Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1832/2008-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. O documento que consubstancia um contrato de concessão de crédito pessoal é título executivo, em execução fundamentada no incumprimento do mesmo contrato e na respectiva resolução pelo credor, quando a quantia exequenda coincide com o valor das prestações não pagas.
2. Neste caso não estamos perante uma indemnização mas antes mera restituição ou reembolso da quantia mutuada.
(AV)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Veio Banco… SA instaurar execução contra A…, para pagamento da quantia de € 6.888,05.
Apresentou como título executivo, documento escrito, assinado pelo executado, denominado “proposta de crédito condições particulares”.
Alegou ter celebrado com o executado um contrato de concessão de crédito, no âmbito do qual lhe foi concedido um crédito de € 5.200,00, obrigando-se o executado a pagar 36 prestações mensais de € 196,21 cada.
Contudo, o executado deixou de pagar as prestações, pelo que a exequente resolveu o contrato.

Foi proferido despacho indeferindo liminarmente o requerimento executivo, por se entender que a exequente não dispõe de título para a execução.

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Inconformada, recorre a exequente, concluindo que:
O documento dado à execução titula um contrato de crédito pessoal, por via do qual a agravante financiou o executado, ficando este obrigado ao reembolso nos termos acordados.
O contrato junto aos autos constitui um documento particular não autenticado, assinado pelo executado, importando, para este, a constituição de obrigação de pagamento à agravante de uma quantia pecuniária, determinável mediante simples cálculo aritmético.
Sendo assim título executivo, nos termos do artº 46º nº 1 c) do CPC.
Do documento resulta ainda a aparência do direito invocado pela exequente, direito que, por isso, é de presumir.
Integra também o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, oferece todos os elementos necessários à sua determinação, baliza o tipo e montante da dívida reconhecida pelo executado.

Cumpre apreciar.
A questão centra-se em saber se o documento de fls. 10, intitulado “Proposta de crédito - Condições particulares” integra ou não o conceito de título executivo.
O documento consagra um contrato de concessão de crédito pessoal, contendo o montante do crédito, as despesas e imposto de selo, o número de prestações visando o reembolso e o montante de cada uma.
Em sede de requerimento executivo, a exequente alegou que o executado liquidou apenas 7 prestações, não liquidando as 29 restantes, no valor global de € 5.690,09.

No despacho recorrido entendeu-se que “a exequente não pretende a cobrança de uma obrigação cuja constituição ou reconhecimento seja formalizado pelo título executivo, mas sim de de uma outra nascida do incumprimento da primeira, relativamente à qual não existe concreta vinculação do executado”.

Nos termos do artº 46º nº 1 c) do CPC, à execução podem servir de base “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (...)”.

Como sublinha Lebre de Freitas, “o título executivo extrajudicial ou judicial impróprio é um documento, que constitui prova legal para fins executivos e em que a declaração nele representada tem por objecto o facto constitutivo do direito de crédito ou é, ela própria, este mesmo facto” -”A Acção Executiva”, 4ª edição, p. 66.
No caso dos autos, estamos perante um documento que consubstancia um contrato de concessão de crédito pessoal. Ou seja, o Banco ora exequente disponibilizou ao ora executado a quantia de € 5.200,00 que seria reembolsada em 36 prestações mensais de € 196,21 cada.
Significa isto que o executado assumiu a obrigação do pagamento dessa quantia pecuniária diluída num dado período temporal.
Contrariamente ao afirmado pelo Mº juiz a quo entendemos que o documento não só comprova como integra a constituição de uma obrigação de reembolso. O devedor está obrigado ao pagamento da totalidade da verba creditada e demais encargos.
O documento que titula a execução é pois, em si, constitutivo da obrigação do executado.

Não se pode pois afirmar que a quantia exequenda não esteja constituída no título mas seja, ao invés, uma consequência do incumprimento do contrato consubstanciado no título.
A obrigação exequenda reconduz-se ao reembolso do crédito mutuado, sendo para o caso irrelevante que as prestações sejam de imediato exigíveis, na totalidade, com a resolução operada pela exequente. É que tais prestações são aquelas a que o executado se obrigou, são o montante em dívida do crédito que lhe foi concedido no âmbito do contrato escrito junto aos autos como título executivo.
Se a exequente viesse reclamar uma indemnização resultante, por exemplo, de danos emergentes, aí sim o documento não poderia constituir título executivo, uma vez que essa obrigação já não decorreria apenas do compromisso contratual assumido pelo executado mas também de factores extrínsecos ao clausulado contratual, nomeadamente os factos consubstanciadores de tais danos.

