Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9721/2006-8
Relator: CATARINA ARÊLO MANSO
Descritores: ABUSO DO DIREITO
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Não se justifica o  arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, a título de reparação provisória (artigos 403.º e seguintes do Código de Processo Civil), se o requerente deixou de facultar à empresa construtora causadora dos danos na casa de habitação do requerente, requerente que a expensas da dita empresa se instalou em casa arrendada, o acesso à habitação danificada.
II- O requerente impede a referida empresa de prosseguir os trabalhos de reparação,  o que a levou a deixar de suportar a renda da casa cedida ao requerente enquanto as obras não se concluíssem na sua própria habitação.
II- A conduta do requerente leva a que, por culpa sua, se prolongue no tempo, sem fim à vista, a solução da situação causada pelo requerido, constituindo, por isso,  manifesto abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil) pretender agora o pretendido arbitramento.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
José […] intentou contra D.[…] Lda. procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória .

Pediu a reparação provisória de € 1500 por mês, sob a forma de renda, para fazer face às suas necessidades de habitação ou de €690 para pagamento da renda que a requeria deixou de pagar, até que a Câmara Municipal do Funchal diga que está apta para ser recuperada para fins habitacionais, a casa onde residia anteriormente.

Fixado o dia para julgamento, foi notificada a requerida para contestar o que fez na audiência de julgamento. Defendeu a improcedência do pedido de reparação provisória, pois o requerente impediu que as obras fossem concluídas.

Procedeu-se a julgamento e procedimento cautelar foi julgado procedente e arbitrou ao requerente, a título de indemnização provisória sob a forma de renda mensal, a quantia de €690, a ser paga até ao dia 8 de cada mês e até ao trânsito em julgado da acção definitiva.

Inconformada a requerida interpôs recurso e nas suas alegações concluiu:

- desde o início das obras, que a agravante pôs á disposição do agravado, um apartamento pagando a renda de €690,00;

- o agravado vem impedindo por todas as formas a realização das mesmas, como consta nos artigos provados, n.º 43, 44 e 45;

- só após a realização das mesmas, é que, se podia dizer se eram ou não as adequadas;

- nunca se recusou a fazer as obras;  

- assim, não tem direito o agravado a que lhe continue a pagar a renda do apartamento ou qualquer outro;

- o prédio onde vivia o inquilino, ora agravado tem mais de cem anos, não era pintado há vários anos, tinha as janelas em mau estado de conservação e as portas com brechas;    

- mesmo que tivesse esse direito deve perde-lo, face ao abuso, da sua conduta;

- o tribunal violou, por erro de interpretação os artigos 334 do CC e 381/1,2; 403/2,3 e 4 do CPC

Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão.

Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento.

Os factos.

1°- O requerente já requereu anteriormente contra a requerida o arbitramento de quantia mensal para custear o arrendamento de uma habitação capaz de substituir provisoriamente a casa onde viveu nos últimos 25 anos e que se tornou inabitável em consequência de obra levada a efeito por aquela.

2°- A acção referida no número anterior correu termos nesta 2a Secção da Vara […] actualmente apensa aos presentes autos, foi julgada improcedente porque o tribunal considerou que o meio encontrado pela requerida - um apartamento T3, novo, mobilado, apenas a 4Km da casa do requerente é adequado e proporcional a tal reparação provisória do dano.

A requerida deixou de pagar as rendas da referida habitação provisória, pelo menos, nos meses de Agosto e Setembro de 2004 e com o esclarecimento de que. entretanto, as quantias em dívida até Fevereiro de 2005 foram pagas encontrando-se em dívida as rendas devidas desde Março de 2005 até à presente

4° O proprietário do imóvel, Manuel […] deu conhecimento dessa falta de pagamento de rendas ao requerente e solicitou a entrega do locado livre e devoluto avisando que iria intentar acção de despejo do apartamento que a requerida lhe arrendou para uso do requerente

5º O requerente é inquilino dos 2° e 3° pisos 1° e 2° andares) e logradouro do prédio urbano […] na cidade do Funchal, assinalado com a letra “a” na planta de localização junta pelo requerente.

6°- O requerente usa o local arrendado como única habitação permanente, sua e do respectivo agregado familiar, desde 1978, mediante o pagamento de uma renda mensal actual de E4,99 e é nesta casa que, apesar do telhado deixar passar a água da chuva, ainda mantém os seus haveres.

7º- O requerente mantém os seus pertences na casa referida porquanto o apartamento cedido pela requerida tem móveis próprios e não dispõe de espaço para guardar os móveis e utensílios do requerente e do respectivo agregado familiar.

8 O agregado familiar do requerente é constituído por cinco pessoas, sendo estas, além do próprio, os filhos E.[…] e R.[…] que embora esteja em Lisboa, desloca-se à Madeira frequentemente, a nora T.[…] e o neto A.[…]

9.A requerida é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção, exploração e venda de bens imobiliários,

10°- A requerida é dona do prédio que do lado Norte confina com o prédio habitado pelo requerente e tem entrada pela Rua […] assinalado com a letra “B” na planta junta aos autos

11- Em Setembro de 2002 a requerida iniciou obras de demolição e reconstrução do prédio sua pertença, ao abrigo do Alvará […], com vista à posterior divisão e venda de apartamentos em propriedade horizontal

12°- Depois da fase de demolição, para além das obras autorizadas pela CMF a requerida abriu uma vala junto à parede mestra Norte da casa habitada pelo requerente para ali construir uma cave destinada a servir de garagem subterrânea do mesmo prédio

13°- Na manhã do dia 19 de Setembro de 2002 as obras levadas a cabo pela requerida começaram a fazer estremecer o prédio habitado pelo requerente.

14°- No mesmo dia a abertura da mencionada vala, por parte da requerida junto da parede mestra Norte da casa habitada pelo requerente, deu origem à abertura de enormes fendas na mesma

15°- A abertura da vala destinada às novas fundações do prédio da requerida, tendo em vista a construção de uma cave, na altura obra clandestina, foi causa directa e adequada da abertura de fendas que levaram a que a casa se tornasse inabitável.

16°- O acidente que tornou imprópria para habitação a casa arrendada pelo requerente ficou a dever-se ao facto da requerida ter aberto a referida vala, com cerca de 20 metros de comprimento e 5 de profundidade, junto à parede mestra Norte do edifício onde mora o requerente, sem projecto aprovado pela CMF e sem ter, previamente, escorado a mesma parede.

17ª- Nos dias que se seguiram ao dia 19 de Setembro de 2002, a parede mestra Norte da casa onde mora o requerente foi cedendo progressivamente por falta de apoio no solo contíguo, abrindo fendas que, por sua vez, se ramificaram pelos tectos e paredes interiores do edifício e provocaram deslocamentos, pelo menos, nos soalhos e portas do mesmo

18°- As paredes, tectos e soalhos da casa do requerente alteraram as suas posições relativas, ocorreu desligamento de portas e janelas, danificaram-se os respectivos revestimentos, designadamente tábuas, barrotes e azulejos, bem como desabaram os tectos dos quartos e algumas portas deixaram de fechar.

19°- No dia em que a casa começou a estremecer, o requerente alertou a requerida para a situação gerada pela obra do prédio vizinho, tentando evitar a progressão dos estragos, mas a requerida não interrompeu as suas escavações,

20°- Nos dias seguintes ao início dos trabalhos, o requerente também tentou motivar a CMF a ordenar a interrupção das escavações vendo, no entanto, indeferida sua pretensão

21°- A Arquitecta M.[…]  Directora do Gabinete Técnico do Núcleo Histórico de Santa Maria, da CMF bem como outros […] estiveram no local e emitiram opinião de que o prédio tinha de ser escorado e evacuado,

22°- No dia 26 de Setembro de 2002, a CMF notificou a requerida para, com urgência, apresentar projecto de alteração e estabilizar a construção adjacente à obra

23°- No seguimento da referida iniciativa da CMF e já depois de ter provocado os danos acima referidos, na casa do requerente, a requerida iniciou o processo de legalização da cave, colocou algumas escoras do lado Norte da mencionada parede mestra adjacente à casa arrendada pelo requerente e arrendou um apartamento mobilado destinado a acolher, provisoriamente, o requerente e respectiva família

24°- Ainda não foi elaborado, aprovado e executado um projecto de recuperação da habitação do requerente.

25°- A CMF alertou para o facto de o edifício em causa já não apresentar condições de segurança e depois decretou a desocupação coerciva do mesmo por entender que o único processo de recuperação viável será demolir e reconstruir, de novo, o interior da casa arrendada.

26°- Entre 10 e 14 de Março de 2003, após o tribunal o ter ordenado, a requerida, sem um projecto previamente elaborado, mandou operários para a casa do requerente os quais se limitaram a tapar fendas e buracos com cimento e aglomerado de cartão e platex não respeitando os materiais de construção originais e sem reparar desempenar previamente as estruturas subjacentes, com o esclarecimento de que tais obras, embora não concluídas, foram consideradas inadequadas pelos peritos nomeados na acção principal.

27°- A habitação facultada pela requerida ao requerente é um apartamento de sessenta metros quadrados, mobilado, com quatro assoalhadas, cozinha e casa de banho, situado […] a cerca de 4Km da habitação do requerente.

28°- A habitação inicialmente facultada pela requerida ao requerente tem uma renda de € 690 mensais.

29°- A referida habitação não tem espaço suficiente para comportar todos os pertences do requerente.

30°- Na sua casa […] para uso próprio e do respectivo agregado familiar, o requerente dispunha de 6 quartos, 2 salas, 2 casas de banho, uma cozinha, duas arrecadações e um jardim com diversas plantas, árvores de fruto, espaço para cães, gato, gaiolas com pássaros, tudo distribuído por 230m2 de área coberta e 81 m2 de logradouro.

31°- Há dois anos o requerente encontrou disponível, embora agora já não esteja, uma casa situada […]na cidade do Funchal, composta por 6 quartos, 2 salas, 2 casas de banho, armazém e jardim , a cerca de 10 minutos, a pé, […] com uma renda mensal de E1.500.

32°- A casa onde habitava o requerente situa-se no denominado Núcleo Histórico de Santa Maria.

33°- O prédio em causa tem mais de cem anos.

34°- O prédio em causa não é pintado há vários anos.

35°- As janelas do prédio estão em mau estado de conservação.

36°- As portas do prédio têm brechas.

37°- Existe um conflito entre o requerente e o senhorio.

38°- A requerida proporcionou uma casa ao requerido a fim de este lá permanecer enquanto decorressem as obras no prédio.

39°- O requerente e os seus familiares, por vezes, deslocam-se ao prédio em questão.

40°- No âmbito da anterior providência cautelar, o tribunal ordenou uma inspecção à casa onde vivia o requerente.

41°- Na sequência dessa vistoria a requerida começou a realizar as obras de reparação acima já referidas, no prédio onde vivia o requerente.

42°- Ficou ainda decidido que após essas obras, três peritos confirmariam com nova inspecção se a obra em causa estava ou não em condições de ser habitada.

43°- A partir de cerca altura, o requerente deixou de abrir a porta do prédio ou de entregar as chaves do prédio aos trabalhadores da requerida impedindo esta de continuar os trabalhos que iniciara.

44º- No âmbito da referida providência cautelar, a requerida requereu a notificação do requerente para que este entregasse as chaves da casa em questão no tribunal e o requerente não o fez.

45°- Algumas vezes, os trabalhadores da requerida esperaram fora do prédio para que lhes abrissem a casa do requerente

Apreciando.

São as conclusões que delimitam o objecto do recurso – art.º 684,nº3, e 690,nº4, do CPC.

 Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal pode o lesado, bem como aqueles que lhe podiam pedir alimentos  ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, requerer arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.

Igual faculdade é reconhecida àqueles cuja pretensão indemnizatória se funde em dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.

São requisitos para o exercício deste direito: quando se verifique situação de necessidade em consequência dos danos sofridos, estando indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.

O que pagar, por este modo, será levado em conta ao requerido no montante indemnizatório definitivo.

Este montante tem de ser fixado pelo tribunal com critério de equidade.  

No caso vertente o requerido provocou danos, com obras que fez, junto da casa de que é arrendatário o requerente.

A casa ficou em tal estado que não era possível continuar habitá-la e consequentemente a ser usada pelo requerente, enquanto arrendatário, mantendo-se aí a residir.

O requerido, assumindo essa responsabilidade, arranjou um apartamento  para onde o deslocou e onde passou a residir o requerente. Sempre pagou a renda desse apartamento, durante quase três anos.

Iniciou obras no locado e apesar de as querer continuar para as terminar, foi impedido pelo arrendatário que deixava os operários à porta, não lhes  facultava a chave, para poderem entrar realizar e concluírem as mesmas.

O requerido ao fim de quase três anos de encargo com a renda que passou a suportar, impedido de realizar as obras, deixou de pagar a renda da casa para onde foi residir o requerente transitoriamente.

Na decisão impugnada, decidiu-se que estava obrigado a continuar a suportar a renda dessa casa.

Mas, como defender esta tese, em face do comportamento do arrendatário que se opôs a que as obras fossem terminadas?

Mesmo que se entendesse, que não estavam a ser efectuadas com o rigor exigido, devia deixar que fossem terminadas, para a final os peritos avaliarem se estavam ou não em condições, permitindo concluir pela habitabilidade do locado.

O que não é aceitável é a conduta do requerente  que com a sua falta de colaboração,  está a prolongar no tempo o solucionar da situação de que o requerido foi culpado. Mas, de forma inaceitável, uma vez que, com a sua conduta, ficamos numa situação sem fim à vista. Se as obras não forem permitidas e efectuadas ficamos perante um prolongar sem fim da situação. O requerido que pretende pôr fim à situação que ocorreu, já iniciou obras e pretender terminá-las, como referiu nunca se recusou solucionar o problema, estamos perante uma situação que não tem fim, ficando obrigado a pagar indefinidamente uma renda de uma casa nova, onde o requerente tem melhores condições de  habitabilidade do que no arrendado alguma vez poderá ter. Mas, o requerido não é o locador do requerente.

Analisando o que resulta dos factos provados:

43°- A partir de cerca altura, o requerente deixou de abrir a porta do prédio ou de entregar as chaves do prédio aos trabalhadores da requerida impedindo esta de continuar os trabalhos que iniciara.

44- No âmbito da referida providência cautelar, a requerida requereu a notificação do requerente para que este entregasse as chaves da casa em questão no tribunal e o requerente não o fez.

45°- Algumas vezes, os trabalhadores da requerida esperaram fora do prédio para que lhes abrissem a casa do requerente.

O requerido desde o início disponibilizou um apartamento cuja renda pagou sempre, quase três anos. Já suportou perto de € 20.000,00  de renda pelo apartamento onde vive o agregado familiar do requerente.

Não sabemos se as obras eram inadequadas, pois não foram terminadas, por culpa do requerente, e em condições de ser utilizado o locado, não esquecendo que o prédio tem mais de cem anos. Mas, só após a sua conclusão, se podia concluir positivamente ou negativamente, não sabemos, por culpa do requerente que se opôs ao seu acabamento, impedindo a entrada dos trabalhadores, que aí estavam a trabalhar. O requerido não se furtou à realização das obras necessárias, para deixar o locado habitável. Mas se a conclusão era de que no final não era habitável, não é o inquilino  que tem os poderes de senhorio.

O prédio onde vivia tinha mais de cem anos e sem qualquer  manutenção há muitos anos, pagando uma renda que era de  € 4,99.

O requerente não é o proprietário do imóvel, uma vez que, pagava renda pela sua utilização. Nestes autos de arbitramento, com função provisória, são dependentes de  uma acção que tem de intentar, para se ressarcir dos danos e transtornos que teve com as obras, no local onde vivia e do qual é arrendatário. Ora bem, ele não sendo o proprietário do imóvel, tem-se comportado como se o fosse, só o dono pode exigir a reparação do imóvel.

Desconhece-se qual a posição do senhorio, que não apareceu nos autos e dele não há sinal

É o locador que tem de ser confrontado com a sua habitabilidade, para o futuro ou não. Consequentemente só após essa decisão se é de manter ou não o arrendamento.

Se a casa tivesse sofrido uma derrocada por causa de força maior, não se discutia o seu direito ou não ao arrendado. O danos do requerido são os resultantes do incomodo de ficar sem poder utilizar o arrendado, pode obter a reparação dos danos, mas não são certamente os emergentes do direito de propriedade.  O requerente estava a pagar  €4,99 de renda. O senhorio se não tiver condições económicas, com esta renda não pode suportar as obras de manutenção e esta casa como tantas outras acabam demolidas, tal é o estado de degradação a que chegam.

O agravante assumiu inicialmente o pagamento da renda da casa que lhe arranjou e liquidou rendas no valor de €20.000. Perante a conduta do inquilino que se opõe e torna impossível a reparação do locado, por culpa sua, não se justifica que continue obrigado a suportar tal encargo o requerido, ora agravante, após estes factos.

Não sendo o proprietário, na acção que intentar, apenas pode pedir para se ressarcido dos danos que lhe foram causados, enquanto e como inquilino.

Se o prédio fica  habitável ou não, são danos do proprietário. As relações do requerente com o imóvel, estão dependentes das que foram estabelecidas pelo senhorio do imóvel, no seu contrato de arrendamento. Não pode comportar-se como dono do imóvel, uma vez que dele só tem o uso e  nas condições em que lhe foi cedido no contrato de arrendamento.

A doutrina do abuso de direito tem, para o Prof. Manuel de Andrade, a função de obstar a "injustiças clamorosas", a que poderia conduzir, em concreto, a aplicação dos comandos abstractos da lei.

E assim, para este Professor, haverá abuso de direito quando um certo direito, admitindo como válido em tese geral, surge, num determinado caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante.

No mesmo sentido o Prof. Vaz Serra, para quem "de um modo geral, há abuso de direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante".

Diferente é a concepção do Prof. Castanheira Neves.

Para este autor, o abuso de direito traduz-se num "comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica - por não contrariar a estrutura formal - definidora de um direito, à qual mesmo externamente corresponde - e, no entanto, viole ou não cumpra, no sentido concreto - materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício".

Para outro ilustre Professor, Orlando de Carvalho, a questão situa-se em saber se o uso do direito subjectivo obedeceu ou não aos limites do poder de autodeterminação, o qual existe apenas para se prosseguirem interesses, não para se negarem interesses, sejam próprios ou alheios. Quando os direitos subjectivos, que são os instrumentos desse poder de autodeterminação - e, nessa medida, instrumentos de afirmação de interesses - são utilizados para fim diverso, há abuso de direito.

"O abuso do direito é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de se usar dele. Mas, como é sabido, o princípio tem consagração legal no nosso direito positivo, repousando no seio do artigo 334 do Código Civil. Nele se dispõe que "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

A boa fé pode entender-se num duplo sentido: ou como estado ou situação de espírito,.

O valor que foi liquidado é elevado e representativo dos danos que o requerente tem de provar na acção declarativa, onde tem de ser levado em conta. Ou seja, o que pagar, por este modo, será levado em conta ao requerido no montante indemnizatório definitivo a ser fixado a final. E tem de ser fixado pelo tribunal com critério de equidade.

Por fim, sempre a conduta do requerente era de abuso de direito, continuar a receber o valor da renda e opor-se a que as obras fossem realizadas pelo requerido, ora agravante.

Em face do exposto, tem de julgar-se procedente a pretensão do agravante.

Decisão: julga-se procedente o agravo e revoga-se a decisão impugnada.

Custas pelo agravado

Lisboa, 18 de Janeiro de 2007

(Catarina Arêlo Manso)
(António Pedro Lima Gonçalves)
(António Valente)