Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8625/10.0TBCSC.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RESOLUÇÃO
NÃO USO DO ARRENDADO
CASO DE FORÇA MAIOR
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Sendo o contrato de locação um contrato sinalagmático, da sua celebração nascem obrigações que se encontram unidas umas às outras por vínculos de reciprocidade ou interdependência.
2. A obrigação de habitar permanentemente o arrendado, que recai sobre o locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa.
3. Se o arrendado se tornar inabitável devido a falta de obras de conservação e/ou reparação por parte do senhorio, o inquilino está exonerado do dever de nele habitar de forma permanente.
( Da Responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. A , instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra B e mulher, C , peticionando que se declare resolvido o contrato de arrendamento em causa nos autos e se condenem os réus a entregar imediatamente ao autor o locado, livre de pessoas e bens, bem como a condenação daqueles na sanção pecuniária compulsória de €60,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega que vier a ser decretada por sentença.
Alegou, em síntese, ser proprietário de fracção autónoma designada pela letra "B", do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua de ….., freguesia do Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número 0000, imóvel que adquiriu por doação celebrada em 25/08/2005; que o anterior proprietário celebrou com o réu em 11 de Janeiro de 1977 um contrato de arrendamento para habitação; e que os Réus não residem no locado desde pelo menos 2004.
Citados os Réus, vieram estes contestar, deduzir reconvenção, e peticionar a condenação do autor como litigante de má fé.
Na contestação alegaram, em síntese, que efectivamente não habitam o imóvel, mas que tal facto se deve à falta de condições de habitabilidade do mesmo, por se encontrar muito degradado e necessitado de obras; que a causa da falta de residência no locado é imputável ao autor; que várias vezes ao logo do tempo instaram o proprietário do imóvel para que fizesse obras adequadas a tornar o mesmo habitável; que a Câmara Municipal de Cascais concedeu ao autor um prazo para realizar as obras de conservação necessárias à correcção das más condições de salubridade/segurança; que só no ano de 2009 o autor iniciou as obras, numa altura em que os réus já tinham ido morar temporariamente para uma casa da sua filha; que no dia 13 de Novembro de 2009 constaram que as fechaduras do portão, do arrendado e da caixa do correio tinham sido mudadas; e que apesar de terem solicitado a entrega das chaves, não obtiveram êxito.
Na reconvenção, os réus peticionaram a condenação do autor a entregar-lhes provisoriamente o locado e, subsidiariamente, a condenação deste a entregar-lhes, a final, o dito imóvel.
Alegaram, em suma, que as obras foram concluídas, o que foi oficialmente comunicado aos réus pela CM de Cascais em 16/06/2010; que o facto de ainda não terem reocupado o locado deve-se ao autor; por este não lhes facultar as novas chaves do imóvel; e que se justifica que o tribunal decrete desde já a restituição provisória do arrendado.
Por fim peticionaram a condenação do autor como litigante de má fé numa indemnização não inferior a € 25.000,00.
O Autor respondeu à contestação, afirmando, em síntese, que o estado de degradação do locado alegado pelos Réus como motivo justificante do não uso do imóvel se deve precisamente àqueles, ou seja, ao seu não uso desde 2002; que os Réus se recusaram a pagar a renda do imóvel actualizada ao valor de €889,95, correspondente à renda legalmente exigível depois da feitura das obras, motivo pelo qual se recusou a entregar as chaves do locado, assim exercendo excepção de não cumprimento de contrato; que a renda anterior era do montante mensal de €35,00; que gastou na recuperação do locado €40.860; que a Câmara Municipal de Cascais fez uma vistoria às obras, não tendo recebido desta qualquer comunicação oficial a aprovar essas obras e a atestar da sua conformidade com as regras legais e municipais, pelo que também por este motivo não entregou as ditas chaves.
Oportunamente foi proferido despacho saneador, no qual se indeferiu liminarmente a restituição provisória da posse e se admitiu a reconvenção, tendo sido dispensada a elaboração da Base Instrutória.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e foi declarado resolvido o contrato de arrendamento em causa nos autos, tendo, no demais, sido julgados improcedentes os demais pedidos formulados pelo autor e o pedido de restituição do locado formulado em via reconvencional pelos réus .
Inconformado, veio o réu interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
A) Ao caso em apreço não se aplica, nem sequer foi invocado, o regime da força maior para justificar a falta de habitação do arrendado.
B) No caso em apreço, trata-se da impossibilidade de habitar o arrendado por incumprimento do recorrido, tem assim cabimento, neste caso, o recorrente locatário invocar a exceptio non adimpleti contractus consubstanciado no não uso do locado por falta de condições de habitabilidade imputável ao locador. Com efeito,
C)Nos termos do art.º 1031° al. b) do CC, é dever do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para fins a que se destina, considerando o contrato não cumprido quando o vício da coisa locada não for removido pelo locador ­artº1032° al. b).
D)Neste caso existe incumprimento se o vício for devido a culpa do locador.
E) Apurou-se que, pelo menos, desde 2004 que o recorrido tinha conhecimento dos vícios que impediam o gozo do arrendado, não sendo exigível, na actual sociedade moderna que um locatário seja obrigado a viver numa habitação onde o telhado deixa repassar água para o interior do locado, provocando infiltrações de água no tecto, paredes e chão do locado, e que foi exigida a remoção desses vícios.
F) Não obstante ter sido exigida a remoção dos vícios que também foram objecto de relatório efectuado no processo de realização de obras coercivas promovido pela Câmara Municipal de Cascais, o recorrido não o fez voluntariamente, apenas vindo-o a fazer depois de ser notificado pela Câmara Municipal de Cascais para a realização coerciva de obras no locado.
G) Ainda assim, usou de todos expedientes para prorrogar o início das obras.
H) Pelo exposto, a falta de residência permanente é justificada e é única e exclusivamente recorrido, imputável ao Autor.
I) Que agiu culposamente, designadamente "arrastando" as negociações e deixando correr o tempo e prorrogações para iniciar as obras.
J) Porém, o recorrente e a sua esposa não são obrigados a ter que viver eternamente na casa da sua filha, aliás, casada, e que entretanto teve dois filhos, pelo que o espaço que possa ter disponível em sua casa deve reserva-lo aos seus filhos e não aos seus pais.
L) Após a conclusão das obras o recorrido comunicou o aumento da renda, direito que lhe assiste por lei.
M) O recorrente não nega esse direito, mas o mesmo terá que ser aplicado faseadamente nos termos da lei, não sendo, aliás, esta questão objecto do presente processo, mas revela a bondade da conduta do recorrente e a má fé do recorrido.
N) Após a realização coerciva das obras, o recorrido tem-se recusado a entregar as chaves do locado, pelo que após as obras a falta de habitação pelo recorrente é única e exclusivamente imputável ao recorrido que, voluntária e culposamente, impede o gozo da coisa locada.
O) Atenta a matéria dada por provada é por demais evidente que o recorrido tem vindo a agir de má fé, com intuito de, culposamente, adiar e impedir, injustificada e culposamente, o gozo da coisa locada ao recorrente.
P) Pelo exposto, deve pois ser julgada justificada e procedente a exceptío non adímpletí contractus consubstanciado no direito ao não uso do locado por falta de condições de habitabilidade imputável ao locador e por culpas deste, devendo o recorrido ser condenado a entregar o locado ao recorrente e ser condenado como litigante de má fé.
A sentença recorrida violou pois o disposto nos artºs 1031 al.º b) e 1032° al. b) do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e, em consequência, deve ser proferida decisão que revogue a sentença recorrida, e, em sua substituição, deve ser proferida decisão que declare válido e em vigor o contrato de arrendamento celebrado em 11.01.1977 referente ao 1 ° andar (actual fracção "B") do imóvel sito na Rua de ……, Estoril, Cascais, devendo ainda o recorrido ser condenado nos pedidos reconvencionais.
O autor apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
A) Não foi alegada e, muito menos, provado, qualquer factualidade à luz da qual pudessem os Recorrentes invocar a excepção do não cumprimento, justificadora do seu "direito" a não usarem o locado;
B) Não invocaram factos e muito menos o demonstraram, que demonstrassem que o Recorrido incumpriu com qualquer das suas obrigações derivadas do contrato de arrendamento;
C) Tal como é modelada e justificada pelos Recorrentes, a figura da excepção do não cumprimento não tem qualquer aplicação ou cabimento ao caso dos autos, não sendo licita, em função dos factos dados como provados, a sua invocação em ordem a cobrir e a tornar licito o não exercício de um direito;
D) O não uso do locado só poderia ser considerado como justificado caso existisse uma situação de força maior que perante a sua gravidade, o tornasse lícito;
E) Da grelha de factos dados como provados, resulta claramente que o Recorrido detinha o direito de resolver o contrato por incumprimento imputável aos Recorrentes (art. 1.083°, nºs 1 e 2, al. d) do CC;
F) Os Recorrentes, por sua banda, não lograram provar os factos integradores do eventual direito a excepcionarem o dever de utilização efectiva do locado;
G) Cabia aos Recorrentes a prova dos factos em que se baseava a sua invocada excepção (força maior);
H) Ficou provado que, pelos menos desde 2004, deixaram de utilizar o locado, deixando de nele pernoitar, de nele tomar as suas refeições e de nele fazerem o centro da sua vida habitual;
I) Em 28.08.2006 admitem que a degradação está a tornar o locado inabitável, sendo correcto o entendimento que tal expressão só pode ter o significado de exprimir que determinada situação está em risco de acontecer mas que tal ainda não ocorreu;
L) Face ao não uso do locado e à não verificação de causa que legitimasse o não uso, verifica-se que tal situação de não utilização confere ao Recorrido o direito à resolução do contrato (arts. 432 n2 1 e 1083°, n° 2, al. d) do CC);
M) A sentença recorrida procedeu a uma correcta integração dos factos com o direito, pelo que deverá ser mantida in totum.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1. O Autor é o único proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra "8", do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua de ……freguesia do Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número 0000, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Estoril, pelo artigo provisório P..., com o valor patrimonial de € 106.790,00.
2. O imóvel foi adquirido pelo Autor, por doação do anterior proprietário, Senhor António ….., formalizada por escritura pública de 25/08/2005.
3. No dia 11 de Janeiro de 1977, António …., através do seu então procurador, Senhor Alberto …., celebrou com o Réu B , um contrato de arrendamento através do qual lhe deu de arrendamento a parte do imóvel identificado em 1 correspondente ao primeiro andar, o qual corresponde, quase na totalidade, à actual fracção autónoma designada pela letra "8", destinando-se o locado a habitação própria e permanente do arrendatário.
4. O locado é composto por sala, dois quartos, cozinha, casa-de-banho, copa, varanda coberta, com área de implantação de 184,00, e está integrado num imóvel com jardim, situado na zona mais prestigiada e nobre do Estoril.
5. A renda mensal, então ajustada, foi de 6.500$00 (seis mil e quinhentos escudos).
6. O valor da renda mensal não foi objecto de qualquer actualização, mantendo-se até, pelo menos, 23 de Novembro de 2010, na importância de C 32,42 (trinta e dois euros e quarenta e dois cêntimos).
7. O Réu marido redigiu o escrito que consta de fls. 242 a 244, o qual tem a data de 11/08/2003, onde, além do mais, se lê "(..) a referida moradia está muitíssimo degradada, interior e exteriormente. Os próprios objectos, móveis e quadros, têm vindo a deteriorar-se muito, ano após ano, correndo o risco de se tornar imprestáveis, apesar dos esforços que fazemos e do dinheiro que gastamos para o evitar (. . .). Como expliquei posso iniciar um processo junto da Câmara Municipal de cascais para que sejam feitas obras na casa, para evitar a sua ruína parcial ou total (...).
8. Os Réus não habitam no locado, pelo menos e de forma ininterrupta, desde 2004.
9. Não pernoitam no locado.
10. Não tomam aí as suas refeições.
11. Não fazem do locado o seu centro de vida habitual.
12. Desde 2004 o locado tem sido mantido desocupado não existindo desde essa data até à data da propositura da acção índices relevantes de consumo de electricidade, de água, e telefone.
13. Os Réus desde, pelo menos, 2004, não usam o locado para o fim contratualmente ajustado.
14. Desde pelo menos 2004 o telhado do imóvel deixa repassar água para o interior do locado, provocando infiltrações de água no tecto, paredes e chão do 1.º andar locado.
15. O locado encontrava-se em 2004 num estado acelerado de degradação e inabitado, degradação essa motivada na sua maioria pela falta de estanquicidade do telhado de cobertura, o que fazia com que ocorressem infiltrações de água para os tectos, paredes e chão do locado, degradação essa agravada pela idade avançada do edifício.
16. A degradação acentuou-se ainda mais, no que concerne a danos nas janelas, instalação eléctrica, rede de água, fechaduras, dobradiças e torneiras devido ao não uso do locado pelos Réus a partir dessa data.
17. Os Réus desde pelo menos 2004 que se encontram a morarem numa casa pertença da sua filha …. sita na Rua ……, Alvide, Cascais.
18. Os Réus sempre deram ao Autor como sua morada para efeitos de correspondência a morada do locado.
19. O Autor desconhece o local para onde os Réus foram morar, quando pelo menos a partir de 2004 deixaram de residir no locado. 20. Nunca os RR informaram o Autor do local para onde foram morar após terem deixado o locado.
21. Os Réus nunca chegaram a adquirir o locado.
22. Em data anterior à aquisição pelo Autor do imóvel, o Réu marido enviou ao anterior proprietário uma carta com os dizeres que constam de fls. 129 a 132, onde, além do mais, se lê:
"a) a moradia está, como sabe, completamente degradada. Pedi um orçamento a um construtor de Cascais, que estimou as obras de recuperação num valor de 200.000 Euros(..)
b) (. .. )Eu irei continuar lá a viver até ao fim dos meus dias (não ponho outra hipótese), mesmo com a casa degradada
c) Não me parece que, quer eu, quer o Sr. António ….., ganhemos alguma coisa em continuarmos a prolongar esta situação. É certamente mais vantajoso para os dois chegarmos a um acordo, ainda que menos bom, do que andarmos num litígio sem fim, com o qual ambos perdemos.
d) A indemnização legal que o Senhor teria de me dar para eu sair da casa - se eu aceitasse - e puder vender a qualquer outra pessoa nunca seria inferior a 125000 Euros (= a 143.000 mil dólares = a 25.000 portugueses antigos)
e) Isto significa que mesmo que o Sr. António ….. vendesse o prédio a qualquer outra pessoa, que não a mim, acima do preço por que avaliaram agora (vende-la, por exemplo, por 300.000 Euros = a 390.000 Dólares = a 60/65.000 contos portugueses antigos) e me pagasse a indemnização (25000 contos portugueses) o negócio não seria grandemente vantajoso para si,
f) Assim
1) Proponho comprar-lhe o edifício, tal com ele se encontra, pelo um valor máximo de 195.000 Euros (= a 220.000 dólares = a cerca de 40.000 contos antigos portugueses), suportando eu as despesas com a respectiva escritura.
2)Este valor ser-lhe-á pago em Euros, pela totalidade, no acto da escritura.
3) A transacção - caso o Sr. António …..aceite a minha proposta - será feita de imediato precisarei de cerca de um mês), uma vez que já tenho o financiamento nesse montante assegurado.
( .. )
23. O Autor enviou em 14/10/2004 uma carta ao Réu marido com os dizeres que constam de fls. 147, confirmando na mesma que as rendas respeitantes ao arrendado deverão ser pagas mediante depósito na conta n.º 00000000000 do Banco Millenium - BCP, Lisboa.
24. O Autor adquiriu o imóvel em questão por doação do anterior proprietário e ambos residiam à data da aquisição e residem no Brasil.
25. À data da aquisição pelo Autor o imóvel locado já se encontrava em más condições de conservação.
26. Na data em que o Autor adquiriu o imóvel o telhado do imóvel já repassava água que se infiltrava para os tectos, paredes e chão do 1º andar locado.
27. O Réu marido enviou ao anterior proprietário e ao aqui Autor então representante do proprietário, em 28/08/2006 uma carta com os dizeres que constam de fls. 133 a 146, onde além do mais, o R. marido escreve que:
“(…) 1. envio orçamento no montante global de 48.721,40 Euros (..) para realização da obras mínimas, absolutamente necessárias - conforme se discrimina no referido orçamento – no 1º andar de que sou inquilino e no qual vivo há cerca de 30 anos no prédio de que V.Exa. É proprietário, sito na Rua de ……, Estoril, cuja crescente degradação, como V. muito bem sabe, o está a tornar inabitável - e cujas obras de recuperação, nos termos da lei, são da sua responsabilidade.
2. Informo de que se - no prazo de 15 dias, a contar do envio desta carta por fax, a qual hoje mesmo também segue, registada, pelo correio - não obtiver resposta de V. Ex.ª sobre o imediato início das referidas obras, considerarei que se recusa a fazê-las e irei accionar os instrumentos legais previstos no Novo Regime do Arrendamento Urbano, que entrou em vigor em 26.06.2006, requerendo, num primeiro passo, a realização coerciva de tais obras pela Câmara Municipal de Cascais, e, num segundo passo, exercendo o direito de aquisição, mediante propositura de acção judicial para o efeito (..)"
28. Os Réus remeteram ao anterior proprietário o contrato promessa junto a fls. 195 a 197, datado de 20.10.2004, no qual vem estipulado como preço de venda do imóvel referido em 1. o preço global de €195.000,00 a pagar pelos RR.
29. Em 14/09/2007 o Réu marido requereu na Câmara Municipal de Cascais a vistoria para efeitos do art.º 89.º, do D. L. n.º 555/99 de 16-12, cfr. doc. junto a fls. 47 cujo teor se dá por reproduzido.
30. Em 02-04-2008 a Câmara Municipal de Cascais levou a efeito a vistoria do imóvel tendo a comissão de vistorias lavrado o auto de vistoria cujo teor consta de fls. 48 e 49 emitindo parecer no sentido de no prazo de 60 dias serem efectuadas obras de conservação ordinária de restauro, conservação, limpeza e pintura no locado e de conservação extraordinária de reparação de telhados, varandas e terraços, reparação de pavimentos interiores; reparação de paramentos interiores e exteriores e/ou tectos deteriorados, pinturas e reparação ou substituição de vãos interiores e exteriores.
31. Na sequência dessa vistoria o Autor foi notificado nos termos que constam do despacho cuja cópia consta de fls. 50 para efectuar as obras de conservação referidas em 30. no prazo de 60 dias.
32. Não obstante essa notificação o Autor não executou qualquer obra no referido prazo.
33. A procuradora do Autor, Dr.ª ... solicitou a prorrogação do prazo para a feitura das obras por mais 60 dias, o que foi concedido pelo Chefe de Divisão Administrativa do Urbanismo da Câmara Municipal de Cascais, conforme decorre do documento junto a fls. 54.
34. Porém passaram mais 180 dias depois desse pedido de prorrogação do prazo inicial e as obras não se iniciaram.
35. No dia 14/05/2008, a mandatária do Autor expediu para o Réu marido a carta com o teor de documento de fls. 148, cujo teor aqui se dá por reproduzido
Exmo. Senhor B
Rua …… ESTORIL
CARTA REGISTADA COM A VISO DE RECEPÇÃO
Exmo. Senhor,
Na qualidade de proprietário do imóvel correspondente ao primeiro andar do prédio urbano sito na Rua ….., Estoril, arrendado a V. Exa., venho comunicar que pretendo exercer o direito de exame do locado, consagrado no art. 1038, al. B) do Código Civil.
Nessa medida e para esse feito, deverá V. Exa. facultar o acesso ao locado aos meus procuradores, Sr. Dr. João …. e Sra. Dra. Maria ….., advogados, com domicílio profissional na Rua ….., em Lisboa e, bem assim, aos técnicos que acompanharem qualquer dos aludidos mandatários. Agradeço que, doravante, qualquer correspondência que V. Exa. me queira fazer dirigir, seja remetida directamente para qualquer dos meus Identificados mandatários. O exame ao locado será realizado às 09:00 do próximo dia 27.05.2008. Abstenho-me de relembrar a obrigação legal e contratual que incumbe a V. Exa. de facultar o acesso ao locado aos meus representantes, para além das consequências legais advenientes do incumprimento desse dever legal.
Com os meus cumprimentos
A
36. O Réu apresentou em 19/02/2009 junto do Chefe de Divisão Administrativa do Urbanismo da Câmara Municipal o requerimento junto a fls. 55, cujo teor aqui se dá por reproduzido, requerendo o imediato cumprimento da execução das obras.
37. A procuradora do Autor no início de 2009 encontrava-se no final de uma gravidez, tendo a mesma regressado ao trabalho em Fevereiro de 2010, após licença de maternidade.
38. Depois do parto, pediu a um colega de trabalho, o agora mandatário do Autor, que se encarregasse do dossier em questão.
39. Após a aquisição do locado pelo Autor este acabou por iniciar obras no locado na data referida em 43.
40. Para feitura da obra referida em 41 o imóvel tinha que estar desocupado.
41. O Autor contratou o Engenheiro …. que elaborou o caderno de encargos junto a fls. 145 a 151 cujo teor aqui se dá por reproduzido, nele constando como obras a realizar a colocação de andaimes, a limpeza da cobertura com jacto de água a alta pressão do telhado e chaminés, de modo a remover todos os fungos e líquenes existentes; lavagem com jacto de água a alta pressão de todos os panos de fachada para limpeza de materiais soltos e fungos, limpeza de estores com jacto de água; reparação das zonas danificadas com aviamento prévio, com reboco hidrófugo nas chaminés, fornecimento e montagem de telhas e telhões nas cumeeiras danificadas; reparação de fendas com reboco hidrófugo e aplicação de um esfregaço à base de um cimento em todos os panos das fachadas e chaminés, ao nível da pintura, fornecimento e aplicação de duas demãos de membrana elástica nas fachadas e chaminés; no 1.º andar reparação de fendas com estuque e aplicação de um isolamento antes da pintura em paredes e tecto, fornecimento e aplicação de duas demãos de tinta plástica em paredes e tectos e reparação e afagamento dos pisos danificados. Foi ainda necessário colocar barrotes e ripas novas no telhado junto à chaminé do 1.º andar. A empresa responsável pela feitura das obras foi a “X” - Construção e Recuperação Urbanística, Ldª, cujo sócio gerente é P... ……. .
42. Na data da feitura do relatório de inspecção técnica do edifício realizada pelo Sr. Engenheiro …..em 14/07/2008 o imóvel locado apresentava falta de estanquicidade do telhado de cobertura, sendo que os barrotes junto da chaminé da lareira do 1.º andar se encontravam apodrecidos, várias telhas do telhado partidas, o tecto e paredes da cozinha do 1.º andar locado encontravam-se danificados devido às infiltrações provenientes da cobertura e do tanque de água existente no forro do telhado, que tinha o autoclismo avariado; o tecto e paredes da sala do 1.º andar igualmente apresentavam danos provocados pelo repasse da cobertura junto da chaminé da lareira da mesma; o quarto nascente igualmente apresentava danos devido a infiltrações; Tais danos têm origem na falta de obras de conservação da cobertura, devido à idade do edifício com cerca de 60 anos. O 1.º andar do imóvel apresentava ainda danos nas janelas que não abriam, tinham vidros partidos, e com portadas podres, na instalação eléctrica, na rede de água, nas fechaduras, dobradiças e torneiras. Tais danos têm como causa a idade avançada do edifício aliada à falta de obras de conservação, os quais se têm vindo a agravar devido à falta de uso do imóvel locado, desde pelo menos o ano de 2004.
43. Os Réus não fizeram quaisquer obras no locado.
44. O Autor iniciou obras de recuperação e reparação do arrendado em 25 de Fevereiro de 2009 que se prolongaram até 15 de Maio de 2009 data do auto de recepção da obra, tendo a vistoria final da obra ocorrido em 30/09/2009.
45. A obra iniciou-se em 25/02/2009, com a montagem de andaimes.
46. O telhado teve que ser todo levantado e arranjado.
47.As fechaduras das portas do arrendado foram mudadas no decurso da feitura da obra no locado.
48. O Autor com as obras de conservação executadas na cobertura, fachada e interior do 1.º andar despendeu a quantia de €40.860,00.
49. Em 02/07/2009 o Réu enviou à procuradora do Autor uma carta com os dizeres que constam de fls. 56 cujo teor se dá por reproduzido, requerendo que fosse indicada a data de terminus da obra, para que o R. solicitasse a respectiva vistoria na Câmara Municipal de Cascais e pudesse voltar a habitá-la.
50. Não tendo obtido qualquer resposta a esta solicitação.
51. Em 03/11/2009 o Réu enviou à procuradora do Autor uma carta junta a fls. 62 cujo teor se dá por reproduzido, pedindo, mais uma vez, fosse indicada a data em que terminam as obras para que possa voltar a habitar o 1.º andar. Mais pedindo que, tendo sido mudadas as fechaduras, lhe fossem entregues as respectivas chaves.
52. Em 05 de Novembro de 2009, o Autor, pela mão do seu procurador, remeteu ao Réu marido uma carta com o teor de documento junto a fls. 167, que se dá aqui por reproduzido.
Lisboa, 05 de Novembro de 2009
Exmo. Senhor B
Rua ….. .
2765 Estoril
CARTA REGISTADA
ASSUNTO: Arrendamento do imóvel correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito na Rua de …., no Estoril
Exmo. Senhor B ,
Na ausência da Sra. Dra. Maria …. e em resposta à carta datada de 03.11.2009 que V. Exa. lhe dirigiu, informamos do seguinte:
- devolvemos o cheque nº 0000000000 sacado sobre o MILLENNIUMBCP, no valor de € 140,00, o qual não se encontra assinado pela entidade titular da conta bancária a que esse título se refere;
- como esse cheque não se encontra assinado, não é o mesmo idóneo para o efeito pretendido, pelo que se terá de concluir pela inexistência de pagamento;
- nos termos da cláusula 2ª do contrato de arrendamento, as rendas mensais devem ser pagas até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disserem respeito.
- assim, as rendas relativas aos meses de Setembro, Outubro e Novembro deveriam ter sido pagas, respectivamente, até ao primeiro dia útil dos meses de Agosto, Setembro e Outubro;
- refere o art. 1041 º do Código Civil que, constituindo-se o locatário em mora, o locador tem direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido.
- como V. Exa. não fez cessar a mora nos oito dias posteriores à data de vencimento de cada uma dessas rendas, ficou obrigado ao pagamento da indemnização correspondente a 50% do valor de cada uma delas; O aplicando a aludida regra legal à situação, verifica-se que V. Exa. deve ao nosso cliente e, Sr. A , as seguintes quantias:
Mês Data de vencimento Data de pagamento Valor (€) Valor da Indemnização (€) Total (€)
Setl09 01.08.2009 03.11.2009 35,0017,50 52,50
Outl09 01.09.2009 03.11.2009 35,00 17,50 52,50
Nov/09 01.10.2009 03.11.2009 35,00 17,50 52,50
TOTAIS: 105,00 52,50 157,50
- apesar de não havido qualquer pagamento, lembramos que, de acordo com o nº 1 do art. 785º do Código Civil, quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegar para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital,
- desse modo, o valor de €140,00 seria sempre imputado, em primeiro lugar, às indemnizações devidas e, posteriormente, ao capital em dívida, pelo que V. Exa., ainda ficaria a dever ao nosso cliente a quantia de €17,50, para além da renda relativa ao mês de Dezembro, cuja obrigação de pagamento se venceu no passado dia 01, podendo V. Exa. proceder ao seu pagamento, sem penalizações, no prazo a que alude o art. 1.041º, nº 2 do Código Civil. Caso tal não suceda, ficará devedor, para além do valor da renda, da indemnização correspondente a 50% do valor daquela;
- quanto ao pedido de informação sobre a data em que terminaram as obras, somos a referir que, tendo sido V. Exa. quem solicitou à Câmara Municipal de Cascais a realização de obras coercivas, deverá ser essa entidade quem deverá informar V. Exa. do andamento das mesmas e do seu veredicto quanto à sua execução. Apenas podemos referir que essa edilidade efectuou, recentemente e no que respeita ao processo de obras coercivas, uma vistoria ao imóvel;
- atento o total e absoluto desatino e desacerto da afirmação deverá V. Exa. Abster-se de insistir, teimar e persistir na ideia de que nós causámos a V. Exa. quaisquer prejuízos e que nos irá responsabilizar pelo sucedido. De qualquer forma, ficamos a aguardar, curiosos, a acção que resultar das instruções que V. Exa. forneceu ao seu ilustre advogado;
- aproveitamos para informar V. Exa. que estamos a aguardar que o empreiteiro forneça ao nosso cliente o recibo final do preço por ele pago com a obra de restauro do locado, por forma a solicitar a V. Exa. o respectivo ressarcimento atento ter sido V. Exa. o causador dos danos que obrigaram a essas obras, para além de que iremos desencadear os mecanismos legais tendentes ao aumento da renda em função de obras realizadas.
- finalmente e aproveitando esta via (carta registada), junto remetemos 2.ª via dos recibos solicitados.
Com os meus cumprimentos
53. A referida carta acabou por ser devolvida ao remetente, tendo sido feita a menção no sobrescrito, pelo funcionário dos CTT, que o destinatário (o Réu marido), não tinha atendido nem tinha reclamado a mesma junta da estação do Estoril onde a mesma ficou durante cinco dias úteis, como é do conhecimento geral.
54. A correspondência foi remetida para o endereço fornecido pelos Réus, os quais, na correspondência que remeteram para o Autor, sempre indicaram a morada do locado como aquela para onde devia ser expedida a correspondência.
55. Em 19/11/2009 o Réu enviou à procuradora do Autor uma carta junta a fls. 64, onde se lê:
"1. É V. Exa representante legal - como informou pessoalmente na presença do meu advogado - do Sr. A , residente no Rio de Janeiro (Brasil), proprietário do prédio sito na Rua …., Estoril, de que sou inquilino há mais de trinta anos.
2. Na sequência do pedido de vistoria feito por mim e do despacho exarado pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais determinando a execução de obras no referido prédio por razões de "más condições de salubridade/segurança; as quais se vêm arrastando interminavelmente, tenho estado a viver provisoriamente em casa de uma filha.
3. Entretanto, as fechaduras das portas foram mudadas, alegadamente por causa das obras - o que me impossibilita de entrar na minha residência.
4. Solicitei já a V. Exa que me indicasse uma data para o termo das obras e para a entrega das novas chaves, para eu poder regressar à minha residência. Até hoje, não obtive qualquer resposta.
5. Acresce que, no dia 13 deste mês, quando fui à minha residência buscar o meu correio, tive de saltar o novo portão, também fechado, caindo e ferindo-me. Embora sem gravidade. Como lá vou muito frequentemente, receio que possa a voltar a acontecer.
6. A forma como o representado de V. Exa e alguns dos seus representantes vêm actuando neste caso e o que acabo de relatar, levam-me a temer que estejam a tentar pôr em prática uma política de factos consumados, prática ao que sei; com escola noutras paragens.
7. Nesta conformidade, solicito:
a. Que até ao dia 30 de Novembro de 2009 me sejam entregues as chaves da minha residência. B. Que me sejam enviados os recibos das rendas pagas ao Sr. A por intermédio de V. Exa.
8. Informo que, caso não me sejam entregues as chaves até à referida data, tomarei as medidas adequadas para reposição dos meus direitos e da lei, e reparação dos prejuízos materiais e morais que deliberadamente me têm vindo a causar, responsabilizando pelos mesmos o sr. A e V. Exa enquanto sua advogada e representante legal.
56. O Autor e a sua procuradora não responderam a esta carta.
57. Em 27/01/2010 o Réu enviou nova carta ao Autor com o teor que consta de fls. 70 onde comunica que "l. Aproveitando o pretexto da execução de obras por mim solicitadas e determinadas pela Câmara Municipal de Cascais, o senhorio do 1º andar, sito na Rua de ….,Estoril, morador no Rio de Janeiro - Brasil, que V. Exa representa, mudou as fechaduras, quer da casa, quer do portão, impossibilitando o acesso à minha residência.
2. Mais recentemente, bloqueou a caixa do correio domiciliar, onde recebo a minha correspondência, impedindo que o correio (Finanças, Segurança Social, Bancos, etc) me chegue às mãos, o que já me causou fortes prejuízos.
3. Acresce que V. Exa deixou de me enviar recibos das verbas, em cheques, que lhe tenho enviado para pagar as rendas. 4. Face a este comportamento, do seu representado e de V. Exa comunicou: a. Dei conhecimento ao meu advogado, sr. Dr. José ….., para os competentes procedimentos legais. b. Irei apresentar queixa contra V. Exa. à Ordem de Advogados”.
58. Em 22/02/2010 a representante do Autor enviou uma carta ao Réu com o teor que consta de fls. 72 e seguintes que aqui se dá por reproduzido
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2010
Exmo. Senhor
Sr. José …..
Rua de ..., …..
0000-000 Lisboa
ASSUNTO: Arrendamento do imóvel correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito na Rua ….., no Estoril
Exmo. Senhor Dr. José …..,
Tendo regressado recentemente de licença de maternidade, venho em resposta à carta do Exmo. Senhor B, datada de 27.01.2010, comunicar a V. Exa. o seguinte:
- estando o Senhor B representado , e bem , pelo Senhor Dr. José …., solicito-lhe a gentileza de diligenciar junto do seu constituinte para que este se abstenha de me contactar directamente, quer por telefone, quer por escrito;
- no que respeita às obras que o seu constituinte requereu junto da Câmara Municipal de Cascais, apenas podemos informar, como já fizemos anteriormente, que, tendo sido o Senhor B quem solicitou à Câmara Municipal de Cascais a realização de obras coercivas, deverá ser essa entidade quem deverá informar do andamento das mesmas e do seu veredicto quanto à sua execução. Apenas podemos referir que essa edilidade efectuou, recentemente e no que respeita ao processo de obras coercivas, uma vistoria ao imóvel;
- quanto à caixa do correio, ficamos perplexos com a acusação do seu cliente de que o meu cliente bloqueou a caixa de correio domiciliar. Fica por explicar como pode o meu cliente, vivendo na cidade do Rio de Janeiro, dedicar-se a tal actividade. Não tendo sido o meu cliente, nem o cliente de V. Exa., creio que a única hipótese que alguém de boa fé poderia supor é de se ter tratado de vandalismo ou simplesmente, de publicidade a mais. De qualquer forma, pedimos a V. Exa. o favor de nos indicar quando é ocorreu tal tropelia;
- os recibos referidos na carta em referência foram atempadamente remetidos ao cliente de V. Exa.;
- é falso que não eu responda às solicitações do Senhor B ou às de V. Exa. Até V. Exa. ter sido constituído advogado do Senhor José …. sempre respondi a este, tão prontamente quanto possível, mas nunca deixando de o fazer. Depois dessa data e como é óbvio, deixei de o atender e sempre contactei com V. Exa;
- tendo a consciência absolutamente tranquila quanto a todo este assunto, não tenho qualquer problema no que se refere aos procedimentos legais para os quais o Senhor B terá dado instruções a V. Exa., ficando eu a aguardar, com toda a tranquilidade, a queixa que o cliente de V. Exa. mencionou que iria apresentar junto da Ordem dos Advogados. Finalmente e no que respeita a um possível acordo para o qual V. Exa. teve a gentil iniciativa de me falar, apenas posso referir, por ora, que o meu cliente estará sempre disponível para ouvir e ponderar devidamente todas e quaisquer propostas que o Senhor B , através de V. Exa., entenda por bem fazer dirigir ao nosso cliente. Um acordo será sempre desejável, tudo dependendo, como é óbvio, dos respectivos termos.
Com os meus cumprimentos
59. Em 08/03/2010 o Autor enviou uma carta ao Réu marido com o teor que consta de fls. 77 que aqui se dá por reproduzido, comunicando ao R. que a renda a partir de Junho de 2010 passaria a ser no valor de €889,85.
60. O Réu enviou uma carta ao Autor em 18.03.2010 com o teor que consta de fls. 78 que aqui se dá por reproduzido, solicitando mais uma vez a entrega das chaves bem como informando que no calculo do valor da renda não foi tida em conta a sua idade bem como o facto de estar reformado.
61. A carta de 29/03/2010, enviada pela mandatária do Autor ao R. , tem o teor de documento junto a fls. 154:
Lisboa, 29 de Março de 2010
Exmo. Senhor
B
Rua de …. Estoril
Assunto: Actualização de renda.
Ex.mo Senhor B ,
Na qualidade de legal representante do Sr. A e em resposta à carta datada de 18 de Março de 2010, expedi da a 19 e recebida a 22 de Março que V. Exa. lhe enviou, junto enviamos a cópia do resultado da avaliação fiscal e da determinação do nível de conservação, documentação que, embora nele referida, acabou por não ser remetida juntamente com a nossa anterior carta de 08.03.2010, o que se deveu a mero lapso.
Agradecemos a preciosa informação que V. Exa nos forneceu a propósito da questão do aumento da renda e do suposto faseamento do seu pagamento e ainda as minutas que nos enviou. No entanto, esclarecemos V. .Exa do seguinte:
Embora diga V. Exa que é a lei que lhe concede um período faseado de 10 anos até a renda atingir o valor devido, a verdade é que omite qual a lei que, concretamente, confere o direito a que se arroga.
Porventura, V. Exa poderá estar a referir-se ao regime estabelecido pelo artigo 30ª e seguintes do NRAU, o qual, estabelece, o quadro geral de aumento de rendas.
Contudo, e tal como fizemos menção na nossa anterior missiva, o direito do nosso representado funda-se no regime especial emergente do DL 157/2006, de 08.08., do qual emerge o direito do senhorio de proceder à actualização da renda em função das obras de reabilitação que tenha realizado, o que foi o caso.
Nessa ordem de ideias, o aumento derivado do citado regime excepcional, não pressupõe qualquer aumento faseado da renda. Outrossim tal incremento da renda é feito de acordo com a fórmula ínsita no artigo 27º do mencionado decreto-lei e é realizado de uma só vez e em um único momento.
Pelo exposto mantêm-se inalterados todos os pressupostos enunciados na nossa anterior comunicação, razão pela qual a nova renda de €889,95 é devida, tal como comunicado anteriormente, a partir do mês de Junho de 2010.
De qualquer forma, e mesmo que assim não fosse, o que se admite sem conceder, a verdade é que a documentação que V. Exa juntou não seria nunca suficiente para justificar o faseamento solicitado, porquanto o documento comprovativo da pensão de velhice data de 2007 e não faz prova da totalidade dos rendimentos auferidos, no presente, por V. Exa e pelo seu agregado familiar. Quanto às chaves reclamadas por V. Exa, apenas podemos informar aquilo que reiterada mente temos comunicado a V. Exa, não sendo da nossa responsabilidade que V. Exa não receba a correspondência que lhe é dirigida.
Com os nossos cumprimentos,
62. Em resposta à carta do Réu marido datada de 14/04/2010, o Autor, através dos seus mandatários, remeteu àquele uma carta com o teor de documento junto a fls. 159, que se dá aqui por reproduzido.
Lisboa, 14 de Abril de 2010 Exmo. Senhor B
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECPEÇÃO
Exmo. Senhor B,
A pedido do nosso cliente e representado, Senhor A, proprietário do imóvel sito na Rua …., no Estoril, vimos, em resposta à carta que lhe endereçou no passado dia 12 de Abril, informar V.Exa. do seguinte:
I - ao contrário do que V.Exa. afirma, o valor da renda mensal resultante da aplicação da fórmula constante do art. 27º do DL 157/2006, de 08.08, é, efectivamente, de € 889,95.
A fórmula em causa é a seguinte:
R = VPC x CC x 4%, em que
VPC = valor patrimonial corrigido, correspondente ao valor da avaliação realizada nos termos dos arts. 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sem consideração do coeficiente de vetustez.
CC = coeficiente de conservação, previsto no art. 33º do NRAU; R = Renda anual.
O valor tributário apurado através da avaliação realizada no dia 22.12.2009 é de C 106.790,00 e resulta da aplicação da seguinte fórmula (art. 38º, nº 1 do CIMI):
Vt = Vc x A x Ca x CI x Cq xCv, em que
Vt = valor patrimonial tributário
Vc = valor base dos prédios edificados
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação Ca = coeficiente de afectação
CI = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto Cv = coeficiente de vetustez
De acordo com a fórmula do art. 27º do DL 157/2006, o primeiro dos valores a ter em consideração é o do VTC, ou seja, o valor tributário obtido através da fórmula a que se refere o art. 38º, nº 1 do CIMI, sem consideração do coeficiente de vetustez (Cv).
Desta forma, o dito VTC será o seguinte:
VTC = Vc (609,00) x A (156,5538) x Ca (1,00) x CI (2,50) x Cq (1,120) = 266.955,54.
Caso V.Exa. considere o coeficiente de vetustez (Cv), o valor seria, efectivamente, de 106.790,00. Como a lei é bem clara em que na fórmula de apuramento do valor patrimonial corrigido não se aplica esse factor, temos por certo que o valor a ter em consideração na fórmula a que se refere o art. 27º do DL 157/2006 é aquele de C 266.955,54.
Deste modo e voltando a esta fórmula, temos:
R = VPC (266.955,54) x CC (1,00) x 4%, pelo que a renda anual será de € 10.678,22 e, a mensal, o produto da divisão deste valor por 12 meses, o que equivale a € 889,95.
II - Voltamos a referir que o regime de aumento de rendas constante do DL 157/2006, respeita a aumentos de renda cujo direito se efectivou por força das obras realizadas.
O art. 27º desse diploma, é claro ao afirmar que: O senhorio que realize obras de reabilitação nos três anos antes de proceder à actualização da renda nos termos da secção li do titulo II do NRAU, das quais resulte a atribuição à totalidade do prédio onde se situa o locado de nível de conservação bom ou excelente ... pode actualizar a renda anual tendo por base a fórmula seguinte: R = VPC x CC 4%. Este regime é totalmente diferente daquele a que se referem os arts. 30º e seguintes do NRAU, o qual tem por base pressupostos e condicionalismos diferentes do regime que prevê o aumento da renda anual por força de obras realizadas.
Assim, não se aplicam ao caso as regras a que V.Exa. alude, e que, basicamente, constam dos arts. 37º e seguintes do NRAU.
O aumento é, in casu, realizado de uma só vez e num único momento, sem possibilidade do mesmo ser progressivo e faseado, pelo que a renda mensal devida a partir do mês de Junho de 2010 passará a ser de € 889,95.
III - Voltamos a referir que, mesmo que assim não fosse, o que admitimos sem conceder, a verdade é que a documentação que VEx.ª juntou não seria nunca suficiente para justificar o faseamento solicitado, porquanto o documento comprovativo da pensão de velhice data de 2007 e não faz prova da totalidade dos rendimentos auferidos, no presente, por VEx.ª e pelo seu agregado familiar.
Nos termos do art. 39º do NRAU o arrendatário poderia, caso as circunstâncias permitissem aplicar esta norma - o que, como se disse, não é o caso O, invocar factos que determinassem que o aumento seja faseado ao longo de 2, 5 ou 10 anos, sendo fundamental, entre outras situações, a indicação do RASC (rendimento anual bruto corrigido) actual do seu agregado familiar.
Ora, V.Ex.ª insiste, persiste e teima em não fazer prova do RASC do seu agregado familiar, razão pela qual nunca se poderia considerar o pedido de faseamento do valor do aumento da renda.
IV - O Quanto às chaves reclamadas por V.Ex.ª, informamos aquilo que reiteradamente temos tentado comunicar a V.Ex.ª, ou seja: tendo sido V.Ex.ª quem solicitou à Câmara Municipal de Cascais a realização de obras coercivas, deverá ser essa entidade quem deverá informar V.Ex.ª do andamento das mesmas e do seu veredicto quanto à sua boa ou deficiente execução. Apenas podemos referir que essa edilidade efectuou, recentemente e no que respeita ao processo de obras coercivas, uma vistoria ao imóvel. Só com o veredicto final da Câmara Municipal é podemos considerar as obras como concluídas e terminado o processo que V.Ex.ª, em todas as vertentes, iniciou.
Com os melhores cumprimentos
(…)
***
III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 685º-Aº, n.º 1, do C. P. Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
As questões a decidir resumem-se a saber:
- se a falta de uso do arrendado é lícita, nos termos do art. 1072º, n.º 2, al. a) do C. Civil;
- se o arrendatário e mulher deixaram de habitar no locado por este carecer de condições de habitabilidade;
- se assiste ao arrendatário o direito à exceptio non adimpleti contratus;
- se assiste ao autor o direito à resolução do contrato de arrendamento;
- se assiste ao réu o direito à restituição (provisória ou definitiva) do locado (pedidos reconvencionais);
- se o autor deve ser condenado como litigante de má fé.
*
IV. Da questão de mérito:
Tendo-se iniciado no domínio do RAU o fundamento invocado para a resolução do contrato de arrendamento, o qual se prolongou no âmbito da lei nova (NRAU), sem que o senhorio tenha até então suscitado a resolução do contrato, é aplicável ao caso o regime do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02 – vide arts. 59º, n.º 1, deste diploma e 12º, n.º 2, do C. Civil (cfr. neste sentido Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano II volume, pág. 1014).
Estatui o art. 1083º, n.º 2, al. d) do C. Civil, que é fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente o “não uso do prédio por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072º”.
Assim, sobre o locatário recai o dever jurídico de uso efectivo do locado, em ordem a evitar a desvalorização que está normalmente associada ao não uso – cfr. Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 3ª ed., pag. 99.
Ora, deriva com clareza da factualidade provada que os réus não habitam no locado, pelo menos, e de forma ininterrupta, desde 2004, não pernoitando, nem tomando as suas refeições no mesmo, tendo passado a morar numa casa pertença da sua filha, sita na Rua ..., n.º ..., Alvide, Cascais.
Esta realidade permite ter como adquirido que os réus deixaram de ter a sua residência habitual e estável no arrendado, ou seja, deixaram de usar o mesmo há mais de um ano.
Alegaram, porém, os réus na contestação que deixaram de habitar o imóvel dada a falta de condições de habitabilidade do mesmo, sendo tal imputável ao locador, e que, após a realização das obras de reparação, não lhes foram entregues as novas chaves do locado.
E nas conclusões de recurso referem que, nestas circunstâncias, tem cabimento o não uso do locado com base na exceptio non adimpleti contractus (art. 428º do C.C.), não sendo aplicável ao caso o regime da força maior a que alude o art. 1072º, n.º 2 al. a) do C.C.
Assim, o arrendatário justifica a falta do gozo do arrendado até ao início e conclusão das obras de reparação (em 2009), com a inabitabilidade do mesmo, o qual, na tese do apelante, se encontrava em tal estado de degradação que não permitia que aí continuasse a fazer a sua vida doméstica e familiar.
Estatui o citado art. 1072º, n.º 2, al. a) do C. Civil, que:
“1 – O arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano.
2 – O não uso pelo arrendatário é lícito:
a) Em caso de força maior ou de doença”.
E prescreve o art. 428º, n.º 1, do C. Civil que:
“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Tem sido controvertida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se a deterioração do locado, tornando-o impróprio para o seu uso para o fim a que se destina, por falta da realização de obras de reparação, constitui um caso de força maior.
Assim, enquanto para uns para o preenchimento desse conceito basta que, por facto que não seja imputável ao arrendatário, se torne impossível a este gozar o locado para o fim a que ele se destina, tratando-se assim de uma causa exoneratória de responsabilidade do devedor integrável numa categoria genérica mais ampla do que a expressa no n.º 1 do art.º 790º, do CC. De acordo com este entendimento a lei pretende abranger os casos em que, por facto exterior ao arrendatário, a desabitação ou a falta de residência permanente se torna compreensível, aceitável e perfeitamente explicável – cfr. A. Varela RLJ 119 pags. 274 e 275.
Para outros (cfr. Pinto Furtado, ob. cit. II volume, pags. 1074 e 1075), estando em causa o estado de conservação do imóvel, não nos encontramos, em princípio, perante um caso de força maior, atenta a vencibilidade dessa situação, pelo que a necessidade de obras só, porventura, em hipóteses muito especiais poderá ser tida como força maior dilatória da resolução do contrato por não uso.
Na linha deste entendimento, sustenta-se a possibilidade do recurso à exceptio non adimpleti contratus.
Sendo o contrato de locação um contrato sinalagmático, da sua celebração nascem obrigações que se encontram unidas umas às outras por vínculos de reciprocidade ou interdependência.
Assim, entendeu-se no Ac STJ de 3/12/2009 (relatado pelo Cons. Alberto Sobrinho, in www.dgsi.pt) que se o arrendado se tornar inabitável devido a falta de obras de conservação e/ou reparação por parte do senhorio, o inquilino está exonerado do dever de nele habitar de forma permanente (e, dizemos nós, de pagar a renda), pois que a obrigação de habitar permanentemente o arrendado (e de pagar a renda), que recai sobre o locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa.
Embora seja de admitir o funcionamento do instituto da excepção de não cumprimento do contrato mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, deve-se fazer intervir, sempre que as circunstâncias concretas o imponham, o princípio da boa fé e a “válvula de segurança” do abuso do direito (artºs 762º, nº 2, e 334º do CC).
Como observa o Prof. Almeida Costa na RLJ 119º, pág. 144, “seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito”.
E, no caso particular da locação, decorre do estatuído no art. 1040º do CC que só a privação do locatário do gozo total da coisa imputável ao locador poderá permitir àquele a suspensão do pagamento da renda.
Do mesmo modo se passam as coisas quanto ao dever de uso do locado pelo locatário, pelo que só uma situação de degradação da casa que impossibilite totalmente o locatário de habitar no imóvel, torna lícito o não uso deste.
Sendo a obrigação do senhorio de assegurar o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina uma actividade positiva, também sobre o inquilino recai o dever, igualmente positivo, de avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, como se refere na al. h) do art. 1038º C. Civil.
