Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BRITO | ||
Descritores: | PENA SUSPENSA EXTINÇÃO DA PENA TRÂNSITO EM JULGADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/22/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – Foi declarada extinta uma pena que ficara suspensa na sua execução por não ter dado conhecimento da prática de qualquer crime, com condenação, no referido período. II – A decisão que declarou a extinção da pena transitou em julgado. III – Tal decisão é “imutável” ou “irrevogável” apesar de ter laborado em erro, uma vez que o arguido havia cometido e sido condenado por crime doloso praticado durante o período de suspensão, cuja decisão não foi atempadamente comunicada ao tribunal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, 1. No Proc. Nº 107/02.0PDOER-A, a correr termos no 2º juízo criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, foi proferida decisão que considerou “imodificável” ou “irrevogável” o despacho que veio a declarar extinta a pena suspensa na execução, por se desconhecer, então, condenação entretanto sofrida pelo arguido por crime cometido no decurso do prazo daquela suspensão. Inconformado, o M.P. interpôs o presente recurso, concluindo: “O caso julgado só produz efeitos perante a irrecorribilidade da decisão judicial. Tal tem consagração expressa na 1a parte do artigo 677° do CPC, aplicável ao processo penal ex vi o artigo 4° do CPP. Sendo assim, só são precludidos pelo caso julgado os vícios da decisão judicial que possam ser atacados por via de recurso. Uma vez que, no nosso ordenamento jurídico, o recurso é um meio de reapreciar decisões já apreciadas pelo tribunal a quo e não decidir sobre questões novas, só podem ser objecto de recurso os vícios que afectem o conteúdo da decisão. Até porque só relativamente a estes é que o prazo de interposição de recurso se revela como razoável, na medida em que o conteúdo do acto decisório se foi construindo ao longo do processo e dessa forma previsível. Já quando estão em causa vícios na formação da decisão - como o erro sobre os factos que lhe estiveram subjacentes - não podem ser atacados por via do recurso uma vez que se trata de uma questão nova. E que também não se reconduz aos regimes previstos nos artigos 379° e 380° do CPP. Antes se trata de um erro vício, que deve ser equacionado à luz dos artigos 251° e 247° do CC. Preceitos aplicáveis por força da remissão prevista no artigo 295ºdo CC, uma vez que a decisão judicial é um acto jurídico, mas desde que a analogia das situações o justifique. Dado que o erro relevante para efeitos do artigo 251° é o erro na formação da vontade e a vontade é também relevante na formação dos actos jurídicos, designadamente das decisões judiciais, enquanto factos jurídicos voluntários, justifica se a aplicação analógica dos referidos preceitos ao erro vicio que afecte a decisão judicial. Ora, nos autos, o despacho de 19/01/2005 assentou num erro sobre os factos que serviram de base à decisão, pelo que este despacho devia ter sido anulado por aplicação dos artigos citados 251° e 247° ex vi 295°, todos do CC. O despacho de 8/04/2005, objecto do presente recurso, ao não o fazer ignorando a irregularidade suscitada e verificada violou os ditos preceitos legais. Termos em que, deve o mesmo ser corrigido em conformidade, determinando-se a anulação do despacho de 19/01/2005 e a consequente reapreciação da revogação da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, agora em face da nova condenação que o arguido sofreu no Proc. n° 357/04.4 GEOER..”. Na oportunidade que lhe foi concedida, o arguido não respondeu ao recurso. Neste Tribunal, o Exmo Procurador-geral Adjunto, em exaustivo parecer, pronunciou-se pela improcedência do recurso. Foi cumprido o art. 417º, nº2 do CPP, nada dizendo, de novo, o arguido. Colhidos os Vistos, e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir: 2. O Sr. Juiz de Instrução Criminal fundamentou a sua decisão da seguinte forma: “O arguido B. foi condenado nestes autos por sentença proferida em 29 de Outubro de 2002 e transitada em julgado em 13/11/2002, pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3°, n.° 2, do Decreto Lei n.° 2/98, de 3/1, com referência aos artigos 121° e seguintes do Código da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos. Por despacho de 19 de Janeiro de 2005, nos termos do n.° 1 do artigo 57° do Código Penal e do artigo 475° do Código de Processo Penal, declarou se extinta a pena aplicada ao arguido, porquanto "Decorrido que está o período da suspensão, constata-se, face ao Certificado de Registo Criminal (fls. 42 a 44), que o arguido, durante o referido período, não cometeu nenhum crime pelo qual tenha sido condenado, nem se tem conhecimento de que existam processos pendentes que possam determinar a revogação da suspensão, nos termos dos artigos 56° e 57° do Código Penal". O referido despacho foi notificado ao arguido através do seu defensor (cfr. artigo 113°, n.° 9 do C.P.P.) por carta remetida em 20 de Janeiro de 2005 e, na mesma data, foi, também, notificado ao Digno Magistrado do Ministério Público. A última condenação averbada no certificado de registo criminal junto aos autos é a proferida neste processo, sendo certo que as anteriores condenações aí averbadas são anteriores e reportam se a factos, também, anteriores aos que aqui estão em causa. Constata se, porém, que após a prolação do mencionado despacho que declarou extinta a pena aplicada ao arguido, e pese embora tenha aposto no respectivo carimbo de entrada a data de 18 de Janeiro de 2005, foi junta aos autos cópia da sentença proferida no Proc. n.° 357/04.4GEOER, já transitada em julgado, ao contrário do que se refere no respectivo oficio (fls. 48 51). No referido processo, conforme se alcança da sentença junta, o arguido foi condenado, uma vez mais, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de quatro meses de prisão. Os factos em causa nesses autos ocorreram em 13 de Agosto de 2004, ou seja, em pleno período de suspensão da execução da pena aplicada nestes autos. Na sentença proferida no Proc. n.° 357/04.4GEOER ordenou-se, desde logo, a comunicação da mesma a estes autos, o que apenas veio a ocorrer em Janeiro de 2005, tendo a cópia da sentença sido, efectivamente, junta após 19 de Janeiro (cfr. fls. 48). Alegando que a promoção de fls. 45 teve por base o CRC de fls. 42 a 44 onde não consta a condenação certificada a fls. 48-51 e que a decisão de fls. 46/7, apesar de posterior à entrada do oficio de fls. 48, não teve em atenção essa condenação, porque a Secretaria só procedeu à sua junção em momento posterior, pelo que a promoção de fls. 45 e o despacho de fls. 46/7, foram proferidos no errado pressuposto de que o arguido não sofrera qualquer condenação por crime cometido durante o período da suspensão, o que fica a dever-se ao tardio envio à DS1C do boletim de condenação e à remessa, também tardia, da certidão de fls. 49 a 51, o que se trata de irregularidade com influência na decisão da causa, só conhecida após a prolação da decisão de fls. 46/7, promove o Digno Magistrado do Ministério Público que se declarem sem efeito o despacho de extinção da pena e a promoção que o antecede, por erro nos respectivos pressupostos, promovendo, ainda, ao abrigo do artigo 56°, n.º 1, alínea b) do Código Penal a revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido nestes autos, decretando-se, o cumprimento da pena. Ora, assiste inteira razão ao Digno Magistrado do Ministério Público quando refere que o despacho, e também a promoção que o antecedeu, foram laborados em erro quanto às condenações que o arguido sofrera. Desconhecia o tribunal no momento em que proferiu a decisão em causa que o arguido tinha sido condenado pela prática de um crime de natureza idêntica ao que está em causa nestes autos no decurso do período de suspensão da execução da pena aqui aplicada. E tal desconhecimento é, exclusivamente, imputável, ao cumprimento tardio do ordenado na sentença proferida no âmbito do Processo n.° 357/04AGEOER, não só relativamente à remessa dos boletins à D.S.I.C.C. mas também na comunicação daquela sentença a estes autos. Cumprimento tardio esse que comprometeu, sem dúvida, a justiça da decisão proferida a fls. 46 e 47. Registando-se, ainda, o facto de após a junção do ofício de fls. 48 a 51 não ter sido aberta conclusão nos autos. Ocorre, porém, que o despacho em questão transitou já em julgado, pelo que, salvo melhor entendimento, imodificável ou irrevogável é a decisão aí proferida. Face ao exposto, nada a ordenar. 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. AC. STJ 16-11-1995, 31-01-96 e 24-03-99 BMJ 451-279, 453-338 e CJ VII-I-247, e arts. 403º e 421º, nº1 do CPP), a única questão a decidir é a de saber se faz caso julgado a decisão de declaração de extinção de pena originariamente suspensa na execução, por decurso do prazo da suspensão sem notícia no processo do cometimento de novo crime, sendo certo que, posteriormente ao trânsito em julgado, há notícia desse cometimento. Propugna o recorrente a modificabilidade da decisão, porque assente em errado pressuposto, ou seja, em facto “falso”, que veio a condicionar (viciar) a vontade do seu autor (da decisão). Defende que estão em causa vícios na formação da decisão, justificando-se a aplicação analógica do regime dos arts 251º e 247º do CC. Apesar do esforço argumentativo plasmado no bem elaborado recurso, cremos não lhe assistir razão. Com efeito, como assinala o Exmo. Procurador-geral Adjunto em esclarecedor parecer, trata-se de decisão proferida em processo penal, sujeita a regime próprio, decisão que transitou em julgado. Parece-nos efectivamente inquestionável a ocorrência de tal trânsito, uma vez que precludiu a possibilidade de recurso ordinário (art. 677º do CPC, ex vi art. 4º do CPP). A decisão, de declaração de extinção da pena, transitou, pois. È certo que a decisão em causa assentou num erro, erro esse, diga-se, não imputável ao arguido, mas sim ao/s operador/es judiciais. E, como bem recorda o Exmo Procurador Geral Adjunto, a norma prevista no Código de Processo Penal de 1929, norma de "escape" para situações como a que vem agora colocada, não passou para o novo CPP (de 1987). Reportamo-nos ao § 5 do seu art° 635°: " Se; posteriormente ao despacho que declarou sem efeito a pena suspensa, se verificar que o réu; durante o período da suspensão, cometeu qualquer crime que determine a caducidade da suspensão, aquele despacho será livremente revogável..." Prevê-se hoje, apenas, um regime de sustação da decisão de declaração da extinção da pena suspensa, sempre que haja notícia de processo-crime pendente contra o arguido, assim se acautelando eventual precipitação decisória, ferida de "erro" de avaliação (Referimo-nos ao nº 2 do art. 57° do Código Penal: se findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, a pena só é declarada extinta quando o processo findar e não houver lugar à revogação ou prorrogação"). Tudo porque a decisão, uma vez transitada, se torna imutável ainda que proferida com base em elementos insuficientes ou contrários à verdade. Ciente da necessidade de compatibilização da segurança e firmeza do acto jurisdicional, por um lado, e do interesse de não prevalência de decisões que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, previu o legislador a possibilidade de rever as sentenças penais. Tal possibilidade confina-se ao recurso de revisão. Só por via do recurso extraordinário de revisão, se e quando admissível, é possível obter nova decisão judicial que substitua outra já transitada em julgado no processo, mas apoiada em vícios ligados à organização desse processo. Assim, nada mais restava, in casu, ao tribunal do que manter a sua anterior decisão – de declaração de extinção de pena – porque transitada em julgado. Estava-lhe, por isso, vedado alterá-la no processo, da forma pretendida pelo M.P., apesar do “facto novo” entretanto trazido ao seu conhecimento. 4. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, e confirma-se a decisão recorrida. Lisboa, 22 de Setembro de 2005 Ana brito Francisco Caramelo Fernando Estrela |