Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3141/07.0TBLLE-Z.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: EMBARGOS
EXTEMPORANEIDADE
FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Deduzido que seja o requerimento executivo, o executado pode opor-se à execução (cfr. artigo 728.º e ss. do CPC) e à penhora (cfr. artigo 784.º e ss. do mesmo Código).
II) A oposição à execução constitui o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante a pretensão do exequente.
III) Com as condicionantes decorrentes da espécie de título executivo em questão, o executado pode opor à execução factos ou razões de direito que conduzam à inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda, à falta de um qualquer pressuposto processual geral ou à falta de um qualquer pressuposto processual específico da ação executiva.
IV) As questões que poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento são objeto de intervenção atípica, a qual pode ocorrer até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, nos termos do artigo 734.º, n.º 1, do CPC.
V) E, assim, se se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC, a prolação de tal decisão de indeferimento não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados.
VI) Tal sucede com a manifesta falta ou insuficiência do título.
VI) E, também nada impede que o recorrente, apenas em sede de recurso, venha invocar questões que poderiam ter dado aso à prolação de despacho liminar de indeferimento do requerimento executivo, posto que o seu conhecimento seja oficioso.
VII) Contudo, reunindo-se a apreciação das reclamações de créditos, “num único apenso ao processo de execução” (cfr. artigo 788.º, n.º 8, do CPC) e tendo a impugnação dos créditos reclamados “por fundamento qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência” (cfr. artigo 789.º, n.º 4, do CPC), o meio próprio para colocar em crise os créditos reclamados é a impugnação dos créditos nesse apenso, onde as questões atinentes aos créditos reclamados devem ser resolvidas, não fazendo sentido admitir que, para além desse meio de defesa – a dedução de impugnação – pudesse ainda ser deduzido um outro, com a feição de “embargos” (face ao crédito reclamado pelo credor).
VIII) Os embargos de executado não se dirigem a colocar em crise o crédito reclamado pelo credor reclamante, cujo meio próprio é a impugnação dos créditos, prevista no artigo 789.º do CPC, mas sim, a opor-se, com os fundamentos legalmente previstos, à pretensão do exequente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:
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1. Em 28-11-2007, a ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO R …, em Vilamoura, Quarteira, identificada nos autos, instaurou a execução, com o n.º …/…, de que os presentes autos constituem apenso, contra HS e AC, também identificados nos autos, constando do respetivo requerimento executivo, nomeadamente, o seguinte:
“Título Executivo: Acta
(…)
Valor da Execução: 6.430, 89€ (…)
Factos: Os Executados não efectuaram o pagamento das quotas de Condomínio, nos anos, respectivamente:
ANO DE 2004
1º Trimestre - Eur: 375,00
2º Trimestre - Eur: 375,00
3º Trimestre - Eur: 375,00
4º Trimestre - Eur: 375,00
ANO DE 2005
1º Trimestre - Eur: 375,00
2º Trimestre - Eur: 375,00
3º Trimestre - Eur: 375,00
4º Trimestre - Eur: 375,00
ANO DE 2006
1º Trimestre - Eur: 375,00
2º Trimestre - Eur: 375,00
3º Trimestre - Eur: 375,00
4º Trimestre - Eur: 375,00
ANO DE 2007
1º Trimestre - Eur: 375,00
2º Trimestre - Eur: 375,00
3º Trimestre - Eur: 375,00
Soma - Eur: 5.625,00
A que acresce o 4º Trimestre de 2007, de igual montante de Eur: 375,00, tudo no total de Eur: 6.000,00, bem como os juros vencidos e vincendos.”.
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2. Em 22-08-2008, nos autos de execução, foi efetuada a citação dos executados (cfr. requerimentos de 15-09-2008, ref.ªs. 1123406 e 1123405)
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3. Por requerimento entrado em juízo em 04-09-2008 (e que deu origem ao apenso A) a executada AC veio deduzir oposição à execução, invocando que:
“1º No âmbito de um processo de divórcio litigioso, no dia 07-01-2005, compareceu o executado e depositário nomeado dos bens comuns do casal – HS, na secretaria judicial do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Loulé, Proc. Nº …/…, tendo-lhe sido entregue a administração do imóvel indicado agora à penhora.
2º É ao depositário nomeado e administrador do imóvel que cabe pagar as quotas do condomínio, o que não tem acontecido.
3º A aqui executada é assim parte ilegítima, o que desde logo constitui uma excepção dilatória.
4º Mais, a aqui executada e dois filhos menores residem e tem domicilio profissional no imóvel indicado à penhora, já que o executado – HS, ocupa os outros dois imóveis do casal – RUA … Nº … e RUA … Nº … e RUA … Nº …, … – … … – SINTRA
5º E ainda, o executado HS, recebe a renda de um talho explorado por si e pelo seu filho MS, sito no imóvel que constitui bem comum do casal na RUA … Nº …ALGUEIRÃO, sem nada pagar à executada e comproprietária.
6º Pior, o executado – HS, não paga as pensões de alimentos dos dois filhos menores desde o mês de Junho de 2007.
7º Aliás, foi no mês de Junho de 2007, que o executado HS, chantagiou a executada para que vendesse o imóvel agora indicado à penhora em troca da continuação do pagamento da pensão de alimentos aos dois filhos menores.
8º Do exposto pode-se concluir sem grande dificuldade que o não pagamento das quotas do condomínio, da exclusiva responsabilidade do executado – HS e a indicação à penhora de um imóvel avaliado em €350.000,00, para pagamento de um valor de €6.000,00, tem por objectivo a venda do imóvel, residência permanente da executada e de dois filhos menores.
O DIREITO
9º A executada recusa a comunicabilidade da divida, da responsabilidade do cabeça de casal e administrador dos bens comuns que deve prestar contas. TRL, AC. 16-02-2006, ART.º 495 C.P.C.
10º A executada requer a separação dos bens comuns do casal, ART.825 C.P.C.
Para tanto, requer-se a V. Exa., que por apenso se digne admitir a presente oposição à execução em que se requer a suspensão da instancia executiva até à partilha de bens, que inclui três imóveis(um prédio e duas moradias) e a absolvição da instancia da executada que se considera parte ilegítima (…)”.
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4. Por decisão de 24-11-2008, proferida no mencionado apenso A, foi determinado o desentranhamento da oposição e declarada extinta a instância, decisão da qual foi interposto recurso de agravo, ao qual, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-01-2009 foi negado provimento e mantida a decisão da 1.ª instância.
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5. Em 26-02-2009, nos autos de execução, foi penhorado o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º … da freguesia de Quarteira (cfr. auto de penhora junto aqueles autos em 13-07-2009)
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6. Por despacho de 31-05-2010, proferido nos autos de execução, foi determinada a suspensão da instância executiva, nos termos do então vigente artigo 882.º do CPC.
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7. O exequente, por requerimento de 19-06-2012, apresentado nos autos de execução, veio ampliar o pedido pela quantia de €4.770,00.
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8. Por requerimento apresentado pelo exequente em 29-07-2015, nos autos de execução, o exequente veio informar nos autos que “a executada pagou a totalidade do acordo celebrado nos autos, remanescendo em dívida, no que respeita à totalidade dos valores peticionados no processo até à data, as quantias a que se refere o requerimento de 19.06.2012”, requerendo o prosseguimento dos autos “para cobrança coerciva dos valores peticionados no requerimento de 19.06.2012”.
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9. Em 02-10-2015, o exequente veio apresentar requerimento para cumulação de execuções, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“Finalidade: Cumular a Processo Existente (…)
Especie: Execução Sumária (Ag.Execução)
Valor da Execução: 5.372,79€ (Cinco Mil Trezentos e Setenta e Dois Euros e Setenta e Nove Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Comércio]
Título Executivo: Ata
Factos:
1.O exequente tem por objecto a administração das partes comuns do denominado Condomínio do Edifício Rua …, sito em Vilamoura.
2. Os executados são proprietários de uma das fracções correspondente ao nº 6 de polícia.
3. Os executados não pagaram ao exequente, para além das quantias já peticionadas por meio do articulado de 19.06.2012 (ref.ª citius10494012), as quantias que se venceram do quarto trimestre de 2013 até esta data, no valor total de 5.040,00€, as quais se discriminam como segue:
a) 3º trimestre de 2012, no valor de 420€;
b) 4º trimestre de 2012, no valor de 420€;
c) 1º trimestre de 2013, no valor de 420€;
d) 2º trimestre de 2013, no valor de 420€;
e) 3º trimestre de 2013, no valor de 420€;
f) 4º trimestre de 2013, no valor de 420€;
g) 1º trimestre de 2014, no valor de 420€;
h) 2º trimestre de 2014, no valor de 420€;
i) 1º trimestre de 2015, no valor de 420€;
j) 2º trimestre de 2015, no valor de 420€;
k) 3º trimestre de 2015, no valor de 420€;
l) 4º trimestre de 2015, no valor de 420€.
4. Assim, no período correspondente ao 3º trimestre de 2012 ao 4º trimestre de 2015, a executada apenas efectuou o pagamento de duas contribuições, no valor de 420€ cada uma (total de 820,00€), correspondente aos 3º e 4º trimestres de 2014.
4. De acordo com o Regulamento do Condomínio, artigo 19º, o pagamento das contribuições vencem-se trimestralmente até ao dia 8 do mês que inicia o trimestre.
5. Na assembleia de condóminos de 09 de Agosto de 2014 foi deliberado conceder um prazo adicional de 30 dias à condómina para liquidar os valores em dívida, sem que a mesma o tenha feito.
6. Venceram-se juros moratórios à taxa supletiva legal para as obrigações civis no valor de 332,79€, os quais se peticionam.
7. Peticionam-se juros vincendos (…).”.
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10. Em 13-04-2016 foi junto aos autos de execução requerimento onde exequente e executada requereram a extinção da instância pela celebração de acordo dos seguintes termos:
“1. A executada confessa-se devedora ao exequente do valor total de 11.587,33€, dos quais 10.650,00€ respeitam a contribuições em dívida ao exequente até Junho de 2016, inclusive, às quais acresce a quantia de 346,93€ referentes aos honorários do agente de execução que continuou o processo, bem como o valor de 590,40€ relativo aos honorários pagos a advogado por análise e continuação do processo de cobrança coerciva identificado supra.
2. Executada e exequente acordam, assim, na actualização da quantia exequenda para o valor de 11587,33€, por forma a incluir todos os valores supra referidos em 1.
3. A Dra. AC pagará €250,00 mensais para liquidação do valor referido no ponto 1; valor este que será actualizado com as prestações vincendas de €420,00 por trimestre a partir do mês de Julho de 2016; aplicando-se ao acordo possíveis alterações do valor pago por trimestre.
4. A primeira das prestações acordadas vence no dia 15 de Abril de 2016 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes.
5. O vencimento de uma das prestações implica o vencimento das restantes.
6. O pagamento de cada uma das prestações deverá ser efectuado por transferência ou depósito para a conta com o NIB ….
7. O exequente não prescinde da penhora realizada nos autos.”.
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11. Na sequência, o Agente de Execução comunicou aos autos a extinção da execução, em 12-05-2016, nos termos do artigo 849.º, n.º 3, do CPC.
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12. Em 13-06-2017, tendo sido requerida a renovação da instância executiva, por credor reclamante, teve lugar a citação de credores, nos termos dos artigos 786.º, n.º 2 e 788.º do CPC, tendo sido reclamados créditos, a que se reporta o apenso C aos autos de execução.
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13. Havendo credores reclamantes, foi requerida a renovação da execução, nos termos do artigo 850.º, n.º 2, do CPC (cfr. requerimento de 19-10-2017).
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14. Em 22-01-2018, no referido apenso C, foi expedida notificação aos executados, em conformidade com o disposto no artigo 866.º do CPC então vigente (CPC 1961), tendo, a executada, por requerimento de 29-01-2018, deduzido impugnação dos créditos reclamados, invocando, nomeadamente, que quanto à reclamante CRISTICARNES – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÕES, LDA., “a dívida não é comum, é dívida própria do executado HS, Artigo 743 do NCPC”.
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15. Em 19-11-2018, foi proferido o seguinte despacho: “Tomei conhecimento da informação que antecede, em face da qual nada há a determinar por ora, sendo que, quanto aos requerimentos apresentados para deserção da instância, não só não resulta dos autos a verificação dos respectivos pressupostos, como resulta a sua apreciação prejudicada pela posterior evolução dos autos (tendo designadamente em conta o acordo de pagamento fraccionado em vigor), e que, quanto às questões suscitadas pela Executada nos requerimentos que apresentou a 16.05.2016 e 26.07.2017, está em causa matéria de oposição à penhora e/ou embargos de executado e contestação às reclamações de créditos, de que não cumpre conhecer nesta sede.”.
