Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1667/13.5TYLSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
VOTOS FAVORAVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Para a aprovação do plano de recuperação importa que participe nas negociações um número de credores representativo de, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, que formam, assim, a assembleia deliberativa.
- Assim, a aprovação do plano estará sujeita ao voto favorável de mais de dois terços dos créditos que compuseram aquela assembleia, exigindo-se que mais de metade dos votos favoráveis não sejam de créditos subordinados, entendendo-se como tais os enumerados nas alªs do artº 48º - Cfr artigo 212º nº 1 do CIRE.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

C... veio requerer o presente processo especial de revitalização, manifestando a vontade de encetar negociações conducentes à revitalização por meio da aprovação de um plano de recuperação, indicando como administrador judicial provisório Pedro Ortins Bettencourt.

O credor L... assinou a declaração de início do processo especial de revitalização a que se refere o nº 1 do artigo 17º-C do CIRE.

Por despacho de 27.09.2013 e em cumprimento do disposto na alª a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, foi nomeado administrador judicial provisório o já mencionado Pedro Ortins Bettencourt

O administrador judicial provisório apresentou a lista provisória de créditos, tendo posteriormente considerado aprovados com o quórum exigível, conducente à revitalização da devedora.

Por despacho de 25.06.2014, o plano não foi homologado, com o fundamento de que não reuniu a votação suficiente para se considerar aprovado.

Não se conformando com tal DECISÃO, dela recorreu a devedora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Sendo o total dos créditos reclamados, de acordo com a lista definitiva de credores de € 520.076,56 e tendo votado o plano de revitalização, no prazo legalmente estabelecido para a votação, os credores cuja soma dos créditos perfazem a quantia de € 308.021,72 deverá julgar-se aprovado o referido plano e concomitantemente deverá o mesmo ser homologado, tal como decorre das disposições conjuntas do nº 3, do artigo 17º-F, do CIRE e do nº 1, do artigo 212º, ambos do CIRE.

2ª - A aprovação do plano de recuperação exige, primeiramente, um quórum de, pelo menos, um terço da totalidade dos créditos com direito a voto, e, secundariamente, uma maioria dupla, isto é, o plano para ser aprovado deverá recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados (não se considerando como tal as abstenções).

3ª - É pois neste sentido que deve ser interpretada, a remissão operada pelo nº 3, do artigo 17º-F, para o nº 1, do artigo 212º, ambos do CIRE, pelo que ao interpretar esta remissão do modo como fez, o tribunal recorrido violou as referidas normas.

Termina, pedindo que seja revogada a decisão de não homologação proferida pelo tribunal «a quo» e, na sequência, ser o plano de recuperação apresentado pela devedora, ora recorrente, e votada com participação de mais de um terço da totalidade dos créditos com direito a voto, e aprovada por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, e por mais de metade dos emitidos correspondem a créditos não subordinados, ser considerado aprovado e, consequentemente, homologado.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto

Mostra-se assente a matéria de facto constante do relatório que antecede.

B) Fundamentação de direito

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se o plano reúne votação suficiente para ser aprovado e homologado.

Cumpre decidir.

O processo especial de revitalização (PER) foi introduzido no CIRE de forma inovadora, pela Lei 16/2012, de 20 de Abril que determinou o aditamento àquele código de um capítulo (com a epígrafe “Processo Especial de Revitalização”) contendo os artigos 17º-A a 17º-I, nos quais foi estabelecida a respectiva regulamentação jurídica tida por indispensável perante o volume de insolvências em Portugal, em ambiente de crise económica e financeira em que o país mergulhou.

Assim, em contexto de ajuda externa, assumido o “Memorando de Entendimento”, celebrado entre o Estado português e organismos internacionais (CE, BCE e FMI), veio o Governo de Portugal a aprovar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25-10, definindo diversos “Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores”.

Nessa sequência, seria então desencadeado o processo legislativo que conduziu à entrada em vigor da dita Lei 16/2012, cuja alteração ao artº 1º nº1 do CIRE veio apontar como preferencial a via da recuperação das empresas - em detrimento da via, anteriormente preponderante, da liquidação do património dos devedores –, excepto se tal não se afigurar possível, prevendo-se agora no nº 2 do mesmo dispositivo legal que, em caso de situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, possa o devedor requerer a instauração do processo especial de revitalização de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I.

Quis, pois, com significado de monta, privilegiar-se a finalidade de reestruturação da empresa relativamente à satisfação dos credores: enquanto na versão originária do CIRE se privilegiou a finalidade de liquidação do património do devedor insolvente, atendendo ao interesse dos credores, estes a serem satisfeitos com o produto obtido, agora visa-se em primeiro plano a recuperação da empresa, com indirecta satisfação dos seus credores, face à retoma por aquela da sua actividade normal para obtenção de resultados positivos[1].

A conclusão a retirar nesta sede é, pois, inequivocamente, a de que se quis privilegiar, neste contexto de crise e “morte”/extinção de empresas, a recuperação das empresas, designada por “revitalização”, partindo-se para o “primado da recuperação sobre a liquidação”[2].

No nº 6 in fine do preâmbulo do DL 53/04 fez-se constar que:” Não valerá, portanto, afirmar que no novo Código é dada primazia à liquidação do património do insolvente. A primazia que efectivamente existe, não é demais reiterá-lo, é a da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.

Estatui o artº 17-A nº 1 do CIRE, introduzido pela Lei 16/2012, de 20/04 que o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

E o artigo 17º-C preceitua o seguinte:

1- O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3 - Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos:

a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações;

….

O processo especial de revitalização, visa a viabilização ou recuperação do devedor, que é agora elevada a fim essencial do CIRE. Assim, sendo despoletado o PER, ao mesmo deve ser conferida relevância e protecção, por referência a outras acções que contendam com o património do devedor e, a fortiori, relativamente ao próprio processo de insolvência, o que transparece do disposto no artº 17º- E.

Desde logo do seu nº1 quanto à generalidade das acções, o qual estatui que:

“A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C - nomeação do administrador provisório - obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

E, bem assim, do seu nº 6, no que respeita ao processo com pedido de declaração de insolvência:

“Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação”.
Nos termos do disposto no artº 17º-F nº 3 do CIRE, considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no nº 1 do artº 212º do CIRE, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artº 17º-D.

A maioria dos votos prevista no artº 212º nº 1 é de 2/3, metade dos quais correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

Sendo o quórum deliberativo calculado com base, no caso, na lista provisória de créditos que foi publicada e que foi convertida em definitiva, o plano junto só pode considerar-se aprovado caso tenham votado favoravelmente credores cujos créditos perfaçam 2/3 da totalidade dos créditos constantes daquela lista.

No caso dos autos, seguindo o figurino adoptado pelo legislador, a devedora C..., acompanhada pelo seu credor L..., em declaração escrita, manifestou a vontade de se encetarem negociações para revitalização da devedora através da aprovação de um plano de recuperação (artº 17º - C nº 1) perante o que o tribunal nomeou logo administrador judicial provisório (nºs 3 e 4 do mesmo artigo).

Não foi homologado o plano de recuperação aprovado (nºs 1, 2, 3 e 5 do artº 17º-F), com o fundamento de que a aprovação não incorporava a maioria de votos legalmente prescrita.

Antes da análise da questão referente ao quórum deliberativo convém relembrar que o PER visa a viabilização ou recuperação do devedor, com a sua revitalização/recuperação a ser agora elevada a fim essencial do CIRE, tudo apontando e obrigando no sentido de que, “… em sede de recusa da homologação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, há-de forçosamente o Juiz atender ou pelo menos não menosprezar o favor debitoris, ou seja, ter de alguma forma presente o desiderato do PER em sede de revitalização do tecido empresarial, apenas lhe estando vedado contemporizar com violações de normas imperativas e que comportem a produção de um resultado de todo não autorizado pela lei”[3].

Por outras palavras, “a instituição deste tipo de processo representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor”, tratando-se “de um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual”[4].

Para a aprovação do plano de recuperação importa que participe nas negociações um número de credores representativo de, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, que formam, assim, a assembleia deliberativa.

Assim, a aprovação do plano estará sujeita ao voto favorável de mais de dois terços dos créditos que compuseram aquela assembleia, exigindo-se que mais de metade dos votos favoráveis não sejam de créditos subordinados, entendendo-se como tais os enumerados nas alªs do art.º 48º - Cfr artigo 212º nº 1 do CIRE.

O plano de recuperação considera-se aprovado se se verificarem os seguintes requisitos, previstos no nº 1 do artigo 212º, aplicável pela remissão operada pelo nº 3 deste artigo: (i) participação na reunião de credores que representem pelo menos um terço do total dos créditos com direito de voto; (ii) votação favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções; (iii) votação favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções” [5].

Carvalho Fernandes e João Labareda ensinam que “ as coisas passam-se agora de maneira distinta, optando a lei por estabelecer uma fatia mínima de créditos cujos titulares devem necessariamente estar presentes ou representados na assembleia para que ela possa funcionar (deliberar) sendo o quórum deliberativo fixado sempre em relação percentual com o total de créditos que, em cada caso, se perfila na assembleia. A consequência é, evidentemente, a de que não há, com relação à totalidade dos créditos, uma percentagem uniforme exigida para a aprovação das propostas[6].

Por outro lado, preceitua o nº 2 alª a) do artigo 212º do CIRE que não conferem direito de voto, os crédito que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.

 No caso concreto há que verificar se existe o quórum de aprovação do PER que é de 2/3 de votos favoráveis sobre o total da lista definitiva de créditos reclamados. 

A decisão recorrida entendeu que não, dizendo expressamente o seguinte:

“Sendo o quórum deliberativo calculado com base, no caso, na lista provisória de créditos que foi publicada e que por não ter sido objecto de impugnações foi convertida em definitivo, o plano junto só pode considerar-se aprovado caso tenham votado favoravelmente credores cujos créditos perfaçam 2/3 da totalidade dos créditos constantes daquela lista: € 346.717,70, tendo em conta que os créditos reclamados perfazem o total de € 520.076,56.

Visto o documento elaborado com o resultado da votação, vemos que votaram favoravelmente credores que representam um total de € 308.021,72. 

Ora, nos termos do disposto no citado art. 17-F nº3 do CIRE, o plano de recuperação apenas se consideraria aprovado caso tivessem votado favoravelmente credores representando € 346.717,70, o que não ocorreu”.

Nas alegações refere a devedora, ora apelante, que o plano deve ser aprovado, pois o tribunal recorrido violou as normas previstas nos artigos 17º F nº 3 e 212º ambos do CIRE.

Cumpre decidir.

Mostra-se provado que os créditos reclamados perfazem o total de € 520.076,56, tendo votado favoravelmente os credores que representavam apenas o montante de € 308.021,72.

Ora para que o plano possa ser aprovado, sobre o referido montante de € 520.076,56, são necessários 2/3 de votos favoráveis, no montante de € 346.717,70, o que não ocorreu.

Nesta conformidade, merece improceder a apelação.

SÍNTESE CONCLUSIVA

- Para a aprovação do plano de recuperação importa que participe nas negociações um número de credores representativo de, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, que formam, assim, a assembleia deliberativa.

- Assim, a aprovação do plano estará sujeita ao voto favorável de mais de dois terços dos créditos que compuseram aquela assembleia, exigindo-se que mais de metade dos votos favoráveis não sejam de créditos subordinados, entendendo-se como tais os enumerados nas alªs do artº 48º - Cfr artigo 212º nº 1 do CIRE.

- Mostrando-se provado que os créditos reclamados perfazem o total de € 520.076,56, tendo votado favoravelmente os credores que representavam apenas o montante de € 308.021,72, para que o plano possa ser aprovado, sobre o referido montante de € 520.076,56, são necessários 2/3 de votos favoráveis, no montante de € 346.717,70, o que não ocorreu.

III - DECISÃO

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 29-01-2015

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais

Isoleta de Almeida Costa


[1] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, Ana Prata e outros, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 07.
[2] Vide Rui Pinto Duarte, “A administração da empresa insolvente: ruptura ou continuidade”, in I Congresso da Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 161, citado por Ana Prata e outros, op. cit., pág. 08.
[3]Ac. RG de 04.03.2013, Proc. 3695/12.9TBBRG.G1, in www.dgsi.pt.
[4]AC. RG de 18.12.2012, Proc. 2155/12.2TBGMR.G1 in www.dgsi.pt.
[5]              Ob. cit. Pág. 67
[6]  Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2005, Vol II, pág. 110.