Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4706/10.8TBCSC.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
INEFICÁCIA
DECLARAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I. A declaração de resolução indevida é ineficaz, excepto nos casos de contratos em relação aos quais seja possível a denúncia discricionária (nestes casos, poderá equiparar-se a esta ou converter-se nela).
II. A declaração de resolução indevida se estiver baseada numa representação não culposa do incumprimento da contraparte não permite que se extraia uma declaração tácita de recusa de cumprimento e por isso não justifica uma resolução do contrato pela contraparte.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

“A” – Restauração, Lda, intentou a presente acção contra “B” – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, Lda, pedindo que esta fosse condenada a restituir-lhe, em dobro, o que a autora lhe tinha entregue a título de sinal e reforço de sinal no âmbito de um contrato-promessa, bem como a indemnizá-la pelas despesas que foi tendo e de benfeitorias que foi fazendo na expectativa da efectivação do negócio.
Alega para o efeito, no essencial, o incumprimento definitivo desse contrato-promessa pela ré, que preencheu a cláusula resolutiva prevista no contrato.
A ré contestou, impugnando os factos alegados pela autora e reconvencionando a perda, a seu favor, das quantias que a autora lhe tinha entregue, por entender que a resolução do contrato, por parte da autora, equivale à recusa em cumpri-lo, preenchendo-se, com isso, outra cláusula resolutiva do contrato.
A autora replicou, impugnando a razão de direito da reconvenção, concluindo pela improcedência desta, e ampliou o pedido, pedindo, para o caso de se entender que a ré não teve culpa na frustração do negócio prometido, a condenação dela a restituir-lhe, em singelo, as quantias que lhe tinha entregue.
Depois do julgamento foi dada resposta aos quesitos e depois foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente o pedido formulado pela autora, entre o mais condenando, com base na nulidade do contrato (questão que foi oficiosamente conhecida), a ré a restituir à autora os 180.000€ entregues a título de sinal, bem como a indemnizá-la de uma série de outras despesas, com juros.
A ré recorreu destas decisões – para que seja alterada a resposta dada aos quesitos 14 e 15 e a sentença seja revogada e substituída por outra que, julgando válido o contrato-promessa de compra e venda, julgue a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [as conclusões contra a decisão da matéria de facto serão transcritas à frente]:
A) Alteradas as respostas aos quesitos 14 e 15, forçoso é concluir que o contrato-promessa não está ferido de nulidade.
B) A comunicação constante do facto provado AL) não consubstancia válida declaração de resolução unilateral do contrato-promessa.
C) A ré disponibilizou à autora que, aliás, já estava na sua posse (art. 8 da pi), o documento referido no ponto 1 do ofício nº. 054714 da CM de Cascais.
D) A ré (nem a autora) não tinha que obter “Autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso”. Na verdade,
E) A obtenção da licença de utilização específica para restauração, não implicava a alteração ao uso da fracção prometida vender.
F) O uso para restauração já estava contemplado nas telas finais (art. 33º da pi), facto que era do conhecimento da autora.
G) O Departamento das Actividades Económicas da CM de Cascais (DAE) nunca recusou a emissão de licença de utilização para restauração requerida pela autora.
H) A DAE não invocou que as obras constantes do rés-do--chão impossibilitassem a legalização da loja para restaurante.
I) O não prosseguimento do processo no DAE não ficou a dever-se a motivo imputável à ré.
J) A autora quando apresentou no DAE o projecto com equipamento para restaurante, fê-lo acompanhar de documento que começa dizendo: “A presente memória descritiva e justificativa refere-se à alteração do uso num edifício...” - negrito nosso.
K) O respectivo processo do DAE passou a ser designado por Alteração ao uso de alvará de licença de utilização para um estabelecimento de restauração...” - negrito nosso.
L) A autora nunca cuidou de esclarecer ou contestar junto do DAE a necessidade de autorização dos condóminos.
M) A autora não tinha fundamentos para resolver o contrato-promessa ao abrigo do disposto na sua cl. 6ª/3.
N) A declaração unilateral da autora de resolução do contrato-promessa e a sua desistência do seguimento, junto da DAE do processo de obtenção da licença específica para restauração, consubstanciam inequívoca recusa da sua parte em cumprir o contrato-promessa.
O) Incumprimento que dá à apelante o direito de ficar com os montantes recebidos a título de sinal e seus reforços (180.000€) - clª. 6ª, nº. 2, do contrato-promessa.
P) A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto no contrato-promesa e aditamento, designadamente dos nºs. 2 e 3 da cl. 6ª, nos arts. 227/1, 286, 350, 401/1 e 1421b) do CC e art. 664 do CPC.
A autora não contra-alegou.
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Alegações complementares
Prevendo-se a possibilidade da revogação da decisão recorrida, baseada na nulidade do contrato-promessa, as partes foram notificadas, nos termos do art. 715/3 do CPC, para se pronunciarem, em eventuais alegações complementares, sobre a verificação dos fundamentos resolutivos invocados por cada uma delas (o que a sentença recorrida tinha implicitamente considerado prejudicado, pela decisão da questão da nulidade.)
A ré apresentou alegações complementares, mantendo o essencial do que já constava das suas alegações de recurso.
A autora apresentou alegações complementares, com pagamento da multa do art. 145 do CPC, em que se pronuncia sobre a impugnação pela ré, nas alegações iniciais, da decisão da matéria de facto, e impugna, ela própria, a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 16, 18, 19, 20, 23 e 26, para além de fazer considerações sobre factos que entende que deviam ter sido dados como provados, sendo que, em relação à maior parte deles, nem sequer os tinha alegado. E, também com base em considerações sobre os factos que entende provados, para além dos que assim foram fixados na sentença recorrida, conclui que, pelos diversos vícios na construção do imóvel, bem como pela desconformidade com as disposições legais em vigor, se encontravam reunidos os pressupostos necessários para que fosse proferida sentença que considerasse resolvido o contrato-promessa celebrado entre a autora e a ré, com os consequentes pagamentos previstos nos números um e três da cláusula 6ª contrato-promessa.
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Questões que importa solucionar: se o contrato-promessa é ou não nulo; se se considerar que não é nulo, fica por saber se se verifica o fundamento resolutivo invocado pela autora; no caso de se considerar que não se verifica, fica por saber se se verifica o invocado pela ré; por fim, existe ainda a questão de saber se a autora tem direito às indemnizações em que a ré foi condenada.
A impugnação da decisão da matéria de facto feita pela autora nas alegações complementares não leva à colocação de outras questões, pois que o prazo para o recurso da decisão da matéria de facto já tinha terminado há muito (art. 685, nºs. 1 e 7 do CPC), a possibilidade de impugnação subsidiária (para a hipótese de procedência das questões suscitadas pela ré) (art. 684/2 do CPC) já não existia e as alegações complementares previstas no art. 715/3 do CPC não fazem renascer aquele prazo nem esta possibilidade.
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Factos dados como provados [os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm das respostas aos quesitos]:
Vindos dos articulados da autora [excepto a 1ª parte de J)] e pela ordem que aí consta:
A) A ré é proprietária da fracção autónoma designada pelas letras “AA”, correspondente ao 1º andar, loja I, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., Edifício ..., ..., lugar da ..., freguesia e concelho de Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ..., ao qual corresponde o artigo matricial ....
B) Autora e ré celebraram, em 11/11/2008, um escrito particular, que designaram por “Contrato Promessa de Compra e Venda”, em que a ré prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe, livre de ónus e encargos, o imóvel acima referido.
C) Da cláusula 3ª do escrito particular consta que: “O preço a pagar pela autora à , pela compra da fracção autónoma em apreço será de 725.000€.
D) Conforme acordado pelas partes na cl. 4ª, a autora entregou à ré 150.000€, a título de sinal e princípio de pagamento.
E) De acordo com o estipulado na cl. 4ª/3, “o remanescente do preço – 575.000€ – será pago em prestações mensais – as quais serão consideradas como reforço de sinal – iguais e sucessivas, de 3.000€ cada, com vencimento a 1ª no primeiro dia útil do mês seguinte à assinatura do presente contrato e as restantes no primeiro dia útil da cada mês seguinte, até à data da celebração da escritura de compra e venda prometida e, no acto de outorga da mesma, será pago pela autora à ré o remanescente do preço que ainda se encontrar em falta”.
F) A autora entregou à ré, entre os meses de Dezembro de 2008 e Agosto de 2009, a quantia de 30.000€, a título de reforço de sinal.
G) No dia 12/11/2008, a ré entregou à autora as chaves do imóvel, de modo a permitir que esta iniciasse a montagem do equipamento do restaurante e efectuasse as obras de adaptação que se mostrassem necessárias.
H) Na fase preliminar do negócio, aquando da discussão e elaboração da minuta do contrato, a ré facultou à autora cópias da caderneta matricial, certidão predial, plantas do imóvel e uma licença de utilização.
I) Da certidão da CRP de Cascais, junta a fls. 53, consta a seguinte descrição da fracção autónoma referida em A): “Loja I, espaço amplo destinado a restaurante, situado no 1º piso, uma copa situada no rés-do-chão e uma garagem situada na sub-cave designado pelo n.º 25.”
J) Estipularam as partes, na cl. 6ª do acordo, o seguinte:
2. Se a autora faltar ao cumprimento do ora contratado fica a ré e na qualidade em que intervém, com o direito de rescindir o presente contrato de promessa, guardando para si sem necessidade de marcação de novos prazos o que houverem recebido daquela como sinal e principio de pagamento e eventuais reforços”; e
“3. …a autora terá direito de resolução do contrato e ao recebimento das quantias referidas no ponto um da presente cláusula, no caso da recusa de emissão de licença de utilização, pela não aprovação do projecto de alterações (a apresentar por esta junto da competente Câmara Municipal), por motivos imputáveis à ré, nomeadamente defeitos ou vícios na construção ou desconformidade do imóvel com as disposições legais em vigor.”
K) Para além do alvará de utilização fornecido pela ré à autora na fase das negociações, era ainda necessário obter uma licença de utilização própria para restauração, a emitir pelo Departamento das Actividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais, o qual exige a apresentação de projecto com equipamentos.
M) Para a emissão da referida licença de utilização era necessária a apresentação e aprovação de um projecto com todo o equipamento inerente à montagem de um restaurante, incluindo a cozinha.
N) Tendo em conta a necessidade de obtenção de licença de utilização específica para o exercício de restauração, foi introduzida no documento referido em B) a cl. 6ª, nº 3.
O) Para efeitos de apresentação do competente projecto de licenciamento da loja junto das AE da CM de Cascais, contemplando a substituição da copa por cozinha, a autora contratou os serviços de um técnico para a sua elaboração.
P) As plantas fornecidas pela ré, aquando da celebração do negócio aludido em B), não coincidem com as telas finais aprovadas pela CM de Cascais.
Q) A certidão da CRP referida em I), entregue pela ré na fase de negociação do contrato, menciona a existência de uma “copa” no rés-do-chão, enquanto que as telas finais juntas a fls. 57 e 58 dos autos, referem que o espaço estava aprovado para o fim de “arrecadação”.
R) No rés-do-chão do edifício encontravam-se diversas tubagens necessárias à montagem da copa.
S) Existem elementos físicos no rés-do-chão que denotam a preparação do local para a montagem de uma cozinha, nomeadamente um bocal de chaminé.
1. A ré disse à autora que o espaço que vem referido como “copa” nas plantas que lhe forneceu estava preparado para nele poder ser instalada a cozinha do restaurante.
2. A zona de arrumos, vestiário e instalações sanitárias, identificada nas plantas fornecidas pela ré à autora na fase negocial do acordo e já construída, figura nas telas finais aprovadas pela CM aquando do licenciamento da construção do prédio como “garagem”.
3. O técnico contratado pela autora conforme referido em O) disse àquela que na zona indicada como “arrecadação” nas telas finais aprovadas pela CM nunca seria possível a aprovação da construção de uma cozinha.
5. A ré assumiu perante a autora que a construção da cozinha no rés-do-chão era de difícil aprovação pela CM.
T) A instalação da cozinha no 1º piso implicaria uma diminuição substancial da área reservada às mesas de clientes.
9. O facto referido em T) diminuiria o valor comercial da loja.
U) Autora e ré concordaram em celebrar, a 09/06/2009, um documento que denominaram “aditamento”, e que introduzia alterações ao escrito particular referido em B).
V) O “aditamento” previa a diminuição do preço de compra do imóvel, que passaria a ser 616.250€.
W) Previa, também, na aditada cl. 11ª, a obrigação da ré em obter o aumento de potência da coluna de fornecimento de energia eléctrica até 31/08/2009, para o dobro da até aí existente.
10. A potência de energia eléctrica máxima contratada não era suficiente para a montagem e funcionamento de todo o equipamento de restauração.
X) A ré obteve o acordado aumento da potência da coluna de fornecimento da energia eléctrica.
Y) Acordaram ainda as partes e fizeram incluir no “aditamento”, a alteração da data limite para outorga da escritura, que passou para o dia 15/05/2010.
Z) Foi contratada pela autora a elaboração de um projecto de alterações que contemplava a construção da cozinha no 1º piso.
L) O projecto com equipamentos foi elaborado e entregue, pela autora, no DAE da Câmara Municipal de Cascais em 09/10/2009.
14. A única conduta de exaustão existente na fracção não se encontrava prevista nas telas finais e não tinha o diâmetro e o alinhamento necessários ao funcionamento de uma cozinha de restaurante. [a parte em itálico é eliminada por força da decisão do recurso, fundamentada abaixo].
15. Mostrando-se necessária a construção de um sistema de exaustão na cobertura da loja. [todo este ponto de facto é eliminado por força da decisão do recurso, fundamentada abaixo].
AA) A autora, através de carta registada com a/r, emitida pelos seus mandatários e dirigida à administração do condomínio do prédio identificado em A), na gerência da empresa “C” – Secretariado e Contabilidade, Lda”, datada de 24/07/2009, solicitou que esta providenciasse pela prestação e obtenção dos pareceres e autorizações necessários para as alterações que pretendia realizar no imóvel e que elencou da seguinte forma:
“a) Instalação de um sistema de filtragem electrostática e de controle de gorduras e odores, cujo módulo será colocado na cobertura da fracção, por detrás da cúpula existente, de modo a não ser visível quer da via pública, quer das varandas das restantes fracções autónomas;
b) Instalação de equipamentos e maquinaria de restauração, nomeadamente balcões, fornos e fogões e outros utensílios de cozinha, bem como de elementos decorativos; e
c) Instalação de três painéis de reclames luminosos”.
AB) Tendo em conta que a autora não era a proprietária do imóvel, foi solicitada pela administração do prédio, uma procuração da ré a conceder poderes à autora para estar presente na assembleia a realizar.
AC) A ré assinou, em 09/09/2009, uma procuração em que concedia à autora poderes bastantes para a representar perante a administração de condóminos do prédio, e nas assembleias-gerais a realizar para deliberar sobre todos os assuntos relacionados com a fracção indicada em A), que posteriormente remeteu à autora.
AD) No dia 28/10/2009, realizou-se uma assembleia de condóminos extraordinária, da qual resultou a acta n.º 13, onde após debate sobre o ponto um da ordem de trabalhos (autorização para a realização de alterações no imóvel, com o fim de implementar aí um restaurante), o mesmo resultou não aprovado, tendo obtido 52,3% dos votos contra dos condóminos presentes, 3,2% de abstenção e 28,9% a favor.
AE) Do conteúdo da acta n.º 13 da assembleia de condóminos retira-se o seguinte:
“O Sr. “D”, membro do C. E. e Presidente da Mesa da Assembleia, referiu que não era de autorizar um restaurante.
[…]
Rebateu o Sr. “D” membro do C.E. e Presidente da Mesa da Assembleia dizendo que não existe sistema capaz de retirar na totalidade todos os cheiros provenientes de um restaurante.
O condómino Sr. “E”, membro do conselho efectivo, proprietário do R/C referiu a existência de um documento assinado pelo Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Cascais, dizendo que não é permitida a instalação de uma unidade de restauração na referida fracção.
[…] que se tratava de um documento datado de 18/05/2007.
[…]
O Presidente da Mesa da Assembleia, Sr. “D”, declara que já existiram firmas que queriam montar unidades similares no espaço em questão, nunca obtendo o acordo dos condóminos, por isso não deveria, na sua opinião, este caso ser tratado como único. Anteriormente outros projectos apresentados para a fracção foram vetados pelos condóminos. Um deles foi inclusive um projecto para instalação de uma clínica.”
AF) No decurso da referida assembleia, a autora tomou conhecimento que a ré já havia celebrado dois contratos promessa de compra e venda, que tinham como objecto a loja identificada em A), visando o primeiro deles a utilização desta como restaurante.
AG) Retira-se da mesma acta n.º 13 que:
“O Presidente da Assembleia faz uma declaração de voto em nome próprio e em nome dos condóminos que representa, declarando que não há máquina nem sistema que retire os cheiros dos pratos da comida, com a agravante de haver um terraço que será uma esplanada do restaurante, e estando o restaurante do lado norte e sendo o vento predominante desse lado, vai trazer o cheiro para todo o condomínio, nomeadamente para os apartamentos que possui. Que sendo o edifício um condomínio fechado, as portas abertas vão ser um factor de insegurança para todo o condomínio, e como o edifício não foi isolado acusticamente, os moradores nas suas casas vão passar a ouvir todos os ruídos do restaurante nomeadamente as conversas dos clientes, os talheres nos pratos e o movimento nocturno de veículos que não tem actualmente, prejudicando o sono de todos os residentes; há condóminos que desconheciam que havia uma loja para restaurante.”
13. A ré sabia que a autora tinha elaborado e entregado na CM de Cascais um projecto para licenciamento da utilização da loja como restaurante.
16. A ré havia anteriormente celebrado o contrato-promessa referido em 40, o qual visava a venda da loja para instalação de um estabelecimento de restaurante e que não havia sido cumprido com a outorga da pertinente escritura pública.
20. Existe um diferendo entre a ré e a maioria dos condóminos do edifício onde se localiza a fracção, o que a primeira sabia.
22. Em 2004, a ré solicitou à CM de Cascais a emissão de licença de restauração e bebidas para a loja, a qual foi recusada por inexistir “espaço equipado para o fim em vista.”
23. O imóvel tem duas licenças de utilização com o mesmo número e data de emissão, as quais são diferentes entre si, na medida em que uma identifica as fracções a que se refere e outra não contém essa identificação.
24. A ré, em 2005, requereu a anulação da alteração do uso, para que a loja passasse a ser considerada “espaço comercial”, não tendo obtido provimento para tal.
AH) Na sequência da entrega do projecto de alterações pelo técnico no DAE, a autora é notificada do ofício n.º 54714, datado de 29/10/2009, no qual a CM de Cascais (DAE) vem solicitar a apresentação, em 60 dias úteis, de diversos elementos que se encontravam em falta, entre eles “fotocópia da licença de utilização do prédio” e “autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso.”
AI) No dia 03/12/2009, a autora encaminhou o referido ofício à ré, por fax, no sentido desta obter os elementos solicitados pela CM de Cascais dentro do prazo concedido pela edilidade.
AJ) O conteúdo do fax anteriormente referido é remetido por carta registada com a/r à ré, em 10/12/2009.
AK) Em resposta, a ré envia à autora um telefax, com o seguinte conteúdo:
“O edifício tem licença de utilização (fotocópia anexa). Tal como sempre informámos a fracção “AA” Loja I do piso 0, não tem licença de utilização, uma vez que a vistoria exigia que a mesma já se encontrasse equipada para o uso de restauração. O projecto foi aprovado pela CM de Cascais, e já solicitamos cópia das plantas para confirmação do que se expõe, pelo que não é necessária a aprovação dos condóminos.”
25. A ré não entregou à autora a “autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso” referida em AH).
AL) No dia 25/01[/2010], a autora comunica à ré, por carta registada com a/r, o seguinte: [alterou-se a redacção desta alínea, transcrevendo-se agora o teor integral da carta, em vez de se sintetizar a mesma e de a dar por reproduzida]:
“Serve o presente para informar que verificada da parte de V. Exªs. a omissão de disponibilização dos documentos referidos nos pontos nºs 1 e 2 do ofício n.º 054714 da Câmara Municipal de Cascais, de 29/10/2009, dentro do prazo concedido pela edilidade, o projecto em causa será indeferido.
Deste modo, mostra-se definitivamente inviabilizada a prossecução do contrato-promessa de compra e venda da loja em causa, por falta de licença de utilização para restauração.
De facto, conclui-se que a inexequibilidade do contrato promessa se ficou a dever à recusa de emissão de licença de utilização por motivos unicamente imputáveis à promitente vendedora, uma vez que não foi aprovado o projecto de alterações apresentado pela nossa cliente junto da Câmara Municipal de Cascais.
Além da falta de autorização dos condóminos (que o referido oficio exige), o certo é que fracção prometida vender não está conforme às disposições legais em vigor (nem sequer possui licença de utilização), pelo que não se mostra possível obter a competente licença de utilização para restauração.
Assim, não resta outra solução à nossa Cliente senão a de dar sem efeito o contrato-promessa de compra e venda celebrado com V.s Ex.as em 11/11/2008, o que fazem pelo presente meio de resolução.
Consequentemente, a nossa Cliente tem direito, na esteira do disposto nos números um e três da cláusula sexta, do referido contrato, a ser reembolsada das quantias entregues a título de sinal e respectivos reforços (em dobro), o que totaliza a quantia de 354.000€.
Ao valor acima referido, acrescem as despesas de condomínio da loja, suportadas pela nossa cliente no valor de 3.000€.
A computar ainda as benfeitorias realizadas pela nossa cliente na fracção em causa, a título de mobiliário e equipamento. no montante de 23.500€ (vinte mil euros) [sic].
A nossa cliente despendeu também, para elaboração dos projectos de arquitectura, água e gás e acompanhamento jurídico, a quantia de 15.000€ para pagamento aos técnicos e mandatários.
Assim, deverão V.s Ex.as efectuar o pagamento da quantia total de 395.500€ no prazo máximo de 15 dias a contar da recepção da presente carta.
Decorrido o prazo acima mencionado sem que se encontre efectuado o correspondente pagamento, não teremos outra alternativa senão a de recorrer aos meios judiciais para defesa dos direitos da nossa Cliente.
Sem mais de momento, aguardamos as vossas prezadas notícias e, com os melhores, subscrevemo-nos.”
AM) No dia 03/02/2010, a ré envia carta à autora contendo fotocópia de certidão emitida pelo Departamento de Gestão Urbanística da CM de Cascais, datada de 01/02/2010, na qual pode ler-se: ”que a loja I, identificada nas plantas respeitantes ao projecto de alteração cujo licenciamento ocorreu em 19/02/2004 no âmbito do processo n. 8514/01, está destinada a restaurante. A fracção em causa apresenta obras/alterações não licenciadas e por conseguinte em desconformidade com o projecto aprovado.”
AN) No imóvel identificado em A) estão construídas pela ré diversas obras desconformes ao projecto aprovado pela CM.
AO) As datas do processo n.º 8514 (2001), cujo licenciamento ocorreu em 19/02/2004, são anteriores à data da celebração do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré.
AP) A ré tinha conhecimento da situação em que a loja se encontrava descrita nos documentos existentes na CM de Cascais.
AQ) A ré sabia que na loja tinham sido realizadas obras, na copa, casas de banho, vestiários e arrumo, que não correspondiam ao projecto aprovado pela CM, cujo fim era para arrecadação e garagem.
AR) No dia 04/02/2010, a ré envia à autora uma cópia das telas finais referentes à loja, onde constam “arrecadação” e “garagem” no piso inferior e não “copa”, “casas de banho”, “vestiários” e “arrumos”, conforme constava das plantas fornecidas por aquela na fase de negociações e antes da assinatura do negócio celebrado pelas partes em B).
AS) Em 20/04/2010, a autora é notificada do ofício n.º 019406 emitido pelo DAE, com o seguinte conteúdo: “informamos que não foram entregues os elementos solicitados pelo nosso ofício n.º 054714 de 29/10/2009, em anexo. Assim, nos termos do Código de Procedimento Administrativo e uma vez que estes documentos são necessários à apreciação do pedido, não será dado seguimento ao procedimento de emissão de licença de utilização para estabelecimentos de restauração e bebidas.”
28. A autora adquiriu equipamento e maquinaria para a instalação do restaurante, do qual não conseguiu devolver uma “hotte” e vários “buffets”.
29. A autora adquiriu, para a construção da cozinha do restaurante, tijolos, areia e cimento.
30. A autora pagou a um dos técnicos que interveio na elaboração o projecto a quantia de 350€.
31. Para a elaboração do projecto de gás, a autora pagou 900€.
32. De quotas pagas ao condomínio do edifício a autora gastou 952€.
33. Para pagamento do parecer médico do Centro de Saúde a autora despendeu a 14,95€.
34. Para pagamento dos serviços dos advogados que assistiram a autora no processo tendente à compra e venda da loja foi elaborada, em 18/05/2010, uma nota de honorários e despesas no montante de 8.000€.
Vindos dos articulados da ré:
35. Antes de assinar o escrito referido em B), a autora, na pessoa dos seus sócios-gerentes, visitou duas vezes a fracção objecto do mesmo, tendo, cada uma dessas visitas, durado cerca de 30 minutos.
38. A garagem identificada com o nº 25 nos documentos nºs 1, 2 e 6 anexos à petição inicial não é a que está assinalada nas telas finais do rés-do-chão (piso “0”) do edifício como adjacente à área que no mesmo documento surge como “arrecadação”.
40. Em 2004, o Sr. “F”, de nacionalidade chinesa, prometeu comprar à a fracção em causa nesta acção, tendo sido no âmbito desse acordo que foram executadas as obras para futura instalação de uma cozinha no rés-do-chão e as obras de construção da zona de arrumos, vestiário e instalações sanitárias referida em 2.
41. Em 27/03/2009 a autora deu conhecimento à ré de que haveria dificuldade em aprovar a cozinha no rés-do-chão, propondo na eventualidade de não ser aprovada a cozinha nesse local mas apenas no 1º piso, a redução do preço em 25%, ficando a obtenção da licença de utilização por conta da ré.
42. A ré respondeu dizendo-se disponível para reduzir o preço em 15%.
43. A conduta de exaustão tem a sua saída acima do telhado do edifício de que faz parte a fracção dos autos.
44. Aquando da deslocação da ré, em 2004, à CM de Cascais, foi-lhe foi dito que a licença de utilização da fracção identificada em A) para restaurante só poderia ser emitida depois de a fracção estar equipada para essa função.
45. Em 2007, por ter aparecido um interessado em instalar uma clínica na fracção, a ré tentou obter o acordo dos condóminos do prédio para a alteração da finalidade da fracção de “restaurante” para “consultório médico”.
AT) A “Memória Descritiva e Justificativa” que acompanha o projecto entregue pela autora no DAE da CM de Cascais, em 09/10/2009, começa dizendo: “A presente Memória Descritiva e Justificativa refere-se à alteração ao uso num edifício implantado…”.
AU) O ofício n.º 054714 da CM de Cascais, assinado pela Directora da DAE, e dirigido à autora tem como assunto a “Alteração ao Uso de Alvará de Licença de Utilização para um estabelecimento de Restauração, sito na Av.ª ..., Quinta ..., em Cascais”, e notifica a autora para apresentar, entre outros elementos, a “Autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso.”
46. A autora sabia que a fracção se destinava a restaurante.
48. A DAE não invocou que as obras constantes do rés-do-chão impossibilitassem a legalização da loja para o fim de restaurante.
I
Do recurso contra a decisão da matéria de facto
Diz a ré nas primeiras conclusões do seu recurso:
(…)

II
Do recurso contra a matéria de direito
*
Da nulidade do contrato-promessa
A autora baseava o seu pedido no preenchimento, por factos imputáveis à ré, da cláusula resolutiva (6ª/3) do contrato-promessa que celebrou com a ré).
A sentença não se chega a pronunciar sobre esta questão, por ter chegado, antes disso, à conclusão da nulidade do contrato-promessa por impossibilidade objectiva originária (art. 401/1 do CC).
A construção da sentença é a seguinte [muito em síntese]:
O contrato tinha por objecto a celebração futura de um contrato de compra e venda de uma fracção predial para nele funcionar um restaurante. Um restaurante não pode funcionar sem um sistema de exaustão apto. A única conduta de exaustão de fumos existente na fracção, era inapta para funcionar como conduta de um restaurante por não ter nem as dimensões nem o alinhamento necessários [facto 14]. Tendo em conta essa inadequação tornava-se necessário instalar um sistema de exaustão alternativo na cobertura da mesma fracção [facto 15]. Para o efeito era necessário o consentimento dos condóminos a essa inovação nas partes comuns. A inovação não foi aprovada, tendo sido recusada por uma maioria de 52,3% dos votos dos condóminos presentes [facto AD]. Logo o contrato versa sobre objecto impossível e por isso é nulo (pois que «há impossibilidade (…) da prestação, não só quando esta se torna seguramente inviável, mas também quando a probabilidade da sua realização, por não depender apenas de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torne extremamente improvável” – Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol. II, pág. 60).
A ré põe em causa esta construção dizendo: como não ficou provado que a única conduta de exaustão existente não tinha o diâmetro e o alinhamento necessários ao funcionamento de uma cozinha de restaurante, não se pode concluir que existe a impossibilidade objectiva originária invocada pela sentença para concluir pela nulidade.
Ora, viu-se acima que o recurso da ré quanto a esta matéria de “facto” é procedente. O “facto” em causa foi afastado e por isso já não pode servir de base à construção feita pela sentença. E, sem ele (isto é, sem prova de que a única conduta de exaustão existente não tinha o diâmetro e o alinhamento necessários ao funcionamento de uma cozinha de restaurante), ou, o que vai dar ao mesmo, sem base de facto para a conclusão de que é necessária a construção de um sistema de exaustão na cobertura da fracção, não se pode chegar à conclusão da nulidade do contrato-promessa por impossibilidade objectiva originária.
Pelo que, também nesta parte é procedente o recurso da ré.
Fica então por apreciar o fundamento resolutivo invocado pela autora.
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Do fundamento resolutivo invocado pela autora
O que a autora pretende exercer neste processo era o direito de resolver o contrato-promessa com base no cláusula resolutiva prevista (clª 6ª/3) do contrato-promessa.
Diz essa cláusula, relembre-se, que a autora terá direito de resolução do contrato, no caso da recusa de emissão de licença de utilização, pela não aprovação do projecto de alterações (a apresentar pela autora junto da competente Câmara Municipal), por motivos imputáveis à ré, nomeadamente defeitos ou vícios na construção ou desconformidade do imóvel com as disposições legais em vigor.
Nos factos provados não consta que tenha havido qualquer recusa de emissão de licença de utilização, pelo que isto bastaria para concluir que não estava preenchido o fundamento resolutivo invocado pela autora.
A autora, sem tentar demonstrar directamente o preenchimento desta cláusula resolutiva, vai fazendo o relato do sucedido desde a celebração do contrato até bem depois da comunicação da resolução, e entretanto vai avançando possíveis razões para se concluir pela impossibilidade de legalização do restaurante.
Assim, no art. 49 da pi diz que era imprescindível a autorização dos condóminos para a aprovação do restaurante; no art. 51 da pi diz que não era possível a montagem e o licenciamento do que quer que fosse na fracção, quer por razões técnicas (vicio ou defeitos de construção) quer por razões que se prendem com os graves problemas/diferendos existentes entre a ré e a maioria dos condóminos do edifício, que obstariam sempre qualquer aprovação; nos arts. 57 e 62 da pi diz que o ofício 54714, datado de 29/10/2009, do DAE da CM lhe solicitou a apresentação em 60 dias úteis, de, entre o mais, fotocópia da licença de utilização do prédio e a autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso, e que a ré nunca lhe facultou tais elementos, pelo que, em 25/01/2010, ela, autora, resolveu o contrato; nos arts. 65 e 66 da pi diz que as obras existentes na fracção desconformes ao projecto aprovado, contribuem significativamente para a impossibilidade de legalização da loja; e, por fim, nos arts. 71 e 72 da pi diz que o ofício 019406, de 20/04/2010, do DAE, lhe comunica o arquivamento do processo de licenciamento apresentado pela autora por falta de entrega dos elementos peticionados com o ofício 054714, o que, no entender da autora, esgotava a possibilidade de legalização do restaurante.
Quanto a tudo isto veja-se sucessivamente:
- Quanto à necessidade de autorização dos condóminos para a aprovação do restaurante: (i) essa autorização só seria necessária, por uma de duas razões: ou para construir um sistema de exaustão na cobertura do fracção, o que, pelo que já se disse acima, não se demonstrou ser necessário e por isso é irrelevante; ou (ii) para a alteração do uso da fracção, o que não tinha sentido, porque o uso da fracção já era o de restaurante [factos I, AM e 46]; o que se passou foi que a autora deu início a um processo de alteração do uso (facto AT), e, por isso, automaticamente, a CM lhe pediu a autorização do condomínio para essa alteração do uso (facto AU); mas a própria autora, no art. 32 da pi, diz que o projecto que apresentou “apenas e tão só visava alterar a configuração do restaurante e não a alteração do uso da fracção”, pelo que, aparentemente, o que ela devia ter feito era pedir à CM a rectificação do lapso de se ter iniciado um processo de alteração de uso, quando o fim visado não era o da alteração do uso.
- A impossibilidade de montagem e de licenciamento por razões técnicas (vicio ou defeitos de construção): a autora nada de concreto alegava quanto a isto (para além do que vai apreciado autonomamente) pelo que naturalmente nada se provou de concreto quanto a isto.
- Quanto aos elementos pedidos pela DAE no ofício n.º 54714 (facto AH): (i) os factos provados não permitem a conclusão de que falte licença de utilização do prédio e a autora devia ter providenciado pelo esclarecimento da questão; (ii) quanto à autorização dos condóminos já foi dito que tal autorização não era necessária, sendo que era à autora que cabia esclarecer tal questão junto da CM, pois que foi ela que deu causa a que o processo fosse iniciado como se fosse para alteração de uso, quando, segundo a própria autora, não se destinava a tal.
- Quanto ao argumento de que as obras existentes na fracção, que estão desconformes ao projecto aprovado (factos AM e AN), contribuem significativamente para a impossibilidade de legalização da loja: é uma afirmação que a autora já fazia na petição inicial sem qualquer suporte factual. De resto, como se diz no facto 48, a DAE não invocou que as obras constantes do rés-do-chão impossibilitassem a legalização da loja para o fim de restaurante. Note-se, por outro lado, que com a alteração do contrato-promessa (factos 5, T, 9, U, V, Z, 41 e 42), a cozinha já não era para ser construída no lugar da copa/arrecadação, pelo que é irrelevante o que consta do facto 3.
Quanto ao ofício de 20/04/2010, da DAE, o que ele faz (facto AS) é informar “que não foram entregues os elementos solicitados pelo nosso ofício n.º 054714 de 29/10/2009, em anexo.” E que, “[a]ssim, nos termos do CPA e uma vez que estes documentos são necessários à apreciação do pedido, não será dado seguimento ao procedimento de Emissão de Licença de Utilização para estabelecimentos de Restauração e Bebidas.” Não há qualquer indeferimento. Há apenas o anúncio de não se dar seguimento ao processo porque a autora não apresentou documentos, um deles (licença de utilização do prédio) que a autora não demonstra não existir (pelo contrário, já que nos factos provados se dá como existente: factos H e 23) e que por isso podia apresentar, e um outro (autorização…) que só era necessário face ao modo como a autora apresentou o pedido.
Em suma: a autora, para poder dizer preenchido o fundamento resolutivo invocado, tinha o ónus de tentar fazer com o que o processo administrativo prosseguisse e chegasse ao fim com o indeferimento do pedido, ou então teria que demonstrar, inequivocamente, que o processo só não tinha prosseguido por culpa da ré, sendo que os factos apontam antes em sentido contrário. Entre o mais porque só por falta da autora o processo se iniciou como de alteração de uso, quando não havia razões para isso.
Em suma: não há razão para se concluir pelo preenchimento do fundamento resolutivo invocado pela autora e previsto na clª 6ª/3 do contrato-promessa.
Pelo que a acção, nesta parte, tem de ser julgada improcedente.
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Quanto à reconvenção – do fundamento resolutivo invocado pela ré
Diz a ré que a autora não tinha fundamentos para resolver o contrato-promessa ao abrigo do disposto na sua cl. 6ª/3. E que a declaração unilateral da autora de resolução do contrato-promessa e a sua desistência do seguimento, junto da DAE, do processo de obtenção da licença específica para restauração, consubstanciam inequívoca recusa da sua parte em cumprir o contrato-promessa.
A referência que a ré faz à desistência do seguimento, é um argumento novo, que a ré não invocou na reconvenção. E não é agora a ocasião para estar a ampliar a causa de pedir do seu pedido reconvencional.
Por outro lado, apesar de a ré invocar a cláusula resolutiva prevista no contrato a seu favor (clª 6ª/2), a verdade é que o fundamento resolutivo invocado pode ser confrontado com os fundamentos legais, não precisando de passar por aquela cláusula. Cláusula convencional (admitida no art. 432/1 do CC) que, no caso, dada a sua particular indeterminação (note-se o contraste com a precisão da cláusula resolutiva prevista a favor da autora, na clª 6ª/3), não teria qualquer relevância ou eficácia [neste sentido, por último, veja-se: A cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia (considerações a partir da análise de uma decisão judicial), de José Carlos Brandão Proença, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dez2012, págs. 299 a 332, especialmente págs. 307 a 310, e a doutrina e acórdãos citados pelo autor, especialmente na nota 32; e também nestes Estudos, Daniela Baptista, Da cláusula resolutiva expressa, especialmente págs. 200/201; e ainda, por exemplo, Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção fidejussória de dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, 2000, nota 145 da pág. 39).
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A declaração de resolução indevida
A questão que a ré coloca é uma questão que já tem sido colocada noutros casos, com respeito aos fundamentos legais de resolução.
Quando alguém invoca um fundamento contratual para resolver um contrato e depois esse fundamento não se prova, deve entender-se que essa resolução equivale à recusa em cumprir o contrato?
Sintetizando aquela que parece ser a melhor posição do que se citará abaixo, dir-se-á que a resolução indevida de um contrato, se disser respeito a um contrato que permite a sua denúncia unilateral, pode ser considerada como denúncia ou convertida nesta; nos outros casos, a resolução indevida do contrato é ineficaz, mas pode, se as circunstâncias o permitirem, ser tomada pela contraparte como uma declaração tácita de recusa de cumprimento, dando a esta justificação para resolver o contrato. Mas assim não sucederá se a resolução indevida resultou de uma representação, não culposa, de que a contraparte tinha faltado ao cumprimento do contrato.
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Assim, quanto à questão da ineficácia, veja-se:
Em defesa da ineficácia, Brandão Proença diz: “[A] declaração de resolução, feita no pressuposto do incumprimento alheio infundado, também não pode conduzir, sob pena de se identificar declaração de resolução com declaração de inadimplimento, a uma decisão judicial que coloque o declarante em estado de incumprimento (face a uma representação infundada e não culposa do incumprimento da contraparte) em vez de manter a eficácia do contrato entre as partes”. (A resolução do contrato no Direito Civil, de 1982, Coimbra Editora, ed. de 1996: págs. 152/153).
Em sentido contrário, Pinto Monteiro (na síntese feita por Paulo Mota Pinto, que se transcreve parcialmente) trata da questão notando que duas soluções se perfilam à partida: declarar que o contrato […] se mantém, tendo a outra parte direito a ser indemnizada pelos danos causados pela suspensão do contrato […]; ou partir do princípio de que o contrato se extinguiu, traduzindo-se a falta de fundamento da resolução, apurada posteriormente, numa situação de não cumprimento do contrato pelo contraente que indevidamente lhe pôs termo, com a consequente obrigação de indemnização. A primeira solução seria no plano dos princípios a mais correcta, pois a resolução sem fundamento é um exercício ilícito do respectivo direito: caso contrário conseguir-se-ia obter o resultado pretendido, de extinção do contrato, em violação da lei. Todavia, na prática, nem sempre seria aconselhável impor a subsistência do contrato, pois entre a declaração resolutiva e a data da decisão judicial em que se apura a sua falta de fundamento pode decorrer longo tempo. […] Argumenta[…]-se ainda, no sentido da extinção imediata do contrato […] “com a possibilidade de equiparar uma resolução sem fundamento a uma declaração de não cumprir, que se vem considerando equivalente ao não cumprimento definitivo”. E não deixa ainda de notar que acresce “que o contraente que resolve o contrato sem fundamento sempre poderia denunciá-lo (tratando-se de contrato por tempo indeterminado), uma vez que a denúncia não carece de ser motivada […].” (esta síntese é feita por PMP com base em quatro estudos do António Pinto Monteiro, o primeiro de 1986; no estudo Contratos de distribuição comercial, Almedina, 2002, pág. 147, APM diz: “em princípio, parece-nos que será de entender que o contrato se extinguiu, traduzindo-se a falta de fundamento da resolução numa situação de incumprimento”).
Em defesa da ineficácia da declaração, Paulo Mota Pinto: “a resolução sem fundamento é […] ineficaz”, “por não possuir fundamento jurídico e o resolvente não ser titular do correspondente direito potestativo. […D]a tentativa de exercício de um direito de que se não era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual”. Este autor aceita, no entanto, que isto não será assim nos casos de contratos em relação aos quais o resolvente tinha o direito de pôr termo ao contrato mediante denúncia ad libitum [= ad nutum - (discricionária, sem necessidade de invocação de um motivo)], hipóteses em que admite a equiparação da declaração de resolução sem fundamento a uma denúncia sem pré-aviso ou mesmo a possibilidade de converter a resolução em denúncia ou numa declaração de anulação do contrato, se este for anulável. E considera que não se justifica qualquer entorse àquela conclusão [ineficácia, manutenção do contrato…], por invocação das dificuldades práticas de retoma da relação contratual, sob pena de se estar a conceder directa prevalência, sobre a inequívoca força do Direito, ao facto ilícito, que provocou essas dificuldades, e ao decurso do tempo (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora, 2008, nota 4861, págs. 1674/1677, com extensa fundamentação e discussão dos argumentos de António Pinto Monteiro e considerações sobre a culpa do resolvente sintetizadas num parecer de Carlos Mota Pinto: se o pedido de declaração de resolução for julgado improcedente por não se verificarem os elementos de facto alegados, o comprador é culpado se conhecia a desconformidade desses factos com a realidade ou se só por falta de zelo, aptidão ou capacidade desconhecia essa desconformidade com a realidade; se for julgado improcedente por falta de fundamento jurídico, é culpado se os fundamentos jurídicos do seu pedido eram contrários a regras legais precisas e determinadas e não haverá culpa se o pedido se baseia num conceito indeterminado ou numa cláusula geral cujo conteúdo genérico não esteja suficientemente concretizado pela doutrina ou pela jurisprudência.).
E Nuno Manuel Pinto de Oliveira diz que: a resolução ilegal, ilegítima ou ilícita não é eficaz, isto é não tem efeitos liberatórios e restituitórios; “a resolução sem fundamento traduz um exercício ilícito do respectivo direito” (Pinto Monteiro); admitir que o autor de uma resolução sem fundamento se desvinculasse significaria atribuir-lhe o efeito querido, contra a lei. O exercício ilícito do direito seria tratado como se de um exercício lícito se tratasse. E depois distingue consoante o autor da declaração de resolução tinha um direito potestativo de denúncia discricionária (ad libitum ou ad nutum) e os casos em que não o tinha. Quando tinha, aquela declaração de resolução deverá interpretar-se como uma declaração de denúncia e o contrato extinguir-se-á, com eventual direito de indemnização da contraparte. Quando não tinha, é ineficaz: o credor não tem o direito potestativo de resolução e “da tentativa de exercício de um direito de que não se era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual’” (obra citada, págs. 893 a 897).
Em defesa da validade da declaração, como regra geral, Romano Martinez:“[…A] declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida, não é inválida [antes representa o incumprimento do contrato], pelo que, mesmo que injustificada, produz efeitos; ou seja, determina a cessação do vínculo. […] Sendo a resolução injustificada, e portanto ilícita, o autor da declaração responde pelo prejuízo causado à contraparte; como o princípio geral da obrigação de indemnizar determina que deve ser reconstituída a situação que existiria […], não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no art. 566/1 do CC […], com a declaração de ilicitude resulta a subsistência do vínculo que, afinal, não cessou. [Mas isso] depende do preenchimento, cumulativo, de três pressupostos, que operam separadamente: o cumprimento das prestações contratuais ainda é possível; a parte lesada mantém interesse na execução do contrato; a execução do contrato não é excessivamente onerosa para aquele que o resolveu ilicitamente. De modo diverso, mesmo que a resolução do contrato seja ilícita, da decisão judicial não pode resultar a subsistência do contrato verificada qualquer das situações indicadas. […] Dependendo das circunstâncias, a declaração de resolução, sendo ilícita, pode converter-se em denúncia do vínculo, caso em que, apesar da ilicitude, a relação contratual cessou.” (obra citada, págs. 221/224).
Em suma, segue-se a posição de Brandão Proença, Paulo Mota Pinto, Pinto de Oliveira (que aliás o inicial defensor da tese contrária considerava, no plano dos princípios a mais correcta), pois que “[…D]a tentativa de exercício de um direito de que se não era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual”.
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Quanto às condições de equiparação da declaração de resolução a recusa de incumprimento:
Para além do parágrafo de Brandão Proença já citado acima, e lido a essa luz, se foi bem compreendido, veja-se ainda, noutro lado, Brandão Proença: “É do entendimento comum que, em regra, a decisão do devedor é revelada de forma expressa mediante uma declaração dirigida ao credor e em que faz saber – como seu conteúdo – a vontade de não cumprir o chamado “programa contratual”. No seu desiderato de anunciar essa intenção, a declaração do devedor pode manifestar-se obliquamente com alegações de inexistência ou invalidade contratual, sob a forma de motivações subjectivas de desinteresse […] e pretensões sem justificação contratual, ou ir implícita na atitude mais radical de repúdio ou rejeição do próprio contrato, revelada através de pedidos de anulação, resolução (potenciada com um pedido indemnizatório) [na nota 999 cita dois acórdãos do STJ em que foi considerada como manifestação inequívoca de incumprimento a resolução declarada pelos promitentes-vendedores”] denúncia ou impugnação do vínculo assumido.
Diga-se, contudo, que se é verdade que a tentativa de uma desvinculação ilegítima, activada por alguma dessas formas jurídicas, pode querer branquear a evidência de um acto lesivo, apresentando-se, pois, como sinal concludente de uma recusa antecipada de cumprimento, também não se afasta que o desejo desvinculativo possa repousar num fundamento excludente da ilicitude, numa circunstância desculpável [na nota 1000 diz que no sumário de uma decisão estrangeira é colocada a hipótese da declaração de resolução estar apenas conectada com uma representação não culposa do incumprimento alheio] ou compreender-se por razões dogmáticas sustentadas por alguma doutrina.” (A hipótese da declaração (lato sensu) antecipada de incumprimento por parte do devedor, Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003 = Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 262).
Nuno Manuel Pinto Oliveira defende a relevância da recusa de cumprimento (podendo o credor retirar da recusa as consequências jurídicas em geral relacionadas com a mora qualificada (pelo preenchimento dos requisitos do art. 808/1 – por exemplo, a indemnização substitutiva da prestação […] ou a resolução do contrato […]), sob a forma de uma declaração categórica, clara e definitiva, mesmo que seja verbal e tácita. E lembra que os autores portugueses têm considerado que a declaração expressa de resolução do contrato, quando injustificada, é – ou pode ser – uma declaração tácita de recusa de cumprimento. (Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Maio 2011, págs. 864 a 868).
Acrescenta: “O devedor que declarasse actuar o direito potestativo [de] resolver um contrato bilateral, não podendo fazê-lo, por não estarem preenchidos os requisitos da resolução […] estaria a atribuir ao seu credor o direito potestativo de o resolver. O devedor que alegasse, injustificadamente, que o seu credor não cumpriu e que quisesse resolver o contrato pelo facto de o seu credor não ter cumprido estaria a atribuir-lhe a faculdade de alegar, justificadamente, que o devedor não cumpriu.
Os exemplos anteriores devem apreciar-se com alguma reserva, advertindo-se o intérprete para que evite a tentação de cair em automatismos fáceis. Depois cita Calvão da Silva (A declaração de intenção de não cumprir, estudos de direito civil e processo civil, pareceres, Almedina, 1996, pág. 135): ‘Urge, nomeadamente, prevenir o pecado de pensar que a declaração ilegal de resolução por uma das partes contratantes constitui sem mais fundamento de resolução para a outra parte’”.
E conclui: “O credor só poderá considerar a declaração de recusa de cumprimento como uma declaração definitiva quando seja a última palavra […] em termos tais que a reconstituição da relação contratual originária deva considerar-se afastada ou excluída pelo princípio (da proibição) do abuso do direito”.
Não fazendo estas distinções, Pedro Romano Martinez: “quando o devedor declara expressamente – de modo significativo – não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, não se torna necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo. A declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato ou afirma, de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação” (obra citada, pág. 142; no entanto, em nota, remete, entre o mais, para o parecer de Raúl Guichard e Sofia Pais, que defendem que a resolução injustificada do contrato, acompanhada de várias outras circunstâncias, pode, no caso, configurar uma situação de recusa de cumprimento, equiparado a um incumprimento definitivo – DJ, 2000, I, especificamente págs. 316/319, que, nesta parte terminam assim: quanto à declaração de resolução, ela não surtiu os efeitos pretendidos, por não se verificarem os respectivos pressupostos – desse ponto de vista, foi absolutamente irrelevante. Contudo, isso não significa que não possa assumir importância, não enquanto declaração negocial de extinção do contrato, mas como facto revelador de uma vontade de não cumprir.).
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Das razões para a autora estar convicta do incumprimento da ré
Posto isto, no caso dos autos, o comportamento da ré permitiu claramente a convicção da autora de que seria impossível, por culpa da ré, vir a ser celebrado o contrato definitivo.
É o que decorre da leitura dos factos provados sintetizada e encadeada do modo que se segue:
A ré é proprietária de uma fracção predial que tenta vender pelo menos desde 2004. A ré sabia que um dos prometidos compradores (já de 2004) tinha tentado adaptar o r/c a cozinha para o restaurante, sem êxito. Ainda em 2004 fez um pedido à CM de Cascais para emissão de licença de restauração e bebidas para a fracção que foi recusado por inexistir espaço equipado para o fim em vista. Em 2005 fez um outro pedido para a anulação da alteração do uso, para que a loja passasse a ser considerada espaço comercial, não tendo obtido provimento para tal. Em 2007, por ter aparecido um interessado em instalar uma clínica na fracção, tentou obter [e com esta expressão está implícito, como sempre, que a tentativa não teve êxito] o acordo dos condóminos do prédio para a alteração da finalidade da fracção de “restaurante” para “consultório médico”.
É neste contexto que, em Nov2008, a ré celebrou um contrato-promessa com a autora apresentando-lhe a fracção com aquelas obras feitas pelo anterior promitente-comprador, dizendo à autora que o espaço que vem referido como “copa” no r/c nas plantas que forneceu à autora estava preparado para nele poder ser instalada a cozinha do restaurante – aliás, essas plantas são as correspondentes à fracção com estas obras e não as telas finais originais e o espaço denota a preparação do local para a montagem de uma cozinha, nomeadamente um bocal de chaminé.
Quando a autora é informada pelo técnico por si contratado que na zona indicada como “arrecadação” nas telas finais aprovadas pela CM (= copa nas plantas fornecidas pela ré) nunca seria possível a aprovação da construção de uma cozinha e coloca a ré perante tal informação, a ré assume que a construção da cozinha no rés-do-chão era de difícil aprovação pela CM e aceita diminuir o valor da futura venda de 725.000€ para 616.250€, já que a instalação da cozinha no 1º piso implicaria uma diminuição substancial da área reservada às mesas de clientes. No entanto, não aceita a proposta da autora para que o contrato também seja alterado no sentido de a obtenção da licença de utilização ficar por conta da ré.
A autora continua então a fazer diligências no sentido de obter a legalização da fracção para o fim visado, agora com a cozinha já no 1º andar. No âmbito dessas diligências tenta com que a administração do condomínio providencie pela prestação e obtenção dos pareceres e autorizações necessários para as alterações que pretendia realizar no imóvel, entre elas a instalação de um sistema de filtragem electrostática e de controle de gorduras e odores, cujo módulo seria colocado na cobertura da fracção e a instalação de equipamentos e maquinaria de restauração.
No decurso destas diligências passa a saber que a ré já tinha celebrado anteriores contratos-promessa para venda da fracção e que os condóminos estão maioritariamente contra a instalação de um restaurante na fracção e que não lhe darão as autorizações que ela entende que são necessárias, sendo inclusive referido que haverá um documento assinado pelo Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Cascais, dizendo que não é permitida a instalação de uma unidade de restauração na referida fracção.
É neste contexto e, na sequência da entrega do seu projecto de alterações, que, em 29/10/2009, a autora é notificada, pela CM de Cascais (DAE), para vir apresentar diversos elementos que se encontravam em falta, entre os quais ”fotocópia da licença de utilização do prédio” e “autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso.” A autora encaminha essa notificação para a ré, no sentido desta obter os elementos solicitados pela CM de Cascais, e a ré responde-lhe, simplesmente, o seguinte:
“O edifício tem licença de utilização (fotocópia anexa). Tal como sempre informámos a fracção “AA” Loja I do piso 0, não tem licença de utilização, uma vez que a vistoria exigia que a mesma já se encontrasse equipada para o uso de restauração. O projecto foi aprovado pela CM de Cascais, e já solicitamos cópia das plantas para confirmação do que se expõe, pelo que não é necessária a aprovação dos condóminos.”
Durante todo a este período a autora, para além do sinal inicial de 150.000€, pagou mais 30.000€ do preço e fez despesas e comprometeu-se com outras, de montante indeterminado.
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De tudo isto resulta que a ré celebrou com a autora um contrato--promessa que a ré sabia que muito provavelmente não poderia ser cumprido e que para tal se aproveitou de uma situação de facto existente para dar a entender o contrário à autora. Já depois do contrato celebrado, e de a autora estar vinculada ao mesmo, de direito e de facto (pois a ré tinha em seu poder já mais de 150.000€ do preço e sabe-se que existe sempre, na prática, enorme dificuldade de se conseguir a restituição de dinheiro), a ré apenas condescende em diminuir o preço numa percentagem reduzida e sempre com a consciência das dificuldades da autora em vir a conseguir a licença de utilização do local como restaurante, como até resulta do facto de não ter aceite ficar ela, ré, com a obrigação de obter tal licença. E depois, quando a autora lhe dá a conhecer as dificuldades que a burocracia da CM lhe está a causar e lhe pede que satisfaça o pedido da CM, a ré dá-lhe uma resposta lacónica, que só confunde as coisas, muito mais no contexto dos factos já descritos, em vez de lhe dar a colaboração necessária, de acordo com as regras da boa fé (art. 762 do CC), para que a autora pudesse ultrapassar os entraves.
Quanto a esta última parte diga-se ainda o seguinte: é certo que, face aos factos provados nestes autos e apenas perante eles, se pode agora dizer, como aliás já se disse neste acórdão, que a autora, face à comunicação da CM de 29/10/2009, devia ter exibido a licença de utilização do prédio e ter-lhe explicado que o facto de o pedido ter sido titulado de alteração de uso se devia a um lapso seu, já que o uso a que destinava a fracção era já de restaurante. Depois disso e com o resultado dessa actuação é que eventualmente poderia vir a resolver o contrato--promessa, se a licença para a utilização do restaurante lhe viesse a ser recusada ou se ficasse demonstrado que tal necessariamente aconteceria por culpa da ré.
E isto parece linear e simples.
Só que, por um lado, se assim fosse, a ré podia ter respondido isto à autora e auxiliado a autora a actuar em conformidade (tanto mais que os antecedentes da celebração do contrato-promessa assim o imponham) e não foi isso que lhe explicou ou fez.
Por outro lado, nada garante que a autora, com tal actuação, viesse a obter qualquer resultado útil da sua actividade junto da CM. Aliás, a ré, com muita mais experiência do que a autora e que agora explica facilmente, sem correr o risco de ser desmentida, o que é que esta devia ter feito, já tinha dirigido três pretensões à CM e as três tinham-lhe sido indeferidas… E a autora então já sabia destes indeferimentos e não tinha, por isso, razão para confiar no saber-fazer da ré, nem na utilidade da resposta desta.
Para além disto, há ainda que referir que a viabilidade do licenciamento da utilização da fracção como restaurante, ainda está dependente, na tese da ré, da aptidão de um sistema de exaustão que utilize uma conduta que tem a sua saída acima do telhado do edifício de que faz parte a fracção dos autos, o que está muito longe de estar demonstrado nos autos.
Perante tudo o que antecede, compreende-se facilmente que a autora possa ter pensado que a CM nunca lhe concederia a licença de utilização da fracção para restaurante e que tal resultava de estado de coisas imputável à ré, pelo que a resolução do contrato pela autora - que, nestes autos, perante os factos provados, se tem de considerar indevida, por falta de prova do fundamento invocado -, se pode, ao mesmo tempo, considerar como uma resolução baseada numa representação não culposa do incumprimento da ré (parafraseia-se Brandão Proença), o que impede que se identifique a declaração de resolução com declaração tácita de recusa de cumprimento e por isso não justifica uma resolução do contrato pela ré.
Ou seja, nesta parte não tem razão a ré, pelo que a reconvenção não pode proceder.
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Dos outros pedidos formulados pela autora
Não se verificando nenhum dos fundamentos resolutivos invocados pelas partes, o contrato-promessa permanece, para já, em vigor.
Assim sendo, não se justifica a procedência de nenhum dos outros pedidos formulados pela autora, que tinham na sua base a frustração da expectativa da celebração, no futuro, do contrato definitivo, objecto do contrato-promessa, em consequência da resolução justificada deste por parte da autora.
Desaparece, também, a razão de ser para a condenação da ré nos 952€ que a autora despendeu em contribuições de condomínio (cuja causa a sentença filiava na antecipação dos efeitos da compra e venda, dada pela tradição antecipada da fracção, com vista à realização das obras de adaptação a restaurante e instalação dos respectivos equipamentos).
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(…)
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Pelo exposto, julga-se em parte procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, e em sua substituição julgam-se improcedentes quer a acção quer a reconvenção (e, nesta parte, julga-se pois também improcedente o recurso).
Custas da acção pela autora.
Custas da reconvenção pela ré.
Custas do recurso por autora e ré, em partes iguais.

Lisboa, 21/02/2013.

Pedro Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo
Lúcia Sousa
Decisão Texto Integral: