Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
161/18.2T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: FACTOS
JUÍZO DE VALOR
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Factos são elementos da realidade naturalística, que embora comportem, na sua enunciação, uma atividade de construção intelectual, que no âmbito de um processo jurisdicional é necessariamente influenciada e determinada pelos quadros decorrentes das normas jurídicas, na sentença devem ser claramente destrinçados das considerações de direito. E as questões de direito englobam, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.
II. Deve, pois, ser excluída da enunciação dos factos julgados não provados a afirmação de que não ficou provado que tenham “sido respeitados todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão.”
III. O alargamento do prazo prescricional previsto no n.º 3 do art.º 498.º do Código Civil não está dependente de, previamente, ter corrido processo crime ou da existência de condenação penal, assim como não impede a ação cível o facto de o processo crime ter sido arquivado ou amnistiado.
IV. Porém, para que o referido alargamento do prazo prescricional seja aplicável ao exercício em concreto do direito do lesado é necessário que se provem, na ação cível, os factos constitutivos do respetivo tipo de crime.
V. O direito à honra (e à reserva da vida privada) pode colidir com o direito à livre expressão do pensamento e o direito a informar, os quais têm também consagração constitucional, havendo que proceder, em concreto, à ponderação das circunstâncias que justifiquem o sacrifício de um ou de outro, e em que medida.
VI. A particular proteção do exercício da liberdade de expressão em relação a figuras públicas pressupõe que as publicações tenham relevo social, interesse público, que justifiquem a compressão da honra ou da privacidade do visado.
VII. O simples facto de alguém ter notoriedade social enquanto modelo e atriz não justifica que, ao abrigo da liberdade de imprensa, se noticie que é acompanhante de luxo.
VIII. É adequada a fixação, a título de indemnização por danos não patrimoniais, da quantia de € 30 000,00, na seguinte situação: A A., modelo e atriz com alguma notoriedade social, foi alvo, numa revista semanal de grande tiragem, de uma reportagem onde se garantia que a A. se dedicava e havia dedicado à prostituição, levando uma vida dupla que lhe garantia um elevado nível de vida. Essa reportagem foi seguida, no dia seguinte, de uma peça num programa de um canal de televisão, igualmente pertencente à 1.ª R., sobre o teor da aludida notícia. E, meses depois, o assunto foi novamente publicitado, desta feita numa edição de um dos jornais diários mais lidos em Portugal, igualmente pertencente à 1.ª R.. A A. ainda tentou exercer o direito de resposta junto do aludido jornal, mas este transformou essa iniciativa numa nova notícia, deturpando o respetivo sentido, dando azo a uma condenação por parte da ERC. A veracidade das notícias não se comprovou, nem foi alvo, antes da reportagem, de investigação adequada.
IX. A fim de evitar a sua responsabilização civil pelas notícias ou imagens inseridas nas publicações periódicas, recai sobre a empresa jornalística o ónus da prova de que o diretor ou o seu substituto legal, sem culpa, não tiveram conhecimento dessa inserção ou que se opuseram à mesma.
X. Igual princípio se aplica aos operadores de televisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 03.01.2018 V instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra C S.A., L G, I L, Correio da Manhã Tv (CMTV) e O R.
A A. alegou, em síntese, que na edição semanal de 11 de agosto a 17 de agosto de 2014 da revista TV Guia, de que a 1.ª R. é proprietária e a 2.ª R. era à data Diretora, foi publicada uma reportagem, da autoria da jornalista ora 3.ª R., na qual se afirmava que a A. era acompanhante de luxo. No dia 12 de agosto de 2014, no canal televisivo ora 4.º R., pertencente à 1.ª R. e de que o 5.º R. era o Diretor, foi emitida uma peça televisiva em que se retomava o mesmo assunto, com as mesmas imputações. A A. apresentou queixas junto da ERC, que esta julgou procedentes. A 15 de outubro de 2014 o jornal Correio da Manhã, pertencente à 1.ª R., publicou uma peça sobre o mesmo tema, desrespeitando o bom nome, honra e consideração da A. e a reserva da sua vida privada. Tendo a A. exercido o seu direito de resposta junto do Correio da Manhã, a 1.ª R. transformou o pedido da A. numa nova notícia, originando mais uma queixa da A. perante a ERC, tendo esta entidade reguladora reconhecido razão à ora A.. A A. apresentou queixa-crime contra os RR., não tendo os arguidos sido pronunciados. Os RR. bem sabiam que o conteúdo da notícia não era verdadeiro nem tinha fundamento credível, tendo, com a sua conduta, causado na A., que é modelo e atriz, danos patrimoniais e não patrimoniais, que a A. descreve.
A A. terminou pedindo que os RR. fossem condenados solidariamente a pagarem-lhe € 30 000,00 a título de danos não patrimoniais, € 18 900,00 a título de danos patrimoniais e, bem assim, a publicarem e divulgarem a sentença nos órgãos de comunicação social de que são proprietários.
Os RR. contestaram, arguindo a prescrição do direito da A., a ilegitimidade substantiva da 2.ª R., a ilegitimidade substantiva do 5.º R., a falta de personalidade judiciária do 4.º R.. Mais pugnaram pelo carater não difamatório das publicações em causa, questionaram os danos invocados pela A., defenderam a licitude da sua conduta e a inexistência de culpa. Invocaram a veracidade dos factos noticiados e o direito à informação e o dever de informar.
Os RR. concluíram pela procedência das exceções invocadas e pela total improcedência da ação, com a consequente absolvição dos RR. do pedido.
A A. respondeu às exceções, com ressalva da matéria da falta de personalidade judiciária do 4.º R. (canal CMTV), concluindo pela sua improcedência e consequente prossecução da ação contra a 1.ª R., 2.ª R., 3.ª R. e 5.º R..
Realizou-se audiência prévia, na qual se relegou para final a apreciação da exceção de prescrição e, no mais, proferiu-se saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se audiência final e em 27.5.2019 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de prescrição invocada;
Absolvo da instância a Ré Correio da Manhã TV;
Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno os Réus C, SA e I L a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de 30.000,00 euros, sendo a responsabilidade da Ré I L limitada à quantia de 5.000,00.
No mais, absolvo os Réus dos pedidos
Absolvo os Réus L G e O R dos pedidos apresentados.
Custas por Autora e Réus C, SA e I L na proporção de 40% para a Autora e 60% para os Réus   – art. 527º CPC.”
Os RR. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:
a) A Autora, ora recorrida intentou contra C, S.A, L J, I L, Correio da Manhã TV e O R, ação declarativa comum, na qual peticionou a condenação solidária no pagamento da quantia de €30.000 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais e €18.900 (dezoito mil e novecentos euros) a título de danos patrimoniais e a publicação e divulgação da sentença pelos Réus nos órgãos de comunicação social de que a Ré C S.A é proprietária.
b) O Tribunal “a quo” julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou solidariamente as Rés C, S.A e I L, ora Recorrentes a pagar à Autora a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais pela publicação e transmissão das notícias alegadamente ofensivas do bom-nome e reputação da Autora, absolvendo-as do demais peticionado.
c) Desta forma considerou o Tribunal “a quo” em síntese que:
i) Não se verifica prescrito o direito da Autora;
ii) Estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
d) Salvo o devido respeito que é muito, contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo” consideram as Recorrentes que:
i) O direito da Autora se encontra prescrito quanto à Ré I L;
ii) O Tribunal “a quo” julgou incorretamente a matéria de facto, o que tem como consequência não se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual nos termos e para os efeitos do artigo 483º do Código Civil (“CC”);
iii) Caso assim não se entenda, o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo quanto aos danos não patrimoniais, afigura-se manifestamente excessivo e desproporcional não tendo o Tribunal a quo indicado o iter cognoscitivo-valorativo trilhado, explicitando os critérios eleitos para a quantificação do mesmo, como lhe era devido.
e) Deste modo, as Recorrentes vêm impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto, devendo a prova quanto aos factos infra identificados ser reapreciada, bem como quanto à matéria de Direito, porquanto foi produzida nos autos prova no sentido de contrariar o entendimento preconizado na douta Sentença recorrida, designadamente, através das declarações de parte da Ré I L, da própria Autora, e depoimentos das testemunhas Rita e Paulo, dos quais se retiram que da decisão recorrida – apenas pela utilização das regras e experiências comuns – se poderia ter alcançado outro resultado, incompatível com a decisão ora proferida uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
f) Mais entendem as Recorrentes, sem perder de vista que ao Tribunal cabe a livre apreciação da prova, que em face da matéria de facto que se encontra provada nos autos, também a respetiva interpretação e aplicação do Direito imporia decisão diversa, no que diz respeito ao quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo quanto aos danos não patrimoniais.
g) Primeiramente, cumpre esclarecer que o direito da ora Recorrida, encontra-se prescrito quanto à ré I L uma vez que aquela alicerça a sua pretensão indemnizatória no regime da responsabilidade civil extracontratual previsto nos artigos 483.º e seguintes do CC, com referência a factos ocorridos na semana de 11 a 17 de agosto de 2014 (cfr. ponto 5 dos factos provados da Sentença recorrida).
h) Ora, o prazo de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade extracontratual é de 3 anos (cfr. artigo 498º do CC) e se o ilícito constituir crime para o qual seja previsto prazo mais longo de prescrição, é este o aplicável.
i)  A presente ação deu entrada em juízo no dia 4 de janeiro de 2018, e nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do CC a prescrição se tem por interrompida no dia 9 de janeiro de 2018.
j) Para se poder operar o alargamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do artº 498º do CPC “incumbe ao lesado, na ação cível a propor, alegar e demonstrar que o facto ilícito invocado como fundamento da responsabilidade civil integraria determinado tipo legal de crime”, o que a ora recorrida não fez na Petição inicial, tendo inclusive abdicado da eventual tutela penal quanto à ré I L, uma vez que não deduziu queixa-crime contra ela.
k) Assim, não obstante a Autora ora recorrida ter alegado em abstrato, na petição inicial, matéria de facto potencialmente integradora de crimes de difamação agravada (a que correspondem prazos de prescrição criminal de 5 anos), mas não tendo a Autora sequer apresentado queixa crime contra a Ré I L, forçoso é concluir que se encontra prescrito o direito que a Autora pretendeu exercer através dos presentes autos contra a Ré I L.
l) Não restam dúvidas que entre a data dos factos invocados na ação como geradores de responsabilidade civil (Publicação dos artigos e difusão da peça televisiva) e as datas da instauração da presente ação e da respetiva citação dos Réus (que constitui facto interruptivo da prescrição, nos termos do artº 323º, nº 1, do CC, sem necessidade de consideração do regime excecional previsto no nº 2 dessa disposição legal) decorreram mais de 3 anos.
m) Pelo que, tendo os factos em causa nos presentes autos ocorrido em agosto de 2014 e não tendo a Ré I L sido parte no Processo crime instaurado pela Autora, só se pode concluir que está prescrito o direito da Autora, razão pela qual a Sentença recorrida deve ser revogada neste segmento.
n) Em face do exposto, deverá ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente a exceção de prescrição do direito da Autora no que respeita à Ré I L e em consequência deve a mesma ser absolvida do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º, nº 3, do CPC, com todas as devidas consequências legais.
o)  Por outro lado, deverá ser reapreciada a prova e em consequência alterada a matéria de facto provada e não provada, designadamente no que diz respeito aos pontos 9 e 41 dos factos provados e pontos 8 e 9 dos factos não provados da sentença recorrida.
p) Ora, primeiramente conforme supra explanado, foi explicado ao Tribunal, quer pela Ré I L, no seu depoimento de parte, quer própria Autora V, que a Ré I L antes de proceder à elaboração do artigo jornalística em causa nos presentes autos, com vista a exercer o contraditório, contactou a Autora no sentido de apurar a verdade dos factos transmitidos pelas suas fontes as quais considerou idóneas e fidedignas, não tendo a Autora negado ou desmentido perentoriamente os factos que constam no mencionado artigo (cfr. depoimento de parte da Ré I L, prestado na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:22:59 e término aos 00:45:33 (em concreto as passagens de 00:29:00 a 00:31:00); e declarações de parte da Autora (declarações prestadas na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:48:35 e termino aos 01:24:02 –  em concreto as passagens de 00:49:00 a 00:53:00).
q) O Tribunal “a quo” ao dar como provado que o ponto 9 da matéria de facto provada “Ainda antes da publicação da peça em causa, num telefonema que lhe foi feito, a Autora negou os factos que constam da referida peça” desconsiderou por completo a prova produzida nos presentes autos – inclusive as próprias declarações da Autora as quais representam uma confissão que desde já se aceita para não mais poder ser retirada nos termos e para os efeitos do nº.2 do artigo 465º do CPC.
r) Assim, e sem necessidade de mais considerações, deve, assim, ser alterada a resposta dada ao ponto 9 dos factos provados passando o mesmo a não provado (cfr. depoimento de parte da Ré I L, prestado na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:22:59 e termino aos 00:45:33 (em concreto as passagens de 00:29:00 a 00:31:00); e declarações de parte da Autora (declarações prestadas na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:48:35 e término aos 01:24:02 – (em concreto a passagem de 00:49:00 a 00:53:00).
s) Por outro lado, e no que diz respeito à alegada culpa da Ré I L, considerou o Tribunal a quo provado que “a terceira Ré redigiu a peça jornalística publicada na revista TV Guia, produzindo através da mesma afirmações que bem sabia que denegriam a imagem da Autora, ofendendo o seu bom nome dignidade e prestígio (cfr. ponto 41 dos factos provados constantes da sentença recorrida); e como não provado que “Atento ao modo como os factos aconteceram, as fontes contactadas e o facto da maior parte dos factos constantes da reportagem já terem sido noticiados em outros órgãos de comunicação social, os Réus nunca representaram como possível que a divulgação de qualquer um desses factos pudesse ser passível de ofender a A.(cfr. ponto 8 dos factos não provados constantes da sentença recorrida).
t) Ora, como explanado nas transcrições supra identificadas, não se verifica que a Ré I L tenha agido com o intuito de denegrir/prejudicar a Autora V.
u) Muito pelo contrário. A Ré explicou ao Tribunal a quo que não agiu com esse intuito tendo expressamente referido “não escrevi com esse intuito, agora naturalmente que o tema é polémico e por isso eu fiz todos os esforços para fazer tudo bem feito, falei em on com toda a gente, não aceitei off, exceto duma pessoa porque me pareceu importante para o teor da matéria, falei com a própria V que não quis fazer mais nada a não ser que estava de consciência tranquila. (cfr. depoimento de parte da Ré I L, prestado na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:22:59 e término aos 00:45:33 em concreto – a passagem de (00:32:00 a 00:34:00).
v) Apenas existe da parte dos jornalistas a intenção de informar em prol da liberdade da imprensa: “Nós guiamo-nos sempre por um principio que é fazer notícias verdadeiras, nós não estamos aqui para julgar ninguém, nem para condenar, para acusar, nós estamos aqui para vender entre aspas notícias verdadeiras, porque se não forem verdadeiras os leitores desaparecem, aqui não há nada a fazer acredite” (cfr. depoimento da testemunha Paulo prestado na sessão de julgamento de 18-12-2018, com início aos 01:50:39 e termino aos 02:14:48 – em concreto a passagem de (01:59:00 a 02:00:00).
w) Quando confrontada com a possibilidade sobre a matéria publicada ser eventualmente atentatória da honra, da dignidade e bom nome da Autora a Ré I L referiu expressamente que na sua perspetiva jornalística a resposta seria negativa, acrescentando ainda que acompanhamento, não implica necessariamente a prática de relações sexuais (cfr. depoimento de parte da Ré I L, prestado na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:22:59 e término aos 00:45:33 em concreto a passagem de (00:33:00 a 00:34:00).
x) Deste modo, deve assim, ser alterada a resposta dada ao ponto 41 dos factos provados passando o mesmo a não provado e alterada a resposta dada ao ponto 8 dos factos não provados, passando o mesmo a constar do elenco dos factos provados (cfr. resulta claro do depoimento de parte da Ré I L, prestado na sessão de julgamento de 17-122018, com inicio aos 00:22:59 e termino aos 00:45:33 em concreto a passagem de (de 00:32:00 a 00:34:00) e depoimento da testemunha Paulo prestado na sessão de julgamento de 18-12-2018, com início aos 01:50:39 e termino aos 02:14:48 em concreto -a passagem de (01:59:00 a 02.00.00).
y) Em consequência, a matéria de facto aqui exposta impõe decisão diversa devendo ser afastada a culpa da ré I L, e constituindo a culpa um dos pressupostos do direito à indemnização, não se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.
z) Por outro lado, no que diz respeito ao ponto 9 dos factos não provados constantes da sentença recorrida também o Tribunal a quo não logrou apreciar com detalhe a prova produzida em sede de discussão e julgamento uma vez que resultou do depoimento da ré I L que foram respeitados todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão (cfr. resulta do depoimento de parte da Ré I L (depoimento prestado na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:22:59 e término aos 00:45:33) em concreto – as passagens (00:24:00 a 00:25:00); (00:26:00 a 00:32:00) e (00:32:00 a 00:34:00); (00:35:00 a 00:38:00); (00:39:00 a 00:41:00) e (00:42:00 a 00:45:00).
aa) Conforme esclareceu ao Tribunal a quo, a jornalista I L ora recorrente fez o necessário cruzamento de fontes, inclusive identificou uma das suas fontes com a aposição do nome e fotografia da mesma (O), contactou previamente a Autora V, a mãe da Autora (deslocando-se até sua casa), utilizou aspas para proceder a citações de terceiros e expôs no seu artigo jornalístico as respetivas reações de todas as pessoas contactadas no âmbito da sua investigação jornalística prévia.
bb) Com base no depoimento de parte da Ré I L (depoimento prestado na sessão de julgamento de 17-12-2018, com início aos 00:22:59 e término aos 00:45:33) em concreto, (00:24:00 a 00:25:00); (00:26:00 a 00:32:00) e (00:32:00 a 00:34:00); (00:35:00 a 00:38:00); (00:39:00 a 00:41:00) e (00:42:00 a 00:45:00) deveria o Tribunal “a quo” ter julgado como “provado” o ponto 9 da matéria “não provada”.
cc) Por outro lado, foram divulgados factos com interesse público e do interesse do público na chamada imprensa cor-de-rosa (conforme resultou do Depoimento da testemunha Rita prestado na sessão de julgamento de 18-12-2018, com início aos 01:27:01 e término aos 01:48:56) a qual merece a tutela do direito à liberdade de imprensa já que trata de pessoas públicas, as quais pelo seu estatuto, têm de tolerar invasões da sua vida privada e excessos por parte da comunicação social e conforme atesta o ponto 50 da matéria de facto provada da douta sentença recorrida “A A. é uma atriz e modelo portuguesa e, como tal, é considerada uma figura pública reconhecida no nosso país”.
dd) Desta forma, resulta claro que foram respeitados todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão, pelo que a conduta em análise não pode ser culposa nem sequer negligente.
ee) Tendo em conta o supra exposto, nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos RR. a título de responsabilidade civil pois não se encontram preenchidos, entre outros o requisito da culpa do art. 483.º do CC, a qual cabia à A. provar nos termos do art. 487.º do CC.
ff) Por outro lado, resulta do n.º 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa que “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.”
gg) Ora, revertendo ao caso dos autos, nunca poderá a Ré C SA responder por quaisquer danos provocados pelas publicações uma vez que analisada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo” (veja-se os pontos 44, 45 e 46 da matéria de facto provada da sentença recorrida) consta que o Réu O R, enquanto Diretor do jornal “Correio da Manhã” não tiveram conhecimento da matéria em causa, razão pela qual, foram ambos absolvidos do pedido.
hh) Assim, e sem necessidade de mais considerações, deve a Ré C S.A ser absolvida do pedido, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a sua responsabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa.
ii) Por todo o supra exposto ao condenar a Ré C SA, enquanto detentora do jornal “Correio da Manhã” e da revista TV Guia, o Tribunal a quo violou o n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, razão pela qual deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré C S.A.
jj) Por outro lado, nos termos do artigo 483º do CC, constituem pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, (i) a prática de um facto, (ii) praticado com dolo ou mera culpa (iii) que seja violador de o direito de alguém, bem como (iv) a existência de danos e (v) um nexo causal.
kk) Considerando o pedido de alteração da matéria de facto, no que respeita à resposta dada ao ponto 41 dos factos provados passando o mesmo a não provado e alterada a resposta dada ao ponto 8 dos factos não provados, passando o mesmo a constar do elenco dos factos provados, deixa um dos pressupostos de que depende a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual, i.e., a culpa, pelo que, inexistindo o a culpa não restará se não absolver as Rés do pedido, revogando-se desde já a sentença ora recorrida com as demais consequências legais.
ll) Caso assim não se entenda, no que diz respeito ao montante indemnizatório fixado pelo Tribunal “a quo” no valor de €30.000,00 por danos não patrimoniais provocados pela publicação e divulgação das notícias em causa nos presente autos é manifestamente excessiva e por esse motivo claramente desproporcional, constituindo uma clara violação do artigo 10º da CEDH, em especial, se forem tidas em consideração, por exemplo as indemnizações atribuídas pelo dano morte em Portugal.
mm) A Recorrida limitou-se a invocar uma dimensão pessoal sobre os alegados efeitos, que não são adequados a preencher os requisitos previstos pelo número 1 do artigo 496º do Código Civil, sendo que os danos invocados são meramente temporários e passageiros não tendo de forma alguma comprometido o sucesso diário da recorrida (cfr. ponto 54 da matéria de facto provada e ponto 6 da matéria de facto não provada) o seu bom nome, reputação ou a sua imagem os quais são aos dias de hoje claramente reconhecidos de forma muito positiva pelo público em geral .
nn) “O artigo 496º, nº 1, do Código Civil restringe a ressarcibilidade dessa sorte de danos, àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Devendo tal gravidade “...medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)
oo) Com efeito, ainda que a fixação dos danos não patrimoniais seja casuística e se insira no poder do julgador sempre dentro dos limites da equidade, tal não significa que se trata de um poder arbitrário, mas sim de uma atividade judicial vinculada do julgador que deverá, como tal, exteriorizar o iter cognoscitivo-valorativo trilhado, explicitando os critérios eleitos para a quantificação dos mesmos e fundamentando o arredar dos demais – o que não se verifica na sentença recorrida.
pp) “Quanto ao valor da indemnização poder-se-á dizer que o critério a adotar, deverá ter em conta o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias que se apresentem relevantes, e ainda a comparação com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais” (cfr. Acs. STJ, de 2.11.1976, in BMJ 261, p. 236; de 23.10.1979, in BMJ 290, p. 390; de 22.01.1980, BMJ 293, p. 237 e de 13.05.1986, in BMJ 357, p. 399).
qq) O Tribunal a quo em nada se pronunciou quanto à situação económica das recorrentes ou da recorrida, não procedeu a qualquer comparação com situações análogas nem tampouco teve em conta que a recorrida é uma figura pública em relação às quais “vigora uma conceção mais ampla de liberdade de expressão, no sentido de que estas têm de aceitar um maior grau de crítica ou um escrutínio mais incisivo e duro do que o comum dos indivíduos” (in Acórdão de revista do STJ, de 05.04.2016, proferido no âmbito do processo n.º 755/13.2TVLSB.L1.S1) (destaque nosso).
rr) Note-se que, se tomarmos por referência os Valores Orientadores de Proposta Razoável para Indemnização do Dano Corporal Resultante de Acidente Automóvel, consagrados pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, atualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, o valor arbitrado é superior ao dano moral suportado pela vítima em caso de morte ocorrida após 72h a contar do sinistro, fixado em € 7.182,00, ao dano moral por perda de feto, até 10 semanas de gravidez, para ambos os pais, ou após 10 semanas no caso de ser o segundo filho, fixado em € 7.695,00.
ss) Assim, é manifesto que o valor fixado viola os princípios da reposição natural da situação do lesado, previsto no artigo 562º do CC, da proibição do enriquecimento do lesado, o princípio da proporcionalidade, da equidade, da igualdade e ex aequo et bono, pelo que,
tt) Pelo exposto, deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que fixe uma indemnização que se coadune com as circunstâncias concretas do caso uma vez que a indemnização arbitrada é manifestamente excessiva, devendo, em consequência, proceder-se a uma elevada redução do montante fixado, como manda a equidade e o prudente arbítrio do julgador.
uu) Desta feita, deve o tribunal ad quem revogar a sentença proferida pelo tribunal a quo substituindo-a por outra que:
i. Declare prescrito o direito da Autora quanto à Ré I L;
ii. Proceda à alteração da matéria de facto, e consequência não se verificando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual nos termos e para os efeitos do artigo 483º do CC, absolva as Rés C, S.A e I L, com as devidas consequências legais.
iii. Caso assim não se entenda, proceda à redução do quantum indemnizatório o qual é manifestamente excessivo, procedendo a uma elevada redução do montante fixado, como manda a equidade e o prudente arbítrio do julgador.
Os apelantes terminaram pedindo que a decisão recorrida fosse revogada.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; prescrição do direito da A., em relação à R. I L; verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual imputada às RR. C S.A. e I L; redução do valor indemnizatório fixado pelo tribunal a quo.
Primeira questão (impugnação da matéria de facto)
Na sentença deu-se como provada a seguinte
Matéria de facto
1. A 1ª R. figura na ficha técnica como proprietária da publicação TV Guia, com registo na Entidade Reguladora para a Comunicação nº 106 441.
2. Sendo Directora da TV Guia à data a 2ª R. L G.
3. À data, na ficha técnica constava uma tiragem média de Fevereiro de 107.000 exemplares.
4. No espaço da internet da Associação Portuguesa para o controlo de Tiragem e Circulação, em www.apct.pt, para o 4º Bimestre de 2014, consta uma tiragem da TV Guia de 110.139 exemplares
5. Na edição da revista semanal nº 1855 do ano XXIII datada de 11 de Agosto a 17 de Agosto de 2014, a capa da edição TV Guia apresenta uma fotografia da aqui A. com o seguinte título, nas denominadas letras gordas “BRONCA – V A NOIVA DO PASTELEIRO M – NEGÓCIO DO CORPO – ACOMPANHANTE DE LUXO DENUNCIA “DANÇARINA” DA TVI – AS VIAGENS AO ESTRANGEIRO, OS PREÇOS E A CASA DE LUXO
6. Já no interior da Revista, nas páginas 124 e seguintes é apresentada uma peça assinada pela 3.ª R. I L e fotografia da autoria de Carlos Soares Arquivo e D.R. com o seguinte título “TEMA DE CAPA – V MESMO SEM TRABALHO ... É DONA DE APARTAMENTO DE €232 MIL QUE RICA MENINA” e com o conteúdo que consta do documento 4 junto com a petição inicial, da autoria da referida 3ª Ré.
7. Com letras ainda em destaque, que acompanham a peça jornalística, num subtítulo, pode ler-se “Veste as melhores marcas nunca teve um emprego fixo. Uma colega de profissão confirma o que há muito se fala: a noiva de M faz acompanhamento de luxo. V fica constrangida ao ser questionada mas assegura estar “de consciência tranquila” embora seja visível o incómodo ...”
8. A peça publicada é acompanhada de fotos da Autora, uma delas em bikini.
9. Ainda antes da publicação da peça em causa, num telefonema que lhe foi feito, a Autora negou os factos que constam da referida peça.
10. A jornalista que a assina, e aqui 3 ª R. I L sobre a reacção da Autora escreve: “V, após longo silêncio, questiona: “Mas já viu essa rapariga que falou consigo?”. Perante a resposta afirmativa da TV Guia novo silêncio. “Não conheço nenhuma O e isso é denegrir a imagem duma pessoa. Ela que venha falar comigo!” e acrescenta que “Quanto a possíveis problemas com o noivo V assegura nada temer “Estou de consciência completamente tranquila
11. Em subtítulo da peça, sobre a reacção da Autora, pode ler-se “V fica constrangida ao ser questionada, faz longos silêncios mas assegura estar “de consciência tranquila”, embora seja visível o incómodo...”
12. Em subtítulo inserido a vermelho a meio da peça jornalística lê-se: “M desconfiado” referindo-se ao actual marido da Autora que à data era apenas seu namorado.
13. Na peça a jornalista terceira Ré escreve o seguinte sobre contacto com a mãe da Autora: “A Tv Guia falou com F junto à sua casa, na Arrentela, uma zona humilde da Margem Sul do Tejo. A minha filha tem o blog, - invocou quando questionada sobre a profissão de V.” continuando a jornalista terceira Ré: “Assim sendo, de onde lhe vem a fortuna para pagar os cerca de 900,00 euros mensais pelo empréstimo que contraiu para a compra do seu apartamento de luxo, um T1 em Lisboa, avaliado em 232.297,00 euros.” 
14. Na peça constam citações da indicada fonte jornalística, O como “Devia ter-lhe tirado uma fotografia com o desodorizante ...” destacadas em escrita a bold.
15. As Rés sabiam que a A. na data se encontrava a participar num concurso televisivo, na estação TVI, denominado Dança com as Estrelas 2.
16. Recebendo 750,00€ (setecentos e cinquenta euros) por cada atuação no programa.
17. A A. foi eliminada do concurso, no Domingo seguinte à publicação da revista Tv Guia.
18. Ainda existiam mais 6 atuações possíveis de realizar pela aqui A., 
19. Aquele programa era um conteúdo televisivo que serve de “trampolim” para a realização de outros trabalhos na TVI, o que na verdade foi proposto a todos os concorrentes do concurso menos à ora A.
20. A A. não mais foi convidada para realizar nenhum projecto em televisão ou em moda após a saída daquelas peças jornalísticas.
21. Já os demais concorrentes na sequência do programa realizaram os seguintes trabalhos em televisão: -­ Marisa Cruz – apresentadora dos programas da tarde da TVI ao fim de semana; -­ Rubén Rua – participações nos programas da tarde e da manhã durante a semana; Isabel Figueira – gravou uma personagem nas novelas da TVI;­ Silvia Rizzo – gravou uma personagem nas novelas da TVI; -­ Lourenço Ortigão – gravou uma personagem nas novelas da TVI.
22. A A. apresentou queixa na Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), dando origem à deliberação …/2015 (CONTJOR-­I) – Nos termos da qual se deliberou o seguinte: “1. Considerar procedente a queixa apresentada, por se ter verificado, no caso vertente, por parte da publicação denunciada, violação dos direitos ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada da Queixosa, pelo facto da publicação de uma peça desprovida de “verdade jornalística” (no sentido apontado e dissecado na presente deliberação) e de qualquer interesse público ou relevo social porventura susceptível de a legitimar, em violação do art. 3º da Lei de Imprensa, dos art.s 79º e 80º CC do art. 14º nº1 alíneas a) e e) e nº 2 , alíneas b),c) e h), do Estatuto do Jornalista e dos números 1,2,5 e 9 (1ª parte do Código Deontológico dos jornalistas”;
23. No dia 12 de Agosto de 2014 a 1ª Ré fez divulgar na CMTV, de que era igualmente proprietária, uma peça televisiva relativa à A., durante um programa denominado Flash Vidas, reportando-se ao teor da notícia de capa da revista TV Guia, na qual a A. é associada à prática de acompanhamento de luxo.
24. À data era Director do Correio da Manhã TV o 5º Réu O R.
25. Durante dois minutos e trinta segundos, correspondentes à duração da peça é exibida de forma permanente, na parte inferior do ecrã a informação: <<V ACOMPANHANTE DE LUXO – ATRIZ V É ACUSADA DE VENDER O CORPO EM TROCA DE MILHARES DE EUROS>>.
26. A peça televisiva é acompanhada da exibição da capa da edição da TV Guia, com visionamento de determinados elementos da peça jornalística da 3ªR.
27. A A. apresentou, em 15 de Setembro de 2014, queixa na ERC contra o 4ºR.,
28. Vindo o Conselho Regulador da ERC, através da Deliberação nº …/2015 (CONTJOR­I) – a deliberar o seguinte: “1. Considerar procedente a queixa apresentada, por se ter verificado, no caso vertente, e pelas razões expostas, por parte do operador denunciado, inobservância do dever de auscultar a Queixosa enquanto parte com interesses atendíveis na peça, dever esse constante do artigo 14º nº1 alínea e) do Estatuto do Jornalista e do ponto 1 do Código Deontológico dos Jornalistas, de 4 de Maio de 1993; 2. Declarar verificada a ofensa, por parte do operador denunciado, dos direitos ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada da Queixosa, em violação do artigo 3º da Lei da Imprensa, dos artigos 79º e 80º do Código Civil, do artigo 14º nº1 alíneas a) e e) e nº 2 , alíneas b),c) e h), do Estatuto do Jornalista e dos números 1,2,5 e 9 (1ª parte do Código Deontológico dos jornalistas; 3. Sublinhar que pertence ao foro judicial o apuramento de eventuais ilícitos de natureza criminal ou cível que possam resultar do presente caso; 4. Remeter a presente deliberação ao conhecimento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista para os efeitos tidos por convenientes.”
29. No dia 15 de Outubro de 2014, o jornal Correio da Manhã, de que é Diretor o 5º R. e proprietária a 1ª Ré, publicaram uma peça jornalística intitulada “revelação – D confirma passado polémico de V” secundada em lead pela afirmação “concorrente garante que a actriz foi acompanhante de luxo
30. A peça jornalística do Correio da Manhã fazia referência à primeira notícia da TV Guia nos seguintes termos: “A Revista TV Guia recorde-se avançou com esta mesma versão, na altura a publicação noticiou que a actriz de 28 anos era acompanhante de luxo mas V desmentiu através do facebook. Contactada pelo CM recusou comentar.”
31. Nesta nova publicação o Correio da Manhã publica uma fotografia do namorado da Autora com os dizeres: “M apoia a namorada”.
32. Em 4 de Novembro de 2014, através de carta registada com aviso de recepção, a Autora, através do seu mandatário, remeteu ao 5º Réu uma missiva através da qual pretendeu exercer um direito de resposta e rectificação.
33. Vindo o Correio da Manhã, no dia 7 de Novembro de 2014 a publicar uma peça intitulada “Actriz e modelo V revela lutamos para sobreviver com chamada de capa na mesma edição com os dizeres V – Luto diariamente para sobreviver – Nega ter sido acompanhante de luxo
34. Tal facto levou a Autora a apresentar novamente queixa junto da ERC, desta feita, contra o Correio da Manhã por violação do regime legal do direito de resposta e rectificação legalmente previsto.
35. De onde resultou a deliberação nº …/2015 (DR-I) onde foi deliberado o seguinte: “1. Reconhecer a titularidade do direito de resposta invocado pela recorrente; 2. Considerar procedente o presente recurso pela denegação ilegítima do direito de resposta da recorrente; 3. Determinar ao periódico recorrido que proceda à publicação, na sua edição impressa, do texto de resposta identificado em estreita conformidade com as exigências plasmadas no art. 26º da Lei de Imprensa, acompanhada da menção que tal publicação decorre de determinação da ERC, nos termos do art. 27º no 4 do mesmo diploma legal. 4. Advertir o ora recorrido de que fica sujeito, por cada dia de atraso no cumprimento da publicação do texto de resposta, à sanção pecuniária compulsória prevista no art. 72º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei 53/2005, de 8 de Novembro; 5. Esclarecer o recorrido de que deverá enviar para a ERC um exemplar da edição onde conste a publicação do texto de resposta.”
36. A Autora apresentou queixa crime contra os Réus que correu termos na 1ª secção Instrução Criminal de Lisboa, J6 da Comarca de Lisboa, não tendo os arguidos sido pronunciados pela prática de um crime de difamação agravado, previsto e punido pelos art.s 180º, nº1 e 183º, nº2 C Penal.
37. Na sequência da capa da Revista TV Guia a Autora teve necessidade de procurar ajuda clínica, nomeadamente, na área de psicologia, o que até aí nunca tinha feito ou sentido necessidade de fazer.
38. No dia 29 de Agosto de 2014 deslocou-se a uma consulta de psicologia com a Dra A, consultas essas que até ao presente não mais deixou;
39. A Autora sente revolta por os Réus terem associado a sua imagem à prostituição;
40. A Autora sempre viveu da sua imagem nos meios da televisão, moda e publicidade;
41. A terceira Ré redigiu a peça jornalística publicada na revista TV Guia, produzindo através da mesma afirmações que bem sabia que denegriam a imagem da Autora, ofendendo o seu bom nome, dignidade e prestígio.
42. Em Dezembro de 2014 a Agência de modelos da Autora atestava um notório decréscimo de solicitação para trabalhos da mesma assim como a não adjudicação de orçamentos que até à referida data estavam a decorrer, vendo-se a Autora na necessidade de se defender perante as pessoas responsáveis para manter a confiança de algumas marcas com que trabalhava.
43. Na véspera do debate instrutório no processo penal mencionado a Autora teve necessidade de ser assistida no Hospital CUF Descobertas.
44. Enquanto Diretora, 2ª R. L J tem conhecimento dos temas gerais que vão ser tratados nas revistas, mas não acompanha a sua elaboração, nem passou por ela, neste caso concreto, a aprovação final do artigo.
45. Devido ao grande volume de trabalho diário que tem, a 2ª R não consegue tomar conhecimento de todos os textos jornalísticos e imagens que os acompanham, que estão a preparar-se para serem publicados, não lhe competindo rever todo e qualquer artigo, em momento anterior à publicação, existindo para o efeito um Director Adjunto.
46. O 5º R. O R não teve conhecimento prévio da notícia publicada no jornal “Correio da Manhã”.
47. O artigo foi publicado na Revista “Vidas” suplemento do “Jornal Correio da Manhã”, a qual tem chefias próprias e específicas.
48. O 5º R. não teve qualquer contacto prévio com a peça televisiva na qual foram divulgados os factos em causa nesta acção, nem conhecimento prévio que os mesmos seriam transmitidos.
49. O 4º Réu é um canal televisivo.
50. A A. é uma atriz e modelo portuguesa e, como tal, é considerada uma figura pública reconhecida no nosso país.
51. A jornalista autora do texto não foi responsável pelos títulos e subtítulos do artigo publicado, nem teve conhecimento prévio daqueles.
52. Os títulos, subtítulos e caixas resultam de uma escolha editorial aquando do fecho da revista.
53. A A. exibe/expõe diariamente a sua imagem na sua conta de Instagram disponível in https://www.instagram.com/v/ ou até pelo seu Blogue apelidado de “F” onde expõe o reflexo da sua identidade pessoal.
54. A Autora continuou a ter sucesso diário na sua carreira existindo marcas que utilizam a imagem da A. (já posteriormente à difusão da notícia em causa e ao longo dos anos).
55. O texto constante da reportagem objeto dos presentes autos foi elaborado no exercício da atividade profissional de jornalista, ora 3ª R.
Na sentença enunciaram-se os seguintes
Factos não provados
1. A peça jornalística aqui em causa em muito contribuiu para incrementar o volume de vendas da publicação de que a 1ª Ré é proprietária.
2. No 4º bimestre do ano de 2014 a revista superou as tiragens dos bimestres homólogos de 2013 e 2015.
3. Ao longo da sua carreira a Autora facturou um total de 26.182,60€.
4. A Peça televisiva exibida no Correio da Manhã TV ainda hoje se encontra disponível na internet no site http://www.cmjornal.pt/cm-­ao-­minuto/detalhe/(...)­acusada-­de-­ser-­ acompanhante-­de-­luxo
5. A Autora recebia em média a quantia de 1200,00 euros por mês por trabalhos de publicidade;
6. E deixou de ser procurada para fazer publicidade durante cerca de um ano;
7. O conteúdo do artigo publicado refere factos objectivos e verdadeiros.
8. Atento ao modo como os factos aconteceram, as fontes contactadas e o facto da maior parte dos factos constantes da reportagem já terem sido noticiados em outros órgãos de comunicação social, os Réus nunca representaram como possível que a divulgação de qualquer um desses factos pudesse ser passível de ofender a A.
9. Tendo sido respeitados todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão.
O Direito
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso destes autos, os apelantes impugnam os factos dados como provados sob os n.ºs 9 e 41, e rebelam-se contra o teor do enunciado como não provado sob os n.ºs 8 e 9, que entendem deve ser julgado provado.
Vejamos.
Os factos que os apelantes consideram que devem ser julgados não provados são os seguintes:
9. Ainda antes da publicação da peça em causa, num telefonema que lhe foi feito, a Autora negou os factos que constam da referida peça.
41. A terceira Ré redigiu a peça jornalística publicada na revista TV Guia, produzindo através da mesma afirmações que bem sabia que denegriam a imagem da Autora, ofendendo o seu bom nome, dignidade e prestígio.
Quanto ao facto n.º 9, os apelantes consideram que tanto do depoimento de parte da R. I L, quer das declarações da A. V, resultou que a A., tendo sido contactada pela R. I L, antes da publicação da notícia mencionada nos n.ºs 5 a 8, 10 a 14 dos factos provados, não negou perentoriamente a veracidade do que lhe era imputado, ou seja, o ter sido ou ser acompanhante de luxo.
Ouvido o depoimento de parte da R. I L, esta afirmou que primeiro falou pessoalmente com a mãe da A., que abordou na sua casa (da mãe da A.) e depois telefonou à ora A.. Esta já sabia da visita da jornalista à sua mãe e, confrontada com o que iria ser publicado, “não negou nem disse que era verdade. Ela só disse que estava de consciência tranquila”. “Ela ficou muito constrangida, isso eu lembro-me, e eu até perguntei se ela não queria dizer mais nada sobre o assunto e ela disse que não, que estava de consciência tranquila.” A R. acrescentou que foi um telefonema muito rápido: “… e foi muito rápido o telefonema. Eu ainda tentei, como digo à Sra. Dra Juiz, que ela dissesse mais alguma coisa, mas ela realmente não quis.”
Quanto às declarações da A., por esta prestadas na audiência final, foram no sentido de que negou à jornalista ter sido acompanhante de luxo, mas que não quis alongar-se em considerações com a jornalista, pela desconfiança que sentia, e disse à jornalista que se a notícia fosse publicada, recorreria à justiça.
A perguntas da Sr.ª Juíza, que lhe disse que a R. I L havia declarado que a A., quando foi contactada pela R., não tinha negado perentoriamente aquilo que lhe estava a dizer, a A. disse:
Não, eu não neguei nem disse que não, nem disse que sim, nem disse que não, porque no jornalismo é, eu digo não e sai uma capa a dizer: “V desmente. Não, não é prostituta.” Então, como eu já estou nesta vida desde os meus treze anos de idade, aprendi que, quanto menos eu disser ao jornalista pelo telefone, porque não há provas, não é, porque uma pessoa diz por telefone, não fica escrito em lado nenhum…”
Mas antes desta questão da Sr.ª Juíza a declarante também dissera (e não consta na transcrição efetuada pelos apelantes):
“…E fui contactada pela I L a informar-me que iria sair uma notícia minha que dava conta que eu usava o meu corpo para ganhar dinheiro. Ao qual, como é óbvio, fui apanhada de surpresa e disse que, pedi, inclusive, para essa publicação não sair porque era totalmente mentira. Ao qual eu sou confrontada a dizer “não é porque nós temos provas de pessoas a dizer, que contactámos que, dão que o caso é verdade. Eu disse que isso era completamente impossível, e que se avançassem com a publicação eu iria recorrer à justiça.”
Conjugando o teor de ambos os depoimentos e o que resulta da experiência normal das coisas, face inclusivamente à reação da A. à publicação da notícia (queixa à ERC, queixa-crime, ação cível), entendemos que é de manter o teor do n.º 9 da matéria de facto.
Quanto ao n.º 41 da matéria de facto (em que se dá como provado que a R. I L sabia que a notícia que redigiu denegria a imagem da A., ofendendo o seu bom nome, dignidade e prestígio).
A R. I L, ao ter sido inquirida pelo mandatário da A. se na sua perspetiva a matéria publicada era eventualmente atentatória da honra, da dignidade e bom nome da A., deu a seguinte resposta: “Na minha perspetiva não é, porque, repare, mesmo quando se fala em acompanhamento, não implica que as pessoas tenham relações sexuais com quem acompanham”.
Parece-nos evidente que tal resposta não é para ser levada a sério, face ao significado habitual e conhecido atribuído à atividade de “acompanhamento de luxo”, que envolve a prática de relações sexuais com os “clientes” e que foi o tido em consideração na notícia, como decorre do teor da mesma, supra transcrita na matéria de facto e evidenciado no exemplar do jornal documentado no processo.