Nesta sede, resulta da factualidade provada que o réu, por carta datada de 11/08/2003, remetida ao anterior proprietário do imóvel, informou o mesmo de que a moradia “está muitíssimo degradada, interior e exteriormente” e que poderia “iniciar um processo junto da Câmara Municipal de Cascais para que sejam feitas obras na casa, para evitar a sua ruína parcial ou total”.
Numa outra carta enviada ao anterior proprietário do locado o réu informou que “ a moradia está, como sabe, completamente degradada. Pedi um orçamento a um construtor de Cascais, que estimou as obras de recuperação num valor de 200.000 Euros”.
Deste enunciado decorre que o locador estava ciente da necessidade de realização de obras de conservação no locado.
No que tange às condições de habitabilidade do arrendado apurou-se que na data em que os réus deixaram de aí residir (em 2004) o locado encontrava-se num estado acelerado de degradação, degradação essa motivada na sua maioria pela falta de estanquicidade do telhado de cobertura – o qual deixava repassar água para o interior do locado, provocando infiltrações de água no tecto, paredes e chão do 1.º andar - e ainda pela idade avançada do edifício. A degradação acentuou-se ainda mais, no que concerne a danos nas janelas, instalação eléctrica, rede de água, fechaduras, dobradiças e torneiras devido ao não uso do locado pelos réus a partir dessa data.
Daqui resulta que o locado não possuía as condições ideais para a vivência de uma família, atenta a circunstância de, no período das chuvas, aquelas infiltrações provocarem a existência de água nas paredes, tecto e chão do locado, afectando necessariamente a qualidade de vida do arrendatário e mulher.
Não se apurou, porém, que aquando da desocupação do arrendado o tecto corresse riscos de ruir e o locado revelasse indícios de insalubridade (vide resposta restritiva à matéria do art. 7.º da contestação).
Desconhece-se igualmente a exacta dimensão dos danos causado no imóvel por aquelas infiltrações e seus reflexos nas condições de gozo do mesmo pelo arrendatário e mulher, não tendo sido alegado, e consequentemente provado, as patologias causadas pelas infiltrações, nomeadamente, a existência de manchas nas paredes, nos tectos e rodapés, danificação da pintura, cheiro a mofo, necessidade de colocação de recipientes para conter a água, existência de humidade com reflexos na saúde do arrendatário e mulher, etc.
Nesta sede não se deve confundir a inviabilidade total ou parcial da utilização do locado para habitação com a necessidade de realização de obras no mesmo, mas que permite a sua utilização pelo arrendatário.
Assim, embora a factualidade apurada permita concluir que as infiltrações, no período em que ocorriam, afectavam a qualidade de vida do arrendatário e mulher e, naturalmente, as condições de uso do locado, daquela factualidade não decorre a total falta de condições de habitabilidade do imóvel ou, pelo menos, uma significativa diminuição das mesmas.
De igual modo, não se provou que os réus tivessem deixado de residir no locado devido a tal.
Não se demonstrou pois, que o locador, ao não realizar as obras de conservação do locado, tivesse privado o arrendatário o gozo total da coisa para o fim contratualizado.
De resto, na carta de fls. 129 a 132, enviada pelo réu ao anterior proprietário, aquele referiu que “irei continuar lá a viver até ao fim dos meus dias (não ponho outra hipótese), mesmo com a casa degradada”.
E na carta de fls. 133 a 146 referiu que a falta de realização das obras “está a tornar inabitável” o imóvel.
Ora, se o locado se está a tornar inabitável é porque à data ainda era habitável.
Deste modo, não se apurou que a desocupação do local arrendado por mais de um ano foi devida a caso de força maior ou sequer que, em razão do estado do imóvel, as condições de gozo do locado tivessem sofrido uma significativa diminuição, em termos de não ser razoável exigir aos réus que nele habitassem.
Não lograram, assim, os réus provar, como lhes competia (art. 342º, n.º 2, do C.C.), as causas de exclusão da ilicitude previstas no art. 1072º, n.º 2, al. a) e 428º do citado diploma legal.
É certo que se apurou que:
- Em 02-04-2008 a Câmara Municipal de Cascais levou a efeito a vistoria do imóvel tendo a comissão de vistorias emitindo parecer no sentido de no prazo de 60 dias serem efectuadas obras de conservação ordinária de restauro, conservação, limpeza e pintura no locado e de conservação extraordinária de reparação de telhados, varandas e terraços, reparação de pavimentos interiores; reparação de paramentos interiores e exteriores e/ou tectos deteriorados, pinturas e reparação ou substituição de vãos interiores e exteriores;
- Em 14/07/2008 o imóvel locado apresentava falta de estanquicidade do telhado de cobertura, sendo que os barrotes junto da chaminé da lareira do 1.º andar se encontravam apodrecidos, várias telhas do telhado partidas, o tecto e paredes da cozinha do 1.º andar locado encontravam-se danificados devido às infiltrações provenientes da cobertura e do tanque de água existente no forro do telhado, que tinha o autoclismo avariado; o tecto e paredes da sala do 1.º andar igualmente apresentavam danos provocados pelo repasse da cobertura junto da chaminé da lareira da mesma; o quarto nascente igualmente apresentava danos devido a infiltrações;
- Esses danos têm origem na falta de obras de conservação da cobertura, devido à idade do edifício com cerca de 60 anos.
Porém, como se refere na sentença recorrida, esta factualidade – em especial a circunstância dos barrotes do telhado de cobertura, junto à chaminé do 1º andar, se encontrarem apodrecidos – apenas permite fazer um retrato mais completo do estado de degradação do locado no ano de 2008, ou seja, 4 anos após os réus terem deixado de usar o imóvel.
Ora, nessa altura já se verificava o fundamento previsto na lei conducente à resolução do contrato de arrendamento pelo não uso.
Bem andou, pois, o Sr. Juiz em declarar resolvido o contrato de arrendamento e, em decorrência de tal, improcedente o pedido reconvencional (de restituição do arrendado ao réu).
No que tange à questão da condenação do autor/apelado como litigância de má fé, subscrevem-se as considerações exaradas na sentença recorrida, para cuja fundamentação nos permitimos remeter.
Na verdade, não se provaram factos demonstrativos da utilização maliciosa ou abusiva do processo por parte do autor.
Dir-se-á ainda que do facto do autor, após a realização das obras, não ter entregue ao réu as novas chaves do locado, sob a invocação da excepção do não cumprimento do contrato, não consubstancia uma situação de má fé processual, mas, quanto muito, o não cumprimento da obrigação legal de proporcionar ao arrendatário o gozo do locado.
Saber se lhe assistia ou não esse direito, é questão que extravasa o instituto da litigância de má fé.
Improcede, por isso, in totum, a apelação.
*
Sumário (da responsabilidade do relator):
1. Sendo o contrato de locação um contrato sinalagmático, da sua celebração nascem obrigações que se encontram unidas umas às outras por vínculos de reciprocidade ou interdependência.
2. A obrigação de habitar permanentemente o arrendado, que recai sobre o locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa.
3. Se o arrendado se tornar inabitável devido a falta de obras de conservação e/ou reparação por parte do senhorio, o inquilino está exonerado do dever de nele habitar de forma permanente.
***

VI. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
Custas pelo apelante;
Notifique.

Lisboa, 3 de Julho de 2012

Manuel Ribeiro Marques - Relator
Pedro Brighton - 1º Adjunto
Teresa Sousa Henriques -2ª Adjunta
Decisão Texto Integral: