Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
705/2007-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
HOMOLOGAÇÃO
GUARDA DE MENOR
ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Não desrespeita comando legal o acordo de regulação do exercício do poder paternal  em que os pais acordam exercer em conjunto o poder paternal (artigos 1901.º/1, 1906.º/1 e 1909.º do Código Civil) embora aceitem confiar a um deles a guarda da criança.
II- Permitindo a lei que os avós estejam presentes na conferência (artigo 175.º/1 da Organização Tutelar de Menores) não se vê que haja obstáculo a que os avós assumam responsabilidades relativamente ao neto e muito em particular quando existe acordo entre todos os interessados e a que lhes seja atribuída  directamente a quantia mensal devida a título de alimentos

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Mafra veio interpor recurso da sentença que homologou o acordo do exercício do poder paternal por entender que não foram observados na íntegra os normativos que devem nortear a regulação do exercício do poder paternal designadamente o disposto no art. 1905º do CC, sendo que tal homologação não acautelou os superiores interesses da menor.

No âmbito do recurso interposto foram apresentadas as seguintes conclusões:

1. No âmbito de um acordo referente ao exercício do poder paternal não pode consignar-se que um menor fica confiado a um dos progenitores e em simultâneo consignar que o poder paternal é exercido por ambos.

2. No caso em presença basta consignar que a menor é confiada aos pais exercendo ambos o poder paternal.

3. Os avós da menor não são partes na acção e por isso foram indevidamente condenados a cumprir o acordo do exercício do poder paternal referente à neta.

4. Pelas mesmas razões o pai da menor não devia ficar vinculado à entrega da pensão de alimentos aos pais.

5. Na verdade à luz do regime legalmente estabelecido para regular o poder paternal os avós paternos do menor em caso de incumprimento não poderão recorrer à via judicial para obter o pagamento coercivo da quantia em dívida.

6. Aparentemente nada impede que se consigne num acordo de poder paternal que os avós ficam com a neta e vão entregá-la em determinados dias, o que não é legalmente possível é condená-los a cumprir o acordo sem que eles sejam partes da acção e sem lhes conferir nenhum tipo de poder no âmbito do poder paternal.

7. O acordo em presença pode nunca suscitar problemas, mas tal hipótese não está excluída.

8. Os acordos inerentes ao exercício do poder paternal devem possibilitar o recurso ao mecanismo do incumprimento em toda a sua extensão, o que não sucede no presente caso.

9. Não forma observados na íntegra os normativos que devem nortear a regulação do exercício do poder paternal, designadamente o disposto no art. 1905º do CC.

10. Não se acautelaram os superiores interesses da menor ao homologar por sentença o acordo referente ao respectivo exercício do poder paternal.

Conclui, assim, pela revogação da sentença proferida.

O recurso foi admitido sem que tenham sido apresentadas contra alegações.




II. FACTOS PROVADOS

1. No dia 27 de Setembro de 2005 R.[…] instaurou acção de regulação do exercício do poder paternal referente à menor A.[…].

2. No dia 08 de Junho de 2003 R.[…] e C.[…] contraíram casamento um com o outro.

3. A.[…9 nasceu no dia 29 de Novembro de 2002 e encontra-se registada como filha de R.[…] e de C.[…9.

4. Os progenitores da menor encontram-se separados de facto um do outro

5. No dia 18 de Novembro de 2005 realizou-se conferência de pais com vista ao acordo de regulação do exercício do poder paternal da menor […].

6. Nessa conferência estiveram presentes os progenitores da menor […], os avós paternos da mesma, […], a mandatária do progenitor da menor e a Magistrada do Ministério Público.

7. A regulação do exercício do poder paternal foi obtida por acordo dos pais e avós paternos da menor tendo sido homologada pelo Magistrado Judicial com oposição do Magistrado do Ministério Público.

8. O acordo foi lavrado nos seguintes termos:

“1. A menor fica confiada à guarda da mãe, exercendo ambos os progenitores o poder paternal;

2. A criança passará os dias da semana até às 19.30 com os avós paternos, altura em que estes ou o pai a levarão a casa da mãe;

3. Aos fins de semana, a menina fica com os avós paternos, até às 17.00 horas, altura em que a levarão a casa da mãe;

4. O pai contribuirá com a importância mensal de € 150,00, a título de alimentos, quantia essa que entregará aos seus pais;

5. Custas em partes iguais pelos progenitores prescindindo de procuradoria e das custas de parte.

9. Perante este acordo, e em momento anterior ao da sentença homologatória, o Mº Público proferiu o seguinte parecer:

“Não concordamos com o acordo aqui formulado na medida em que tendo sido a criança confiada à mãe, não há fundamento para exercerem ambos o poder paternal, sendo que tal poder não é similar ao que vigora na constância do matrimónio não se justificando também a fixação de um regime de visitas”.

10. A sentença homologatória, na parte que ora importa, tem a seguinte redacção:

“R.[…] e C.[…], com os sinais dos autos, requereram a homologação do acordo de regulação do exercício do poder paternal relativo ao(à) filho(a) de ambos, A.[…9, assim pondo termo à presente Regulação do Poder Paternal.

Olhando os termos do referido acordo, afigura-se que o mesmo é de molde a acautelar os interesses do(a) filho(a) dos requerentes, mostrando-se preenchidos os demais requisitos (arts. 155º/5, 174º/1 e 177º/1 da OTM), que o homologo, por sentença, condenando os pais e avós paternos a cumpri-lo nos seus exactos termos […]”

11. Em 30 de Novembro de 2005 o Ministério Público interpôs recurso desta sentença.

12. Após admissão deste recurso, o Ministério Público apresentou as suas alegações no dia 22 de Fevereiro de 2006.




III. FUNDAMENTAÇÃO


Como ponto prévio cumpre deixar expresso que as questões colocadas no âmbito deste recurso têm um interesse prático reduzido se tivermos em atenção que desde que o acordo foi obtido, não foram apresentados incumprimentos ao mesmo, o que desde logo demonstra que além de consensual, foi equilibrado.

Esta questão é tanto mais relevante se tivermos em atenção que o presente processo esteve cerca de um ano na primeira instância, até ser objecto de despacho judicial que determinou a respectiva subida, o que permite afirmar que a solução encontrada pelas partes, pelo menos, assegurou estabilidade à menor e evitou recursos a Tribunal, nomeadamente, para efeitos de eventuais incumprimentos.

Esta afirmação desde logo determina que se comece por conhecer das questões colocadas no presente recurso pela ordem inversa da sua submissão a apreciação, o que em nada altera o conhecimento de todos os pontos em apreciação, mas pode simplificar a respectiva abordagem.

Assim, conforme decorre da Acta de Conferência de Pais, ali estiveram presentes, para além dos respectivos Magistrados e Mandatária do progenitor da menor […], os pais e avós paternos da mesma. A solução extra judicial encontrada para o acordo foi obtida na presença de todos que, com a mesma concordaram e expressaram-na no acordo transcrito. Aliás, no parecer então apresentado pelo Mº Público este não coloca sequer a questão de, em tal acordo, terem sido condenados os avós paternos da menor e de os mesmos não serem partes naquela acção.

Com efeito, para a conferência de pais devem ser convocados os progenitores do menor podendo o Magistrado Judicial determinar também a comparência dos avós ou outros parentes – art. 175º/1 da OTM.

Embora não tendo sido convocados a verdade é que na mesma estiveram presentes os avós paternos, que concordaram com o teor do acordo lavrado – que diga-se, aliás, parece apenas reproduzir o que na realidade já se passava em termos de facto, segundo o teor da petição apresentada pelo pai da menor – sendo certo que foram autorizados a ali permanecerem conforme decorre da respectiva Acta.

Por essa mesma razão, os avós paternos da menor foram condenados no respectivo cumprimento do acordado, no caso, a passarem com a menor todos os dias da semana até às 19.30, altura em que os mesmos ou o pai a levarão a casa da mãe e, aos fins de semana, ficarem com a neta até às 17.00 horas, altura em que a levarão a casa da mãe.

A acção de regulação do exercício do poder paternal sendo, como é, uma acção de jurisdição voluntária, e nela podendo intervir os avós de um menor, nada obsta que os mesmos, em conferência de pais, designada nos termos e para os efeitos do art. 174º da OTM, assumam responsabilidades relativamente ao seu neto, salvo casos de manifesta falta de idoneidade daqueles mesmos avós, questão que não foi colocada à apreciação deste Tribunal.

Assim, na acção de regulação do exercício do poder paternal, devem ser consideradas como partes todas as pessoas em relação às quais possa ser deferido no todo e/ou em parte as responsabilidades que se visam acautelar com a respectiva instauração daquela acção e logo que as mesmas intervenham em tal processo judicial.

Concluindo, os avós paternos podem assumir as responsabilidades inerentes a tomar conta da sua neta, providenciando pela sua entrega diária à mãe, no final de cada dia. Nada obsta, também, que recebam a pensão de alimentos referente à menor, acordada em conferência judicial e que, em caso de incumprimento, possam recorrer também a Tribunal com vista ao respectivo cumprimento, conforme decorre do acordo em que estiveram presentes, objecto de sentença homologatória.

No que se refere ao acordo quanto à guarda e exercício do poder paternal da menor cumpre ter presente que os progenitores desta, embora casados um com o outro, encontram-se separados de facto razão, aliás, que motivou a própria instauração da presente acção.

Refere expressamente a lei, no art. 1901º/1 do CC, que “na constância do matrimónio o exercício do poder paternal pertence a ambos os pais”. No caso de progenitores casados um com o outro mas separados de facto, dispõe em idêntico sentido o art. 1906º/1 do mesmo diploma legal - aplicável por determinação expressa do art. 1909º do CC – que, “desde que obtido o acordo dos pais, o poder paternal é exercido em comum por ambos, decidindo as questões relativas à vida do filho em condições idênticas às que vigoravam para tal efeito na constância do matrimónio”.


Assim, nada obsta que, neste caso, e apesar dos progenitores estarem separados de facto, tal directiva se mantenha, principalmente quando há consenso quanto a este ponto particular e que tantas controvérsias gera em grande parte dos processos desta natureza.

Realidade distinta do exercício do poder paternal é a guarda da criança que, até a terceiros pode ser confiada, nos casos previstos na lei. No presente caso a menor foi confiada à guarda da mãe, por acordo de ambos os progenitores, nada havendo na lei que obste a tal consenso. Com efeito, encontrando-se os pais separados de facto um do outro, com residências distintas, mal se compreenderia que a criança não ficasse entregue à guarda de um deles. Aliás, tenha-se me atenção que muito embora a lei se refira ao exercício em comum do poder paternal, não se reporta ao exercício conjunto da guarda.

Os dados em que o Tribunal se deve movimentar para encontrar a solução mais adequada no quadro legal vigente têm na base a circunstância de se tratar de um casal que contraiu casamento, têm uma filha em comum, mas que se encontram separados de facto sendo, assim, impraticável a guarda comum. Por outro lado, a lei não contém qualquer disposição que permita a guarda alternada sendo certo que se entende que tal solução sempre contenderia com os interesses da menor, impedindo-a de estabelecer qual é a sua casa, o seu lar e/ou o seu centro de vida.

Entende-se, assim, que o Tribunal de 1ª Instância ao aceitar o acordo dos familiares da menor, no caso, dos pais e avós paternos, e que consta de fls. 21/22 dos autos, homologando-o, protegeu os interesses da criança, proporcionando-lhe estabilidade quanto à guarda, direito de visitas e alimentos, nada havendo a censurar em tal decisão.


III. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

Sem custas.


Lisboa, 06 de Fevereiro de 2007

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo  ( voto de vencido: discordo da decisão que fez vencimento nos seguintes pontos:
1- O conceito técnico-jurídico de “ partes” não pode, a meu ver, ter um alcance tão amplo e indefinido como é sustentado no acórdão
2- A pensão de alimentos estabelecida em favor da menor deveria ser entregue à mãe - que tem a sua guarda, exercendo ( em conjunto com o pai) o poder paternal sobre ela - e não aos avós paternos ( que poderiam apenas servir de intermediários na entrega da pensão à mãe)
O que determinaria a procedência parcial do recurso
Isabel Salgado