Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
327/13.1T2SNT.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
PROPOSTA DE CONCESSÃO DE CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -O título executivo que seja corporizado num documento particular assinado pelo devedor, para o ser, tem de importar a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias.
-Não constitui título executivo o documento que consubstancia uma mera proposta de concessão de crédito, não constando que o exequente efectivamente concedeu, a data em que o fez, por que montantes e quais os prazos e montantes em que deveria ser reembolsado.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

 
A… intentou a presente execução comum para pagamento de quantia certa contra J…., com vista à cobrança coerciva da quantia de €8.555,56, juntando, como título executivo documento particular intitulado de "PROPOSTA/CONTRATO DE CRÉDITO CONDIÇÕES PARTICULARES".

Factos apurados.
Os que constam do relatório.

E ainda que:
O montante do crédito concedido foi de € 10.000,00.
Foi, então, proferida esta decisão:
“…Assim sendo, é manifesta a falta de título executivo, razão pela qual nos termos das disposições conjugadas dos 734.° [ex-820] e 726.°,Nº 2 alínea a), [ex-8l2.0-E, alínea a)], todos do Código de Processo Civil, se rejeita a presente execução.”

É esta decisão que a exequente impugna, formulando estas conclusões:

A)O documento apresentado à execução titula um contrato, celebrado entre a apelante e o apelada, através do qual a Exequente/apelante concedeu um crédito à Executada, através do qual esta se obrigou a reembolsar a Exequente da verba mutuada e efectivamente disponibilizada, mediante o pagamento de prestações mensais determinadas no contrato, quer nas condições particulares, quer nas condições gerais (vide cláusula 5.1 das condições gerais do contrato);
B)O contrato de concessão de crédito constitui um documento particular assinado pela Executada, constitutivo de uma obrigação por parte daquele, de restituição da quantia financiada/mutuada nos moldes acordados, a qual é aritmeticamente determinável;
C)Não obstante interpelada para efectuar o pagamento das prestações em dívida, a Executada não pagou as mesmas e em consequência, incumpriu definitivamente as condições de reembolso e o respectivo contrato, o que implicou o vencimento imediato de todas as prestações em dívida, nos termos do Art. 781 ° do Código Civil;
D)A Executada assumiu a obrigação do pagamento dessa quantia pecuniária mutuada, ainda que diluída num dado período temporal, mediante a aposição da sua assinatura no contrato, aceitando, assim, as condições particulares e gerais, aliás conforme declarado expressamente no contrato;
E)Pelo requerimento pretende-se obter o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido. Tal reembolso constitui obrigação assumida expressa e pessoalmente pelo devedor no contrato que titula a execução;
F)A propositura de uma acção executiva implica que o pretenso Exequente disponha de título executivo, por um lado, e que a obrigação exequenda seja certa, líquida e exigível, por outro;
G)Do contrato de concessão de crédito resulta a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda;
H)"Ao exequente mais não compete, relativamente à existência da obrigação, do que exibir o título executivo pelo qual ela é constituída ou reconhecida";
I)"Um contrato em que a entidade bancária concede a alguém um empréstimo, (...), alegando aquela entidade que este não pagou uma prestação vencida e todas as que lhe seguiram, pode servir de título executivo em execução a instaurar contra o devedor";
J)O pagamento das mensalidades ora reclamadas constitui em facto extintivo do direito invocado pela Exequente, pelo que, nos termos do Art.342 nº2 do CC, o respectivo ónus compete aos Executados, ou seja, àqueles contra quem o direito é invocado, em sede de eventual oposição;
K)A oposição à execução configura-se como uma contra - execução, cuja função essencial no núcleo da acção executiva é obstar aos normais efeitos do título executivo, sob o fundamento, por exemplo, da inexistência da obrigação exequenda.
L)Pelo que, os direitos de defesa dos executados não são prejudicados, agilizando-se uma eventual necessidade de apreciação do mérito da causa, sem perigar os direitos do credor/exequente, na garantia e eventual satisfação do seu crédito.
M)Do documento resulta ainda a aparência do direito invocado pela Exequente, direito que, por isso, é de presumir;
N)O Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 45° n° 1 e 46° nº 1 alínea c), ambos do C.P.C., na sua actual redacção, porquanto o contrato sub júdice constitui título executivo bastante.

Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do Novo Código de Processo Civil ,aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho ,aplicável por força do seu artº 5 nº1,em vigor desde 1 de Setembro de 2013 ),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é saber se o documento “ Proposta / contrato de credito condições particulares.

Vejamos

Dando aqui por reproduzidas as considerações teóricas acerca da natureza do título executivo, explanadas na decisão, importa ter em conta o seguinte:
-já tivemos ocasião de analisar os contornos deste recurso, numa situação similar, tomando a posição expressa na decisão impugnada: cf. Ac. de 14-04-2016, de que fui relatora.

Por isso, seguiremos de perto esta decisão, acrescentando algumas considerações.    
   
A execução teve início em data anterior à entrada em vigor do NCPC, pelo que é aplicável o anterior Código de Processo Civil relativamente aos títulos executivos, por força do disposto no artigo 6º nº 3 da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.

A execução tem necessariamente de se basear num documento, o título executivo, que determina o seu fim ou limites, nos termos do art.º 45, do CPC, sendo por ele que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor, título esse que se entende não se confundir com a causa de pedir da ação executiva, já que esta se traduz na obrigação exequenda, que deverá ela sim, constar do título oferecido à execução.

No art.º 46 do CPC, eram enumerados, de forma taxativa, ainda que aberta, os títulos executivos, revestindo assim, tal qualidade, aqueles documentos a que a lei atribuía esse valor. Nesse âmbito, para além da sentença condenatória, na qual o Tribunal já emitiu um juízo quanto ao direito reclamado, apontavam-se documentos, que tendo em conta o respetivo regime jurídico, era concedido um grau de plausibilidade da existência do direito a valer, de modo a dispensar uma prévia declaração do direito pelo Tribunal.

Assim, enunciava-se os documentos particulares, tidos como os assinados pelo devedor, que importassem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas do mesmo constantes, bem como de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto, alínea c) do mencionado art.º 46.

À exigência de requisitos formais, assinatura do devedor, e substanciais, no sentido do documento formalizar a constituição de uma obrigação, como fonte de um direito de crédito, ou de reconhecimento de uma obrigação pré-existente, como a promessa de cumprimento ou de reconhecimento de dívida, nos termos do art.º 458, do CC, subjaz o princípio da auto suficiência do título executivo, numa determinação intrínseca da obrigação exequenda, resultando, diretamente do documento, a constituição, ou o reconhecimento da dívida, sendo que ainda que complexo, não pode resultar de uma problemática e aleatória conjugação de diversos documentos particulares.

Sendo convencionadas prestações futuras, como no caso de abertura de crédito, para que o documento pudesse constituir título executivo, necessário se mostrava que fosse provado que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio, já na situação de constituição de obrigações futuras, importava que ficasse demonstrado que a obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, sendo tal prova realizada nos termos do art.º 50 do CPC, cuja aplicação se mostrava restrita a documentos exarados ou autenticados por notário, ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, afastada ficando assim dos documentos particulares.

Posto isto, e considerando “….não resulta do documento aludido qualquer concreta obrigação exigível a que a aqui executada se tenha obrigado, como já referimos, dele nada releva no sentido da entrega efetiva do capital a mutuar (e qual o seu montante, face à redação das supra aludidas cláusulas), sobre o incumprimento e sobre a subsistência da eventual dívida, sobrevindo evidentes dúvidas para mais considerando que se não invoca o incumprimento de certa e concreta prestação, antes se afirmando que a executada deixou de pagar em 1/1/2011 e que na mesma data ocorreu a resolução , ficando em dívida valor que também se não alcança por mero operação aritmética. Ademais porque aquele documento não é sequer datado, não se sabendo ainda também quando se venceria cada concreta prestação...”só podemos concluir que neste título dado à execução:
--mesmo concedendo que se não está perante uma mera proposta mas perante um contrato de abertura de crédito devidamente concretizado, ainda assim neste apenas se contêm prestações futuras ou a previsão da constituição de obrigações futuras. E, sendo assim, nem por aqui estaríamos perante um título exequível. Sendo convencionada ou prevista a constituição de prestações futuras, terá de ser anexado documento emitido na sua conformidade, demonstrativo da efectiva realização de alguma prestação ou da constituição de obrigação, no seguimento do previsto pelas partes (art. 50° do CPC).

Se não for junto tal documento complementar, que deve obedecer às condições estabelecidas no documento que constitui o título-base, não há prova da existência de obrigação dotada de força executiva (cfr. Lopes Cardoso, ob. cit., pág.73, Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 49 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2a ed., pág. 80).

Sendo pois necessário ainda que o título dado à execução - o qual pode ser constituído por vários documentos - resulte a efectividade de tal utilização. E com discriminação, necessariamente, dos montantes parcelares utilizados, e nas datas de vencimento das correspondentes prestações.

Finalmente, importa salientar que não está em causa a aplicação das regras do ónus de prova, nos termos do artº 342 do CC, tal como o apelante alega, mas apenas o uso dos poderes de rejeição ou aperfeiçoamento do requerimento executivo , à luz do artº 734 CPC ( ex –artº 820)

Síntese:

O título executivo que seja corporizado num documento particular assinado pelo devedor, para o ser, tem de importar a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias. Não constitui título executivo o documento que consubstancia uma mera proposta de concessão de crédito, não constando que o exequente efectivamente concedeu, a data em que o fez, por que montantes e quais os prazos e montantes em que deveria ser reembolsado.

Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.


Lisboa,  27/10/2016


Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas        
Rui da Ponte Gomes
Decisão Texto Integral: