Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
341/06.3TBPDL-A.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
DIVÓRCIO
PARTILHA
CONTRATO-PROMESSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: INCIDENTE(QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO)
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A escusa de prestação de informações bancárias não é um direito absoluto, devendo ceder nos casos em que está em causa a realização da justiça.

II. Nos casos de execução de um contrato promessa de partilha, na sequência de divórcio, é essencial apurar-se os valores/bens existentes à data da dissolução do casamento e/ou constantes do contrato promessa celebrado.

III. O conhecimento de tais valores é essencial para poder ser executado o contrato promessa de partilha celebrado entre as partes e de as mesmas estarem numa posição de igualdade no processo e na vida. Estando estes interesses subjectivos cobertos pela tutela jurisdicional, negar tal direito seria, no caso, legitimar a sonegação de bens, assim subvertendo os próprios princípios que norteiam a realização da justiça.

(sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I. RELATÓRIO

No âmbito de acção ordinária de execução específica de contrato-promessa de partilha instaurada por C contra sua ex-mulher e ora Requerente, D, veio esta última pedir que o Tribunal solicitasse informações bancárias, no caso, para prova de factos que integram a Base Instrutória proferida nos autos. O Requerido opôs-se à prestação de tais informações e a entidade bancária solicitou a indicação de diploma legal que determinasse a dispensa do dever de guarda e sigilo bancário.

O Sr. Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu despacho em que determinou a extracção de certidão de peças do processo para instruir o competente incidente para conhecimento do levantamento do segredo bancário a ser conhecido no Tribunal da Relação de Lisboa, em conformidade com o estatuído pelo art. 79.º, n.º 2, al. d) do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FACTOS PROVADOS

1. Requerente e Requerido encontram-se divorciados um do outro, por sentença transitada em julgado.

2. Após o divórcio, Requerente e Requerido celebraram contrato-promessa de partilha dos bens do ex-casal.

3. No âmbito da presente acção, e para efeitos de prova dos factos alegados e constantes da Base Instrutória, a Requerente requereu ao Tribunal que solicitasse ao Banco informação sobre a titularidade de aplicações financeiras e respectivos valores respeitantes ao Requerido, em 15 de Setembro de 2001 e que fazem parte do acervo a partilhar em sede de contrato promessa.

4. O Requerido opôs-se à prestação de tais informações bancárias.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Decretado que foi o divórcio entre Requerente e Requerido, em acção de divórcio, cumpriria proceder à partilha do património comum, adjudicando a cada um deles, salvo convenção em contrário, metade do respectivo acervo patrimonial – arts. 1788º e 1689º/1 do CC.

Para além dos créditos a relacionar, há também as dívidas dos cônjuges, quer entre si, quer para com terceiros, limitadas à data da propositura da acção de divórcio e que, salvo disposição em contrário, são da responsabilidade de ambos os cônjuges.

Também os créditos que cada um dos cônjuges detém sobre o outro, no que se refere ao “adiantamento” de pagamentos de dívidas comuns, são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum e, nessa medida, devem ser considerados – art. 1689º/3 do CC.

Aprovada a dívida, apenas em parte, compete a quem a aprovou resolver a forma do seu pagamento de modo a que no despacho determinativo da partilha possam ser consideradas as dívidas a abater no activo – art. 1375º/2 do CPC.

As dívidas deduzíeis são as aprovadas por unanimidade e aquelas que o juiz tenha verificado. Tratando-se de dívida aprovada por uns mas rejeitada por outros interessados, o passivo correspondente não se abate no património, cumprindo, apenas, ao Tribunal, reconhecer judicialmente essa dívida, na respectiva quota-parte, na sentença de partilha a proferir, condenando o interessado que a aprovou no seu pagamento, e conhecendo da sua existência na parte remanescente – arts. 1356º e 1355º do CPC.

No presente caso estamos perante a execução de um contrato promessa de partilha na sequência de divórcio sendo, assim, essencial apurar-se os valores/bens existentes à data da dissolução do casamento e/ou constantes do contrato promessa celebrado.

É neste contexto que surge o pedido formulado pela Requerente de informações bancárias ao Banco e ao qual o Requerido se opôs.

Esta entidade bancária também se recusou a prestar a informação solicitada pelo Tribunal invocando, para o efeito, o dever de guarda e sigilo bancário constante do artigo 78.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, em que se dispõe:

“os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviço a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.

Trata-se, assim, de saber se a recusa do Banco ao não prestar os elementos bancários pedidos pelo Tribunal de 1.ª Instância, está ou não legitimada, nos termos do artigo 519.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Civil ou se, pelo contrário, estando as entidades bancárias também vinculadas ao dever de colaboração no âmbito da prova, devem prestar a informações solicitada.

Ora, a escusa de prestação de informações não é um direito absoluto, devendo ceder nos casos em que está em causa a realização da justiça. Como lapidarmente é afirmado no Ac. do STJ de 14.Janeiro.1997, no BMJ 463, pág. 472: “esse direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto, de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra o “civilizado” artigo 1.º do Código de Processo Civil, se privilegiasse a “justiça” privada) ou, por exemplo, o dever de colaboração, tradicional no processo civil português”.

E é essa a situação em apreciação. Com efeito, para decisão da presente causa é necessário a correcta identificação das contas e valores existentes na conta do Requerido, como forma de poder ser executado o contrato promessa de partilha celebrado entre as partes e de as mesmas estarem numa posição de igualdade no processo e na vida, sendo este o único meio de que a Requerente pode dispor para realizar os seus interesses subjectivos que, como já acima se deixou expresso, têm tutela jurisdicional. Negar-lhe tal direito seria, no caso, legitimar a sonegação de bens, assim subvertendo os próprios princípios que norteiam a realização da justiça.

Essa é, aliás, a razão pela qual é o citado DL 298/92 vem afirmar, no seu artigo 79.º, alínea d), que os factos sujeitos a sigilo sempre poderão ser conhecidos nos termos previstos na lei penal, lei processual penal bem como do processo civil, por remissão daquele.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, autoriza-se a quebra de sigilo bancário devendo o Banco prestar as informações solicitadas pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Maio de 2009

Dina Maria Monteiro
Isabel Salgado
Conceição Saavedra