No presente requerimento executivo não se pretende obter senão o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido. Tal reembolso constitui obrigação expressa e pessoalmente assumida pelo devedor no contrato que agora titula a execução. O facto de as prestações em dívida serem exigíveis na totalidade, por força da cláusula 7ª nº 1 do contrato, insere-se igualmente no acervo de obrigações assumidas pelo devedor.
Não se vê pois fundamento para retirar a tal documento a força de título executivo.
No seu “Manual da Acção Executiva”, p. 33, Eurico Lopes Cardoso referia linearmente:
O que, em todo o caso, é indispensável, nos termos expressos da alínea c) do artigo 46º, para os documentos particulares poderem constituir títulos executivos, é que estejam assinados pelo devedor e que deles conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis”.
Do mesmo modo, Amâncio Ferreira sublinha que “deve, assim, o título reunir a dupla exigência de conter uma obrigação que se pretende executar e cumprir as condições formais que o apresentem apto para a execução” - “Curso de Processo de Execução”, p. 42.

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Dito isto, não deixamos de reconhecer que, na base da decisão recorrida, se acha um problema que não deve deixar de ser ponderado e que, de resto, já foi objecto de diversos acórdãos desta Relação de Lisboa, em especial o acórdão de 25/2/2003 (relator, Abrantes Geraldes).



Trata-se de saber se, estando na base da execução o incumprimento do contrato apresentado como título será este bastante para fundamentar o requerimento executivo.
Já vimos que em caso de indemnização por incumprimento contratual, resultando tal indemnização de circunstâncias não previstas no contrato, o contrato escrito não pode servir como título executivo.
Pode, contudo, levar-se a questão mais longe, nomeadamente abrangendo os casos em que a indemnização exequenda está prevista no próprio contrato.
Com efeito, mesmo que estabelecida nas cláusulas contratuais, o critério para a definição e delimitação da indemnização pode requerer ulterior indagação que não encontra suficiente suporte no documento apresentado como título.
Como refere Abrantes Geraldes, “quando a relação jurídica entra numa fase patológica, como acontece em situações de incumprimento contratual em que, a par da resolução do contrato se constitui o direito de indemnização, a obrigação sucedânea é qualitativa e quantitativamente diversa da obrigação primária, exigindo maiores indagações que, em regra, não se satisfazem com a junção do documento que titulava o contrato nem com a alegação dos factos em que se funda a resolução contratual”.

Será assim uma questão de, caso a caso, aferir a correspondência entre o documento/contrato e as circunstâncias concretamente atinentes à indemnização.
Esta tendência jurisprudencial, que subscrevemos, no pressuposto de que não seja erigida como critério rígido, mas como meio de auxílio na pesquisa concreta da relação entre o contrato e a natureza e delimitação da quantia exequenda, não se afigura contudo aplicável a casos como o dos autos, contrariamente ao que parece entender o Mº juiz a quo.

No presente processo existe uma identificação qualitativa e quantitativa entre a obrigação exequenda e a obrigação documentada no título.
O que o exequente pretende é o pagamento da totalidade das prestações em dívida. A quantia de € 5.690,09 corresponde exactamente às 29 prestações não pagas, no montante de € 196,21 cada.
Ou seja, não é requerida qualquer indemnização mas sim uma restituição – como de resto se encontra bem expresso no requerimento executivo a fls. 2.

Ora, alegado o incumprimento e a resolução contratual e pedida a restituição ou reembolso da totalidade do crédito mutuado, a exequente limita-se a suscitar a efectivação do seu direito contratual, sem que sejam necessárias ulteriores ou mais amplas indagações.
O título executivo é suficiente e a obrigação aritmeticamente determinável.

Concluiremos assim que:

1. O documento que consubstancia um contrato de concessão de crédito pessoal é título executivo, em execução fundamentada no incumprimento do mesmo contrato e na respectiva resolução pelo credor, quando a quantia exequenda coincide com o valor das prestações não pagas.
2. Neste caso não estamos perante uma indemnização mas antes mera restituição ou reembolso da quantia mutuada.


Assim e face ao exposto, revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento da execução.
Sem custas.


LISBOA, 17/4/08

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Pais