Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9968/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
ADMINISTRADOR
LEGITIMIDADE
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/31/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – Os administradores do condomínio não têm legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos.
2 - Nestas acções, são os próprios condóminos que devem ser accionados, dada a falta de personalidade judiciária do condomínio, embora a sua representação em juízo caiba ao respectivo administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
3 – Como tal, o procedimento cautelar de suspensão de deliberação da assembleia de condóminos deve ser proposto contra todos os condóminos do prédio, mesmo os que não tenham estado presentes e que não tenham manifestado a sua discordância relativamente às deliberações adoptadas, sendo representados pelo administrador do condomínio ou por uma terceira pessoa indicada pela assembleia.
4 – Limitando-se a Requerente a propor o procedimento cautelar contra os administradores do condomínio que presidiram à assembleia em que foi adoptada a deliberação impugnada é manifesta a sua ilegitimidade, daí decorrendo a absolvição da instância.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
      1. [V] instaurou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação de assembleia de condóminos contra [M], [J] e [R], na qualidade de administradores do condomínio do prédio sito no Largo (...), em Lisboa, pedindo a suspensão da deliberação da assembleia de condóminos do prédio em causa, tomada em 8 de Março de 2007 e que decidiu a suspensão do serviço de elevadores do prédio ao 18º andar, andar esse propriedade da Requerente.

Fundamentando a sua pretensão, alegou a Requerente que a deliberação é anulável por não prevista na ordem de trabalhos e por visar um fim contrário à lei qual seja o de coagir a Requerente a cumprir a decisão judicial em que os seus administradores foram condenados a restituir ao condomínio o vestíbulo do 18º andar do prédio e a removerem as três portas blindadas que mandaram colocar no mesmo e por visar restringir-lhe o uso de uma parte comum do prédio que são os elevadores, sendo certo que a decisão causará elevados prejuízos à Requerente por a mesma, a ser executada, implicar que o acesso ás fracções do 18º andar, onde residem os administradores da requerente – Réus no processo atrás aludido – tenha de ser feito pelas escadas do 17º andar para o 18º, quando o Presidente do seu Conselho de Administração sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica, com cansaço para os pequenos esforços, doença incapacitante, não lhe sendo aconselhado esforços como o subir as escadas.

Os Requeridos vieram arguir a respectiva ilegitimidade passiva por, em suma, o procedimento cautelar dever ter sido instaurado contra todos os condóminos, representados pelos administradores do prédio. Arguiram também a ilegitimidade activa da Requerente por o eventual dano apreciável que da execução da deliberação pudesse resultar recair na esfera jurídica da Requerente, a proprietária actual dos andares em causa – as fracções autónomas do 18º andar – sendo que a Requerente e as pessoas dos respectivos administradores são pessoas jurídicas diversas. Veio ainda pugnar pela improcedência do procedimento cautelar, desde logo por os actuais administradores da Requerente serem os primitivos proprietários daquelas fracções autónomas do prédio em causa e os condenados na acção que correu termos nesta Vara e Secção e que devido à actuação daqueles se mantém encerrado o acesso ao vestíbulo do 18º andar pelos elevadores.

A fls. 170 dos autos vieram os requeridos pugnar pela inadmissibilidade da apensação destes autos ao Processo 1872/07 por as partes não serem as mesmas, uma vez que, neste último, os Réus são os condóminos e neste procedimento cautelar os Requeridos são os administradores do condomínio, violando por isso tal apensação o princípio da estabilidade da instância ou processual, o disposto no artigo 383º, nº 1 do CPC, podendo influenciar a causa a nível do procedimento cautelar face à excepção invocada, arguindo a nulidade de tal apensação nos termos do artigo 201º do CPC, aos mesmos não notificada e de que alegam só ter tido conhecimento após a sua citação para a acção principal.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas, tendo sido tacitamente relegada para a sentença final a decisão das excepções de ilegitimidade activa e passiva por se entender que se trata de questões de direito e cujo conhecimento dependia, pelo menos quanto à primeira, da prova a produzir.

Produzida a prova, foi decidida a matéria de facto, tomou-se conhecimento das excepções suscitadas, bem como da nulidade arguida a fls. 174 dos autos.

A nulidade e a ilegitimidade activa da Requerente foram julgadas improcedentes.

A ilegitimidade passiva dos Requeridos foi julgada procedente e, por via disso, foram os mesmos absolvidos da instância.

Inconformada, recorreu a Requerente, formulando as seguintes conclusões:

1ª – O procedimento cautelar de suspensão de deliberações do condomínio deve ser proposto contra os administradores, sendo estes que, por força do disposto no artigo 398º, n.º 2 do CPC, devem ser para ele citados.

2ª – Ao demandar os administradores, tal como o fez a ora recorrente, esta pretendia, naturalmente, demandar o condomínio que, embora tenha personalidade judiciária, e também capacidade judiciária, não é ele que deve estar em juízo, em sentido substancial, mas antes os administradores, na sua qualidade de órgão executivo da assembleia de condóminos.

3ª – Tendo a presente providência por objecto uma deliberação da assembleia relacionada com as partes comuns do prédio, os administradores demandados são, pois, para ele parte legítima passiva.

4ª – Decidindo pela ilegitimidade dos administradores demandados, a decisão recorrida violou por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 6º, alínea c), 398º, n.º 2 do CPC e 1433º, n.º 6 do CC, que se espera sejam interpretados e aplicados nos termos propugnados nas alegações e nestas conclusões.

5ª – Ainda que se entenda que eram fundadas as dúvidas expostas pela Exc. ma Juiz a quo relativamente a quem a recorrente pretendia demandar, se o condomínio se os administradores em nome próprio, deveria ter sido tido em consideração o disposto no artigo 265º, n.º 2 do CPC, convidando a requerente a esclarecer a dúvida.

Os Requeridos contra – alegaram, defendo a bondade da decisão recorrida.

2.

Na 1ª instância, atenta a prova testemunhal e documental, consideraram-se indiciariamente provados os seguintes factos:

1º - Correram seus termos uns autos de acção de processo ordinário com o nº 49/2000 em que era Autor o Condomínio do L (...), em Lisboa e Réus [A] e [I], processo em que se pedia a condenação dos Réus a repor o vestíbulo do 18º andar do mesmo prédio no estado anterior às obras pelos mesmos ali levadas a cabo e que vedaram e a dele retirarem tudo o que lá tivessem colocado, acção essa julgada procedente, por provada, com a consequente condenação dos Réus no pedido, por sentença de 19 de Janeiro de 2004, transitada em julgado em 1 de Julho de 2004.

2º - Em 27 de Maio de 2007, foi distribuída ao 2º Juízo de Execuções, 1ª Secção, o Processo 15541/07, acção executiva para prestação de facto, em que é exequente o condomínio do prédio referido e executados os referidos [A] e [I] e a ora Autora, Villagio e em que o exequente pede a execução da sentença referida em 1.

3º - A propriedade das fracções autónomas designadas pelas letras BB e BC do prédio sito no Largo do Casal Vistoso, e Avenida Afonso Costa, em Lisboa, , encontra-se inscrita a favor da Requerente através da Ap. 18 de 9 de Janeiro de 2004, por aquisição a [A] e [I].

4º - [A] e [I] são, respectivamente, o Presidente do Conselho de Administração da Requerente e vogal da Requerente.

5º - [A] e [I] vivem no prédio aludido e no 18º andar há vários anos com a respectiva família.

6º - A 18 de Fevereiro de 2007, foi convocada a assembleia geral de condóminos do prédio aludido, a realizar no dia 8 de Março de 2007, pelas 21H15 horas, na sala do condomínio, sendo a ordem de trabalhos a aprovação do orçamento para 2007 e outros assuntos de interesse geral.

7º - Nesta assembleia, a Requerente fez-se representar por [C], vogal da mesma.

8º - Na aludida assembleia, ao entrar-se na discussão do ponto 2 da ordem de trabalhos, foi feito constar que, no que respeitava aos elevadores e na sequência da informação prestada pelo técnico da Schindler na assembleia anterior, se encontravam já resolvidas diversas falhas detectadas em 2005 pela inspecção da Câmara Municipal de Lisboa, excepto a questão do livre acesso ao patamar do 18º piso e que, na altura, haviam sido avisados os condóminos do 18º andar de tal anomalia por carta registada com aviso de recepção, a que os mesmos não haviam dado resposta e que a administração do condomínio fora informada de que a Câmara Municipal de Lisboa iria efectuar a muito curto prazo uma nova inspecção ao prédio, estando na iminência de selar os elevadores, caso continuasse a não haver livre acesso ao patamar do 18º andar, tendo a representante destas fracções autónomas sido questionada se a sua representada estava na disposição de assumir as consequências que de tal eventual selagem pudessem advir, tendo a mesma dito não se encontrar mandatada para o efeito e, na sequência do referido, foi decidido em tal assembleia, com os votos a favor de todos os presentes, à excepção da representante da Requerente, que votou contra, o seguinte:

“Convidar sem demora o condómino do 18º andar a repor de imediato o acesso a esse piso e que, a menos que até ao final do mês de Março de 2007 se concluíssem os trabalhos de reposição do livre acesso ao patamar do 18º andar, o serviço dos elevadores até àquele piso seria suspenso como medida transitória até à reposição de tal livre acesso.”

9º - Na sequência desta proposta de deliberação e antes da sua aprovação, a representante da Requerente disse entender que a administração do condomínio se estava a querer substituir aos tribunais e que achava que deveria ser convocada uma nova assembleia de condóminos para análise da mesma proposta por tal não fazer parte da ordem de trabalhos, sugestão rejeitada pelos demais condóminos presentes por o assunto dos elevadores ser recorrente em diversas assembleias e havia já sido informado em anteriores reuniões, tendo ainda sido referido que se não tratava de fazer justiça pelas próprias mãos, dado que o assunto tinha já sido decidido no processo atrás referido e que se tratava de uma medida para impedir que todo o prédio fosse privado do serviço de elevadores por razões alheias aos demais condóminos, exceptuado o do 18º piso.

10º - No patamar do 18º piso do prédio referido em 3, em que se situam as fracções autónomas da Requerente e em que vivem apenas as pessoas referidas em 5, existem três portas blindadas cujas chaves se encontram em poder da Requerente e da porteira do prédio.

11º - A Requerente, os anteriores proprietários e a porteira nunca informaram, até agora, o condomínio de que a porteira tinha as chaves das portas aludidas em 10.

12º - Quando a porteira do prédio referido se encontra de férias é colocada em sua substituição outra pessoa a quem a primeira não entrega as chaves das portas referidas em 10.

13º - Se o serviço dos elevadores for suspenso ao 18º andar do prédio em causa, os habitantes das fracções autónomas referidas em 3 terão de subir a pé, pelas escadas, do 17º piso para o 18º piso.

14º - [A] nasceu no dia 28 de Dezembro de 1933, na freguesia de Benfica, em Lisboa e contraiu casamento com [I], em 17 de Dezembro de 1984.

15º - [R], médico de pneumologia e imuno - alergologia declarou, por escrito, em 14 de Março de 2007, que [A] sofre de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, associada a cansaço para pequenos esforços, pieira e farfalheira, doença essa incapacitante e que limita as actividades do dia a dia, com agravamento da dispneia com os esforços mínimos, não sendo aconselhado esforços mais violentos como o subir rampas ou ruas de maior inclinação e escadas.

16º - Os Réus, no processo referido em 1, fecharam com portas blindadas o acesso pelos elevadores e pelas escadas principal e de serviço do prédio ao vestíbulo ou patamar de acesso às fracções do 18º andar.

17º - A casa das máquinas dos elevadores e o acesso ao telhado situam-se no piso 19º do prédio em causa o que exige que, tal como a situação se encontra, o acesso à casa das máquinas e ao telhado seja feito apenas por escada a partir do 17º piso.

18º - Por carta datada de 31 de Maio de 2005, a Associação Nacional de Inspectores de Elevadores comunicou ao condomínio do prédio que, na inspecção periódica realizada em 19 de Maio de 2005, haviam sido verificadas deficiências contrárias aos regulamentos de segurança de tal tipo de equipamentos que constavam do relatório que anexava e que o mesmo condomínio deveria, com a empresa de manutenção dos elevadores, providenciar pela execução dos trabalhos necessários à correcção das deficiências apontadas, o que deveria ser feito no prazo de 30 dias, devendo requerer, após a reinspecção, mediante a entrega do pedido na Câmara Municipal de Lisboa e que a não realização dos trabalhos em causa conduziria à responsabilização do condomínio pelos eventuais acidentes que viessem a ocorrer por esse facto, além de o fazer incorrer nas penalizações previstas no Decreto Lei 320/2002, de 28 de Dezembro.

19º - Uma das falhas constantes do relatório anexo era a falta de acesso/saída aos pisos negativos e ao 18º andar, em caso de emergência, não se mostrando assegurado o socorro rápido aos utentes que pudessem ficar encarcerados nos pisos negativos e no 18º piso.

20º - Por carta registada com aviso de recepção datada de 10 de Setembro de 2004, a administração do condomínio do prédio comunicou ao Adolfo que a sentença atrás referida já transitara em julgado e que o mesmo não procedera até então à demolição das obras e à reposição do piso no seu estado inicial e que por isso teria de haver a demolição coerciva de tais obras e que não gostaria de a ter de requerer por as decisões judiciais deverem ser cumpridas voluntariamente e pelo respeito recíproco entre condóminos e que iria convocar uma assembleia para discutir o assunto, entre outros e para o mesmo informar o que tivesse por conveniente.

21º - Por carta registada, datada de 14 de Junho de 2005, dirigida à Requerente e a [A] e mulher, a administração do condomínio do prédio deu-lhes conhecimento do relatório de inspecção dos elevadores do mesmo prédio, chamando a atenção para as notas do mesmo constantes na parte que dizem respeito ao 18º andar e que a manutenção da situação de inacessibilidade a tal piso podia implicar a aplicação de penalidades à administração do condomínio e, por isso, para todos os condóminos, notificando-os de que caso tais penalidades fossem eventualmente aplicadas lhes seriam imputadas.

22º - Por carta registada, datada de 21 de Agosto de 2005, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Direcção Municipal de Projectos e Obras e Departamento de Construção e Conservação de Instalações Eléctricas e Mecânicas, a administração do condomínio pediu a tal entidade escusa quanto às cláusulas de cumprimento imediato n.os 004-01-A, 004-01-C e 039-04-B por estar em curso um litígio judicial com o condómino do 18º andar do prédio para remover os obstáculos que o mesmo promoveu e que impedem o acesso ao referido andar.

23º - Por ofício datado de 15 de Novembro de 2005 e dirigido à administração do condomínio, a Câmara Municipal de Lisboa indeferiu o requerido e atrás referido.

24º - Por carta datada de 2 de Fevereiro de 2007, a Schindler Ascensores e Escadas Rolantes, S. A. comunicou ao condomínio do prédio que a validade do certificado de exploração de três elevadores do prédio em causa terminara ou terminaria em breve e que, por isso, deveriam dirigir-se aos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, no prazo máximo de 15 dias e pagar a taxa de € 125,95 por elevador e entregar o requerimento anexo para marcação de (re)inspecção periódica aos equipamentos.

25º - As questões relativas ao acesso aos pisos negativos encontram-se resolvidas.

26º - O prédio tem 18 andares acima do solo e cinco abaixo do mesmo, sendo 49 os condóminos, existindo pessoas de muita idade, sendo uma com mais de 90 anos e crianças.

27º - O técnico da Schindler informou os condóminos do prédio de que se houvesse uma mera suspensão do serviço dos elevadores a partir do 17º andar poderia não ser decidido pela Câmara Municipal de Lisboa a selagem dos elevadores na sua totalidade, mantendo-se os mesmos em funcionamento até ao 17º andar por, a ser assim, as condições de segurança se encontrarem garantidas.

28º - Os condóminos do prédio estão preocupados com a eventual selagem dos elevadores.

29º - A eventual suspensão do serviço dos elevadores a partir do 17º andar e até ao 18º piso não significa que os elevadores possam ser certificados, sendo que os elevadores do prédio em causa não se mostram até hoje certificados por inexistir a possibilidade de desencarceramento devido à falta de acesso ao 18º piso.

30º - Entre o 18º piso e o 19º não há elevador.

3.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, a questão a dirimir consiste em saber se o administrador tem ou não legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações de assembleia de condóminos.

A questão é controversa.

Para uma corrente jurisprudencial, o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos. Tais acções devem ser propostas, não contra os administradores, mas contra os condóminos.

Para outra, é inequívoca tal legitimidade passiva, uma vez que o administrador actua como representante orgânico do condomínio e a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos, (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador.

Confrontando os argumentos de ambas as correntes, cremos que a interpretação dos textos legais não consente a segunda interpretação, razão por que aderimos à primeira corrente.

O condomínio resultante da propriedade horizontal não constitui, em si próprio, um ente jurídico personalizado nem tão pouco um património autónomo, e, daí, que não goze de personalidade jurídica autónoma, à qual está associada por inerência a personalidade judiciária (artigo 5º, n.º 2 CPC).

Todavia a alínea e) do artigo 6º do CPC, a partir da redacção introduzida pelo DL n.º 180/96, de 25 de Setembro, que pôs termo a um diferendo doutrinário e jurisprudencial que se arrastava há longo tempo, reconheceu ao condomínio personalidade judiciária “relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, cabendo a este último a respectiva representação em juízo, ex vi do disposto nos artigos 22º do CPC e 1437º do CC. Trata-se, porém, de uma capacidade judiciária limitada, cujos contornos importa precisar.

Portanto, a contrario, fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária, isto é, não pode ser parte em juízo, competindo, assim, aos condóminos, agir em juízo em seu próprio nome.

Deste modo, o n.º 1 do artigo 1437º do CC confere ao administrador legitimidade para agir em juízo, “quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia” (legitimidade activa), enquanto o n.º 2 do artigo lhe confere legitimidade passiva para ser demandado, mas apenas nas acções respeitantes às partes comuns do edifício (legitimidade passiva).

Logo o artigo 6º, alínea e) do CPC não visou, assim, abranger a situação de representação judiciária prevista no n.º 4 do artigo 1433º CC, pois que, em matéria de deliberação da assembleia de condóminos, o administrador não tem quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa. A apreciação e votação das questões submetidas à assembleia de condóminos só a estes pertence, não desempenhando, nessa sede, o administrador qualquer papel.

Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 1433º CC que “ as deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha votado”, o que significa que a deliberação contrária à lei ou ao regulamento é da exclusiva responsabilidade dos condóminos que a votarem, não envolvendo o exercício de qualquer poder ou desempenho de funções da parte do administrador, enquanto tal.

Assim, no que respeita às acções de impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos, não estamos no âmbito dos poderes do administrador, pelo que, nesse domínio, não goza o condomínio de personalidade judiciária.

Daí que, nesta matéria, são os próprios condóminos que devem ser pessoalmente accionados, dada a falta de personalidade judiciária do condomínio, embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.

Reportando-nos ao caso sub judice, os Requerentes interpuseram o procedimento cautelar contra os Requeridos na qualidade de administradores do Condomínio do prédio sito no Largo (...), pretendendo suspender a deliberação da Assembleia de Condóminos, que decorreu no dia 8 de Março de 2007.

Nos presentes autos não se discutem questões relativas a partes comuns do edifício, mas sim matéria de distinta natureza e que se consubstancia na suspensão da deliberação de assembleia de condóminos.

Como salientam os Recorridos, não foram eles que deliberaram, enquanto administradores, pois o seu papel foi o de condução dos trabalhos da assembleia, cuja deliberação é objecto de pedido de suspensão.

Tal deliberação resultou da soma dos votos dos condóminos presentes que entenderam, cada um de per si, votar num sentido que a Recorrente não aceita.

Portanto, como demandados, devem figurar todos os condóminos que aprovaram a deliberação impugnada, por serem estes que têm interesse em contradizer, embora representados pelo administrador ou por uma terceira pessoa indicada pela assembleia, se tivesse sido esse o caso (artigo 1433º, n.º 6 do CC).

Como a Requerente se limita a propor o presente procedimento cautelar contra os administradores do condomínio que presidiram à assembleia em que foi adoptada a deliberação em causa, é, por isso, evidente a manifesta ilegitimidade passiva dos requeridos, daí decorrendo a necessária absolvição dos mesmos da instância.

Concluindo:

O procedimento cautelar de suspensão de deliberações da assembleia de condomínio deve ser proposto contra todos os condóminos do prédio em causa, mesmo contra os que não tenham estado presentes e que não tenham manifestado a sua discordância relativamente às deliberações adoptadas – com excepção evidente do(s) que impugna(m) a deliberação e pretende(m) a sua suspensão -, condóminos esses representados pelo administrador do condomínio ou pela pessoa pela assembleia designada para o efeito.

Limitando-se a Requerente a propor o procedimento cautelar contra os administradores do condomínio que presidiram à assembleia em que foi adoptada a deliberação em causa, é manifesta a ilegitimidade passiva dos Requeridos, daí decorrendo a necessária absolvição dos mesmos da instância.

4.

Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Requerente.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2008

Manuel F. Granja da Fonseca

Fernando Pereira Rodrigues

Fernanda Isabel Pereira.