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16. Entre outros requerimentos que os autos documentam, a executada, em 25-02-2019, veio informar e requerer o seguinte:
“1 - No mesmo Juízo supra referido corre o PROCESSO: …/… onde foi efetuada a primeira penhora, encontrando-se o imóvel de Sintra livre e desembaraçado; deve pois a penhora dos presentes autos ser substituída pelo imóvel de Sintra.
2- Proferir despacho de nulidade da decisão de venda do imóvel da Quarteira que é casa de morada de família; não havendo decisão na oposição e impugnação de créditos e que constitui os apensos A e C.
3- Proferir despacho se o acordo de pagamento com o condomínio ficou sem efeito, nos termos do Artigo 809 n.º 2 b) do C.P.C.»
Em 02-03-2019, a Executada a presentou requerimento do seguinte teor:
«1 - O imóvel sito no Algarve tem termo de arrolamento, conforme documento que se junta e portanto não pode ser vendido como muito bem sabe o AE; este imóvel é casa de morada de família e domicilio profissional.
2 - Indica-se para venda o imóvel sito em Sintra, documento que se junta, que tem a data de penhora mais antiga - 27/06/2000 - PROCESSO:
28570/09.0T2SNT-A, TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, SINTRA - JUÍZO DE EXECUÇÃO - JUIZ 1; este imóvel encontra-se devoluto, livre e em perigo de degradação.
Nos termos dos Artigos 759 e 794 do C.P.C., requer-se a V.Exa., se digne ordenar a divisão dos imóveis comuns do ex-casal e o levantamento das penhoras sobre o imóvel do Algarve, por ser manifesta a suficiência do valor do imóvel de Sintra para satisfação do crédito do exequente, dos credores reclamantes e das custas.»
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17. A credora CRISTICARNES IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, LDA. veio, em 02-03-2019, pugnar pela improcedência dos pedidos da Executada, referindo que a pretensão da substituição de bens devia ter sido feita dentro do prazo de oposição e nessa peça.
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18. Em 30-05-2019 foi junto ao apenso C, requerimento do Agente de Execução, datado de 19-02-2019, de onde consta escrito o seguinte:
“RS, agente de execução nos autos supra-referenciados, vem no prosseguimento do requerimento da executada de 16/01/2019 com a referência 31234228 esclarecer que, apesar de celebrado acordo de pagamento e consequentemente extinta a execução, foi a mesma posteriormente renovada a requerimento dos credores reclamantes Colégio Internacional de Vilamoura, Lda. e Investiments 2234 Overseas Fund IV BV (sendo que actualmente é Sandalgreen Assets, Lda. que ocupa a posição daquele credor, conforme ordenado em douto despacho datado de 11/02/2019).
Nesse sentido, deve a execução prosseguir.
Contudo, por força do disposto nos nºs 2 a 4 do art.º 809º do CPC, foi a exequente notificada para informar se desiste da garantia e requerer também o prosseguimento da execução.
A exequente não prescinde da garantia mas não requereu também o prosseguimento da execução.
Assim, no seu modesto entendimento, por força do disposto no nº 4 daquele preceito, não desistindo a exequente da garantia, a execução prossegue para pagamento dos créditos reclamados, e apenas estes, permitindo a garantia a graduação dos créditos da exequente no lugar que lhe couber, o que não aconteceria se tivesse desistido da mesma.
Assim, entende que não assiste razão à executada.
Termos em que para os devidos e legais efeitos requer a ida deste aos autos.”.
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19. Em 23-10-2019, no referido apenso C, foi proferida sentença que julgou não verificado o crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, IP e reconhecidos os demais, foram os mesmos graduados da seguinte forma:
“1º- Os créditos reclamados pelo Investmentes 2234 Overseas Fund IV BV
2º- O crédito reclamado pela sociedade comercial Cristicarnes-Importação e Exportação, Lda..
3º- O crédito reclamado pela sociedade comercial Colégio Internacional de Vilamoura, Lda.”.
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20. Na referida sentença de 23-10-2019, proferida no apenso de reclamação de créditos (C), em 23-10-2019, considerou-se, a dado passo, que:
“Cumprido o disposto no n.º 2, do art.º 789a, do C. P. Civil, foi deduzida impugnação pela executada, alegando a extinção da instância executiva atento o acordo de pagamento celebrado com a primitiva exequente.
Vejamos.
Da análise dos autos verifica-se que efectivamente foi celebrado um acordo de pagamento, que originou a extinção da execução, contudo, nos termos permitidos pelo disposto no artigo 850a, na2, do CPC, vieram os credores reclamantes requerer o prosseguimento dos autos, o que é legal, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, verificamos não assistir razão à requerida/executada, devendo os autos executivos prosseguir.”.
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21. Interposto que foi, pela executada, recurso de apelação da sentença de 23-10-2019, proferida no apenso C, em 13-03-2020, nos mesmos autos, foi proferido despacho a ordenar o desentranhamento das alegações de recurso, por a executada não ter efetuado o pagamento da taxa de justiça do recurso e da multa que lhe foi aplicada, despacho que foi notificado à executada por notificação expedida em 13-03-2020.
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22. Também em 23-10-2019 foi proferido o seguinte despacho (no processo principal):
“Quanto ao requerido pela executada relativamente à substituição do bem, resulta da análise dos autos que não foi cumprido o disposto no artigo 856º, n.º do CPC, pelo que indefiro o requerido.
Notifique e prossigam os autos nos moldes legais.
DN
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No mais, deverá ser cumprido o princípio do contraditório.
DN”.
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23. Inconformada, apelou a executada, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 09-07-2020, a julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão de indeferimento de substituição da penhora.
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24. Foi interposto recurso de revista pela executada para o STJ, que não foi admitido nos termos do despacho de 03-11-2020, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
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25. Interposto recurso de revisão, o mesmo foi rejeitado por decisão, proferida no STJ, de 24-05-2021 e, interposto recurso de apelação, foi indeferido o requerimento apresentado, por despacho de 17-06-2021 e interposto recurso para o Tribunal Constitucional, tal requerimento veio a ser indeferido, nos termos da decisão proferida em 14-07-2021 (apenso G).
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26. Dessa decisão de 14-07-2021, a executada reclamou, reclamação que foi indeferida, por decisão de 17-09-2021 (apenso G).
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27. Em 09-08-2020 veio a executada deduzir oposição à execução n.º 3141/07.0TBLLE.L1, mediante embargos de executado, dando origem ao presente apenso Z, constando do respetivo requerimento, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(…) Contra
CRISTICARNES-importação e exportação. Lda, com sede na Rua …, Milharado, NIF – …, graduada em 2º lugar para pagamento
Nos termos dos Artigos 195, 728 nº2, 729 a), 733 nº 5, 734, 740 nº 2, 743 nº 1, 838 e 839 nº 1 a), c) do NCPC e Artigos 1788 e seguintes do C.C.
Da decisão do AE de iniciar o leilão online do imóvel penhorado e que constitui casa de morada de família e domicílio profissional.
I Inexistência de título executivo por parte da credora reclamante relativamente à requerente, a execução foi movida apenas contra o ex-cônjuge executado.
II A sentença de divórcio transitou em julgado no dia 28/02/2008.
III A credora reclamante acionou o título que dispunha relativo apenas a um dos ex-cônjuges e logo está limitada àquele título e não pode alargar a sua intervenção à discussão da comunicabilidade da divida.
IV Conforme resulta da certidão do Registo Predial de Belmonte a penhora AP. … DE 20/01/2010 tem como sujeitos passivos:
a) Contravolta- comércio de carnes, UNIPESSOAL LDA, cujo gerente é MS RS e
b) HS, divorciado, alegadamente como fiador
V Esta penhora consubstancia verdadeira fraude à lei, com base no Processo executivo nº …/…, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Execução de Sintra – Juiz 1, execução esta movida apenas contra um dos ex-cônjuge e da exclusiva responsabilidade de um.
VI A requerente na qualidade ex-cônjuge não foi citada nos referidos autos nem nestes para separação de bens.
VII Está pendente processo de inventário para separação das meações pelo que a execução deve ser suspensa até efetivação da partilha, não sendo a divida comum passa a incidir sobre a meação do executado.
VIII Sendo o imóvel casa de habitação e domicílio profissional, a sua venda causa prejuízo grave e não reparável pelo que esta deve aguardar decisão quer dos embargos e requerimentos quer do inventário.
Pelo exposto, pela inexistência de título executivo por parte da credora reclamante graduada em 2º lugar relativamente à requerente, o que consubstancia a nulidade da venda e a extinção da execução quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, pelo que se requer a V.Exa, seja ordenado ao AE a anulação do leilão online.”.
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28. Em 01-09-2022 foi proferida, pelo tribunal recorrido, nos presentes autos, a seguinte decisão:
“AC veio, em 09.08.2022, por apenso à execução deduzir os presentes embargos de executado mediante oposição à execução.
Apreciando.
No caso sub judice, compulsados os autos de execução, constata-se que os ora embargante/executada foi citada a 22.08.2008.
Considerando a data da citação e a data da entrada da presente oposição à execução mediante embargos de executado, é manifesta a extemporaneidade desta última, à luz do disposto no artigo 728.º, n.º 1, do C.P.C. e, consequentemente, causa de indeferimento liminar, nos termos do disposto no 732.º, n. °1, alínea a), do C.P.C.
Dispõe o artigo 531º, do CPC, que: “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida."
Constituem pressupostos da aplicação desta taxa, a natureza manifestamente improcedente de certo pedido e uma atuação imprudente, reveladora de violação do dever de diligência.
A taxa será aplicada em situações excecionais, ou seja, quando o sujeito tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, provocando um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.
Da análise dos vários apensos - segue o apenso AG-, beneficiando a mesma de apoio judiciário.
Não podemos deixar de anotar que a executada, aqui agindo como advogada em causa própria, instaurou diversos apensos-entre providências cautelares, oposição à execução, mediante embargos de executado, incidentes anómalos, embargos de terceiro, submeteu vários requerimentos de arguição de nulidade nos autos principais, com vista a obter a suspensão da instância, após várias decisões a ordenar o prosseguimento dos autos principais. 
Da análise dos autos, verifica-se que a executada tendo vindo, de modo incompreensível, a remeter de forma aleatória e repetida, de modo geral requerimentos e deduzir incidentes, como é o caso aqui em discussão, com pretensões sem qualquer fundamento legal, levando a que, de modo, no mínimo, imprudente o tribunal seja obrigado a decidir um incidente manifestamente improcedente.
A situação mostra-se também excecional porque a executada tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, provocando sucessivos incidentes anómalos, tendo em dois dias, instaurado três apensos de oposição de execução, mediante embargos de executado.
Nestes termos, julgo os presentes embargos de executado extemporâneos e, por conseguinte, indefiro-os liminarmente, e decido condenar a executada, pelos motivos supra expostos, em taxa sancionatória excecional, prevista no artigo 531.º do CPC, que se fixa em 3 UC de taxa de justiça.
Liquide e notifique para pagamento.
Custas a cargo da requerente (sem prejuízo do apoio judiciário).
Registe e notifique.”.
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29. Não se conformando com esta decisão, dela apela a embargante, pugnando pela “anulação do leilão online e consequentemente dar a venda sem efeito com a extinção da execução por inexistência de título executivo, anulando-se a sentença que se executou, por parte da credora reclamante graduada em 2º lugar”, formulando as seguintes conclusões:
“I A inexistência de título executivo por parte da credora reclamante graduada em 2° lugar relativamente à requerente.
II Falta de citação para efeitos do Artigo 119 do CRPREDIAL, o que consubstancia a nulidade da venda e a extinção da execução quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.
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30. Por despacho de 07-12-2022 foi admitido liminarmente o requerimento recursório.
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31. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
A) Se os embargos deduzidos são extemporâneos?
B) Se procede a invocada inexistência “de título executivo por parte da credora reclamante graduada em 2º lugar relativamente à requerente” e de falta de citação para efeitos do artigo 119.º do Código do Registo Predial?
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3. Enquadramento de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
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A) Se os embargos deduzidos são extemporâneos?
Como pressuposto das demais questões a conhecer em sede de apreciação da presente apelação e considerando que a apelante pretende colocar em crise a decisão de prosseguimento da execução e venda determinadas, cumpre determinar se deverá subsistir a decisão que indeferiu liminarmente os embargos deduzidos.
Vejamos:
Apresentado que seja o requerimento executivo, o executado pode deduzir oposição à execução (cfr. artigo 728.º e ss. do CPC, de 2013, aplicável aos embargos deduzidos após a data da sua entrada em vigor – cfr. artigo 6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) e à penhora (cfr. artigo 784.º e ss. do mesmo Código).
Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
- Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
- Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
- Penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
Por seu turno, a oposição à execução constitui o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante a pretensão do exequente. Foi deduzida uma concreta pretensão contra o executado e este defende-se desta, pelo que deve expor todos os fundamentos suscetíveis de conduzir à extinção da execução, atenta a ligação funcional existente entre a oposição e a execução. A oposição é uma contra-acção (cfr., Anselmo de Castro, A acção executiva singular, comum e especial, Coimbra Editora, págs. 44 e 274) do executado à acção executiva para impedir a execução, visando a sua extinção, no todo ou em parte (cfr. art.º 732º, nº 4, do CPC).
“A oposição do executado visa a extinção da execução mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva, assumindo o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e/ou da acção que nele se baseia.
Quando veicula uma oposição de mérito à execução visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo, enquanto tal” (assim, Lebre de Freitas; A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª ed., Coimbra ed., 1997, pp. 141 e 157).
Ou seja, “pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção” (assim, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-02-2021, Pº 1623/20.7T8STB-A.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO).
Os embargos, enquanto oposição à execução, são deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação (cfr. n.º 1 do artigo 728.º do CPC).
Todavia, quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo – de 20 dias – conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado (cfr. n.º 2 do artigo 728.º do CPC).
A superveniência factual que determina a dedução de embargos supervenientes pode ser objetiva ou subjetiva.
Ou seja: “(…) a superveniência da oposição à execução tanto pode resultar da ocorrência de um facto depois do termo do prazo normal de 20 dias a que alude o n.º 1 do mesmo artigo (facto superveniente), como do conhecimento pelo oponente depois desse prazo de um facto que já existia mas que não conhecia (conhecimento superveniente)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2009 (Pº 29153/05.0YYPRT-A.P1, rel. ANTÓNIO GUERRA BANHA).
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Pº 6952/10.5TBBRG-A.G1, rel. ANTÓNIO BARROCA PENHA):
“I- Conforme decorre do disposto no art.º 728º, n.º 2, do C. P. Civil, há a possibilidade de instauração de “embargos supervenientes” nos seguintes casos: a) quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado (superveniência objetiva); b) quando este tiver conhecimento do facto depois da sua citação (superveniência subjetiva).
II- Cabe sempre ao embargante a prova dos factos que constituem a superveniência (objetiva ou subjetiva) da matéria da oposição (art.º 588º, n.º 2, in fine, do C. P. Civil)”.
Assim, “os embargos supervenientes não devem ser recebidos se tiverem sido deduzidos fora do prazo de 20 dias a contar do dia em que ocorreu o facto que o executado invoca como fundamento da oposição ou do dia em que dele tenha conhecimento o executado (art.ºs 732/1-a e 728/2, ambos do CPC)” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-09-2019, Pº 3653/09.0TBVFX-A.L1, rel. PEDRO MARTINS).
A contagem do prazo de 20 dias, inicia-se a partir da data em que tiver ocorrido o facto objectivo superveniente fundamento da oposição e a partir da data em que o executado/opoente teve conhecimento (superveniente) desse mesmo facto fundamento da oposição (assim, Lebre de Freitas; A Acção Executiva depois da Reforma, Coimbra ed., 2004, pp. 197-198; Lopes Cardoso; Manual da Acção Executiva, Livraria Almedina, Coimbra, 3.ª ed., p. 294 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-05-2019, Pº 847/15.3T8OER-A.L1-8, rel. CARLA MENDES).
De todo o modo, por regra, a defesa em sede de oposição à execução está sujeita a um princípio de concentração, segundo o qual a defesa ser congregada no meio processual utilizado para o efeito, salvo fundamentos supervenientes.
“A própria natureza perentória do prazo para a oposição à execução (artigo 728º, n.º 1, do CPC/2013 e artigo 813º, n.º 1, do CPC/1961), permite retirar, a contrario, a necessidade de concentração da defesa na petição de embargos de executado, excecionada pelos fundamentos supervenientes, pelo que não pode o executado trazer ao processo factos, impugnações e exceções cuja alegação omitira” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-03-2021 (Pº 175/12.6TBVRM.G1, rel. JOAQUIM BOAVIDA).
Deste modo, “(…) na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso. A preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art.º 728º-2); mas não opera para além dele. A não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2018 (Pº 158/14.1TBCBR.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES).
Assim, tratando-se de um meio de defesa dirigido a uma pretensão executiva expressa no requerimento inicial de execução, traduzindo uma oposição à pretensão executiva, não se compreenderia que fosse admissível ao executado apenas invocar alguns dos fundamentos de defesa e reservar para mais tarde a possibilidade de invocar os restantes fundamentos já existentes à data da apresentação da petição de embargos. A admitir-se tal possibilidade, nenhuma segurança jurídica resultaria da apreciação jurisdicional realizada na oposição à execução, cuja sentença não exerceria uma função estabilizadora, pelo que, a estabilidade só se alcança se toda a defesa contra a pretensão executiva dever ser deduzida no requerimento de embargos, apreciando a respetiva sentença da existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Como refere Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, pág. 409), “a necessidade de segurança jurídica e a autorresponsabilidade do executado justificam que a petição inicial se reja pelo princípio da concentração da defesa, previsto no artigo 573º nº 1: toda a defesa do executado deve ser deduzida na oposição à execução. (…)
A invocação do nº 1 do artigo 573º não é despicienda: além de evitar quaisquer dúvidas que a mera consideração dos nºs 1 e 2 do artigo 728º pudesse levantar – e, portanto, só há um momento de defesa do executado ao pedido executivo –, ela permite concluir que o executado pode sempre deduzir em defesa separada os incidentes que a lei autorize – por ex., o incidente de suspeição do juiz, dos artigos 120º ss.
Já quanto à defesa diferida, a natureza incidental da oposição à execução permite concluir pela inaplicabilidade do nº 2 do artigo 573º; ou seja, esse preceito parece ser destinado à tramitação da acção declarativa, em que a defesa não tem autonomia procedimental e uma defesa posterior pode ser incorporada seja em articulados supervenientes, seja na audiência prévia.
Pelo contrário, os dados legais que decorrem implicitamente do nº 2 do artigo 728º são de que, esgotada a oportunidade processual dada pelo nº 1, apenas se admite matéria superveniente, conquanto seja matéria dos artigos 729º a 731º e não outra; a contrario, não pode o oponente trazer factos, impugnações e exceções, perentórias e dilatórias, cuja alegação omitira. Não vale, pois, na oposição à execução, a ressalva final do nº 2 do artigo 573º que admite que na acção declarativa, mesmo depois da contestação, a parte passiva possa alegar exceções de conhecimento oficioso, ainda que não alegadas e não supervenientes”.
Também Lebre de Freitas (Acção Executiva à luz do código revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 1997, p. 158) salienta a existência da aludida preclusão relativamente aos factos não supervenientes: “Na medida em que os embargos de executado são o meio de oposição idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excepcionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso”.
Revertendo estas considerações para o caso concreto, vemos que a decisão recorrida, depois de constatar que a embargante foi citada a 22-08-2008, verificou que, atenta tal data  “e a data da entrada da presente oposição à execução mediante embargos de executado, é manifesta a extemporaneidade desta última, à luz do disposto no artigo 728.°, n. °1, do C.P.C. e, consequentemente, causa de indeferimento liminar, nos termos do disposto no 732.°, n. °1, alínea a), do C.P.C.”.
E, de facto, tendo os embargos sido deduzidos em 09-08-2022, basta a mera consideração das duas datas ora referidas (22-08-2008 e 09-08-2022) para verificar que entre elas decorreu bem mais do que o prazo de 20 dias, contados da citação, como referido no n.º 1 do artigo 728.º do CPC.
Note, aliás, que não foi invocada pela embargante alguma superveniência de fundamentos nas circunstâncias que alegou para embargar nesta sede, pelo que, também não se verifica a situação a que se reporta o n.º 2 do artigo 728.º do CPC.
Não merece, pois, censura a decisão de indeferimento dos embargos, por extemporaneidade.
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B) Se procede a invocada inexistência “de título executivo por parte da credora reclamante graduada em 2° lugar relativamente à requerente” e de falta de citação para efeitos do artigo 119.º do Código do Registo Predial?
De todo o modo, vem a executada/embargante invocar que inexiste título executivo por parte da credora reclamante graduada em 2.º lugar e que ocorreu falta de citação para efeitos do disposto no artigo 119.º do Código do Registo Predial.
Vejamos:
Nos termos previstos no n.º 5 do artigo 10.º do CPC de 2013 (cfr. artigo 45.º, n.º 1, do CPC precedentemente em vigor), “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
De todo o modo, conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 77), “[a] apresentação de um documento dotado de força executiva justifica a presunção da existência e persistência do direito de crédito nele configurado e da correspetiva obrigação, radicando aí a instauração da ação executiva com vista ao cumprimento coercivo da obrigação. Mas isso não afasta a possibilidade de tal presunção ser rebatida pelo executado, sendo os embargos o mecanismo ajustado a combater execuções injustas ou destituídas dos respetivos pressupostos gerais ou específicos”.
Assim, conforme se teve ocasião de referir no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-05-2021 (Pº 7789/19.1T8SNT-C.L1-2, relatado pelo ora relator):
“Deduzido que seja o requerimento executivo, o executado pode opor-se à execução (cfr. artigo 728.º e ss. do CPC) e à penhora (cfr. artigo 784.º e ss. do mesmo Código).
A oposição à execução constitui o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante a pretensão do exequente.
Os embargos, enquanto oposição à execução, são deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação (cfr. n.º 1 do artigo 728.º do CPC). Todavia, quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo – de 20 dias – conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado (cfr. n.º 2 do artigo 728.º do CPC)”.
Sobre a oposição à execução por embargos estatui o artigo 728.º do CPC, nos seguintes termos:
“1 - O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.
2 - Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.
3 - Não é aplicável à oposição o disposto no n.º 2 do artigo 569.º.
4 - A citação do executado é substituída por notificação quando, citado o executado para a execução de determinado título, se cumule depois, no mesmo processo, a execução de outro título, aplicando-se, neste caso, o disposto no artigo 227.º, devidamente adaptado, sem prejuízo de a notificação se fazer na pessoa do mandatário, quando constituído”.
Assim, no âmbito do processo executivo comum, os embargos são deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação do executado, correm por apenso e são apresentados ao juiz para prolação de despacho liminar (cfr. artigos 728.º, n.º 1, 732.º, n.º 1 e 856.º do CPC).
Os embargos iniciam-se com uma petição na qual devem ser alegados os fatos integradores dos fundamentos de oposição, culminando com o pedido cujo conteúdo dependerá do âmbito dos próprios embargos, traduzido na extinção, total ou parcial, da instância executiva.
“Apesar de a lei nada referir acerca da petição, não se duvida que, tratando-se de uma peça processual com que se inicia um procedimento declarativo, deve buscar-se o seu regime nas regras da ação declarativa” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 77).
O âmbito dos embargos é variável consoante o título e a situação verificada na ocasião em que o executado é citado para os termos da execução.
Com as condicionantes decorrentes da espécie de título executivo em questão, o executado pode opor à execução factos ou razões de direito que conduzam à inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda, à falta de um qualquer pressuposto processual geral ou à falta de um qualquer pressuposto processual específico da ação executiva.
A oposição do executado “visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva”, assumindo “o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e(ou) da acção que nele se baseia. Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal” (assim, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do código revisto, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1997, pp. 141 e 157).
Efetivamente, ao contrário do que sucede com o meio de reação do executado oposição à penhora (que visa a oposição à penhora com algum dos fundamentos consignados nas várias alíneas do artigo 784.º, n.º 1, do CPC – inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da sua extensão; imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; ou incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência de penhora), a oposição à execução, fundada em título diverso de sentença, visa invocar quaisquer factos que possam ser invocados como defesa – por exceção ou por impugnação – no processo de declaração (cfr. artigos 729.º a 731.º do CPC).
Também o efeito da procedência da oposição à penhora é diverso do da oposição à execução: Se proceder a oposição à penhora, isso determinará o levantamento da penhora e o cancelamento de eventuais registos (cfr. artigo 785.º, n.º 6, do CPC); se proceder a oposição à execução, a execução é – no todo ou em parte, conforme o âmbito da procedência da oposição à execução – declarada extinta (cfr. artigo 732.º, n.º 4, do CPC) – constituindo a  decisão de mérito proferida nos embargos à execução, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (cfr. artigo 732.º, n.º 5, do CPC).
De harmonia com o disposto no artigo 732.º, n.º 1, do CPC, os embargos são liminarmente indeferidos se tiverem sido deduzidos fora de prazo, se o fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º do CPC ou se forem manifestamente improcedentes.
Contudo, estabelece o artigo 734.º do CPC o seguinte:
“1 - O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
2 - Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.
A executada, ora recorrente, invoca precisamente que a decisão recorrida viola o artigo 734.º do CPC.
Vejamos:
Conforme evidenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 97), “[n]o processo de execução, podendo existir uma intervenção liminar do juiz, não está prevista propriamente uma fase de saneamento. Assim se compreende que as questões que porventura poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento devam ser objeto de uma intervenção atípica. A mesma pode ocorrer até um certo momento, mais concretamente até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes. Efetuados pagamentos na execução, fica precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art.º 734.º, n.º 1”.
Importa salientar, por seu turno, que “o despacho de rejeição e de extinção da execução, previsto no art.º 734 do CPC, pode ser dado mesmo que tenha havido um despacho liminar a dar seguimento à execução” (assim, o Acórdão do TRL de 10-09-2020, Pº 2942/20.8T8SNT, rel. PEDRO MARTINS).
Por outro lado, se é certo que, “por força dos princípios da concentração da defesa e da preclusão, não podem as partes invocar em sede de recurso meios de defesa que não tenham oportunamente suscitado nos articulados”, tal regra não tem lugar se se tratar de questões de conhecimento oficioso (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2022, Pº 23113/19.0T8LSB.L1-7, rel. DIOGO RAVARA).
E, assim, se se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC (em que o juiz pode conhecer oficiosamente, “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”), a prolação de tal decisão de indeferimento não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados.
Tal sucede com a falta ou insuficiência do título.
Contudo, tal vício deve ter caráter manifesto: A “rejeição oficiosa nos termos do art.º 734º e 726 nº 2 a) do C.P.C. pressupõe que a falta do título executivo seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do Tribunal” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-01-2021, Pº 7911/19.8T8VNF.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES). E, na mesma linha de entendimento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2019 (Pº 35949/11.6TYYLSB-L1-7, rel. CRISTINA SILVA MAXIMIANO) concluindo que, “[a] insuficiência de título executivo prevista na al. a) do nº 2 do art.º 726º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de “manifesta””.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2020 (Pº 956/14.6TBVRL-T.G1, rel. SANDRA MELO):
“1- Porque a manifesta insuficiência do título executivo deve ser conhecida, mesmo oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigo 734º, nº 1, do Código de Processo Civil), o facto da mesma não ter sido invocada em embargos de executado não impede que o juiz a conheça.
2- Nos embargos de executado o caso julgado apenas ocorre relativamente às matérias que foram efetivamente ali julgadas: se o executado escolher deduzir oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, esta constitui caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, mas não decorre da não dedução dos embargos senão efeito preclusivo na própria execução quanto às questões que não sejam de conhecimento oficioso (artigos 732º nº 6 e 734º nº 1 do Código de Processo Civil).
3- Assim, o juiz deve conhecer, mesmo oficiosamente, a manifesta insuficiência do título executivo desde que não tenha existido qualquer ato de transmissão de bens penhorados e não tenha sido proferida decisão de mérito nos embargos de executado.
4- A decisão que rejeita os embargos de executado por intempestividade não conhece da questão da manifesta insuficiência do título executivo, mas apenas de mera exceção dilatória relativa à instância incidental em que aqueles se traduzem, pelo que não se pode considerar que preteriu o conhecimento oficioso daquela questão, nada obstando a que a parte, por requerimento, despolete essa apreciação, por ser de conhecimento oficioso”.
E, também nada impede que o recorrente, apenas em sede de recurso, venha invocar questões que poderiam ter dado aso à prolação de despacho liminar de indeferimento do requerimento executivo, posto que o seu conhecimento seja oficioso.
Isso mesmo se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-01-2021 (Pº 2143/20.5T8MAI-B.P1, rel. RUI MOREIRA): “Em sede de recurso, podem ser apreciadas questões passíveis de conhecimento oficioso, respeitantes à regularidade da instância executiva, ainda que não tenham sido suscitadas na execução, ou em embargos de executado, ou objecto de conhecimento oficioso”.
Em semelhantes moldes, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-01-2022 (Pº 1238/20.0T8ANS-A.C1, rel. CRISTINA NEVES) que: “A inexistência de título executivo pode ser invocada pelo executado, pela primeira vez, em sede de recurso interposto contra a decisão que julgou improcedentes os embargos opostos à execução, no caso de, em tal momento, ainda não ter havido transmissão dos bens penhorados”.
Assim, “deve ser conhecida oficiosamente, nos termos do artigo 734º do CPC, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado/embargante, corolário da prevalência do mérito sobre a forma, privilegiando-se a protecção do adquirente de boa fé. Não subjaz a esta previsão, permitir suprir os ónus dos executados, mostrando-se tal mecanismo reservado para as circunstâncias em que resulta manifesto, à luz do título executivo, a sua insuficiência” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2020 (Pº 6175/18.5T8FNC-B.L1-7, rel. CARLA CÂMARA).
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, verifica-se que em 22-08-2008 ocorreu a citação dos executados, nos autos de execução, na sequência do que, por requerimento de 04-09-2008 – que deu origem ao apenso A – a executada, ora recorrente, veio deduzir oposição à execução, com os fundamentos ali expendidos, oposição essa que, contudo, não veio a ser apreciada, dado que, por decisão de 24-11-2008, proferida no mencionado apenso A, foi determinado o desentranhamento da oposição e declarada extinta a instância, decisão da qual foi interposto recurso de agravo, ao qual, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-01-2009 foi negado provimento e mantida a decisão da 1.ª instância.
Deduzidos que foram pela executada novos embargos, no âmbito dos presentes autos, os mesmos foram liminarmente indeferidos, por extemporâneos, como assinalado na decisão recorrida.
Contudo, como se viu, a executada vem suscitar, em sede de recurso, desde logo, que inexiste título executivo.
Ora, muito embora se considere que essa questão é de oficioso conhecimento, certo é que, os autos não dão conta da existência da manifesta falta de título que determinaria a rejeição da execução.
Mas, para além disso, cumpre assinalar que os embargos de executado deduzidos nos presentes autos se pretendem dirigir relativamente à credora reclamante CRISTICARNES – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÕES, LDA. e, não, conforme seria lógico, a abalar o requerimento executivo apresentado pelo exequente, em sede de execução.
Repare-se que, de facto, a posição de CRISTICARNES é a de credora reclamante, em que o “título” da demanda se funda na reclamação de créditos apresentada, relativamente à qual poderá ser deduzida impugnação, mas não, como é claro, oposição por embargos, que apenas têm sentido relativamente ao requerimento executivo e à posição que o exequente vem exercer a juízo.
Efetivamente, reunindo-se a apreciação das reclamações de créditos, “num único apenso ao processo de execução” (cfr. artigo 788.º, n.º 8, do CPC) e tendo a impugnação dos créditos reclamados “por fundamento qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência” (cfr. artigo 789.º, n.º 4, do CPC), o meio próprio para colocar em crise os créditos reclamados é a impugnação dos créditos nesse apenso, onde as questões atinentes aos créditos reclamados devem ser resolvidas, não fazendo sentido admitir que, para além desse meio de defesa – a dedução de impugnação – pudesse ainda ser deduzido um outro, com a feição de “embargos” (face ao crédito reclamado pelo credor).
Ou seja: Os embargos de executado não se dirigem a colocar em crise o crédito reclamado pelo credor reclamante, cujo meio próprio é a impugnação dos créditos, prevista no artigo 789.º do CPC, mas sim, a opor-se, com os fundamentos legalmente previstos, à pretensão do exequente (cfr. artigo 728.º, n.º 1, do CPC).
De todo o modo, certo é que, ainda que assim não se entendesse, sempre se afigura que as questões suscitadas pela executada – quer a atinente à invocada inexistência de “título”, quer à respeitante à invocada falta do pressuposto da citação a que se reporta o artigo 119.º do Código do Registo Predial –, no sentido de invocação de fundamentos para impugnação, não lograriam obter procedência.
De facto, não se alcança alguma “inexistência de título” relativamente ao crédito reclamado pela reclamante CRISTICARNES – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÕES, LDA.: Com efeito, realizada a citação dos credores reclamantes, veio a referida CRISTICARNES – por requerimento apresentado no apenso C em 27-06-2017- deduzir reclamação de créditos sobre os executados, invocando o seguinte:
“1º A reclamante é credora reconhecida pelos EXECUTADOS conforme consta da respectiva lista de credores CONHECIDOS e referente ao processo …/… Inst Central 1ª secção Execução J1-Sintra
2º O crédito aqui reclamado é devido a fornecimento de carne para consumo humano, que OS EXECUTADO NO EXERCICIO DA SUA ACTIVIDAE COMERCIAL compraram à credora no âmbito do seu negócio, e não foi pago
3º A Credora Cristicarnes Lda reclama o seu crédito no montante de 355.450,91€ pois até ao momento nada recebeu  Efetivamente
4º A Cristicarnes Lda é credora dos executados pelo valor de 355450,91€
5º A credora reclama os seus créditos com base no título executivo da acima mencionada execução para pagamento de quantia certa
6º Mais declara que não existem garantias pessoais nem qualquer subordinação os efeitos especiais; nem foram fixados juros moratórios além dos que constam na mencionada divida exequenda.
7º Os créditos reclamados são créditos reconhecidos nos termos dos artigos786º e788º do CPC”.
Em 29-01-2018, naquele apenso C, a executada veio deduzir impugnação relativamente aos créditos reclamados, concluindo requerendo fosse declarada “a extinção da instância por pagamento e por deserção nos termos dos Artigos 287 e 291 do antigo C.P.C. na sua versão 40º e Artigos 277 c) e 281 nº5 do NCPC com o consequente não reconhecimento dos créditos reclamados nestes autos Ou caso assim não se entenda, Se digne ordenar a divisão/substituição dos imóveis comuns e o levantamento das penhoras dos reclamantes sobre o imóvel sito em Vilamoura que é casa de morada de família e domicilio profissional, por se verificar manifesta suficiência do valor do imóvel devoluto sito no Algueirão Mem-Martins penhorado no processo …/…, Juízo de Execução de Sintra – Juiz 1, onde as penhoras são mais antigas, Artigo 759 do NCPC”.
Ora, conforme se referiu na sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 23-10-2019, a impugnação deduzida veio a ser julgada improcedente, considerando-se que: “Da análise dos autos verifica-se que efectivamente foi celebrado um acordo de pagamento, que originou a extinção da execução, contudo, nos termos permitidos pelo disposto no artigo 850º, nº2, do CPC, vieram os credores reclamantes requerer o prosseguimento dos autos, o que é legal, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, verificamos não assistir razão à requerida/executada, devendo os autos executivos prosseguir”.
Efetivamente, conforme decorre do artigo 850.º, n.º 2, do CPC, o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e tenha reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, “pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efetiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito”, prosseguimento que, como se viu, teve lugar a impulso de um dos credores reclamantes.
E, de facto, a formulação de um tal requerimento no sentido do prosseguimento da execução “aproveita a todos os credores reclamantes que gozem de garantia real” (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 274).
Assim, conclui-se que não existia motivo que obstasse ao prosseguimento da execução e, tendo sido já apreciada a impugnação deduzida sobre o crédito reclamado por CRISTICARNES, a questão ora invocada pela executada, atinente à inexistência de título executivo, se bem de oficioso conhecimento, já foi objeto de apreciação naquele apenso C, por decisão definitiva, transitada em julgado, impedindo, assim (sob pena de ofensa do caso julgado formal assim formado – cfr. artigo 620.º, n.º 1, do CPC), que possa, de novo, ser conhecida nestes autos.
E, por outra parte, também não se alcança nenhuma preterição da observância do disposto no artigo 119.º do Código do Registo Predial.
Na realidade, não se verificam os pressupostos para a atuação dos comandos constantes deste preceito legal: Atenta a circunstância de o registo da penhora, de que é sujeito ativo a reclamante, ter sido efetuado a título definitivo e, não, a título provisório e, atenta a evidência de o bem penhorado não se achar inscrito a favor de pessoa diversa dos executados, não havia motivo para que fossem observados os comandos normativos decorrentes do dito artigo 119.º do Código do Registo Predial.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-10-2007 (Pº 0754311, rel. PINTO FERREIRA), “a citação do titular inscrito no registo predial de bens cuja penhora foi ordenada só deve fazer-se se esse titular não for o executado e deve efectuar-se na pessoa daquele que à data for efectivamente o actual titular inscrito, pois apenas a esse pode ser exigido que preste as informações necessárias à averiguação da titularidade do bem penhorado”.
Assim, de acordo com o exposto, improcedem as invocações em contrário da executada/apelante, soçobrando as correspondentes conclusões recursórias.
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Na decorrência dos fundamentos expostos, a apelação deverá ser julgada improcedente, com manutenção, na íntegra, da decisão recorrida.
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A responsabilidade tributária incidirá sobre a executada/apelante, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC -, sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficia.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela executada/apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.
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Lisboa, 12 de janeiro de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes