 3.000,00, a título de indemnização de antiguidade; € 542,62, a título de retribuição de férias não gozadas (14 dias úteis) relativas ao ano de 2005; € 462,12, a título de subsídio de férias de 2005; € 1.032,37, a título de retribuição de férias do ano da cessação do contrato; € 937,50, a título de subsídio de férias do ano da cessação do contrato e € 802,95, a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de vigência do contrato no ano de 2005, bem como todas as prestações vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença, a liquidar em execução desta, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Alegou para tanto e em síntese o seguinte:
Celebrou com a firma “Mais Valor, Edição e Marketing, Lda.” um contrato de trabalho, em 1 de Junho de 2005;
Em 1 de Setembro de 2005, a “Mais Valor, Edição e Marketing, Lda.” cedeu a sua posição contratual à ora Ré, que assumiu todas as obrigações inerentes à antiguidade do contrato de trabalho do A.;
Foi alvo de pressões no sentido de revogar o contrato de trabalho que mantinha com a R, o que nunca veio a ocorrer, pelo que o contrato mantinha a sua plena vigência e validade;
Em 9 de Janeiro de 2006, entrou de baixa médica do que deu conhecimento à R. e, por carta de 27 de Janeiro de 2006, foi notificado por esta de que a relação laboral entre ambos havia cessado a 31 de Dezembro de 2005, dando como motivo justificativo da cessação do contrato a “iniciativa do trabalhador”;
O A. não denunciou, não resolveu, não revogou o contrato, pelo que a carta da R. consubstancia um despedimento ilícito;
Em consequência dessa ilicitude tem direito a receber as retribuições que lhe seriam devidas se prestasse normalmente a sua actividade, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença, optando, desde já, por uma indemnização em substituição da reintegração, a qual não poderá ser inferior a três meses de retribuição base.
A Ré uma sociedade por quotas, tem a sua sede e os seus escritórios na Quinta..., Alfragide, tem vários funcionários ao seu serviço, um dos quais responsável pelo serviço externo (cfr. fls. 5, 52 e 67), e foi citada para os termos desta acção e para audiência de partes, em 10/4/2006, tendo-lhe sido entregue, nessa data, duplicado da petição inicial.
A Ré não compareceu, em 21/6/2006, à audiência de partes, nem justificou a sua falta.
Em 23/6/2006, foi-lhe remetida pelo tribunal carta registada para a sua sede para a notificar para contestar a acção.
O carteiro tentou entregar essa carta na sua sede, em 26/6/2006, mas não o conseguiu, por dificuldade em localizar o destinatário, tendo deixado aviso na sua caixa de correio a dar-lhe conhecimento dessa carta registada, procedente do TTL, e que a mesma poderia ser levantada na estação dos CTT de Alfragide, até ao dia 7/7/2006.
A Ré procedeu ao levantamento da carta, em 7/7/2006, e apresentou a sua contestação em 17/7/2006.

Em 9/11/2006, a Mma juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
“Por fax remetido a 17.07.2006 veio a ré apresentar contestação que ficou junta a fls. 28 e ss., alegando como nota prévia que apenas havia sido notificado por carta registada sob o n.º RJ151085833PT recebida a 7.07.2006, pelo que o prazo para apresentação da contestação de 10 dias terminaria em 17.07.06, defendendo ser o articulado tempestivo.
Junta informação constante do site dos CTT comprovativa do recebimento a 07.07.2006.
Oficiosamente o Tribunal diligenciou junto dos CTT pelo apuramento da data em que o aviso referente à carta de notificação havia sido depositado no receptáculo postal da ré, tendo os CTT informado que tal aviso foi deixado a 26.06.2006 (vd. fls. 73).
Considerando que a carta de notificação foi expedida a 22.06.06 e que, conforme a presunção legal do art.º 254º/3 do Cód. de Proc. Civil, a mesma se tem por recebida a 26.06.06, cabia à Ré demonstrar que o atraso na recepção da notificação não lhe era imputável, desde logo com a apresentação do articulado, juntando toda a prova de que dispunha. Porém, em atenção ao princípio da cooperação e ao facto da ré ter apresentado um princípio de prova, foi proferido despacho convidando-a a apresentar prova de que a recepção da notificação em data posterior a 26.06.06 e concretamente na data alegada de 07.07.2006 teria ocorrida por razões à mesma alheias e que não lhe poderiam ser imputáveis.
Vem então a Ré, a fls. 79, alegar que por se tratar de uma pequena empresa à data da entrega da carta não tinha ninguém nos escritórios e que não foi possível ao gerente da ré proceder ao levantamento da carta antes do dia 7, altura em que regressou ao trabalho, por se encontrar ausente a prestar apoio ao seu agregado familiar, em virtude de lhe ter nascido um filho no dia 9.06.06, juntando documento comprovativo deste facto.
A Ré vem citar o Ac. n.º JSTA00038713 que se pronunciou relativamente à interpretação do n.º 4 do art.º 1º do Dec. Lei n.º 121/76 de 11 de Fevereiro e onde se diz “Quando o nº 4 do artigo 1 do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, se refere a razões imputáveis ao avisado ou notificado quer significar que só quando o atraso na entrega efectiva da carta ou aviso, em relação à presunção legal dos três dias, se dever a uma conduta culposa e censurável do destinatário é que não será aplicável o regime especial aí instituído. Assim, tendo-se provado que, por o notificado não se encontrar no domicílio à hora da distribuição postal, lhe foi deixado aviso para levantar a correspondência na estação postal dentro de certo prazo, o que ele fez, actuando com a diligência normal, deve considerar-se a notificação feita na data em que efectivamente foi levantada a correspondência”.
No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do Trib. Const. N.º 244/98 de 5.3.1997: DR, II, de 4.11.1998, pág. 15539 quanto à interpretação do n.º 3 do art.º 1º do citado Dec. Lei que estabelece uma presunção idêntica à do n.º 3 do art.º 254º do C.P.C., quando a notificação é feita por simples aviso postal registado, sem a exigência de aviso de recepção, relativamente à notificação ao arguido da decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, nos processos de contra-ordenação.
Consideramos, porém, que as razões aí expostas não são de importar para a análise do caso em concreto, em primeiro lugar porque estamos no âmbito de um processo de trabalho, ao qual são aplicáveis, subsidiariamente as normas de processo civil que se rege por princípios diferentes dos processos contra-ordenacionais e, em segundo lugar porque esta presunção que a lei estabelece no art.º 254º/3 é relativa a notificação feita em pessoa que já está devidamente citada para os termos da causa, sabendo que está pendente uma acção em Tribunal. Ora, nestes casos, exige a lei, segundo o nosso entendimento, que o notificando demonstre que a recepção da notificação para além dos três dias da presunção, se deveu a motivos estranhos à sua vontade. Ora, não basta demonstrar que a carta só foi efectivamente recepcionada para além dos três dias, com o argumento de que se actuou com uma diligência normal ao se ter procedido ao seu levantamento dentro do prazo constante do aviso postal. A se entender que este argumento seria o bastante para ilidir a presunção legal, estava aberto o caminho para que as partes, artificiosamente, obtivessem uma ampliação dos prazos processuais peremptórios, designadamente o da apresentação da contestação, furtando-se ao recebimento das cartas no seu domicílio ou na sede da empresa quando o distribuidor postal aí se dirigisse, por forma a beneficiarem do alargamento do prazo que o aviso de notificação desta forma lhes concedia. A nosso ver é claro que este entendimento que a Ré faz da leitura do art.º 254º/3 e 6 do Cód. de Proc. Civil não é de admitir.
Assim sendo, entendemos que a Ré não cumpriu o ónus de provar que a não recepção da carta de notificação dentro dos três dias a contar da expedição, não lhe é imputável, isto porque:
- em primeiro lugar, não fez prova de que esteve absolutamente impedida de receber a correspondência antes do dia 7 de Julho (v.g. demonstrando documentalmente que o gerente esteve ausente até ao dia 7 dos escritórios da Ré);
- subsidiariamente, ainda que tal prova não lhe fosse possível, não alegou e muito menos demonstrou os factos que permitiriam concluir que actuou com a diligência exigível, alegando por exemplo o desconhecimento do remetente no aviso que foi deixado, por o mesmo não ser visível ou não ser perceptível ou conter um erro na identificação do remetente.
Atendendo a que a Ré havia já sido citada para os termos da presente causa a recepção de um aviso referente a carta de notificação proveniente do Tribunal exigiria da mesma que actuasse de modo mais diligente, procedendo ao seu levantamento logo que possível e não, como aconteceu no caso em apreço, no último dia do prazo constante do aviso.
Pelo exposto, considero que a Ré não ilidiu a presunção legal do art.º 254º/3 do Cód. de Proc. Civil, face ao que vem disposto no n.º 6 do mesmo preceito legal e, consequentemente, a carta de notificação tem-se por recepcionada a 26.06.2006 e o articulado da contestação que apenas deu entrada a 17.07.2006 é claramente extemporâneo.
Notifique e, após trânsito, proceda ao desentranhamento do articulado e à sua devolução ao apresentante.”

Inconformada, a Ré interpôs recurso de agravo deste despacho, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que considere a contestação tempestiva.

O A. não contra-alegou e a Mma juíza sustentou o despacho impugnado e admitiu o recurso com subida deferida e efeito devolutivo.

Em 3/04/2007, foi proferida sentença, na qual a Mma juíza considerou confessados os factos alegados pelo A., julgou procedente a acção e declarou ilícito o seu despedimento.
Em consequência dessa ilicitude condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 3.000,00, a título de indemnização de antiguidade, em substituição da reintegração; as retribuições salariais que deixou de auferir desde os trinta dias anteriores à propositura da acção até ao trânsito em julgado da presente sentença, bem como nos juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias em dívida até integral pagamento.

Irresignada, a Ré interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo sintetizado as suas alegações nas seguintes conclusões:
(…)
O A. não contra-alegou.

Admitido o recurso, na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A questão fulcral que se discute nos recursos interpostos consiste em saber se a contestação da recorrente foi ou não tempestiva.

2. Fundamentação

Comecemos por apreciar, como determina o art. 710º, n.º 1 do CPC, o recurso de agravo interposto pela Ré, tanto mais que o resultado do recurso de apelação está inteiramente dependente do resultado daquele.
Como dissemos atrás, a questão fulcral que nele se discute consiste em saber se a contestação foi ou não tempestiva.
A Ré uma sociedade por quotas, tem a sua sede e os seus escritórios na Quinta... Alfragide, tem vários funcionários ao seu serviço, um dos quais responsável pelo serviço externo (cfr. fls. 5, 52 e 67), e foi citada, em 10/4/2006, na sua sede, através de carta registada, com aviso de recepção, para os termos desta acção e para audiência de partes, tendo-lhe sido entregue, nessa data, duplicado da petição inicial.
A Ré não compareceu, em 21/6/2006, à audiência de partes, nem justificou a sua falta. Devido a essa não comparência, foi-lhe remetida pelo tribunal, em 23/6/2006, carta registada para a sua sede para a notificar para contestar, mas o carteiro, ao contrário do que tinha sucedido, na data da citação, não conseguiu entregar-lhe essa carta, por dificuldade em localizar o destinatário, pelo que deixou aviso na sua caixa de correio, a informá-la da existência duma carta registada, procedente do TTL, e que a mesma poderia ser levantada na estação dos CTT, em Alfragide, até ao dia 7/7/2006.
A Ré procedeu ao levantamento da carta em 7/7/2006 e apresentou a sua contestação em 17/7/2006.
A Mma juíza considerou a contestação extemporânea e ordenou o seu desentranhamento dos autos.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso desse despacho, no qual sustenta que a sua contestação foi tempestiva, pois foi notificada, em 7/07/2006, e apresentou a sua contestação, em 17/07/2006, dentro do prazo de 10 dias, previsto no art. 56º, al. a) do CPT.
Desde já se adianta que não lhe assiste qualquer razão e que concordamos inteiramente com os fundamentos invocados no despacho recorrido.
Vejamos porquê:
Dispõe o art. 23º do CPT que “às citações e notificações aplicam-se as regras estabelecidas no Código do Processo Civil, com as especialidades constantes dos artigos seguintes.”
O Código do Processo Civil estabelece no seu art. 253º, n.º 1 que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais. E o seu art. 255º, n.º 1 dispõe que se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários.
Finalmente, o art. 254º do CPC estabelece o seguinte, no que respeita às notificações aos advogados:
1. Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.
2. (...).
3. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
4. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior.
5. (...)
6. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
Resulta deste preceito que a notificação por carta registada presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, salvo se o notificando provar que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
Portanto, no caso em apreço, deve presumir-se que a recorrente foi notificada para contestar, em 26/6/2006. Tal presunção só não funcionaria, se a Ré tivesse ilidido esta presunção, ou seja, se tivesse provado que a notificação não foi efectuada em 26/6/2006, aquando da distribuição do correio, por razões que não lhe são imputáveis, e que só conseguiu levantar a carta em 7/7/2006 por razões que igualmente não lhe são imputáveis.
Como isso não sucedeu, a Ré deve considerar-se notificada para contestar em 26/6/2006.
Isto é assim porque quem é parte num processo judicial e quer receber as notificações que lhe são dirigidas deve providenciar no sentido de haver alguém presente no seu domicílio, ou pelo menos, abrir ou mandar abrir a caixa do correio para se inteirar dos avisos de registos que os correios ali depositem e proceder, diligentemente, ao levantamento das cartas. Quem assim não proceda, quem pelo seu desinteresse ou negligência deixe que as cartas registadas que lhe são dirigidas pelos tribunais sejam devolvidas, ou quem conscientemente ou por negligência deixa que essas cartas aguardem na estação dos CTT, durante vários dias, quando podiam perfeitamente ser levantadas no dia em que foi deixado o aviso na caixa do correio, se tivesse havido o mínimo de atenção e diligência, sujeita-se à referida consequência, ou seja, a de a notificação se considerar efectuada no terceiro posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando o não seja. E, no caso em apreço, foi precisamente isso que sucedeu.
A recorrente é uma sociedade por quotas, que tem a sua sede e os seus escritórios na Quinta ..., Alfragide, para onde foi remetida a carta de citação, que foi recebida no terceiro dia posterior ao do registo, e para onde foi remetida, em 23/6/2006, a carta em apreço.
A Ré sabia qual a hora habitual da distribuição do correio, tinha vários funcionários ao seu serviço, um dos quais responsável pelo serviço externo (cfr. fls. 5, 52 e 67), sabia que o seu ex-Director de Publicidade lhe tinha instaurado uma acção, em 31/3/2006, no TTL, cuja p.i. já lhe tinha sido entregue em 10/4/2006 e sabia que, por não ter comparecido, em 21/6/2006, à audiência de partes, na qual seria notificado para contestar (art. 56º, al. a) do CPT), chegaria nesse dia ou nos dias mais próximos uma carta registada daquele tribunal para a notificar para esse efeito.
A lei e a boa-fé processual impunham-lhe, por isso, que estivesse minimamente atenta e que providenciasse no sentido de haver alguém presente nos seus escritórios na hora habitual da distribuição do correio, ou que, pelo menos, mandasse abrir a caixa do correio para se inteirar da existência de qualquer aviso ali depositado e que, diligentemente, procedesse ao respectivo levantamento. Era assim que procederia um bonus pater familiae, um empregador normal, uma pessoa minimamente diligente e responsável.
A Ré em vez de proceder desta forma, fez tudo ao contrário. Em vez de adoptar a atitude que uma pessoa normalmente diligente e responsável adoptaria, nesta situação, adoptou a atitude da pessoa negligente e irresponsável, daquele que, em vez de proceder de boa fé e em conformidade com a lei, procura uma forma de a contornar e convencer os outros de que a cumpriu, alegando que se os correios não conseguem encontrar o destinatário e deixam um aviso para levantar a correspondência dentro de determinado prazo, não é censurável, antes perfeitamente normal, que o interessado utilize tal prazo na totalidade...
Esqueceu-se, no entanto, de referir que tinha sido citado para esta acção, por carta registada, naquele domicílio, em 10/4/2006; que tinha desprezado, por completo, a convocação para a audiência de partes (não comparecendo pessoalmente, nem através de mandatário, no dia 21/6/2006, no tribunal, nem justificando a sua falta), impedindo assim que o tribunal a notificasse para contestar naquela data e que o processo fosse mais célere; e esqueceu-se de referir que se furtou à entrega da carta ou, pelo menos, não providenciou no sentido de haver alguém nos seus escritórios na hora habitual da distribuição do correio, para a receber, apesar de saber que a carta (para a notificar para contestar) deveria chegar naquele dia ou nos dias mais próximos, uma vez que não tinha comparecido à audiência de partes do dia 21. E para poder sustentar, como sustentou, que a notificação não se presumia feita em 26/6/2006 (terceiro dia posterior ao do registo) e poder beneficiar de mais onze dias de prazo para contestar, não deixou devolver a carta à procedência, tendo aguardado o decurso do prazo do aviso dos CTT e procedido ao seu levantamento, precisamente, no último dia desse prazo, ou seja, em 7/7/2006, alegando que a notificação só deve considerar-se efectuada nessa data, que o prazo para contestar se iniciou em 8/7/2006 e que a apresentação da contestação em 17/7/2006 foi tempestiva.
A lei, como é óbvio, não admite este tipo de expedientes, pois, em nossa opinião, é muito menos grave a atitude daquele que, por simples descuido ou negligência, não está atento à distribuição do correio e deixa, pura e simplesmente, devolver a carta (caso em que a notificação se presume feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja), do que a atitude daquele que, conscientemente, utiliza o expediente que atrás referimos no intuito de protelar ao máximo o andamento normal do processo e de prorrogar para mais do dobro os prazos peremptórios previstos na lei.
Mais, se o disposto no art. 254º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPC consentisse a utilização deste tipo de expedientes, estaria claramente a prejudicar o destinatário diligente e a beneficiar o negligente e o que protela o andamento normal do processo; estaria a prejudicar as pessoas de boa fé que recebem as cartas registadas que lhes são remetidas pelos tribunais, no dias da distribuição dos correios, e a beneficiar aqueles que se furtam à sua recepção, nesse dia, e só as levantam no último dia do prazo constante do aviso que o carteiro lhe deixou na caixa correio, premiando-os com um prazo superior ao dobro do concedido àqueles que não procederam dessa forma.
Além disso, o legislador estaria a incentivar as partes e os seus mandatários a prorrogarem os prazos peremptórios previstos na lei e a protelarem o andamento normal dos processos, sempre que entendessem ou lhes fosse conveniente. Para tal suceder, bastaria proceder como atrás se referiu. Obviamente que não foi isso que o legislador pretendeu. Antes pelo contrário, com o regime estabelecido no art. 254º, n.ºs 1, 3, 4 e 6 do CPC, o que o legislador quis foi precisamente impedir que isso sucedesse.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso de agravo interposto pela recorrente, devendo manter-se integralmente o despacho recorrido.
Mantendo-se o despacho recorrido, tem de improceder também o recurso de apelação interposto da sentença, já que a anulação desta estava totalmente dependente da procedência do recurso de agravo e da revogação do despacho recorrido.

3. Decisão

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso de agravo e de apelação interpostos pela Ré e confirmam-se o despacho e a sentença recorridos.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Outubro de 2007
Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes