Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
193/05.0TMLSB.1.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS A FILHOS MENORES
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
PRESCRIÇÃO
MAIORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Numa obrigação de alimentos a menores, o prazo de prescrição de cinco anos aplicável aos juros compulsórios não corre nem se completa até decorrer um ano após a sua maioridade, estando a parte dos juros destinada ao Estado abrangida pela suspensão da prescrição.
(Pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
IC… intentou contra LS… execução especial de alimentos, sendo a quantia exequenda de 33 996,79 euros, constituída pelas pensões de alimentos vencidas e não pagas, devidas às duas filhas menores de ambos, M… e MM… nascidas em 17 de Setembro de 2003 e fixadas no acordo de regulação de responsabilidades parentais homologado no processo de divórcio por mutuo consentimento dos progenitores, decretado em 8/6/2006.
Após a realização de várias penhoras, os progenitores chegaram a acordo em 5/5/2021, reduzindo a quantia exequenda para 30 000,00 euros com perdão de juros, ficando a cargo do executado o pagamento dos juros compulsórios devidos ao Estado, bem como as custas e honorários do AE, deduzindo-se estes valores do montante penhorado e devolvendo-se-lhe o remanescente.  
Na sequência deste acordo, foi apresentada nota discriminativa pelo AE contemplando os juros compulsórios na totalidade, tendo então o executado apresentado requerimento alegando que aí consta o valor de 22 168,74 euros a título de juros por sanção pecuniária a cargo do requerente, dos quais 11 084,37 euros serão devidos à exequente e 11 084,37 euros serão devidos ao Estado, o que viola o acordo celebrado entre as partes, já que a exequente prescindiu da parte dos juros a que teria direito, pelo que só está em dívida, a esse título, a parte devida ao Estado e, contabilizados de 8/6/2006 até 4/5/2021, encontram-se prescritos os juros abrangidos pelo prazo de cinco anos previsto no artigo 310 d) do CC, sendo de 2 903,44 euros o montante dos juros compulsórios devido ao Estado, o que deve ser atendido na devolução ao requerente do remanescente penhorado.
Depois de ouvido o AE, foi proferido o seguinte despacho:
O credor do direito a alimentos é o menor, pelo que o prazo de prescrição do direito a alimentos não corre durante a menoridade e não se completa sem que tenha decorrido um ano a partir do termo da sua incapacidade – cfr. artigos 310º, alíneas d) e f), 318º, alínea b), e 320º, nº 1, do Código Civil.
Donde, tratando-se de obrigação acessória, não poderão os juros ser contabilizados por referência ao quinquénio como pugnado pelas partes.
Termos em que indefere, nesta parte, a reclamação apresentada.
No que tange à sanção pecuniária compulsória legal prevista no artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil, sabemos que por ser fixada por lei e que é automaticamente devida, estando vedada a negociação dada a sua natureza indisponível. Opera de forma automática e é devida quando estipulado ou judicialmente determinado um pagamento em dinheiro corrente desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, não carecendo de ser fixada na sentença proferida na ação declarativa nem de ser pedida no requerimento executivo.
 Porém, a renúncia ao pagamento dos juros é válida e tempestiva, pelo que, deferindo-se nesta parte o requerido, deve ser considerada pelo agente de execução na nota justificativa e no montante penhorado a entregar à exequente – cfr. artigo 2008º, n.º 1, parte final, do Código Civil.
Pelo exposto, notifique o agente de execução para reformular a nota justificativa, devolvendo ao executado o montante dos juros compulsórios objeto de renúncia pela exequente.
Custas de incidente a cargo da exequente e do executado, na proporção de ½.
*
Inconformado com o acima transcrito despacho, na parte em que não atendeu à prescrição, o executado interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. No douto Despacho datado de 05.10.2021 de que ora se recorre, a Mma. Juíza do Tribunal a quo veio considerar que a prescrição da obrigação de juros legais, devidos ao Estado, decorrente do disposto nos números 3 e 4 do artigo 829.º-A, se encontra suspensa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 318.º b) e 320.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
2. Da análise do disposto nos artigos 318.º b) e 320.º, n.º 1 do Código Civil, facilmente se conclui que a ratio legis das causas de suspensão da prescrição consagradas nesses dispositivos, prende-se com a proteção dos interesses dos menores.
3. Ora, como é por demais evidente, a obrigação de proceder ao pagamento de juros legais decorrente do disposto nos números 3 e 4 do artigo 829.º-A, em nada prejudica ou beneficia os menores, uma vez que o credor dessa obrigação é o Estado e não as crianças.
4. Por outro lado, a obrigação consagrada nos números 3 e 4 do artigo 829.º-A, não tem qualquer correlação quer com a incapacidade dos menores, quer com as obrigações decorrentes do exercício das responsabilidades parentais.
5. Como tal, uma vez que a razão de ser de a prescrição se considerar suspensa nas situações previstas nos artigos 318.º, al. b) e 320.º, n.º 1, do Código Civil não tem qualquer correlação com a obrigação decorrente dos números 3 e 4 do artigo 829.ºA do mesmo diploma legal, não se poderá considerar que a prescrição, no prazo de cinco anos (cfr. decorre da al. d) do artigo 310.º do Código Civil), dos juros legais devidos ao Estado se encontra suspensa no caso sub judice. 
6. Consequentemente, por força do disposto na al. d) do artigo 310.º do Código Civil ter-se-ão de considerar prescritos os juros legais devidos ao Estado contabilizados e apurados pelo Agente de Execução entre 08.06.2006 e 08.06.2017, não sendo aplicável o disposto nos artigos 318.º, al. b) e 320.º, n.º 1 do Código Civil à obrigação consagrada nos números 3 e 4 do artigo 829.º-A do mesmo diploma legal.
Termos em que o presente recurso merece ser julgado totalmente procedente, devendo, consequentemente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo no Despacho datado de 05.10.2021 ser substituída por outra que considere prescritos os juros legais devidos ao Estado contabilizados e apurados pelo Agente de Execução entre 08.06.2006 e 08.06.2017, devendo, consequentemente, ser devolvidos ao Recorrente os €23.521,90 (vinte e três mil, quinhentos e vinte e um euros e noventa cêntimos) peticionados, ao invés de €15.340,97 (conforme nova nota discriminativa e justificativa emitida pelo Agente de Execução, em cumprimento do Despacho objeto do presente recurso).
Só assim, Venerandos Juízes Desembargadores, será feita Justiça.
*
Não foram oferecidas contra-alegações e a questão a decidir é a de saber se é aplicável a suspensão da prescrição na parte dos juros compulsórios destinada ao Estado.
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FACTOS.
Os factos a atender são os que contam no relatório do presente acórdão.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
Na presente execução, embora representadas pela sua progenitora, são credoras da quantia exequenda as duas filhas menores do executado.
Assim, a esta obrigação é aplicável a suspensão da prescrição prevista nos artigos 318º alínea b) e 320º nº1 do CC, não começando nem correndo a prescrição entre o menor e quem sobre ele exerce o poder paternal e, de qualquer forma, não se completando contra ele a prescrição sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.
Tendo havido acordo no pagamento da quantia exequenda com perdão de juros por parte da progenitora exequente, ficaram apenas por pagar os juros compulsórios previstos no artigo 829-A nº4 do CC, na parte que é destinada ao Estado, nos termos do nº3 do mesmo artigo.
Prevendo o artigo 310º d) do CC a prescrição no prazo de cinco anos dos juros convencionais ou legais, pretende o executado apelante que seja atendida no pagamento a prescrição parcial dos juros compulsórios destinados ao Estado, em conformidade com esta disposição legal, alegando que não se lhe aplica a suspensão da prescrição prevista nos artigos 318º b) e 320º nº1, por a quantia em dívida não ser devida às menores e sim ao Estado, não se verificando, portanto, as razões de protecção dos menores que estão subjacentes à suspensão da prescrição.
Porém não lhe assiste razão.
Os juros compulsórios constituem uma obrigação acessória da obrigação principal em que são credoras as menores e, como tal, são estas também credoras de tais juros, quer na parte que lhes é destinada, quer na parte destinada ao Estado.
Na verdade, os juros compulsórios não visam indemnizar ou compensar as credoras menores, mas sim exercer pressão sobre o devedor para proceder ao pagamento do seu crédito, função essa que opera não só na parte destinada às menores, mas também na parte destinada ao Estado.
Deste modo, também a parte dos juros compulsórios destinados ao Estado tem como finalidade a protecção das menores, compelindo-o a pagar, pelo está abrangida pela suspensão da prescrição.
Conclui-se, portanto, que não procede a prescrição, improcedendo as alegações de recurso.         
*
DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, mantendo-se o despacho recorrido.
 Custas pelo apelante.
2022-07-07
Maria Teresa Pardal (por vencimento da relatora)
Anabela Calafate
Maria de Deus Correia (vencida conforme voto que se segue) 

VOTO DE VENCIDO
Teria julgado procedente o recurso e, em conformidade, revogado a decisão recorrida, na parte em que decide não ser aplicável a prescrição ao montante contabilizado a título de sanção pecuniária compulsória, devido ao Estado. E, assim, determinaria a reformulação da nota justificativa e a devolução ao Executado do valor correspondente.
Tal seria decidido com base nas razões seguintes:
Estabelece o art.º 318.º alínea b) do Código Civil[1]:
A prescrição não começa nem corre entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas (…)”.
Por sua vez, determina o art.º 320.º n.º1:
A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.”
Como é fácil depreender da leitura dos dois preceitos, os mesmos destinam-se a proteger os menores, considerando a sua situação jurídica de incapacidade. Isso resulta evidente das expressões constante do art.º 320.º n.º1: “ a prescrição não começa nem corre contra menores (…) e “ a prescrição contra ele [o menor] não se completa”. A contrario, impõe-se concluir que a prescrição a seu favor, começa, corre e completa-se. Ou seja, se por exemplo, o menor for devedor, o respectivo credor não pode prevalecer-se deste artigo para exercer o seu direito.
Por sua vez, estipula o art.º 829-A (sanção pecuniária compulsória), nos seus números 3 e 4:
3- O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”
Relativamente à dívida de alimentos a que respeitam estes autos, foi contabilizada na nota discriminativa e justificativa, elaborada pelo Agente de Execução a quantia de € 22.168,74, sendo devidos ao Estado 50% daquele valor, ou seja, € 11.084,37.
Tendo o Exequente reclamado de tal nota discriminativa e justificativa, o Tribunal a quo veio a considerar que apesar de o valor relativo à sanção pecuniária compulsória, não se poder considerar prescrito, ele é renunciável e por isso ordenou a rectificação de tal nota. Em conformidade com essa rectificação, foram devolvidos ao Exequente € 15.340,97. Porém, o Exequente entende que lhe devem ser devolvidos antes € 23.521,90, pois ao valor devido ao Estado (€ 11.084,37) deve ser aplicada a prescrição relativamente aos juros contabilizados entre 08-06-2006 e 08-06-2017.
Afigura-se que lhe assiste inteira razão.
Na verdade, tratando-se do montante da sanção pecuniária compulsória destinada ao Estado é este o credor, logo não se lhe aplica o disposto nos artigos 318.º e 320.º, aplicando-se-lhe em toda a plenitude o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artº 310º d).
É verdade, tal como se diz no acórdão, que os juros compulsórios visam exercer pressão sobre o devedor para proceder ao pagamento do seu crédito, função essa que opera não só na parte destinada aos menores, mas também na parte destinada ao Estado.
Contudo, na parte devida ao Estado, essa função só indirectamente beneficia o menor. Ora, afigura-se que a solução que obteve vencimento consagra uma solução incoerente na medida em que a parte de juros compulsórios que beneficiam directamente o menor, embora não prescrita, é renunciável e foi, efectivamente, objecto de renúncia. Contudo, a parte que directamente beneficia o Estado, não pode ser objecto de renúncia e também não se admite estar abrangida pela prescrição, em nome do interesse do menor. Ou seja, a parte que directamente beneficia o menor obtém um tratamento mais flexível, podendo o devedor ficar desonerado do seu pagamento, ao passo que a parte que só muito indirectamente beneficia o menor, tem um tratamento mais rígido, precisamente em nome do interesse do menor.
Pelo contrário, cremos que a solução que obteve vencimento, poderá até reverter em desfavor dos menores, na medida em que o valor que é pago ao Estado, que consideramos prescrito, constitui um valor que é retirado ao rendimento familiar, reduzindo a disponibilidade do Executado para despesas pessoais, incluindo, em tese, eventuais despesas extra com os menores.
Concluiria, pois que: no contexto de uma execução por alimentos devidos a filhos menores, o montante relativo à sanção pecuniária compulsória destinada ao Estado tem este como credor. Logo, não se lhe aplica o disposto nos artigos 318.º e 320.º do Código Civil, aplicando-se-lhe em toda a plenitude o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no art.º310.º d) do mesmo código.
Lisboa, 7 de Julho de 2022
Maria de Deus Correia

[1] Serão deste diploma legal todas as disposições que venham a ser citadas sem indicação de proveniência.