Pelo que, também aqui, e sem necessidade de mais considerações, se mantém a decisão de facto.
Quanto aos factos que os apelantes entendem que foram indevidamente julgados não provados, devendo, pelo contrário, ser incluídos entre os factos provados.
O primeiro deles figura sob o n.º 8 e tem a seguinte redação:
8. Atento ao modo como os factos aconteceram, as fontes contactadas e o facto da maior parte dos factos constantes da reportagem já terem sido noticiados em outros órgãos de comunicação social, os Réus nunca representaram como possível que a divulgação de qualquer um desses factos pudesse ser passível de ofender a A.
Na sua apelação os recorrentes confundem a questão do convencimento sobre a veracidade da notícia e a questão de ela ser ofensiva da honra e consideração da pessoa visada na notícia. O facto de o jornalista eventualmente estar convencido de que uma notícia relata factos verdadeiros não o inibe de ter consciência de que ela ofende (ou não) o bom nome da pessoa noticiada. Ora, face ao teor das notícias objeto destes autos, só uma inconsciência nada abonatória dos jornalistas e dos restantes réus poderia levá-los a não se aperceberem do sentido ofensivo da honra e consideração da A., que as peças publicadas comportavam.
Não se vislumbrando, no depoimento da R. I L (já acima referido) nem no depoimento da testemunha Paulo (jornalista do Correio da Manhã e da CMTV) qualquer elemento que determine conclusão diferente (este jornalista limitou-se a garantir que nos meios de comunicação para os quais trabalha se preocupam em apenas publicarem notícias verdadeiras – o que, como se disse, é questão diversa do aqui considerado).
De resto, quanto à veracidade das notícias, nestes autos ninguém depôs no sentido de ter conhecimento das alegadas práticas por parte da A.. Mesmo a testemunha D, que segundo a notícia divulgada no Correio da Manhã teria “confirmado” e “garantido” que a A. fora acompanhante de luxo, não denotou, nas declarações que efetuara no decurso de um “reality show” em que na altura participava, qualquer conhecimento pessoal sobre o assunto, tendo-se limitado a reproduzir, numa “conversa de café” (palavras suas, na audiência final), o que lera na comunicação social.
Mantém-se, assim, o teor do referido n.º 8 no segmento dos factos julgados não provados.
O n.º 9 tem a seguinte redação:
9. Tendo sido respeitados todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão.
Neste segmento do aresto recorrido dá-se, pois, como “não provado” que os RR., em relação às notícias objeto destes autos, respeitaram todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão.
Os apelantes defendem que, pelo contrário, deve dar-se como provado tal cumprimento desses deveres deontológicos e legais.
Vejamos.
Na fundamentação da sentença o juiz deve discriminar os factos que julga provados e não provados e, depois, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes - concluindo pela decisão final (art.º 607.º n.ºs 3 e 4 do CPC).
Factos são elementos da realidade naturalística, que embora comportem, na sua enunciação, uma atividade de construção intelectual, que no âmbito de um processo jurisdicional é necessariamente influenciada e determinada pelos quadros decorrentes das normas jurídicas, na sentença devem ser claramente destrinçados das considerações de direito. E as questões de direito englobam, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 28.9.2017, processo 809/10.7TBLMG.C1.S1 – consultável, tal como todos os acórdãos de tribunais portugueses adiante citados, em www.dgsi.pt).
Ora, a afirmação de que os RR. cumpriram (ou não cumpriram) os deveres deontológicos e legais que presidem à atividade jornalística envolve uma apreciação global de factos e normas, que se enquadra, na fundamentação do veredito final, na apreciação de direito, que não de facto.
Daí que a afirmação contida no n.º 9 dos factos não provados deva ser pura e simplesmente eliminada, não havendo que cuidar da sua inclusão na lista dos factos provados, pois a fundamentação de facto da sentença deve ser expurgada de considerações de direito e de juízos de valor ou conclusivos (com o sentido aqui tido em vista, de afirmações que só por si decidem questões de direito essenciais na decisão do litígio, curto-circuitando o necessário alinhamento e fiscalização da verificação de factos que permitam, esses sim, fundar a resposta a essa questão – cfr., neste sentido, v.g., o já citado acórdão do STJ, de 28.9.2017).
Nesta parte, pois, a apelação é parcialmente procedente.
Em suma, quanto à impugnação da matéria de facto, decide-se:
Eliminar dos factos não provados o respetivo n.º 9;
No mais, mantém-se a decisão de facto.
Segunda questão (prescrição do direito da A. relativamente à R. I L)
Para a decisão desta questão a sentença recorrida apontou os seguintes elementos de
Matéria de facto
1. A ação foi instaurada em 04.01.2018.
2. Foi instaurado e esteve pendente processo-crime, atinente aos factos destes autos, tendo sido proferido despacho de não pronúncia, em 30.9.2016.
3. Porém, relativamente à R. I L, não consta que tenha sido deduzida queixa.
O Direito
O direito de indemnização emergente de responsabilidade civil por factos ilícitos prescreve no prazo de três anos (n.º 1 do art.º 498.º n.º 1 do CC).
Pelo que, à luz desse preceito, tendo as notícias objeto destes autos sido publicadas em 2014, à altura da instauração da ação (janeiro de 2018) já o direito da A. estaria prescrito (pois ela teve imediato conhecimento dessas publicações).
Na sentença recorrida, com invocação do disposto nos artigos 306.º n.º 1 e 323.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, considerou-se que o prazo prescricional atinente aos RR. se interrompeu por força da queixa criminal apresentada pela A., à exceção da R. I L, em relação à qual tal interrupção não ocorreu, uma vez que não consta que tenha sido deduzida queixa criminal contra esta.
Estas asserções não foram questionadas pelas partes, pelo que constituem questão decidida.
A única matéria que, neste aspeto, permanece controvertida, é a prescrição do direito da A. em relação à R. I L. Com efeito, pese embora não tenha reconhecido, quanto a esta demandada, o efeito interruptivo da prescrição operado pela dedução de queixa-crime, o tribunal a quo considerou, na sentença, que em relação a esta R. operava o alargamento do prazo prescricional previsto no n.º 3 do art.º 498.º do Código Civil, que aqui se transcreve:
Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”
Na sentença exarou-se o seguinte:
Ora, tem sido decidido pela jurisprudência a que aderimos que a ampliação do prazo prescricional prevista no n.º 3 do art. 498º do CC não está dependente da efetiva instauração de processo penal, mas apenas da alegação, em sede de petição inicial, por parte dos demandantes de factos, dos quais decorra que o facto ilícito em que ancoram o direito indemnizatório a que se arrogam titulares, preenche os elementos objetivos e subjetivos de um tipo legal de crime, em relação ao qual a lei penal preveja um prazo de prescrição superior a três anos.
Com efeito, a parte que pretenda beneficiar da ampliação do prazo prescricional estatuído no artigo 498.º, nº 3 do CCivil, atento o seu teor, alcance e sentido, tem o ónus de, por um lado, alegar que os factos praticados pela pessoa a quem pede a indemnização, além de constituírem um ilícito civil, constituem, igualmente, um ilícito criminal e, por outro, de concretizar, através dessa mesma alegação, os factos em causa.
Ora, decorre dos factos alegados pela Autora que esta imputa à Ré a prática de um crime de difamação agravado previsto e punido pelos art.s 180º, nº1 e 183º, nº2 do código penal, sendo tais factos, considerados em abstracto, susceptíveis de configurar a prática do referido ilícito.
O crime em causa é punido com pena de prisão cujo limite máximo é superior a um ano, decorrendo a conclusão de que o prazo de prescrição do direito de indemnização da Autora relativamente a esta Ré é de cinco anos e ainda não tinha decorrido integralmente à data da sua citação para a presente acção.
Não se verifica, por conseguinte, a prescrição do direito da A.”
Os apelantes discordam do entendimento vertido na sentença recorrida, porquanto defendem que para que o aludido alargamento do prazo de prescrição operasse, seria necessário que a A. provasse nos presentes autos que o facto ilícito em questão imputado à R. I L configurava também ilícito criminal. Ora, dizem os apelantes, “não obstante a Autora ora recorrida ter alegado em abstrato, na petição inicial, matéria de facto potencialmente integradora de crimes de difamação agravada (a que correspondem prazos de prescrição criminal de 5 anos), não tendo sequer a Autora apresentado queixa-crime contra a Ré I L, forçoso é concluir que se encontra prescrito o direito que a Autora pretendeu exercer através dos presentes autos contra a Ré I L.”
Os apelantes têm razão num aspeto e não a têm noutro.
É que é jurisprudência constante do STJ, de que não vemos razões para divergir, tendo em conta os valores da segurança e igualdade subjacentes à interpretação e aplicação uniformes do direito (art.º 8.º n.º 3 do Código Civil) a de que o alargamento do prazo prescricional previsto no n.º 3 do art.º 498.º do Código Civil não está dependente de, previamente, ter corrido processo crime ou da existência de condenação penal, assim como não impede a ação cível, o facto de o processo crime ter sido arquivado ou amnistiado (cfr., v.g., acórdãos do STJ, de 23.10.2012, processo 198/06.4TBFAL.E1.S1; 29.10.2002, processo 02A1755; 03.12.1998, processo 98B432).
Assim, a circunstância de a R. I L não ter sido alvo de queixa crime pelos factos que ora lhe são imputados nesta ação, não obsta a que a A. se possa prevalecer do prazo prescricional de cinco anos aplicável ao crime de difamação agravado previsto e punido nos termos dos artigos 180.º n.º 1 e 183.º n.º 2 do Código Penal (cfr. art.º 118.º n.º 1 al. c) do Código Penal).
Porém, e nesta parte os apelantes têm razão, para que o prazo prescricional de cinco anos seja aplicável ao exercício em concreto do direito da A. contra a R. I L, é necessário que se provem os factos constitutivos daquele tipo de crime. Também é esse o entendimento da jurisprudência do STJ (vide, v.g., acórdãos de 03.12. 1998, citado; 25.3.2009, processo 08B2415; 23.10.2012, citado; 21.4.2016, processo 29004/10.3T2SNT.L1.S1).
Pelo que a apreciação final da verificação desta exceção pressupõe que, primeiramente, se analise a questão seguinte, que é da responsabilização civil da R. I L.
Terceira questão (verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual imputada às RR. C S.A. e I L)
A A. assentou a sua pretensão no facto de ter sido alvo de reportagens e notícias, nos meios de comunicação social pertencentes à 1.ª R., que atentaram contra o seu bom nome, a sua honra e consideração, a intimidade da sua vida privada.
Dispõe o art.º 483.º n.º 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Desenvolvendo um aspeto particular da norma anterior, estipula-se no art.º 484.º do mesmo Código que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”
Tem-se aqui em vista a honra, bem abrangido pela tutela geral da personalidade proclamada no art.º 70.º n.º 1 do Código Civil: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.” A honra consiste, no dizer de Capelo de Sousa (O direito geral de personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 301), na “projecção na consciência social do conjunto dos valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal”. Inclui, no seu sentido amplo, o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades do indivíduo no plano moral, intelectual, familiar, profissional, político ou social, e bem assim o crédito pessoal, como “projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem” (Capelo de Sousa, obra citada, páginas 304 e 305). Na proteção da honra tem-se também em conta o valor que cada um atribui a si próprio, a auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, especialmente do ponto de vista moral (cfr. José Beleza dos Santos, “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria”, RLJ, ano 92.º, p. 181 e ss, nºs 2 e 5).
A tutela da honra radica na dignidade da pessoa humana, fundamento da ordem jurídica (art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa), a qual consagra expressamente a integridade moral e física e o bom nome e reputação como direitos pessoais fundamentais (artigos 25.º n.º 1 e 26.º n.º 1 da CRP).
Tal tutela pode assumir feição penal, nos termos previstos nos artigos 180.º e seguintes do Código Penal.
Também a reserva da intimidade da vida privada goza de proteção, na CRP (art.º 26.º n.º 1) e no direito ordinário (art.º 80.º do Código Civil).
Conforme se nota no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007, de 14.8.2007, o conteúdo do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar fraciona-se em três manifestações: direito à solidão, direito ao anonimato e direito à autodeterminação informativa.
Por autodeterminação informativa poderá entender-se o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada. Compete a cada um decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar” (citado acórdão do TC).
Indicativamente poderá dizer-se,” continua o aludido aresto do Tribunal Constitucional, “que o conceito cobre a esfera de vida de cada um que deve ser resguardada do “público”, como condição de plena realização da identidade própria e de salvaguarda da integridade e da dignidade pessoais.
Segundo aquele alto tribunal, quer no art.º 26.º n.º 1 da CRP, quer no art.º 80.º do Código Civil, consagra-se “um direito genérico à reserva, cobrindo todo o âmbito da vida privada. A fórmula “reserva sobre a intimidade da vida privada”, em ambas as normas utilizadas, não pode, pois, ser interpretada no sentido de circunscrever o domínio de protecção a uma certa parte da vida privada – a vida íntima, como núcleo central da vida privada.
O direito à reserva faculta o livre controlo da informação sobre aquilo que, em decorrência da liberdade de conduta decorrente do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, garantido pelos artigos 26.º n.º 1 da CRP e pelo art.º 70.º do Código Civil, cada um faz na sua vida privada (mesmo acórdão do TC).
É sabido que por vezes o exercício de um direito pode conflituar com o gozo de outro, daí decorrendo restrições para um deles ou para ambos, cujos limites há que determinar, em ordem a averiguar-se da licitude ou ilicitude da conduta do ou dos respetivos titulares. No que concerne à emissão de leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o legislador constituinte estabelece que as restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do art.º 18.º da C.R.P.) e que as leis assim restritivas não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (n.º 3 do art.º 18.º). Quanto ao exercício de direitos, o legislador ordinário expressou que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes” (art. 335.º n.º 1 do Código Civil); e, “se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior” (n.º 2 do art.º 335.º do C.C.).
O direito à honra (e à reserva da vida privada) pode colidir com o direito à livre expressão do pensamento e o direito a informar, os quais têm também consagração constitucional.
A Constituição da República Portuguesa reconhece, na categoria dos direitos fundamentais, a liberdade de expressão e informação (art.º 37.º n.º 1: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”) e a liberdade de imprensa (art.º 38.º).
A Lei nº 2/99, de 13 de janeiro (Lei da Imprensa), explicita que a liberdade de imprensa “abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações” (nº 2 do artigo 1.º).
A liberdade de imprensa admite, obviamente, limites, os quais são, nos termos do artigo 3.º do diploma, “os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”
Também a tutela penal da honra cederá quando “a imputação for feita para realizar interesses legítimos” e “o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira” (n.º 2 do art.º 180.º do C.P.). É certo que, nos termos do n.º 3 do art.º 180.º do C.P., tais ressalvas não se aplicam quando esteja em causa a imputação de facto “relativo à intimidade da vida privada e familiar”. Mas logo a tal exceção se reconhece, no mesmo n.º 3 do art.º 180.º do C.P., a aplicabilidade do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do art.º 31.º do C.P., ou seja, a exclusão da ilicitude do facto praticado, nomeadamente, “no exercício de um direito” (alínea b) do n.º 2 do art.º 31.º do C.P.).
Em situações de conflito entre o direito à honra (e à reserva da vida privada) e o direito a informar, haverá que proceder, em concreto, à ponderação das circunstâncias que justifiquem o sacrifício de um ou de outro, e em que medida.
Importa levar em consideração o disposto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Portugal aderiu à aludida Convenção (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/75, de 13 de outubro) e declarou, para os efeitos previstos no art.º 46.º da Convenção (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele Tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção (aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicado no D.R., I série, de 06.02.1979).
O TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por alegadas violações do direito à honra mediante uso abusivo da liberdade de expressão.
Estava em causa a eventual violação do art.º 10.º da Convenção, que tem o seguinte teor:
1 – Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras (…).
2 – O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, (…) a protecção da honra ou dos direitos de outrem (…).
Nessas decisões (cuja tradução para português pode ser consultada no sítio do Gabinete de Documentação e Direito Comparado - http:www.gddc.pt) o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a excepções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente” (caso Colaço Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03, sentença de 26 de Abril de 2007, n.º 22).
Desenvolvendo o seu pensamento, o TEDH entende que “a imprensa desempenha um papel fundamental numa sociedade democrática: se aquela não deve ultrapassar certos limites, referentes nomeadamente à protecção da reputação e aos direitos de outrem cabe-lhe, no entanto, divulgar, no respeito dos deveres e das responsabilidades que lhe incumbem, informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. A esta função de divulgação acresce o direito do público, de receber a informação. Se assim não fosse, a imprensa não poderia desempenhar o seu papel indispensável de «cão de guarda»” (Caso Colaço Mestre, citado, n.º 23).
O TEDH defende ainda que “sobre os limites da crítica admissível eles são mais amplos em relação a um homem político, agindo na sua qualidade de personalidade pública, que um simples cidadão. O homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, e deve revelar uma maior tolerância sobretudo quando ele próprio profere declarações públicas susceptíveis de crítica. Sem dúvida tem direito a protecção da sua reputação, mesmo fora do âmbito da sua vida privada, mas os imperativos de tal protecção devem ser comparados com os interesses da livre discussão das questões políticas, exigindo as excepções à liberdade de expressão uma interpretação restritiva” (Caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal, queixa n.º 37698/97, 28 de Setembro de 2000, n.º 30 i.i.).
O TEDH atribui grande relevância, na ponderação da proteção da liberdade de expressão, à circunstância de as expressões ou opiniões visadas respeitarem a matérias de interesse geral, as quais podem não ser do foro estritamente político (vide questões de corrupção no futebol) e não terem como objeto propriamente personalidades políticas, mas personalidades bem conhecidas do público, que desempenhem papel de relevo na vida pública do país, como a direção de um grande clube de futebol (vide o já referido Caso Colaço Mestre, em que um jornalista foi condenado pelos tribunais portugueses por ter feito perguntas consideradas difamatórias visando o presidente do Futebol Clube do Porto, Pinto da Costa).
Tais publicações terão, contudo, de ter relevo social, interesse público, que justifique a compressão da honra ou da privacidade do visado. Privacidade essa que se mostra expressamente protegida pelo art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos:
Direito ao respeito pela vida privada e familiar
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2 (…)”.
Referindo-se a diversos casos publicitados no âmbito da chamada imprensa cor de rosa, o TEDH recusou a proteção conferida à liberdade de expressão consagrada no art.º 10.º da CEDH e, igualmente, considerou ter ocorrido ilegítima ofensa do direito ao respeito pela vida privada e familiar, protegido pelo art.º 8.º da CEDH, em situações que, embora atinentes a figuras públicas, não eram justificadas por considerações de interesse público, não incidiam sobre assuntos de importância geral, não contribuíam para um debate numa sociedade democrática relativo, por exemplo, a políticos no exercício das suas funções e com relevo para as mesmas, mas apenas se atinham a aspetos da vida privada dessas pessoas e tinham como único propósito a satisfação da curiosidade dos leitores relativa a detalhes da vida privada de pessoas com notoriedade social. Nestas condições a liberdade de expressão requer uma interpretação mais restritiva. Ajuizou-se assim quanto à publicação de fotografias da princesa Carolina do Mónaco enquanto fazia compras, almoçava acompanhada num restaurante, passeava de bicicleta, esquiava, frequentava uma piscina (Caso von Hannover contra Alemanha, processo 59320/00, 24.6.2004); também quanto a uma reportagem sobre as férias de uma jovem atriz francesa, na Tunísia, com fotografias à beira de uma piscina, com um namorado (caso Société Prisma Presse contra França, processo 66910/01, 01.7.2003); reportagem sobre alegadas dificuldades matrimoniais de uma conhecidíssima figura do rock francês (caso Société Prisma Presse contra França, processo 71612/01, 01.7.2003); reportagem sobre alegadas relações adulterinas de uma famosa aristocrata e um conhecido banqueiro espanhóis (caso Jaime Campmany y Diez de Revenga e Juan Luís Lopez – Galiacho Perona contra Espanha, processo 54224/00, 12.02.2000); reportagem com as revelações de uma antiga ama da filha de Isabel Preysler, sobre a vida privada e familiar do casal e sua filha (caso Julio Bou Gibert e El Hogar y La Moda S.A., contra Espanha, processo 14929/02, 13.5.2003).
Também o STJ tem relevado, no que concerne ao conteúdo da liberdade de informação, a diferença entre o “interesse público” e o “interesse do público”, realçando que o direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia, factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social (assim se excluindo do direito à informação revelações quanto à residência de um apresentador de televisão – acórdão de 08.5.2013, processo 1755/08.0TVLSB.L1.S1 – ou sobre um alegado caso amoroso de uma conhecida atriz com um outro ator, durante umas férias no Algarve – acórdão de 17.12.2009, processo 4822/06.0TVLSB).
Revertamos ao caso dos autos.
Em órgãos de comunicação social pertencentes à 1.ª R. foram publicadas notícias em que se garantia que a A. se dedicava ou havia dedicado ao “acompanhamento de luxo”. Nessas notícias ficava bem clara a imputação de que a A. se prostituía ou tinha prostituído, para assim alcançar o elevado nível de vida que alegadamente ostentava.
É evidente que as referidas notícias são altamente lesivas da honra e consideração da A.. Por outro lado, o que alegadamente a A. faria, nesses termos, com o seu corpo, apenas a ela diria respeito e às pessoas que com ela lidassem, integrando-se na esfera da sua vida privada.
A relativa notoriedade social da A., que justificará a sua qualificação como figura pública (cfr. n.º 50 da matéria de facto), poderá acicatar a curiosidade dos leitores, mas não funda qualquer juízo de relevância que viabilize a descrita intromissão na sua vida privada e a provada seriíssima ofensa à sua honra e consideração. A A. pode e deve esperar ser alvo de crítica pública no que diz respeito à sua atividade profissional, enquanto atriz e modelo, ou enquanto interveniente nas redes sociais, nomeadamente como bloguista (cfr. n.º 53 da matéria de facto), mas nada faz ou fez supor, no seu comportamento, que autorizava ou deveria ter a expetativa de que poderia ser alvo de notícias do descrito jaez.
De resto, não foi feita qualquer demonstração da veracidade dos factos noticiados, nem os RR. ensaiaram realmente fazê-la. No que concerne à seriedade do trabalho jornalístico efetuado, em termos de abonar a boa fé da jornalista 3.ª R. e, afinal, da estrutura comunicacional que suportou o seu trabalho, a própria entidade reguladora do setor da comunicação social (ERC) ajuizou, por duas vezes, que ela inexistiu, tendo ocorrido, pelo contrário, violação dos direitos ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da A., pelo facto da publicação “de uma peça desprovida de “verdade jornalística”” “e de qualquer interesse público ou relevo social porventura suscetível de a legitimar” (cfr. n.ºs 22 e 28 da matéria de facto).
Concorda-se, atentos os factos provados e o teor das peças noticiosas objeto dos autos, com as asserções a este respeito contidas na sentença recorrida, nas quais se salienta que a única fonte em que a dita notícia se suporta foram as declarações de uma tal O, supostamente modelo e acompanhante de luxo, cuja existência apenas foi atestada, neste processo, pela R. I L. Quanto à credibilidade que a mencionada O poderia merecer, nada resulta dos autos que permita corroborá-la. No seu depoimento em audiência, a R. I L diz que telefonou a essa senhora por lhe ter sido dado o seu contacto e lhe ter sido dito que ela estava a par dos factos. E, disse I L, mal começou a falar com a indicada O e lhe perguntou se conhecia a A., O começou logo a falar no assunto (o do acompanhamento de luxo por parte da A.), “até sem eu perguntar nada de início”, “isso até me causou uma certa estupefação”. Conforme se diz na sentença recorrida, a identificada O dificilmente poderia ser considerada como fonte idónea, “desconhecendo-se a motivação que terá para imputar à Autora o comportamento que vem referido ao longo do texto, texto esse que, numa leitura mais atenta, revela que não há evidências de que as duas se conheçam. A mencionada O diz que em público faziam de conta que não se conheciam e não tem nenhuma foto em conjunto com a Autora. As afirmações de O não são secundadas por nenhuma outra das citadas fontes (atente-se no valor neutro das citações das outras pessoas referidas no artigo).”
A alegada concessão do exercício do contraditório à A. apenas foi utilizada para alargar o texto da notícia, insinuando-se, contrariamente à verdade (cfr. n.º 9 da matéria de facto), que a A. se mostrara comprometida e não desmentira os factos.
Provou-se que a R. I L “redigiu a peça jornalística publicada na revista TV Guia, produzindo através da mesma afirmações que bem sabia que denegriam a imagem da Autora, ofendendo o seu bom nome, dignidade e prestígio” (n.º 41 da matéria de facto).
O art.º 180.º do Código Penal tem a seguinte redação:
Difamação
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
Por sua vez o n.º 2 do art.º 183.º do Código Penal agrava a moldura penal do comportamento descrito, se o mesmo tiver sido cometidoatravés de meio de comunicação social”, devendo o agente ser punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.
Resulta das considerações supra expostas que a conduta da R. I L é subsumível ao descrito tipo de crime agravado de difamação.
Assim, ao caso sub judice é aplicável o indicado prazo alargado prescricional de cinco anos (art.º 118.º n.º 1 al. c) do Código Penal).
Pelo que, tal como se ajuizou na sentença recorrida, o direito da A. perante a 3.ª R. não prescreveu.
Avaliemos agora se a 1.ª R. pode ser responsabilizada pelas publicações feitas na TV Guia e no Correio da Manhã (cfr. conclusões ff) a ii) da apelação).
Sob a epígrafe “Responsabilidade civil”, no n.º 1 do art.º 29.º da Lei da Imprensa estabelece-se que “[n]a determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais”.
A esta enunciação genérica acrescenta-se um n.º 2, com o seguinte preceito:
2 - No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.
Esta última norma tem dado origem a algumas divergências no seu tratamento jurisprudencial.
Para alguns, do teor do preceito resulta que recairá sobre o lesado, para obter a condenação solidária da empresa jornalística, o ónus da prova de que o diretor da publicação (ou o seu substituto legal) conhecia a inserção do escrito ou da imagem lesante na publicação e a ela não se opusera (neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Guimarães, de 24.4.2012, processo 6063/10.3TBBRG.G1; acórdão da Relação de Lisboa, de 28.6.2007, processo 4852/2007-6; acórdão da Relação de Lisboa, de 17.9.2009, processo 6160/05-2).
Para outros, com base nos especiais deveres de direção, superintendência e de determinação do conteúdo da publicação que incidem sobre o diretor (cfr. art.º 21.º n.º 1 alíneas a) e d) da Lei de Imprensa), na própria responsabilização criminal, com base em presunção de culpa, que sobre ele incide (art.º 31.º n.º 3 da Lei de Imprensa), e atendendo ainda às dificuldades probatórias com que se depararia o lesado nesta matéria, o sistema jurídico configura uma presunção legal de culpa por parte do diretor (e do seu substituto legal), recaindo sobre este – ou à empresa jornalística – o ónus da prova de que não teve conhecimento, sem culpa, ou se opôs, à inserção na publicação dos textos ou imagens lesivos (cfr., v.g., STJ, 14.02.2012, processo 5817/07-2 TBOER.L1.S1; STJ, 08.5.2013, processo 1755/08.0TVLSB.L1.S1; STJ, 24.02.2016, processo 338/07.6TAABF.E2.S1; Relação de Lisboa, 18.4.2013, processo 2768/10.7TVLSB.L1-2; Relação de Lisboa, 08.10.2019, processo 17012/17.8T8LSB.L1-7).
Concordamos com esta última tese, que se afigura ser maioritária, e que, a nosso ver, se harmoniza com o sentido das indicadas normas da Lei de Imprensa e melhor se adequa ao necessário equilíbrio dos interesses que se conflituam nesta matéria.
De notar que, nos termos do art.º 21.º n.º 1 da Lei de Imprensa, “nas publicações com mais de cinco jornalistas o director pode ser coadjuvado por um ou mais directores-adjuntos ou subdirectores, que o substituem nas suas ausências ou impedimentos.
Em conformidade, também no n.º 2 do art.º 29.º da Lei de Imprensa se alarga o nexo de responsabilização da empresa jornalística em virtude da atuação do diretor da publicação ao seu “substituto legal”. Quanto mais vasto e mais complexo for o material noticioso com que a publicação tiver de lidar, mais difícil será ao diretor desempenhar cabalmente a sua função. Daí a necessidade de ser coadjuvado por outras pessoas, em quem delegará algumas das suas tarefas e responsabilidades. A essas pessoas será aplicável a mencionada previsão do n.º 2 do art.º 29.º da Lei de Imprensa.
No que diz respeito aos operadores de televisão, a Lei da Televisão, aprovada pela Lei n.º 27/2007, de 30 de julho, adotou regime algo semelhante, com o seguinte teor:
Artigo 35.º
Responsabilidade e autonomia editorial
1 - Cada serviço de programas televisivo deve ter um director responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões.
2 - Cada serviço de programas televisivo que inclua programação informativa deve ter um responsável pela informação.
3 - Cada operador de serviços audiovisuais a pedido deve ter um responsável pela selecção e organização do catálogo de programas.
4 - A designação e a demissão do responsável pelo conteúdo informativo dos serviços de programas televisivos são da competência do operador de televisão, ouvido o conselho de redacção.
5 - A prévia audição do conselho de redacção é dispensada na nomeação do primeiro responsável pelo conteúdo informativo de cada serviço de programas e nos serviços de programas de natureza doutrinária ou confessional.
6 - Os cargos de direcção ou de chefia na área da informação são exercidos com autonomia editorial, estando vedado ao operador de televisão interferir na produção dos conteúdos de natureza informativa, bem como na forma da sua apresentação.
7 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as orientações que visem o estrito acatamento de prescrições legais cujo incumprimento origine responsabilidade penal ou contra-ordenacional por parte do operador de televisão.
Artigo 71.º
Crimes cometidos por meio de serviços de programas televisivos e de serviços audiovisuais a pedido
1 - Os actos ou comportamentos lesivos de interesses jurídico-penalmente protegidos perpetrados através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido são punidos nos termos gerais, com as adaptações constantes dos números seguintes.
2 - Sempre que a lei não estabelecer agravação em razão do meio de perpetração, os crimes cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido que não estejam previstos na presente lei são punidos com as penas estabelecidas nas respectivas normas incriminadoras, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 - O director referido no artigo 35.º apenas responde criminalmente quando não se oponha, podendo fazê-lo, à prática dos crimes referidos no n.º 1, através das acções adequadas a evitá-los, caso em que são aplicáveis as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.
4 - Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas ou de intervenções de opinião, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, salvo quando o seu teor constitua incitamento ao ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual, ou à prática de um crime, e a sua transmissão não possa ser justificada por critérios jornalísticos.
5 - No caso de emissões não consentidas, responde quem tiver determinado a respectiva transmissão.
6 – (…).”
Artigo 70.º
Responsabilidade civil
1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido observam-se os princípios gerais.
2 - Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de rectificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador.”
Na sentença recorrida ajuizou-se nos termos supra propugnados.
A este respeito deu-se como provado o seguinte:
2. Sendo Directora da TV Guia à data a 2ª R. L G.
24. À data era Director do Correio da Manhã TV o 5º Réu O R.
29. No dia 15 de Outubro de 2014, o jornal Correio da Manhã, de que é Diretor o 5º R. e proprietária a 1ª Ré publicaram uma peça jornalística intitulada “revelação – D confirma passado polémico de V” secundada em lead pela afirmação “concorrente garante que a actriz foi acompanhante de luxo”.
44. Enquanto Diretora, 2ª R. L G tem conhecimento dos temas gerais que vão ser tratados nas revistas, mas não acompanha a sua elaboração, nem passou por ela, neste caso concreto, a aprovação final do artigo.
45. Devido ao grande volume de trabalho diário que tem, a 2ª R não consegue tomar conhecimento de todos os textos jornalísticos e imagens que os acompanham, que estão a preparar-se para serem publicados, não lhe competindo rever todo e qualquer artigo, em momento anterior à publicação, existindo para o efeito um Director Adjunto.
46. O 5º R. O R não teve conhecimento prévio da notícia publicada no jornal “Correio da Manhã”.
47. O artigo foi publicado na Revista “Vidas” suplemento do “Jornal Correio da Manhã”, a qual tem chefias próprias e específicas.
48. O 5º R. não teve qualquer contacto prévio com a peça televisiva na qual foram divulgados os factos em causa nesta acção, nem conhecimento prévio que os mesmos seriam transmitidos
O tribunal a quo considerou que a 2.ª R., diretora da TV Guia, e o 5.º R., diretor do Correio da Manhã, não tinham tomado conhecimento, sem culpa, das notícias relativas à A. publicadas naquelas publicações (assim como, quanto ao 5.º R., que este, sem culpa, não teve conhecimento da peça publicitada no Correio da Manhã TV), pelo que os absolveu do pedido.
Porém, o tribunal a quo responsabilizou na mesma a 1.ª R., proprietária daquelas publicações (e do Correio da Manhã TV), nos seguintes termos:
No que respeita ao Réu C S.A., “não tendo sido demonstrado que os artigos em causa foram publicados sem o conhecimento ou com a oposição das pessoas incumbidas de exercer, de facto, a direcção editorial da revista e do jornal em causa e atentas as normas reguladoras da sua responsabilidade supra referidas, deve tal entidade responder solidariamente pelos danos causados.”
Pelas razões supra expostas, concorda-se com a decisão impugnada, pelo que a apelação, nesta parte, também improcede.
Quarta questão (valor da indemnização)
Na sentença recorrida fundamentou-se o valor indemnizatório fixado (€ 30 000,00), pela seguinte forma:
Porém, em relação aos alegados danos patrimoniais não foi possível estabelecer, com a necessária segurança, um nexo causal entre a publicação do artigo e a exclusão da Autora do programa em que participava, não tendo resultado provado que a mesma tenha tido outros danos patrimoniais em consequência directa e necessária dos factos aqui em causa.
Assim, estarão apenas em causa danos não patrimoniais – art. 496º, nº1 CC. O ressarcimento destes danos passa pela atribuição de uma quantia pecuniária ao lesado que permita compensar o sofrimento que o facto danoso lhe causou – art. 496º, nº3 CPC.
Na fixação desta quantia deve ainda ponderar-se uma componente punitiva da conduta do agente que se mostre proporcional à censurabilidade dessa mesma conduta. No caso dos autos ficou demonstrado que a Autora sofreu psicológicamente com a imputação que lhe é feita de sustentar uma vida de luxo com a venda do seu corpo, que é objectivamente vexatória, tendo tido necessidade de recorrer aos serviços de uma psicóloga e de defender activamente a sua reputação para não perder a confiança das pessoas que recorriam aos seus serviços, os quais associavam a sua imagem a determinados produtos.
O montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso – art. 496º, nº3 e 494º CC.
Na situação em causa releva a publicação do artigo e posteriores referências e desenvolvimentos do mesmo, tanto na imprensa escrita como na televisão, conforme foi considerado provado, a tiragem que a revista TVGuia tinha ao tempo da publicação, bem como a repercussão psicológica que teve na pessoa da Autora.
Assim, tem-se por adequado fixar o quantum indemnizatório em 30.000,00 euros.
Os apelantes defendem que, a manter-se um juízo condenatório, a indemnização fixada deve ser consideravelmente reduzida. Só assim, dizem os apelantes, se levará em consideração a exigência de proporcionalidade imposta pela jurisprudência do TEDH, a equiparação com as decisões dos tribunais portugueses, nomeadamente quanto ao ressarcimento do dano “morte”, o caráter meramente temporário e passageiro dos danos sofridos, a circunstância de a A. ser uma figura pública, que como tal deve aceitar um maior grau de crítica ou um escrutínio mais incisivo e duro do que o comum dos indivíduos. Os apelantes também invocam como referência os Valores Orientadores de Proposta Razoável para Indemnização do Dano Corporal Resultante de Acidente Automóvel, consagrados pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, atualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, realçando que “o valor arbitrado é superior ao dano moral suportado pela vítima em caso de morte ocorrida após 72h a contar do sinistro, fixado em € 7.182,00, ao dano moral por perda de feto, até 10 semanas de gravidez, para ambos os pais, ou após 10 semanas no caso de ser o segundo filho, fixado em € 7.695,00” (conclusão rr) da apelação).
Vejamos.
Nos termos do art. 562.º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação“). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (n.º 1 do art.º 566.º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do art.º 566.º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do art.º 566.º). Em relação aos danos não patrimoniais, estabelece o n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil que serão ressarcíveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No número 3 do mesmo artigo estipula-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo inflingido.
In casu, o grau de culpabilidade do agente é qualificável de elevado, assumindo pelo menos o nível de dolo eventual.
No que concerne à ponderação da situação económica do agente e do lesado, a não discriminação em razão da situação económica (art.º 13.º n.º 2 da CRP) impõe que essa ponderação se limite tão só ou sobretudo a situações de verdadeira desproporção, no sentido lesado rico/lesante pobre, encontrando-se aqui como fundamento o não desperdício de recursos económicos quando o lesado apresenta uma folgada situação económica e o lesante carece de meios (neste sentido, Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977”, volume III, FDUC, Coimbra Editora, 2007, páginas 540 a 542). Aliás, no já distante dia 14 de março de 1975, a Resolução (75) 7 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que exortava os estados membros a levarem em consideração determinados princípios no que concerne à reparação dos danos no caso de lesões corporais e de morte em matéria de responsabilidade extracontratual, defendia que o cálculo da indemnização das lesões corporais deve efetuar-se independentemente da situação económica da vítima.
No fundo, é na análise das “demais circunstâncias do caso” que se encontrarão os reais pontos de referência do montante a arbitrar.
Análise essa em que não se pode ignorar a ponderação feita noutras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil (“nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”).
O que tudo não contrariará a jurisprudência do TEDH, para o qual “qualquer decisão que fixe perdas e danos por difamação deve apresentar uma relação razoável de proporcionalidade com a ofensa causada à reputação” (Caso Público – Comunicação Social, S.A. e outros c. Portugal, Queixa n.º 39324/07, acórdão de 07.12.2010, supra citado, n.º 55), devendo evitar-se condenações que corram “inevitavelmente o risco de dissuadir os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões de interesse para a vida da comunidade” (Caso Público,…, citado) e sejam “de natureza a impedir a imprensa de cumprir o seu papel de informação e de controlo” (idem).
De resto, o TEDH não considerou exagerada ou violadora do direito à liberdade de expressão a fixação, pelos tribunais espanhóis, em 1993, de uma indemnização no valor de dez milhões de pesetas, equivalente a € 60 000,00, num caso de violação da reserva da vida privada e familiar, em que nem sequer fora invocada ofensa à honra ou consideração da lesada (vide o supra citado caso Julio Bou Gibert e El Hogar y La Moda S.A., contra Espanha, processo 14929/02, 13.5.2003).
O STJ confirmou a condenação em € 30 000,00, por danos não patrimoniais, da empresa proprietária de uma revista que fez uma reportagem acerca da nova residência de um conhecido apresentador de televisão (supra citado acórdão de 08.5.2013, processo 1755/08.0TVLSB.L1.S1).
Em 2012 o STJ fixou em € 50 000,00 a indemnização devida, por danos não patrimoniais, a um advogado e político que fora indevidamente alvo de uma reportagem em que era envolvido em atos de pedofilia e relacionamentos sexuais com menores (acórdão de 23.10.2012, processo 2398/06.8TBPDL.L1.S1).
Em 21.5.2015 esta Relação de Lisboa, em acórdão igualmente relatado pelo ora relator, fixou em € 15 000,00 a indemnização por danos não patrimoniais devida por um pequeno jornal regional da ilha da Madeira, que divulgara falsamente que a PJ havia recebido um CD em que figuravam duas contabilidades, uma falsa, para ser apresentada às Finanças, e outra real, para uso dos administradores da empresa do autor da ação (processo n.º 142/09.7TCFUN.L1.-2).
Reportemo-nos ao caso destes autos.
Em 11 de agosto de 2014 a A. foi alvo, numa revista semanal de grande tiragem, de uma reportagem onde se garantia que a A. se dedicava e havia dedicado à prostituição, levando uma vida dupla que lhe garantia um elevado nível de vida. Essa reportagem, com honras de chamada na capa e acompanhada de imagens da A., nomeadamente uma em bikini, e em que também vinham à liça a mãe da A. e o então namorado da A., seu atual marido, foi seguida, no dia imediato, de uma peça num programa de um canal de televisão, igualmente pertencente à 1.ª R., sobre o teor da aludida notícia. E, meses depois, o assunto foi novamente publicitado, desta feita numa edição de um dos jornais diários mais lidos em Portugal, igualmente pertencente à 1.ª R.. A A. ainda tentou exercer o direito de resposta junto desse jornal, mas a referida publicação transformou essa iniciativa numa nova notícia, deturpando o respetivo sentido, dando azo a mais uma condenação por parte da ERC (cfr. n.ºs 32 a 35 da matéria de facto). Acresce, como decorre do supra exposto, que a veracidade das notícias não se comprovou, nem foi alvo, antes da reportagem, de investigação adequada.
É evidente que comportamentos destes são letais na reputação de uma mulher, ainda por cima quando, como é o caso, se vive da imagem nos meios de televisão, moda e publicidade (n.º 40 da matéria de facto).
Daí que não surpreenda que se tenha dado como provado que:
37. Na sequência da capa da Revista TV Guia a Autora teve necessidade de procurar ajuda clínica, nomeadamente, na área de psicologia, o que até aí nunca tinha feito ou sentido necessidade de fazer;
38. No dia 29 de Agosto de 2014 deslocou-se a uma consulta de psicologia com a Dra (…), consultas essas que até ao presente não mais deixou;
39. A Autora sente revolta por os Réus terem associado a sua imagem à prostituição;
42. Em Dezembro de 2014 a Agência de modelos da Autora atestava um notório decréscimo de solicitação para trabalhos da mesma assim como a não adjudicação de orçamentos que até à referida data estavam a decorrer, vendo-se a Autora na necessidade de se defender perante as pessoas responsáveis para manter a confiança de algumas marcas com que trabalhava;
43. Na véspera do debate instrutório no processo penal mencionado a Autora teve necessidade de ser assistida no Hospital CUF Descobertas.
Não custa aceitar que o sofrimento da A., ao ver-se confrontada com uma tal campanha noticiosa, alargada à imprensa escrita diária, imprensa semanal e mesmo televisão, justifique o valor indemnizatório fixado pelo tribunal a quo.
É verdade que a A. conseguiu reagir a toda esta adversidade (com acompanhamento clínico, é certo), de forma que, como se deu como provado no n.º 54 da matéria de facto, a A. “continuou a ter sucesso diário na sua carreira existindo marcas que utilizam a imagem da A. (já posteriormente à difusão da notícia em causa e ao longo dos anos)”. Essa prova teve reflexo na absolvição dos RR. quanto ao pedido de indemnização por danos patrimoniais. Mas não afeta a vertente compensatória ora em análise, cuja avaliação, operada pelo tribunal a quo, se situa dentro dos parâmetros jurisprudenciais supra indicados.
A consideração, sugerida pelos apelantes, dos Valores Orientadores de Proposta Razoável para Indemnização do Dano Corporal Resultante de Acidente Automóvel, consagrados pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, atualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, com o apontado (pelos apelantes) realce para a circunstância de que “o valor arbitrado é superior ao dano moral suportado pela vítima em caso de morte ocorrida após 72h a contar do sinistro, fixado em € 7.182,00, ao dano moral por perda de feto, até 10 semanas de gravidez, para ambos os pais, ou após 10 semanas no caso de ser o segundo filho, fixado em € 7.695,00” (conclusão rr) da apelação), é de repudiar, pois aí está-se perante valores indemnizatórios facultativos e indiciários aplicáveis a casos de sinistralidade rodoviária, fixados independentemente das circunstâncias do sinistro e, quanto aos danos identificados pelos apelantes (dano moral suportado pela vítima em caso de morte, dano moral por perda de feto), não têm qualquer ponto de correspondência com a realidade objeto destes autos, que permita estabelecer um termo de comparação. A opção comparativa feita pelos apelantes é arbitrária, não se vendo por que razão não se olhou antes para outros itens da aludida portaria, onde se preveem valores indemnizatórios bem mais elevados.
Termos em que se mantém a decisão recorrida, improcedendo a apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo dos apelantes, que nela decaíram (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 21.5.2020
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins