Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21824/17.4T8LSB.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: ACÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DE ACTOS DE OUTROS ÓRGÃOS
ASSOCIAÇÃO DE EMPREGADORES
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: 1- O erro na forma de processo ocorre nos casos em que a pretensão do autor não seja deduzida segundo a forma comum ou especial de processo legalmente prevista.
2- Quer a acção prevista no art. 164, quer a que está contemplada no art. 169, ambos do Código do Processo do Trabalho, seguem a mesma forma de processo regulada na Secção III do Capítulo IV deste diploma, pelo que, embora os Autores tenham invocado este último preceito ao instaurarem a presente acção, inexiste erro na forma de processo.
3 - Verificando-se os requisitos previstos no art. 442, nº2, a) do Código do Trabalho e tendo sido publicados no Boletim do Trabalho e Emprego os respectivos Estatutos, há que concluir que a Ré detém a qualidade de Associação de Empregadores, devendo a acção seguir a forma de processo especial prevista no art. 164 do CPT.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
As Autoras, AAA, Lda, BBBB, Lda e CCC, Lda intentaram contra DDD a presente acção com forma de processo especial de declaração de invalidade de actos de outros órgãos, nos termos do art. 169 do CPT, peticionando:
- a declaração de invalidade, por ilegal, da deliberação da Comissão Disciplinar da Ré que aqui se aprecia, consequentemente,
- a condenação da Ré a que, através da sua Comissão Disciplinar, considere os recursos interpostos pelas Autoras tempestivos e, consequentemente, se pronuncie sobre os fundamentos de facto e de direito neles vertidos.
Para tanto alegam, em síntese, que a Ré é uma Associação Patronal e tem os seus Estatutos publicados no BTE nº27, de 22.7.2016.
Esta moveu um processo disciplinar contra as Autoras porque, alegadamente, os seus gerentes (comuns às três sociedades) violaram de forma grave e intencional os deveres de associados. No final desse processo foi proferida decisão, tendo as Autoras dela interposto recurso para a Comissão Disciplinar, no dia 2.6.2017, recurso este que foi rejeitado pela Ré, que o considerou intempestivo. E é relativamente a esta decisão que as Autoras formulam na presente acção os pedidos acima discriminados.
Na contestação veio a Ré excepcionar o erro na forma do processo, uma vez que não é nenhuma das instituições previstas no art. 169 do CPT.
Na resposta vieram as Autoras invocar a existência de um lapso de escrita, requerendo a correcção da petição inicial, uma vez que pretendiam mencionar o art. 164 e não 169 do CPT.
No saneador o Tribunal conheceu da excepção do erro na forma do processo e por entender que a Ré não era, nomeadamente, uma associação de empregadores, julgou a mesma procedente e, em consequência, absolveu-a da instância.
Inconformada, interpuseram aa Autoras recurso para esta Relação, no qual formularam as seguintes
Conclusões:
A) Por despacho liminar, no processo nº 16132/17.3T8LSB, para além do mais, foi declarada uma exceção dilatória inominada, não conhecendo do pedido do ponto iii. do petitório, com o fundamento de que este pedido se insere no art. 169.º do CPT e, como tal, por ter uma tramitação distinta do procedimento previsto no art. 170.º do mesmo código, se verificava uma cumulação ilegal de pedidos, exceção que é sempre de conhecimento oficioso, indeferindo, liminarmente a PI, quanto a este pedido, com a consequente absolvição da instância.
B) O que deu origem a que as AA lançassem mão da presente demanda.
C) A Ré excecionou, invocando erro na forma de processo, uma vez que esta não era nenhuma das instituições previstas no art. 169.º do CPT.
D) As AA responderam invocando um mero lapso de escrita, requerendo a correção da PI, do artigo 169.º pelo artigo 164.º do mesmo código.
E) Contudo, e tal como o tribunal recorrido reconheceu, ambos os procedimentos estão previstos na secção III, do capítulo IV, do CPT.
F) Ainda assim, o tribunal recorrido declarou procedente a exceção dilatória de erro na forma de processo, absolvendo a Ré, por considerar que esta não era, nomeadamente, uma associação de empregadores.
G) O tribunal recorrido, para além de não fundamentar esta conclusão, lavrou em erro grosseiro de apreciação da prova.
H) Porquanto, as AA alegaram que a Ré era uma associação patronal, (na aceção do DL 215-C/75 de 30/04 - Lei das Associações Patronais – à data em que foi constituída, e, hoje em dia, uma associação de empregadores, nos termos do art. 445.º a 456.º do CT).
I) Alegação que a Ré nunca, em nenhum momento, impugnou e, para além disso, as AA juntaram sob doc. 6, o boletim de trabalho e emprego que haviam expressamente invocado, no qual se encontrava publicado o estatuto da Ré, nos termos do art. 447.º do CT.
J) Desse documento 6, resulta do artigo 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. c), inquestionavelmente, que a Ré é uma associação de empregadores.
K) Pelo que, outra conclusão não deve ser retirada, a não ser que a Ré é de facto e de direito uma associação de empregadores e como tal, a ação foi interposta nos termos do procedimento previsto na precedente conclusão E, não estando, por isso, verificada a, erradamente, declarada pelo tribunal a quo, exceção dilatória de erro na forma de processo.
Nestes termos e nos melhores de direito supridos por V. Exas. Srs. Juízes Desembargadores, na realização absoluta da sempre almejada justiça:
Deve ser revogada a sentença recorrida, dando-se por inverificada a exceção dilatória de erro na forma do processo e, consequentemente, determinar-se ao tribunal recorrido o prosseguimento dos autos até final.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se ocorre erro na forma do processo.
II – FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos e incidências processuais que relevam para a decisão são os que constam do precedente relatório e que aqui se dão por reproduzidos.
III – APRECIAÇÃO
Na contestação veio a Ré arguir a existência de erro na forma do processo na medida em que não é nenhuma das instituições a que alude o art. 169 do CPT, ao abrigo do qual as Autoras instauraram a presente acção.
Vejamos.
O erro na forma do processo ocorre nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma comum ou especial de processo legalmente prevista.
Assim, nos termos do art. 48 do CPT, o processo declarativo pode ser comum ou especial (nº2), aplicando-se o processo especial nos casos expressamente previstos na lei e o processo comum em todos os demais casos (nº3).
Os processos declarativos especiais são os previstos e regulados no Titulo VI do Código do Processo de Trabalho e, entre eles, as várias formas do “Processo do contencioso das instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores” previstas no seu Capítulo IV.
Em primeiro lugar, há que indagar se existe alguma forma de processo especial prevista no CPT ou em legislação especial ou avulsa para o tipo de pretensão em apreço. Não existindo forma especial, haverá que seguir a forma de processo comum.
Perante a invocação de um determinado efeito subjectivo e livremente escolhida pelo autor a pretensão que contra o réu pretende deduzir, deve aquele, de seguida, ajustar a sua estratégia aos instrumentos processuais previstos na lei e, de entre eles, escolher o que for legalmente mais adequado e, desde logo, a forma de processo a ser empregue.
Se a forma de processo seguida não for apropriada ao tipo de pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo, cujas consequências estão previstas no art. 193 do CPC.
Assim, o erro na forma do processo importa apenas a anulação dos actos que não possam ser aproveitados para a forma estabelecida pela lei, com o aproveitamento dos actos já praticados, desde que não se traduzam em diminuição de garantias do réu, e a realização dos actos estritamente necessários ao normal prosseguimento da instância.
In casu, as Autoras intentaram a presente acção com forma de processo especial de invalidade de actos de outros órgãos, prevista no art. 169 do CPT.
Posteriormente, na resposta à excepção vieram alegar a existência de erro material, uma vez que pretendiam invocar o art. 164 e não o art. 169 do CPT.
O Capítulo IV do CPT regula o “Processo do contencioso das instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores”, prevendo o art. 162, como disposição geral, no seu nº1 que “Os processos do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores seguem os termos do processo comum previsto neste Código, salvo o disposto nos artigos seguintes.”
Por sua vez, na Secção III deste Capítulo, que tem por epígrafe “Impugnação de Estatutos, Deliberações de Assembleias Gerais ou Actos eleitorais” prescrevem os arts. 164 (este na redacção dada pelo DL nº 295/2009, de 13/10) e 169:
Artigo 164.º
Acção de declaração de nulidade
1 - As deliberações e outros actos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em acção intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso.
2 - A acção deve ser intentada no prazo de 20 dias, a contar da data em que o interessado teve conhecimento da deliberação, mas antes de passados 5 anos sobre esta; se, porém, a acção tiver por fim a impugnação de deliberações relativas à eleição dos corpos gerentes, o prazo é de 15 dias e conta-se sempre a partir da data da sessão em que tenham sido tomadas essas deliberações.
3 - A petição inicial da acção deve ser acompanhada de documento comprovativo do teor da deliberação ou, não sendo possível, do oferecimento da prova que o requerente possuir a esse respeito.
    Artigo 169.º
Declaração de invalidade de actos de outros órgãos
Nos casos em que de acto de qualquer outro órgão gerente ou directivo de instituição de previdência ou associação sindical não possa ser interposto recurso para outro órgão, a declaração de invalidade é pedida através de processo regulado nesta secção.
Ora em face dos pedidos formulados pelas Autoras – que pretendem que se declare a invalidade de acto praticado por órgão de associação de empregadores, por violação da lei – dúvidas não há que a forma de processo adequada é a prevista no art. 164 e não no art. 169, cujo âmbito de aplicação respeita a acto de órgão gerente ou directivo de instituição de previdência ou associação sindical.
Todavia, como decorre do art. 169, “a declaração de invalidade é pedida através de processo regulado nesta secção”, sendo pois comum à prevista para a acção de declaração de nulidade a que alude o art. 164.
Destarte, inexiste erro na forma de processo com o fundamento invocado pela Ré na contestação.
Todavia, entendeu o Tribunal a quo que ao caso também não cabe a forma de processo especial contemplada no art. 164, uma vez que a Ré não é qualquer das entidades a que alude esta norma, mormente uma associação de empregadores.
Vejamos então.
O art. 440 do CT rege sobre o direito de associação, preconizando o seu nº2 que “Os empregadores têm o direito de constituir associações de empregadores a todos os níveis para defesa e promoção dos seus interesses empresariais.”
Por sua vez, o art. 442 do CT, que define os conceitos no âmbito do direito de associação, prescreve no seu nº2, a) que entende-se por Associação de empregadores, “a associação permanente de pessoas, singulares ou colectivas, de direito privado, titulares de uma empresa, que têm habitualmente trabalhadores ao seu serviço;”
As associações de empregadores – diz-nos o art. 445 do CT – regem-se por estatutos e regulamentos por elas aprovados.
Ora, segundo os Estatutos da Ré, publicados no BTE nº 27, de 22.7.2016, a ANIECA – Associação Nacional dos Industriais do Ensino de Condução Automóvel é uma associação empresarial constituída por tempo indeterminado que se rege por esse estatuto e demais legislação aplicável às associações sem fim lucrativo (art. 1º, nº1) e que tem por fim, segundo o art. 4º, nº1, além do mais, a defesa dos legítimos direitos e interesses dos associados (al.a) e promover a negociação colectiva com os organismos sindicais do sector, nos termos da legislação aplicável (al. c) do nº2).
Por seu turno, constituem condições de admissão de associados pela ANIECA, de acordo com o art. 6º dos Estatutos, o envio do boletim de inscrição, acompanhado da certidão permanente actualizada da EEEC ou do respectivo código de acesso, das licenças das escolas de condução que lhe estão associadas, pelo que é lícito presumir, nos termos dos arts. 349 e 351 do CC, que estas escolas têm trabalhadores ao seu serviço. Aliás, mesmo os empresários que não empreguem trabalhadores podem inscrever-se em associações de empregadores, embora com direitos limitados (art. 444,nº4 do CT).
A aquisição da qualidade de associação de empregadores tem lugar, segundo o art. 448 do CT, pelo processo definido no art. 447, processo este que se conclui com a publicação dos respectivos Estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego, o que ocorreu no caso concreto.
Resta, pois, concluir que a Ré detém essa qualidade.
Pretendendo-se através da presente acção que seja declarada a nulidade de acto praticado por um órgão de uma Associação de empregadores – a aqui Ré – alegadamente viciado por violação da lei, a forma processual adequada é a prevista no art. 164 do CTP (aliás comum à prevista no art. 169), inexistindo o vício apontado no despacho saneador.
Impõe-se, pois, a sua revogação com o prosseguimento dos autos.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, pelo que se revoga a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas

Lisboa, 5 de Julho de 2018

FILOMENA MANSO
DURO CARDOSO
ALBERTINA PEREIRA