Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2866/22.4T8VFX-A.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIEDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO RECORRIDA
Sumário: Regista-se inutilidade da lide se ocorrerem circunstâncias anormais que, na pendência da lide, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão deduzida não possa manter-se, designadamente porque fora do processo se alcança a satisfação pretendida.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA, Autora nos autos à margem referenciados, notificada do despacho proferido em audiência de julgamento havida no dia 17 de março de 2023, e não se conformando com o seu teor, vem do mesmo interpor RECURSO.
Pede a revogação da decisão recorrida.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL DE AVEIRAS DE CIMA, melhor identificada nos autos à margem referenciados em que é Recorrida, tendo sido notificada para tanto, vem oferecer as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, nas quais pugna pela improcedência do recurso.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Responderam ambas as partes. A apelante aderindo ao respetivo teor e o Apelado insurgindo-se contra o mesmo.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Percorrido o corpo das alegações, constatamos que se pretende impugnar também a decisão proferida em sede de audiência prévia que julgou improcedente a exceção inominada de autoridade do caso julgado.
Contudo, tal matéria não foi levada às conclusões.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- A lide inutilizou-se?
O DESPACHO RECORRIDO:
“Em causa nos presentes autos está a apreciação da regularidade e licitude da cessação de uma relação contratual laboral estabelecida entre a trabalhadora e a empregadora em 1/3/2018.
As circunstâncias em que decorreu o relacionamento entre as partes deu origem a dois processos judiciais, ambos intentados pela trabalhadora, nos quais se discute a licitude da decisão de cessação do contrato (1021/22.8T8VFX-A – J1 e os presentes autos).
Na pendência da presente ação, verifica-se que nos autos 1021/22.8T8VFX-A, foi proferida decisão declarando a ilicitude da cessação determinada pela Empregadora em 16/3/2022.
Nos referidos autos, a trabalhadora tendo pugnado pela ilicitude da cessação exerceu a faculdade prevista no art.º 391.º do CT, requerendo indemnização em substituição da reintegração.
Da referida decisão e do deferimento da opção feita pela trabalhadora decorre que a cessação da relação laboral iniciada a 1/3/2018 com efeitos à data determinada pela empregadora.
Decorre do art.º 277.º al. e) do CPC que, a instância se extingue por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
A inutilidade superveniente da lide afigura-se ser pacificamente entendida como correspondendo a uma situação de facto em que a pretensão do requerente encontra satisfação fora do âmbito do processo em que o mesmo formula o seu pedido, porquanto este, o pedido, já foi atingido por outro meio.
Tal afigura-se ser o ocorrido com a decisão proferida nos autos 1021/22.8T8VFX-A, em relação aos presentes autos.
O prosseguimento dos presentes autos conduziria a que fosse declarada cessada, independentemente da ilicitude ou não da decisão da empregadora, a cessação de uma relação laboral, cuja cessação decorre já da decisão proferida naqueles outros autos.
Não se ignora que a decisão proferida não transitou em julgado e que dela foi interposto recurso pela parte vencida.
Porém, e considerando expressa declaração da trabalhadora nos referidos autos de não pretender a reintegração, o desfecho do recurso interposto, seja a sua procedência, seja a sua improcedência, nunca conduzirá ao restabelecimento da relação iniciada em 1/3/2018, nem o efeito que venha a ser atribuído ao recurso interposto se afigura que afete esta conclusão.
Prosseguir nos presentes autos com a apreciação da licitude ou ilicitude de uma decisão de cessação de um contrato que é posterior à cessação do mesmo já reconhecida nos outros autos, afigura-se ser no plano processual, um caso de inutilidade da lide que deverá ser enquadrado na previsão do citado artigo 277.º al. e) do CPC.
Não se ignora que nos presentes autos a A. deduziu e foi admitido um pedido reconvencional nem se ignora a autonomia do mesmo prevista no art.º 266.º do CPC.
Porém, vistos os termos em que a A. formula o seu pedido, ou seja, com base na ilicitude da decisão de despedimento, e apenas nos danos desta decorrentes, entende-se que esse pedido terá de ser enquadrado na previsão do n. º6 do citado artigo 266 do CPC e, considerado dependente do fundamento da ação.
Quanto ao pedido de litigância de má-fé, vistos os termos em que a trabalhadora o formula, isto é, imputando «litigância de má-fé da requerida ao intentar o processo disciplinar com vista ao novo despedimento da requerente», entende-se que tal imputação se não reporta ao comportamento no processo judicial, sendo que é em relação a este que o artigo 542.º do CPC prevê a apreciação do comportamento processual e o seu sancionamento em litigante de má-fé.
Por tal entende-se que nada mais há a decidir nos presentes autos, impondo-se declarar extinta por inutilidade superveniente da lide a presente ação.
Assim, se extinguindo os pedidos na mesma formulados.
Atento o disposto no art.º 527.º do CPC e 536.º n.º 3 do CPC, as custas da ação são suportadas pela trabalhadora, porquanto se entende ser a sua opção pelo art.º 391.º do CT exercida nos autos 1021/22.8T8VFX-A, que deu causa à inutilidade superveniente da lide.
Fixa-se à ação o valor previsto no art.º 98.º - B do CPT, por referência à previsão do seu n.º 1, atenta a impossibilidade de utilização do critério do seu n.º 2.
Consequentemente:
1. Dá-se sem efeito a produção de prova agendada nos autos;
2. Determina-se que após trânsito da presente decisão seja dado conhecimento da mesma na instância do procedimento cautelar, aos autos apenso, nos termos e para os efeitos do art.º 373.º do CPC e bem assim que na instância executiva iniciada sejam, oportunamente, retiradas as legais consequências.”
O DIREITO:
Conforme decorre dos autos, sobre a relação contratual laboral existente entre as partes em litígio foram proferidos dois despedimentos – um, fundado em extinção do posto de trabalho; outro, fundado em justa causa.
Ambos deram origem a ações de impugnação da respetiva regularidade e licitude.
A decisão (da empregadora) do primeiro terá ocorrido em Março de 2022 e a do segundo terá sido notificada à Trabalhadora em 2/09/2022. Nesta data já tinha sido julgada procedente a providência cautelar de suspensão do despedimento que incidiu sobre o primeiro, correndo termos a respetiva ação de impugnação[1].
Lê-se na decisão impugnada:
 “Na pendência da presente ação, verifica-se que nos autos 1021/22.8T8VFX-A, foi proferida decisão declarando a ilicitude da cessação determinada pela Empregadora em 16/3/2022.
Nos referidos autos, a trabalhadora tendo pugnado pela ilicitude da cessação exerceu a faculdade prevista no art.º 391.º do CT, requerendo indemnização em substituição da reintegração.
A questão que se coloca é a de saber se aquela decisão inutilizou a presente ação, sendo certo que a decisão proferida no âmbito do primeiro processo não transitou em julgado.
Ponderou-se na decisão recorrida que “Porém, e considerando expressa declaração da trabalhadora nos referidos autos de não pretender a reintegração, o desfecho do recurso interposto, seja a sua procedência, seja a sua improcedência, nunca conduzirá ao restabelecimento da relação iniciada em 1/3/2018, nem o efeito que venha a ser atribuído ao recurso interposto se afigura que afete esta conclusão.
Efetivamente a relação laboral iniciada em 1/03/2018 cessou com a prolação da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho.
Contudo, tal decisão, embora pondo termo à relação laboral, poderá, em face da impugnação registada, ter a sua eficácia extintiva suspensa até ao trânsito em julgado da decisão judicial. Só assim se compreendem os efeitos que dos Artº 389º a 391º do CT se extraem – os créditos salariais ali consignados são devidos até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento/ trânsito em julgado da decisão judicial.
Da conjugação destas normas não parece que a circunstância de o trabalhador manifestar a sua opção pela indemnização substitutiva tenha eficácia extintiva.
Ou seja, o despedimento consolida-se na ordem jurídica. Os efeitos dele decorrentes, relacionados com a sua licitude ou ilicitude produzem-se até ao trânsito em julgado da ação de impugnação.
Certo é também que no âmbito dos autos, melhor dizendo, da providência cautelar precedente, foi ordenada a suspensão do despedimento ocorrido em Setembro de 2022 por indiciariamente demonstrada a provável inexistência de justa causa de cessação.
Afirma o Ministério Público no seu parecer que “Em todo o caso, importa também ter em consideração que neste caso a autora foi objeto de um primeiro despedimento e, depois de reintegrada provisoriamente por força de uma decisão judicial que decretou a suspensão desse despedimento (processo 1021/22.8T8VFX), a autora foi, de novo, despedida. E este último despedimento deu origem aos presentes autos e ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento a eles apenso.
Há, assim, a considerar que da primeira ação judicial possam advir efeitos jurídicos que tenham repercussão na segunda ação, mas que não tornam esta última absolutamente inútil.”
Tendemos a concordar com esta afirmação. Em tese.
Tal como ali dito, esta segunda ação tem como fundamento um despedimento que foi promovido pela entidade empregadora ré e do qual podem provir consequências, designadamente em termos de responsabilidade civil - cfr. a al. a) do n.º 1 do art.º 389.º do CT.
Contudo, na presente ação não podemos abstrair do respetivo pedido – declaração de ilicitude do despedimento com as legais consequências; litigância de má-fé e pagamento de quantias decorrentes de danos não patrimoniais e indemnização substitutiva.
Ora, tudo isto pressupõe a manutenção do contrato de trabalho, o que, em bom rigor, se não verifica.
Há, porém, efeitos relacionados com a declaração de ilicitude que se prolongam no tempo – até ao trânsito em julgado.
Assim, a vingar a sentença que declara a ilicitude do despedimento no primeiro processo, ficciona-se a manutenção do contrato para certos efeitos, devendo ponderar-se se tal ficção se repercute no pedido formulado na presente ação. Nomeadamente no concernente aos danos de natureza não patrimonial.
Assim se entendendo, afigura-se-nos como certo que é prematura a declaração de inutilidade da lide.
Vejamos porquê!
O Artº 277º/e) do CPC determina que a instância se extingue pela inutilidade superveniente da lide.
A inutilidade resultará de circunstâncias anormais que, na pendência da lide, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão deduzida não possa manter-se, designadamente porque fora do processo se alcança a satisfação pretendida. Insubsistirá, então, o interesse tutelado, no sentido de que, em virtude de novos factos surgidos na pendência da ação, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil.
A inutilidade superveniente da lide prende-se com a perda de interesse em agir, ou seja, com a perda da necessidade do processo para obter o pedido. Pressupõe, assim, que em virtude de um facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor perca interesse processual. De notar que, como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora este “consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação” (Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 179).
E está também relacionada com o princípio da utilidade dos atos processuais de acordo com o qual é proibida a prática de atos inúteis (Artº 130º do CPC).
Cumpre, pois, perguntar, qual a utilidade resultante para a Trabalhadora de ver mantida a presente lide?
Sustenta o Ministério Público que “independentemente das decisões que, com caráter definitivo, venham a ser tomadas no processo de impugnação do primeiro despedimento e no procedimento cautelar de impugnação do mesmo, os presentes autos (bem como o procedimento cautelar de suspensão de despedimento apenso) devem prosseguir para serem apreciadas as questões que neles foram colocadas à apreciação do tribunal e que tenham autonomia relativamente às que são objeto do primeiro processo, na medida em que não sejam suscetíveis de ser afetadas pelos efeitos das decisões finais definitivas que venham a ser proferidas naqueles”.
Com isto o Ministério Público centra-se nos danos eventualmente indemnizáveis.
Para nós, o cerne da questão está, contudo, na circunstância de a decisão prolatada no âmbito do primeiro processo não ter ainda transitado em julgado, o que desaconselha a extinção da presente instância.
Não só desaconselha, como, verdadeiramente, não vislumbramos a ocorrência de algum facto, na pendência da instância, que faça perder o interesse processual da pretensão da Trabalhadora. Ou seja, não se verificam, por ora, os pressupostos que enformam a declaração de inutilidade da lide.

Procede, pois, a apelação.
As custas da presente apelação constituem encargo do Apelado, que ficou vencido (Artº 527º do CPC).
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido.
Custas pelo Apelado.
Notifique.

Lisboa, 13/09/2023
MANUELA FIALHO
ALDA MARTINS
SÉRGIO ALMEIDA

[1] Proc.º 1021/22.8T8VFX-A
Decisão Texto Integral: