Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6282/2005-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: ACÇÃO
REGISTO
RECUSA
REGISTO PROVISÓRIO
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. Verificada a impossibilidade do registo, a consequência normal será a de se levantar a suspensão, sem que isso implique subordinação de uma das entidades à outra, mas apenas o cumprimento das suas competências específicas (art. 3º., nº 3 do CRPredial).
2. Se assim é no caso de recusa, por maioria de razão a mesma solução deve valer para a hipótese de o registo ser feito "provisoriamente por dúvidas", uma vez que não há então fundamento de recusa. Forçar o registante a eliminar as dúvidas quando se desconheçam as razões que o determinaram, não seria a solução mais equilibrada e curial tendo em conta que o próprio registo existe como tal, surtindo todos os seus efeitos durante o período que a lei registral lhe assinala.
3. A realização pelo Conservador de um registo de acção provisória por natureza e por dúvidas, é suficiente para impôr o prosseguimento, não só da acção, que ficara a aguardar o registo do pedido reconvencional, como da própria reconvenção.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
Maria, intentou acção contra L e D, pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre determinado terreno e construção nele edificada e restituição do anexo que o R. ocupa, bem como a pagar-lhes a quantia de 500.000$00, a título de indemnização.
Os RR. contestaram e deduziram pedido reconvencional, pedindo sejam declarados proprietários, por usucapião da parcela de 112 m2 do prédio descrito.
Foi, então proferido despacho que ordenou, além do mais, procedessem os RR ao registo do pedido reconvencional, sem o que o pedido reconvencional não teria seguimento.
O R. requereu o registo do pedido reconvencional na Conservatória do Registo Predial de Loures, registo que veio a ser efectuado provisoriamente, por dúvidas.
O prazo inicialmente concedido com vista ao registo definitivo veio a ser prorrogado, sem que até à data o R. lograsse obter a sua conversão.

Em sede de saneador, foi, então, proferido o seguinte despacho:
De harmonia com o art. 501º, nº 3 do Código de Processo Civil, quando o prosseguimento da reconvenção esteja dependente da efectivação de registo será o reconvindo absolvido da instância se, no prazo fixado, tal acto não se mostrar realizado.
Esgotou-se o prazo de 60 dias requerido pelo Réu/Reconvinte e que lhe foi concedido para comprovar o registo do pedido reconvencional. Nada mais foi requerido pelo Réu/Reconvinte.
Pelo exposto e de harmonia com o art. 501º n° 3 do CPC absolvo a Reconvinda da instância”.
  Agravou o R. do despacho, apresentando, no essencial, as seguintes conclusões:
1 - O R requereu o registo do pedido reconvencional formulado contra a Autora/Reconvinte, na Conservatória de Registo Predial de Odivelas, através da Apresentação n° 57 de 2 de Outubro de 2001.
2 - Após a notificação feita pela Conservatória de que o registo requerido tinha ficado provisório por dúvidas, o R requereu a conversão em definitivo do citado registo através das Ap nºs 62/63 de 5 de Dezembro de 2002.
3 - As Aps nos 62 e 63 indicadas foram a consequência do pedido formulado através de carta registada em 4-12-2002 e cujos documentos se juntam.
4 - De todas estas evoluções foi sendo dado conhecimento dado ao processo, nomeadamente através de requerimentos enviados por cartas registadas de 16 de Janeiro de 2001, de 31 de Outubro de 2002 e de 12 de Fevereiro de 2003.
5 - Até á data de interposição deste recurso de agravo, o R ainda não tinha sido notificado da decisão proferida pela C. R. Predial de Odivelas e relativa às Aps n° 62/63 de 5-12-2002.
6 - Deste modo o despacho saneador recorrido errou ao considerar que nada mais tinha sido requerido pelo Réu/Reconvinte, pois não avaliou todos os factos constantes dos autos e que atrás se descreveram.

            Corridos os Vistos legais,
                                   Cumpre apreciar e decidir.
      Cumpre conhecer do objecto do recurso, limitando-se, a única questão a apreciar de acordo com as conclusões, a apurar se, para a presente acção, não tendo o R. logrado obter o registo (definitivo) da acção no prazo concedido, é de aplicar a cominação prevista no nº 3 do art. 501º do CPC.
Os factos disponíveis, para a solução da questão em apreço, são os referidos no Relatório.

            II – O DIREITO
            Trata-se de acção de reinvindicação relativa a imóvel de que ambas as partes se intitulam proprietárias (pelo menos, relativamente a uma parcela).
Estão sujeitas a registo, entre outras, as acções que tenham por fim principal ou acessório o reconhecimento do direito de propriedade (art° 3°, nº 1 a) C. R. Predial), estabelecendo o nº 2 do citado preceito que tais acções não prosseguirão, após os articulados, se não se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da sua procedência.
No entanto, para pôr cobro a divergências doutrinais e jurisprudenciais e a demoras processuais quando o Conservador recusava o registo da acção, veio o DL 67/96 introduzir o n° 3 do art. 3º do CRP, que refere o seguinte: “Sem prejuízo da impugnação do despacho do Conservador, se o registo for recusado com fundamento em que a acção a ele não está sujeita, a recusa faz cessar a suspensão da instância ”.
Sabe-se que o registo de acções se destina a dar conhecimento a terceiros de que determinada coisa está a ser objecto de litígio e a adverti-los de que devem abster-se de adquirir sobre ela direitos incompatíveis com o invocado pelo autor, sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que a tal respeito venha a ser proferida, mesmo que não intervenham no processo.
O registo visa, assim, demonstrar que após a sua feitura, nenhum interessado poderá prevalecer-se, contra o registante, dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente ou em momento anterior, mas que tenha negligenciado o seu registo.
Ora, no caso em apreço, os RR/Reconvintes, dando cumprimento ao ordenado, requereram o registo do pedido reconvencional.
Porém, apenas lograram obter o seu registo provisório, por dúvidas, e, apesar de  terem requerido a conversão do registo em definitivo, para tanto tendo procedido em conformidade com o determinado pelo Conservador, a verdade é que ainda não obtiveram a conversão (ou a recusa) do registo.
Mesmo assim, entendeu o Mmº Juiz a quo absolver a A./Reconvinda da instância, ao abrigo do art. 501º, nº 3 do CPC, por não terem os RR/Reconvintes feito prova no prazo de 60 dias do registo do pedido reconvencional.
Vejamos.
No caso de recusa do registo, a decisão do Conservador só poderia ser impugnada por reclamação hierárquica ou recurso contencioso.
Mas porque a parte na acção não pode ser compelida a impugnar o despacho do conservador nem pode ser também prejudicada pela paralisação do processo, a solução mais razoável será a de se ordenar então o seu prosseguimento, mesmo sem o registo, como resulta do citado art. 3º nº 3 do CRP.
Verificada a impossibilidade do registo, a consequência normal será a de se levantar a suspensão, sem que isso implique subordinação de uma das entidades à outra, mas apenas o cumprimento das suas competências específicas.
Se assim é no caso de recusa, por maioria de razão a mesma solução deve valer para a hipótese de o registo ser feito "provisoriamente por dúvidas", uma vez que não há então fundamento de recusa.
E se já antes assim era entendido [1], essa opinião sai hoje fortalecida com a introdução do actual n° 3 acima transcrito.
Na verdade, se, agora, por opção legislativa, se entende que a própria recusa do registo determina o levantamento da suspensão da acção, por maioria de razão essa solução deve valer para hipótese do registo ser feito provisoriamente também por dúvidas.
Forçar o registante a eliminar as dúvidas quando se desconheçam as razões que o determinaram, não seria a solução mais equilibrada e curial tendo em conta que o próprio registo existe como tal, surtindo todos os seus efeitos durante o período que a lei registral lhe assinala.
Assim sendo, afigura-se-nos correcta a orientação que sustenta que com o nº 3 do art. 3º do C.R.P., o legislador pretendeu estender igual solução ao registo por dúvidas[2].
Portanto, salvo o devido respeito, a realização pelo Conservador de um registo de acção provisória por natureza e por dúvidas, é suficiente para impôr o prosseguimento, não só da acção, que ficara a aguardar o registo do pedido reconvencional, como da própria reconvenção.
É verdade que o registo das acções não se esgota em mera função informativa, pois não tem apenas em vista tomar publicamente conhecida a pretensão do autor. A publicidade registral, como meio de conhecimento das realidades juridicamente relevantes, caracteriza-se, também, pela perfeição técnica dos meios utilizados e prende-se com a realização de uma das finalidades muito próprias da protecção de terceiros e da segurança do comércio jurídico[3].
É evidente que o reconvinte tem todo o interesse em ver registado o seu pedido, removendo-se as dúvidas, pois só assim, e uma vez obtida a procedência do pedido em causa, é que pode obter o registo definitivo (art. 101° nº 2- a) CRP).
Além disso, atendendo ao disposto no art. 271° nº 3 do CPC, segundo o qual a sentença apenas tem força de caso julgado entre as partes e não em relação ao terceiro inscrito quando a acção estiver sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção, se não se afastarem as dúvidas do registo provisório, a sentença faz caso julgado entre as partes na acção mas não em relação a um eventual titular inscrito.
Porém, expostas tais vantagens, não podemos esquecer que no processo civil dominam os princípios do dispositivo e da auto responsabilidade das partes, do que resulta que se a parte não escolher a acção mais adequada, terá de sofrer as consequências.
Assim, numa acção (ou pedido reconvencional) obrigada a registo e em que este tenha sido levado a cabo como provisório por natureza (obrigatoriamente) e ainda por dúvidas, se a parte não remover estas sofrerá as consequências.
Portanto, em casos como o dos autos, em que o R. tudo fez para obter o registo da reconvenção, diligenciando, ainda, no sentido de remover as dúvidas por forma a obter o registo definitivo, não pode, sofrer as consequências previstas no nº 3 do art. 501º do CPC que respeita a casos em que o reconvinte, notificado para efectuar o registo da reconvenção, nada faz com vista a obter esse registo.
            Aliás, os Agravantes comprovaram o registo do pedido, o que não comprovaram foi a conversão em definitivo desse registo. Os RR. não assumiram, assim, uma posição passiva: fizeram diligências com vista ao registo e, apesar de este ser provisório, têm diligenciado pela conversão desse registo.
Em suma, estando perante um caso de registo de acção (reconvenção) e sendo efectuado provisoriamente por natureza (sempre, como tem de ser) e por dúvidas, esta situação não poderá ter um tratamento mais gravoso que teria a de recusa do registo, com fundamento em que a acção (reconvenção) a ele não está sujeita, situação em que a recusa faz cessar a suspensão da instância, e, no caso do pedido reconvencional, determina o prosseguimento da reconvenção.
Não podendo, os RR/Reconvintes, serem responsabilizados pelo grande atraso na efectivação dos registos na Conservatória em causa, sendo certo que também os AA não podem ser prejudicados com a paralisação dos autos, até que esse registo se ache convertido em definitivo, deve o processo, incluindo a reconvenção, prosseguir seus termos até final.

III – DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que absolveu a A. reconvinda da instância, que deve ser substituída por outra que determine prosseguimento do pedido reconvencional e o seu conhecimento em sede de despacho saneador, organizando, se for caso disso, a base instrutória.
Em consequência, anulam-se os actos posteriores à decisão em causa (fls. 149) e que se mostrem incompatíveis com o presente acórdão.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Setembro de 2005.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)
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[1] Esta era já a orientação maioritária da jurisprudência antes da alteração introduzida pelo DL 67/96: entre outros, o Ac. STJ de 15.01.1991, BMJ 403º-345.
[2] Ac. RP de 25 de Janeiro de 2001, (relator António José Pires Condesso), in www.dgsi.pt.
[3] Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral , pag 57 e segs.