Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
772/19.9YRLSB-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL NECESSÁRIO
COMPETÊNCIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NULIDADE
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE INDEFESA
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-O tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é competente para apreciar, por via da dedução de excepção peremptória, a questão da nulidade da patente ou Certificado Complementar de Protecção relativa a medicamento.
II-Embora o Tribunal Constitucional reconheça que nem toda a restrição ao princípio do contraditório implica, necessariamente, uma violação do artigo 20.º da Constituição, acaba por concluir que a norma constante do art.º 35.º do CPI revela-se excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM. Termos em que deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da proibição de indefesa (artigo 20.º da Constituição em conjugação com o seu 18.º, n.º 2).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

                       
I-RELATÓRIO
N…., AG e N…. FARMA. intentaram  acção arbitral contra:
M…., BV,  e  M…, LDA ambas melhor identificadas nos autos.
As Requerentes, ora Recorrentes vêm requerer a anulação parcial da decisão arbitral interlocutória, ao abrigo do disposto nos artigos 18.º n.º 9, 46.º n.º3 alínea a),  i) e ii) e 59.º n.º 1  alínea f) do n.º 1, na parte em que declarou a competência do Tribunal Arbitral para conhecer da excepção da nulidade do Certificado Complementar de Protecção (CCP) n.º 161. 
Em suma o que se discute é a competência dos Tribunais Arbitrais para conhecerem da excepção da nulidade de um direito de propriedade industrial, com efeitos inter partes.
A acção arbitral na qual foi proferida a decisão interlocutória cuja anulação se pede foi iniciada pelas Requerentes, contra a requerida, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, por meio de carta datada de 2 de março de 2017.
O Despacho recorrido, datado de 25 de fevereiro de 2019, tem o seguinte teor:
Na reunião de 31 de Outubro de 2018, o Tribunal Arbitral pronunciou-se no sentido de se considerar competente para apreciar o pedido de invalidade das patentes, que importa, agora, fundamentar. As Demandantes entendem que o Tribunal Arbitral carece de competência para conhecer da validade de direitos de propriedade industrial, ainda que com meros efeitos inter partes. A questão é evidentemente controversa e tem sido decidida de forma diversa, tanto pelo Supremo Tribunal de Justiça como pelo Tribunal Constitucional, com abundante e pertinente fundamentação. Sem retomar a discussão, o Tribunal Arbitral opta por seguir a decisão e os correspondentes fundamentos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, de 24 de Maio de 2017 ( Fátima Mata-Mouros), no qual se julgou “(…)inconstitucional a norma  interpretativamente extraível do art.º 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º n.º 1 e 101.º n.º2 do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por excepção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos  inter partes”. Ainda que esta acórdão careça de força obrigatória geral e não cuide da efectiva tutela dos titulares de patentes, o Tribunal Arbitral considera que, no contexto, a solução é a mais adequada à boa resolução do litígio, porquanto, não impedindo que a questão seja discutida em sede judicial, com eficácia erga omnes, como, de resto, in casu, ocorreu, pois a Demandada já impugnou a validade das patentes em sede judicial, não obsta à celeridade da apreciação arbitral em questão”.
Inconformadas com esta decisão as Demandantes vieram  impugnar a mesma, requerendo a final, a respectiva anulação, fundamentado a sua pretensão em Jurisprudência proferida em sentido oposto àquela que fundamenta a decisão impugnada.
Ordenada a citação das Requeridas para se oporem à requerida anulação da decisão arbitral impugnada, nos termos do disposto no art.º 66.º n.º 2 b) da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro(LAV) vieram as mesmas:
a)Como questão prévia, invocam a nulidade da citação.
Alega, para tanto que, no ofício de citação foi fixado expressamente à M.. um prazo de 10 dias para deduzir oposição ao pedido de anulação e não o devido prazo de 30 dias.
Com efeito, o pedido de anulação notificado no ofício referido, equivale a uma petição inicial  apresentada numa acção de anulação de sentença arbitral, tendo sido intentado ao abrigo do artigo 46.º n.º3, alínea a) subalínea iii) da LAV e do artigo 3.º n.º8 da Lei n.º 62/2011 de 12 de dezembro, sendo por isso uma acção judicial autónoma para a qual a entidade requerida deve ser citada para se opor e apresentar prova – cfr artigo 46.º n.º2 b) da LAV.
Nos termos do art.º 569.º n.º1 do CPC  o prazo da contestação é de 30 dias pelo que deverá ser este o prazo concedido à ora opoente.
Ao ter fixado um prazo para a M.. responder à acção de anulação, inferior ao prazo legal de 30 dias, o ofício de citação violou também o direito fundamental de defesa da M..
Assim, conclui, a citação promovida nos presentes autos é ilegal e inconstitucional, devendo por isso ser declarada nula nos termos do artigo 191.º n.º 1 e n.º4 do CPC e, em consequência, ser ordenada nova e correcta citação da M… para contestar a acção no prazo de 30 dias.
Quanto ao objecto da impugnação, defendem-se argumentando no sentido da defesa da posição adoptada no despacho recorrido, discorrendo longamente sobre as posições doutrinais e jurisprudenciais sobre a questão.
Cumpre, pois, apreciar e decidir, colhidos que foram os vistos legais:
II-OS FACTOS
Tratando-se de uma questão exclusivamente jurídica, os elementos com relevo para a decisão são os que constam do relatório supra.
III-O DIREITO
Tendo em conta as questões suscitadas pelas Recorrentes importa decidir:
1-Nulidade da citação
2- Saber se o Tribunal Arbitral é competente para apreciar, por via de dedução de excepção, a questão da nulidade da patente ou CCP do medicamento em causa, por tal matéria estar reservada à competência exclusiva do Tribunal de Propriedade Industrial TPI.
Quanto à primeira questão verifico que, efectivamente, a requerida foi citada “para no prazo de 10 dias, querendo se opor ao pedido e oferecer prova”, tudo “nos termos do art.º 46.º n.º 2 c) da LAV e conforme ordenado no despacho cuja cópia se remete (…)”. É certo que do teor do despacho proferido não resulta, expressamente, qual o prazo a considerar. E também é certo que no art.º 46.º n.º 2 b) da LAV também não se encontra explicitado qual o prazo de que o citando dispõe para apresentar a sua oposição.
Ora, na falta de disposição legal explícita sobre a matéria, logo se formaram duas correntes de opinião antagónicas.
Assim, há quem entenda que “não havendo disposição legal explícita sobre a matéria, [deverão aplicar-se] às questões da tramitação da impugnação, não reguladas na LAV, mesmo quando se trata de aspectos anteriores à produção de prova, as regras do recurso de apelação do CPC – salvo no que respeita aos prazos para a prática de actos pelas partes (caso da apresentação da oposição e da ‘réplica’), os quais, como não vêm fixados na LAV, devem corresponder ao prazo geral supletivo do art.º149 do novo CPC, ou seja, ao prazo de 10 dias.”[1]
Outros Autores defendem a posição de que o prazo a considerar deverá ser o de 30 dias, com fundamento em que o prazo de 10 dias é demasiado exíguo, violando-se desse modo o princípio da igualdade das partes[2].
Ora, independentemente do prazo que tenhamos por correcto, a verdade é que decorre da análise da oposição apresentada que as Requeridas que ambas apresentaram detalhadas oposições, com exaustivos argumentos e remetendo para muito diversificada doutrina e jurisprudência. Com efeito a questão já foi debatida na acção arbitral, pelo que as partes estarão naturalmente preparadas para dar imediata resposta aos fundamentos invocados, com pleno conhecimento de causa. Assim sendo, podemos concluir que as Requeridas não foram prejudicadas no seu direito de defesa, pois que a questão que foi levantada pelas autoras, no pedido de anulação, é uma questão já tão debatida e esmiuçada que é impossível haver qualquer novidade nela para as Rés.
Conforme estipula o ar.º 191.º n.º 4 do Código de Processo Civil, a arguição da nulidade da citação só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
Já vimos que a defesa das Requeridas não foi minimamente posta em causa. Logo, nunca seria atendida a nulidade ainda que viéssemos a concluir pela existência da mesma.
Por tal motivo, vai a respectiva arguição indeferida[3].
2-Importa agora analisar a questão fulcral de saber se Tribunal Arbitral é competente para apreciar, por via de dedução de excepção, a questão da nulidade da patente ou CCP do medicamento em causa, por tal matéria estar reservada à competência exclusiva do Tribunal de Propriedade Industrial TPI.
A Lei 62/11 de 12-12[4] instituiu um regime de arbitragem necessária para a composição dos litígios emergentes da atribuição de autorização de introdução no mercado (AIM) de medicamentos pelo INFARMED, quando estão em causa medicamentos genéricos protegidos por patentes ou por certificados complementares de protecção (CCP) na titularidade de terceiros. Está, pois, em causa saber se será admissível que o alegado infractor dos referidos direitos de propriedade industrial  venha defender-se, na acção arbitral, alegando que a patente  ou CCP invocados não são válidos.
“Parece haver unanimidade no sentido de que, perante o disposto no art.º 35º, nº1, do CPI, ao exigir que a invalidade da patente registada resulte de decisão judicial, a respectiva nulidade ou anulação só podem ser decretadas, com eficácia erga omnes, pelo TPI, ao qual se mostra atribuída, desde a sua criação, uma reserva de competência material exclusiva sobre este tema – não sendo, consequentemente, admissível que o interessado/requerido deduza pedido reconvencional sobre a invocada matéria da nulidade da patente, em termos de alargar o objecto do processo a esta questão, deixando-a definida com força de caso julgado material.
Pelo contrário, a doutrina e a jurisprudência mostram-se divididas quanto à possibilidade de, nesse processo, pendente perante o tribunal arbitral necessário, ser invocada, a título de estrito meio de defesa, como mera excepção peremptória, a referida nulidade da patente, cabendo então ao tribunal arbitral apreciá-la, mediante decisão cuja eficácia permaneceria confinada exclusivamente ao processo em causa, não produzindo a decisão proferida, mesmo nos casos em que julgasse demonstrada a invocada nulidade da patente, os típicos efeitos de caso julgado material.
Sustentando esta possibilidade, podem citar-se nomeadamente Remédio Marques (A Arbitrabilidade da Excepção de Invalidade da Patente no Quadro da Lei nº 62/2011, in Revista de Direito Intelectual, nº2/2014, pag. 215), Dário Moura Vicente ( (O regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes, in ROA, Ano 72, pag. 981) e José Alberto Vieira ( A competência do Tribunal Arbitral Necessário para Apreciar a Excepção de Invalidade da Patente Registada, in Revista de Direito Intelectual, , nº2/2015, pag. 195).
Em sentido contrário, podem invocar-se nomeadamente Manuel Oehen Mendes (Breves Considerações sobre a Incompetência dos Tribunais Arbitrais Portugueses Para Apreciarem a Questão da Invalidade das Patentes e dos Certificados Complementares de Protecção para Medicamentos, in Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, pag. 927) e Evaristo Mendes (Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva e Questões Conexas, in Propriedades Intelectuais, 2015, n.º3, p.103.”[5]
Os argumentos esgrimidos por aqueles que pugnam, tal como as ora Apelantes, pela incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer, ainda que a título incidental, da nulidade da patente ou CCP prendem-se com a “ disfuncionalidade” que resulta desta tese “permitindo que sobre tal matéria seja proferida decisão jurisdicional pelo tribunal arbitral, cujos efeitos permanecem circunscritos ao processo, não se repercutindo no registo da patente: na verdade, tal orientação permite que subsista intocado o registo constitutivo da patente, apesar da prolação de decisão jurisdicional que, no âmbito de tal processo, considerou nula a patente registada – conduzindo a que a dita patente passe a funcionar intermitentemente na ordem jurídica, sendo o direito ao uso exclusivo que essencialmente a caracteriza invocável contra a generalidade dos sujeitos, mas já não contra aquele ou aqueles que tivessem obtido procedência quanto à matéria da excepção peremptória de nulidade, incidentalmente suscitada e decidida sem eficácia erga omnes…Teríamos, pois, uma inelutável relativização de um direito absoluto, levando, (…) a que a patente, objecto de intocado registo constitutivo - lavrado por entidade pública qualificada que apreciou previamente à sua feitura o escrupuloso cumprimento dos requisitos legais para a atribuição do direito privativo industrial – fosse incidentalmente inválida apenas em relação a um possível infractor próximo, permanecendo válida e operante em relação a todos os demais interessados”[6].
Em suma, entendem que a inviabilidade de o R. suscitar incidentalmente, na acção arbitral, a excepção peremptória de nulidade do direito patenteado se configura como proporcional e adequada, radicando, em última análise, na natureza da relação controvertida, no carácter constitutivo do acto de reconhecimento dos direitos de propriedade industrial e nas razões de interesse público e de congruência do sistema que levaram a reservar o conhecimento de tais vícios apenas ao TPI – não implicando, consequentemente, o desvio à regra constante do nº1 do art. 91º do CPC qualquer violação do direito de defesa, da regra do contraditório ou do princípio do processo equitativo.[7]
Por sua vez os argumentos daqueles que entendem que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer da invocada nulidade de direitos de propriedade industrial, em sede de defesa por excepção e com efeitos inter partes, baseiam-se no princípio constitucional consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva[8]. “O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4) (…) No caso em presença está em causa a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efetiva, designada por “proibição de indefesa”. Este princípio, decorrente do reconhecimento do direito geral ao contraditório inerente ao direito a um processo justo implicado no direito fundamental de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da Constituição, afirma uma proibição da limitação intolerável do direito de defesa perante o tribunal (…)O princípio do contraditório pressupõe, portanto, como regra a admissibilidade e conhecimento da defesa por impugnação e exceção na mesma ação. A proibição de indefesa enquanto elemento indispensável da via judiciária de tutela efetiva implica não apenas a impugnação dos fundamentos da ação como a possibilidade de os ver todos apreciados na mesma. Não se trata, no entanto, de um princípio absoluto, devendo, antes, ser ponderado com outros princípios conflituantes.”.[9]
E, assim, considerando estes princípios foi decidido pelo Tribunal Constitucional, no acórdão já citado:
Julgar inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes”.
Embora os argumentos dos defensores da primeira tese, invocados pela Apelante e muito bem explicitados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra mencionado[10] sejam fortes e pertinentes, propendemos para considerar que é preferível suportar os riscos da apontada “disfuncionalidade” que pode suceder, decorrente da possibilidade de uma patente passar a funcionar “intermitentemente” na ordem jurídica, do que a violação de princípios fundamentais da nossa ordem jurídica, com assento constitucional, como os já apontados direitos ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do contraditório.
Na verdade, embora o Tribunal Constitucional reconheça que nem toda a restrição ao princípio do contraditório implica, necessariamente, uma violação do artigo 20.º da Constituição, acaba por concluir que no caso em apreço, “a norma objeto do presente julgamento [art.º 35.º do PCI] revela-se excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM. Termos em que deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da proibição de indefesa (artigo 20.º da Constituição em conjugação com o seu 18.º, n.º 2)”[11].
E fundamenta a sua decisão invocando a seguinte argumentação que transcrevemos por espelhar aquilo que corresponde à nossa convicção:
Subsiste, portanto, uma questão essencial: saber se o ónus imposto à parte, no caso, o requerente da AIM, consistente na interposição da ação de declaração de nulidade ou anulação da patente, revela respeito pela regra da proporcionalidade, tendo em conta o fim visado, revelando-se como uma restrição admissível do direito à tutela efetiva dos direitos das partes, no respeito pelo preceituado no artigo 20.º da Lei Fundamental.
Ora, na verdade, a instauração da referida ação de invalidação da patente dificilmente terá influência sobre a resolução do conflito pendente na arbitragem. A declaração de nulidade pelo TPI, com eficácia erga omnes, tem efeitos ex tunc (eficácia retroativa), mas com ressalva dos efeitos jurídicos já produzidos em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado (artigo 36.º CPI). Ora, tendo em conta a duração habitual dos pleitos, é improvável que a decisão da jurisdição comum sobre a validade da patente transite em julgado em momento anterior ao do trânsito em julgado da decisão arbitral. Significa isto que, mesmo que a empresa de medicamentos genéricos obtenha a declaração de nulidade da patente relativa ao medicamento de referência, sempre continuará vinculada relativamente à indemnização ou a sanções pecuniárias compulsórias fixadas e transitadas em julgado o que, na realidade, deixa em aberto a possibilidade de condenação do agente do medicamento genérico pela prática de uma infração de um direito de propriedade industrial cujo título, afinal, é inválido. Assim, a mera possibilidade de interposição de uma ação de declaração de nulidade ou anulação não se revela um meio alternativo eficaz para suprir a necessidade de defesa do requerente de AIM, podendo redundar numa ablação total do seu direito de defesa pela impossibilidade de invocação da nulidade da patente na ação arbitral.
É certo que para obstar àquele efeito, o demandado na ação arbitral pode requerer uma “suspensão” do processo até o TPI se pronunciar. Nesse caso, «o tribunal arbitral deferirá a pretensão se – excecionalmente, dados os termos em que o exclusivo é concedido e a circunstância de se tratar de patentes em fim de vida, via de regra já escrutinadas a nível mundial – houver fortes indícios capazes de vencer a presunção de validade de que a patente goza» (cfr. Evaristo Mendes, “Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efetiva e Questões Conexas”, in Propriedades Intelectuais, n.º 3, 2015, 103;cfr. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016, ponto 8).
A necessidade de desencadear, pelo interessado na emissão da AIM do medicamento genérico, a pertinente ação de invalidação da patente que obsta à pretendida introdução no mercado, conjugada com a possibilidade de requerer e obter a suspensão da instância arbitral até que tal ação seja julgada, constituem, com efeito, meios procedimentais – alternativos à dedução perante o tribunal arbitral da exceção de nulidade da dita patente – que permitem satisfazer o seu direito a questionar a validade da patente que obsta à comercialização por ele pretendida.
No entanto, a obtenção da suspensão da instância arbitral deve ser considerada incerta. Atendendo-se ao regime aplicável a essa situação, verifica-se que a possibilidade de o demandado requerer a suspensão da instância se encontra prevista no artigo 272.º do Código de Processo Civil (CPC), dependendo da verificação de requisitos positivos e negativos. Por um lado, é necessária a verificação de uma causa prejudicial (requisito positivo) – entendendo-se que se verifica nexo de prejudicialidade entre duas ações pendentes justificativo da suspensão (a situação em que a decisão de uma ação pode afetar o julgamento a proferir na outra). Por outro lado, o seu deferimento depende também da verificação de requisitos negativos elencados no n.º 2 do artigo 272.º do CPC. De acordo com este preceito, «não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens».
Assim, a decretação da suspensão não pode ser tida como certa a priori, pois só diante das circunstâncias de cada caso é que os juízes avaliarão a pertinência e adequação de deferir o pedido de suspensão da instância arbitral.
Não deve ignorar-se, para além disso, que a suspensão da instância não encontra na ação arbitral o campo de aplicação ideal, sabido que é constituir uma mais-valia da arbitragem precisamente a oferta de celeridade na resolução do litígio. Note-se que a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, a regra geral de que «os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro». Independentemente da questão de saber se aquele prazo de caducidade encontra, ou não, justificação para ser aplicado nas arbitragens necessárias como a prevista no regime sob análise, certo é que o interesse da celeridade na composição do litígio constitui um apelo inegavelmente associado ao recurso à arbitragem. Ora, esta vocação de celeridade constitui fator que pode desincentivar a suspensão da instância.
Não pode, portanto, excluir-se a hipótese de o tribunal arbitral não determinar a suspensão. Nesse caso (…) se a suspensão da instância não for decretada, mesmo que o TPI venha a declarar a nulidade erga omnes, o trânsito em julgado da decisão arbitral inviabiliza os efeitos retroativos da decisão judicial, nos termos do artigo 36.º, in fine, do CPI. Os efeitos já produzidos pela decisão arbitral manter-se-iam, embora fundados numa patente inválida. Terá de se concluir, nesse caso, que a solução em causa nem sempre permitirá acautelar os direitos de defesa do requerente da AIM, podendo originar uma situação da sua total supressão”.
Como resulta demonstrado na argumentação constante do Acórdão do Tribunal Constitucional, também a solução preconizada pelas Apelantes não é isenta de graves inconvenientes, e cremos que são superiores àqueles que admitimos poderem decorrer da possibilidade de o Tribunal Arbitral poder apreciar por via de excepção e com efeitos inter partes, a questão da invalidade do direito de propriedade industrial.
Assim, consideramos improcedente a invocação de nulidade da decisão arbitral impugnada, tal como já decidimos em acórdão anteriormente proferido[12].
IV-DECISÃO
Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão do Tribunal Arbitral.
Custas pelas Apelantes.

Lisboa, 7 de maio de 2020
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Anabela Cesariny Calafate
_______________________________________________________
[1] Mário Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária, Comentada, Almedina, 2014, págs. 553- 554; Robin de Andrade, LAV anotada, 4.ª edição, 2019, p. 166-167.
[2] Vide a este respeito, António Pedro Pinto Monteiro, Manual de Arbitragem, Almedina, Junho de 2019, p. 393, nota 1768. Na verdade este Autor, refere-se à divergência, mas não toma posição sobre a mesma.
[3] Vide neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2019, Processo 406/19, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Lei da Arbitragem Voluntária (LAV)
[5] Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 14-12-2016, Processo 1248/14.6YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Idem.
[7] Idem.
[8] Vide acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, de 24 de maio de 2017, Processo 297/16 – 1.ª secção, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Idem.
[10] Também no mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2019, Processo 861/161, disponível em www.dgsi.pt
[11] Idem.
[12] Acórdão do TRL de 05-07-2018, Processo 582/18.0YRLSB-6, disponível em www.dgsi.pt.