Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
159/11.1TBTVD.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
RECUSA DE CELEBRAÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Ocorre incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda de uma fracção habitacional, na situação em que o promitente-comprador avisa o promitente-vendedor de que se recusará a celebrar a escritura definitiva, na data que aquele marcar, se não estiverem instalados os elevadores previstos no projecto, quando tais elevadores não estão instalados na data marcada pelo promitente vendedor para a escritura.
-O aviso feito constitui a marcação de um prazo razoável para o cumprimento da obrigação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


C..., residente em ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra R... Ldª, com sede em ..., peticionando a final a declaração de resolução do contrato-promessa, por incumprimento da Ré, e a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €100.000,00 correspondente ao sinal prestado acrescido do dobro, e em juros legais desde a citação e até integral pagamento. 

Alegou em síntese que celebrou em 27.2.2007, com a sociedade comercial J... S.A., com sede em ..., celebraram, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma do tipo T2, correspondente ao segundo andar direito, para habitação, pelo preço acordado de € 190.000,00, que seria pago da seguinte forma: € 25,000,00, como sinal e princípio de pagamento, aquando a celebração do referido contrato-promessa; no dia 31.03.2007, € 25,000,00 a título de reforço de sinal; e o remanescente, de €140,000,00 no acto da celebração da escritura pública de venda.

A autora foi visitando o prédio com alguma regularidade, e, numa das visitas, já após ter reforçado o sinal, descobriu que as caixas dos elevadores tinham sido completamente emparedadas.

Para a decisão da A., e de seu marido, de comprar a fracção, foi fundamental a existência do elevador, sendo que junto ao processo de construção do edifício, na Câmara Municipal de Torres Vedras, existe um termo de responsabilidade em que está atestado que o projecto de instalação do elevador "observa as normas técnicas gerais e específicas de construção", motivo acrescido para a A. ficar ciente da futura existência de um elevador em funcionamento no edifício. A essencialidade do elevador era do conhecimento do representante da sociedade promitente vendedora.

A A. e o seu marido solicitaram-lhe por diversas vezes explicações sobre o emparedamento das caixas de elevador, que ele não prestou.

Ao contrário do que ficou estipulado no contrato-promessa, a promitente vendedora não marcou a escritura pública de venda, de forma a que a mesma fosse "outorgada 30 após a emissão do respectivo Alvará de Licença de Utilização", nem escreveu qualquer carta registada para a residência da A. convocando-a para qualquer escritura, como mandava a cláusula 5ª nº 1 do contrato-promessa.

A A. recebeu, em 05.12.2009, uma carta da Ré, em data muito posterior à prevista para a celebração da escritura, a comunicar-lhe que era a actual proprietária do edifício onde se situa a fracção prometida vender, e que, “com a aquisição do prédio referido em 1º, transferiram-se para a R... todos os direitos e obrigações decorrentes dos contratos-promessa celebrados”.

Atento o lapso de tempo decorrido entre a data que estava prevista no contrato-promessa para a celebração da escritura, 30 dias após a emissão da licença de utilização, e a falta de colocação e funcionamento dos elevadores no edifício, a A. deixou de estar interessada em comprar a fracção autónoma, fazendo saber à Ré que resolvia o contrato-promessa, com base no incumprimento por parte da promitente vendedora e mais lhe solicitou a devolução do sinal em dobro.

A Ré negou que tivesse havido incumprimento contratual da sua parte, concedeu à A. o prazo de 15 dias para entregar a documentação necessária, e por nova carta, convocou-a para a escritura. 

A escritura foi marcada, a A. compareceu no Cartório com o marido, lavrando a notária um certificado de comparência e da razão pela qual a A. declarava não outorgar, a saber, por já ter resolvido o contrato.

A Ré incumpriu o contrato-promessa porque não cumpriu o prazo para a celebração da escritura pública previsto no contrato-promessa e porque não cumpriu a condição essencial para que a A. celebrasse o contrato definitivo, ou seja, não tinha a funcionar o elevador no prédio.

A Ré encontrava-se em mora, atento o disposto no art. 805º nº2 al. a) do C.C. e a A. perdeu o interesse na compra da fracção atento o lapso de tempo decorrido e a falta do elevador, passando a Ré encontrar-se em incumprimento definitivo, nos termos do disposto no art. 808º nº.1 do C.C.

Contestou a ré, por impugnação, e alegando, em síntese que assumiu a posição de promitente vendedora já depois da emissão da licença de utilização, quando, na prática, já não poderia evitar a ultrapassagem do prazo previsto no contrato, não tendo por isso dado azo a mora nem a incumprimento. Mesmo antes de assumir a posição de promitente vendedora, a ora Ré comprometeu-se expressamente, na Câmara Municipal, a instalar os elevadores, não podendo por isso também ser imputada qualquer conduta, sequer negligente, à ora Ré.

A Ré retomou as diligências para celebração dos contratos, e no caso da A., convocou-a para reunião em que o seu marido informou que o restante preço seria financiado pela Caixa Geral de Depósitos, e por isso ficou à espera de ulterior contacto, sendo que apenas recebeu a carta de resolução que a A. lhe dirigiu.

A A. recusou-se a celebrar o contrato definitivo porque já tinha desistido da casa, da qual se havia desinteressado ainda antes de findar o prazo contratualmente previsto para a celebração da escritura pública (30 dias após a emissão da licença de utilização: 31 de Agosto de 2009).

A existência de elevadores nunca foi condição do contrato, não se aceitando motivos subjectivos da A. não cognoscíveis pela contraparte.

O mero atraso na realização da prestação mais não seria que uma situação de mora, que não se converteu em incumprimento definitivo. A A. não dirigiu à Ré nenhuma interpelação admonitória. Não ocorre perda objectiva de interesse na realização do contrato prometido, em virtude do atraso, sendo que a perda do interesse do credor deve ser aferida objectivamente.

De resto, a apreciação objectiva do interesse é reportada à prestação, no caso, à realização do contrato prometido, sendo que a eventual existência de vícios ou deficiências na coisa não justificam a recusa em contratar nem legitimam a pretensão resolutiva. Tais eventuais vícios só poderiam relevar, noutra sede, após a celebração do contrato definitivo.

Só o incumprimento definitivo, imputável ao promitente vendedor, confere ao promitente comprador a faculdade de exigir o dobro do que prestou.

Deduziu a Ré reconvenção contra a Autora, imputando-lhe incumprimento definitivo do contrato-promessa, após interpelação que lhe fez para a outorga, não comparência da A., e posteriores declarações inequívocas de incumprimento.

Presumindo-se aliás a culpa da A., a Ré poderá fazer sua a quantia entregue pela A.

Formulou pois o pedido de declaração de incumprimento definitivo do contrato-promessa, por causa imputável à A., com todos os efeitos legais, nomeadamente a perda do sinal de €50.000,00.

Replicou a A. ao que disse serem excepções não discriminadas expressamente pela Ré, impugnando a matéria alegada e aduzindo que nem mesmo na data marcada para a escritura, pela Ré, estavam os elevadores em condições de funcionar. A Ré assume que se transferiram para ela todos os direitos e obrigações decorrentes dos contratos-promessa celebrados, pelo que assume integralmente, sem excepções e sem limitações temporais, a posição da anterior promitente vendedora.

A A. sempre esteve de boa-fé e foi a Ré quem não cumpriu, pelo que improcederá o pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador, em que se admitiu o pedido reconvencional, se fixou o valor da acção em € 150.000,00, se admitiu a réplica, se apreciou tabelarmente os demais pressupostos processuais, se organizou a matéria de facto assente e se fixou a base instrutória, sem reclamação.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “1. Julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, declaro a resolução do contrato-promessa em causa nestes autos e condeno a Ré R... Limitada a pagar à Autora C... a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros moratórios, desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor.
2.Julgo a reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a autora/recoinvinda do pedido reconvencional contra si formulado pela ré/reconvinte.
3.Custas da acção e da reconvenção pela ré”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida em 01.03.2016, a qual julgou (i) a presente ação inteiramente procedente, por provada, e, em consequência, declarou a resolução do Contrato Promessa em causa nos autos, condenando a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 100.000,00, correspondente ao do sinal prestado, acrescida de juros, e julgou ainda (ii) a reconvenção da Recorrente totalmente improcedente, por não provada, dela absolvendo a Recorrida;
B. A Sentença recorrida não espelha a verdade dos factos tal qual decorrem dos meios de prova (testemunhal) produzidos, não tendo o Tribunal a quo procedido à adequada apreensão e valoração da factualidade em apreço, tendo incorrido, nestes termos, em verdadeiro erro de julgamento. Vejamos,

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

C.A Recorrente impugna, por considerar incorretamente julgados, os factos constantes das Alíneas GG) e HH) dos Factos Provados, conforme constantes da Sentença sub judice, os quais, no seu entender, deveriam ter sido dados pelo Tribunal a quo como não provados, nos termos propugnados nas presentes Alegações;
D.No que concerne ao facto constante da Alínea GG) dos Factos Provados, nenhuma das testemunhas ouvidas nos autos (à exceção da testemunha J..., marido da Autora) afirmou, ou deixou sequer entrever, que a Autora apenas celebrou o Contrato-Promessa dos autos porque estava projetada a existência de elevador;
E.As testemunhas J... e S... limitaram-se a referir a um conjunto de razões pelas quais a existência de um elevador seria relevante para a Autora. Do seu depoimento só pode, pois, retirar-se a conveniência e/ou utilidade, para a Autora, da existência do elevador em questão, mas não que a existência de tal elevador tenha sido essencial ou determinante na decisão da Autora de contratar (cfr. depoimento prestado pela testemunha J... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:04:50 e término em 00:06:36 e, mais à frente, com início em 00:13:36 e término em 00:14:14 e depoimento prestado pela testemunha S... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:06:50 e término em 00:06:15);
F.Tais testemunhas admitiram também não ter presenciado ou acompanhado as negociações que antecederam o Contrato-Promessa em questão, não podendo as mesmas, por conseguinte, atestar quais as razões que determinaram efetivamente a decisão de contratar da Autora (cfr. depoimento prestado pela testemunha J... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:02:04 e término em 00:02:18 e, mais à frente, com início em 00:03:16 e término em 00:04:11 e depoimento prestado pela testemunha S... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:15:30 e término em 00:16:1050);
G.As testemunhas L... e M..., também referidas pelo Tribunal a quo na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, somente tiveram conhecimento dos factos em discussão na altura em que foi marcada a outorga da escritura pública de compra e venda (Junho de 2010), por o marido da Autora, seu empregador, lhes ter solicitado que se deslocassem ao imóvel para confirmar a situação dos elevadores, pelo que nada podem atestar quanto aos motivos que ditaram a decisão da Autora de prometer comprar a fração autónoma dos autos (cfr. depoimento prestado pela testemunha L... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:02:30 e término em 00:03:00 e depoimento prestado por M... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013 (com início em 00:02:20 e término em 00:03:10);
H.Só a testemunha J... é que afirmou que na escolha da fração autónoma dos autos foi ponto fulcral a existência de elevadores. Sucede que a mencionada testemunha é marido da Autora, pelo que, não obstante não ser parte formal nos presentes autos, não deixa de ter interesse direto no desfecho do presente litígio. Por conseguinte, não pode o depoimento por si prestado fundar, por si só e sem qualquer outro meio de prova que o corrobore, a convicção do Tribunal;
I.Nesta medida, dever se julgado como não provado que a Autora apenas celebrou o Contrato-Promessa os autos porque estava projetada a existência de elevador;
J.No que respeita à Alínea HH) dos Factos Provados, nenhuma das testemunhas genericamente referidas pelo Tribunal a quo na fundamentação da sua decisão (J..., J..., S..., L...e M...) fez a mínima referência ou afirmação acerca de a Autora ter (supostamente) dado conhecimento à sociedade J... S.A. da essencialidade da existência de elevador na celebração do Contrato Promessa dos autos;
K.Acresce que nenhuma das mencionadas testemunhas (à exceção da testemunha J..., marido da Autora) teve qualquer contacto ou assistiu a qualquer contacto entre a Autora e a sociedade J... S.A. (cfr. depoimento prestado pela testemunha J... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:02:04 e término em 00:02:18 e, mais à frente, com início em 00:17:04 e término em 00:17:30 e o depoimento prestado pela testemunha S..., na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:15:30 e término em 00:16:10);
L.Pelos motivos referidos em G), o conhecimento das testemunhas L... e M... quanto aos contornos do negócio cinge-se ao que lhes terá sido transmitido pelo marido da Autora, nunca tendo as mesmas tido qualquer contacto direto com a sociedade J... Lda. (nem mesmo com a própria Autora);
M.Resulta, pois, manifesto que as supra mencionadas Testemunhas - J..., S..., L... e M... - não possuem, pois, qualquer conhecimento direto dos factos em apreço. Por conseguinte, o valor probatório do seu depoimento encontra-se irremediavelmente afetado, não relevando para a matéria que nos ocupa;
N.A própria testemunha J..., marido da Autora, afirmou que “chegou a falar” com a sociedade J... Lda., mas que “quando foi para fazer o contrato tudo foi tratado mais com a sua mulher”, nada mais acrescentando, portanto, quanto ao teor de supostas comunicações entre uns e outros (cfr. depoimento prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:05:48 e término em 00:07:07);
O.A testemunha J..., gerente da sociedade J... Lda., que negociou e celebrou com a Autora o Contrato-Promessa dos autos, foi clara e perentória ao afirmar perante o Tribunal recorrido que o assunto dos elevadores nunca foi abordado pela Autora nem antes nem depois da celebração do Contrato-Promessa dos autos (cfr. depoimento prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:04:04 e término em 00:04:30, mais à frente, com início em 00:11:20 e término em 00:11:37 e ainda, com início em 00:49:33 e término em 00:50:40);
P.A testemunha J... prestou, pois, um depoimento coerente, convincente, isento e o único com conhecimento direto dos factos, merecendo, por essa razão, a maior credibilidade quanto aos factos por si atestados. Por conseguinte, mal andou o Tribunal a quo ao fazer tábua rasa do seu depoimento;
Q. Em face de todo o exposto, deverá ser considerado como não provado que a Autora deu conhecimento da situação descrita em GG) a J... S.A.;
R.O Tribunal incorreu também em erro de julgamento na decisão quanto à matéria de facto ao não ter aditado ao elenco dos Factos Provados o seguinte facto: “A Autora apenas recusou celebrar a escritura pública de compra e venda da fração autónoma referida em A) porque nessa data, 15.06.2010, os elevadores do respetivo imóvel não se encontravam instalados e em funcionamento”;
S.Refira-se, a título prévio, que face à imediata aplicabilidade do novo CPC às acções declarativas pendentes (cfr. artigo 5.º, n.º 1 da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), a audiência de discussão e julgamento dos autos pautou-se pelas normas processuais, atualmente vigentes, o que implica que a Base Instrutória constante do Despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo deve ser reconduzida à figura dos Temas da Prova;
T.Por conseguinte, os quesitos constantes da Base Instrutória elaborada pelo Tribunal a quo não podem ser entendidos como questões de factos atomisticamente colocadas, mas sim como temas abertos, permitindo que na decisão quanto à matéria de facto sejam dados por provados factos não expressamente quesitados, mas que tenham resultado apurados em sede de instrução, face à prova produzida. É o presente caso. Vejamos,
U.Ao prestar depoimento de parte, a Autora confirmou expressamente que se os elevadores estivessem em funcionamento em Junho de 2010, a mesma teria aceite celebrar a escritura de compra e venda da fração autónoma dos autos (cfr. depoimento prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:05:09 e término em 00:08:00 e, mais à frente, com início em 00:18:59 e término em 00:20:12);
V.Considerando que tal facto é desfavorável à Autora depoente e por esta expressamente confessado, deve o mesmo ser considerado como provado;
W.Tal facto foi também corroborado pelas demais testemunhas (cfr. depoimento prestado pela J..., na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:08:50 e término em 00:10:32; depoimento prestado pela testemunha S... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:07:38 e término em 00:13:05 e depoimento prestado pela testemunha J... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:43:39 e término em 00:43:50);
X.A testemunha J... confirmou, inclusive, que não obstante terem prometido comprar outra habitação em 18.08.2009 (cfr. alínea U) dos Factos Provados), os mesmos mantinham interesse no imóvel dos autos, dada a sua numerosa família (cfr. Depoimento prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:28:48 e término em 00:30:00);
Y.Em face do exposto, deveria o Tribunal recorrido ter dado por provado que a Autora apenas recusou celebrar a escritura pública de compra e venda da fração autónoma referida em A) porque nessa data, 15.06.2010, os elevadores do respetivo imóvel não se encontravam instalados e em funcionamento;

DO RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:

Do alegado incumprimento definitivo da ora Recorrente, por inobservância do prazo contratualmente previsto para a outorga da escritura pública;
Z.Só o incumprimento definitivo – e não a simples mora – justifica a resolução do contrato promessa e a exigência do sinal em dobro ou a perda do sinal passado;
AA.Nos termos do artigo 808.º n.º 1 do Código Civil, se a mora fizer perder ao credor todo o interesse (objetivamente considerado), ou se a prestação não for realizada dentro de um prazo razoavelmente fixado pelo credor, a mesma converte-se em incumprimento definitivo;
BB.As situações de perda de interesse na prestação e interpelação admonitória constituem, pois, meios de conversão de mora em incumprimento definitivo, legitimando, por conseguinte, a resolução do contrato e, no caso dos contratos-promessa, a restituição do sinal em dobro;
CC. No caso em apreço, é pacífico que a ora Recorrente não procedeu à marcação da escritura pública no prazo estipulado na Cláusula 4.ª do Contrato Promessa para esse efeito, constituindo-se em mora no cumprimento de tal prestação;
DD.A Recorrida não dirigiu qualquer interpelação admonitória à Recorrente, fixando um prazo razoável para marcação da aludida escritura, sob pena de considerar o seu não cumprimento como definitivo;
EE.Por outro lado, os fundamentos invocados pela Recorrida para justificar a sua perda de interesse no negócio (“lapso de tempo decorrido” e “falta de elevador”) não revelam para efeitos de conversão da mora em incumprimento definitivo, nos termos previstos no artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil;
FF.Desde logo, a invocada “falta de elevadores” não resulta da mora da Recorrente, não é uma consequência dessa mora, como exige o artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil. Não foi a mora da Recorrente, consubstanciada no atraso na marcação da escritura pública de compra e venda, que determinou a falta de elevadores. Não há qualquer causa-efeito entre uma coisa e outra;
GG.A perda de interesse invocada pela Recorrida resulta, assim, de uma outra circunstância (a falta de elevadores) que não a mora da Recorrente, não tendo, por conseguinte, a virtualidade de converter tal mora em incumprimento definitivo, nos termos e para os efeitos do artigo 808.º do Código Civil;
HH.Acresce que a tão aclamada falta de elevadores não releva para efeitos da apreciação objetiva da perda de interesse, exigida pelo n.º 2 do artigo 808.º do Código Civil;
II.Desde logo porque, como supra se expôs, não resultou provado que a existência de tais elevadores tenha sido determinante na decisão da Autora de comprar a fração autónoma dos autos e, por conseguinte, de proceder à celebração do Contrato-Promessa em apreço (cfr. alíneas D) a I) das presentes Conclusões);
JJ.Por outro lado, tendo em conta os motivos invocados pela Autora para justificar o seu interesse nos elevadores (dificuldades de mobilidade dos sogros e perspetivas de vir a ter netos), há que ter presente que os seus sogros faleceram muito antes da data marcada pela Recorrente para a realização da escritura pública (cfr. alínea Z) dos Factos Provados) e que, nessa data, o seu neto teria já mais de 1 (um) ano, deixando em breve de necessitar do carrinho de bebé e dos demais equipamentos pesados a que a Recorrida se refere (cfr. alínea BB) dos Factos Provados);
KK.A falta de elevadores não é um critério ou elemento razoável que justifique, para o comum das pessoas, a perda de interesse no Contrato dos autos (perda de interesse objetivamente apreciada);
LL.O “lapso de tempo decorrido” invocado pela Recorrida é igualmente irrelevante para o efeito que nos ocupa, uma vez que o simples decurso do tempo não é suficiente para fundamentar a perda (objetiva) de interesse na celebração do contrato definitivo;
MM.Era ónus da Recorrida invocar factos e circunstâncias concretas que demonstrassem a razão pela qual em 30.08.2009 (data em que devia ter sido outorgada a escritura pública, de acordo com a convenção contratual entabulada) tinha interesse na aquisição da fracção autónoma e em 15.06.2010 (data marcada pela Recorrente para a realização da escritura pública) tal interesse já havia deixado de existir, o que a Recorrida não logrou fazer;
NN.Por fim, se a Recorrida apenas recusou celebrar a escritura pública de compra e venda da fração autónoma dos autos porque, nessa data (15.06.2010), os elevadores do respectivo imóvel não se encontravam instalados (cfr. Alíneas R) a Y) das presentes Conclusões), Tal significa, a contrario, que nessa data ainda estava interessada em celebrar o contrato prometido, isto é, ainda reconhecia utilidade na celebração do negócio (e isto não obstante ter já adquirido uma outra habitação na mesma localidade). Tal circunstância é admitida pela própria Recorrida nos artigos 65.º e 71.º da sua Petição Inicial e corroborada pelo depoimento prestado pelas testemunhas J... e J..., seus marido e irmã (cfr. depoimento prestado por J... na sessão de audiência de discussão
julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:28:48 e término em 00:30:00 e depoimento prestado por J... na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 06.12.2013, com início em 00:09:59 e término em 00:11:2864);
OO.De resto, e conforme resulta da alínea U) dos Factos Provados, o contrato-promessa tendente à aquisição da supra mencionada habitação foi celebrado antes de expirado o prazo contratualmente previsto para a outorga da escritura pública de compra e venda da fração autónoma sub judice, pelo que caso a aquisição da nova habitação houvesse provocado a perda de interesse (subjetiva) da Recorrida no negócio dos autos, então só a esta última poderia tal perda de interesse ser imputada, configurando um verdadeiro incumprimento definitivo do contrato celebrado com a ora Recorrente;
PP.É assim manifesto que, no presente caso, não se verificou qualquer perda de interesse objetiva por parte da Recorrida. Qualquer perda de interesse que tenha ocorrido será meramente subjetiva, filiando-se numa mera mudança da vontade da Recorrida, por o negócio já não ser do seu agrado. Tratar-se-á, pois, de um “mero capricho”, de uma perda infundada do interesse na prestação;
QQ.A perda de interesse invocada pela Autora não é reconduzível ao regime do artigo 808.º, n.º 2 do Código Civil, não sendo suscetível, por essa razão, de converter a mora da Recorrente em incumprimento definitivo, nem, por conseguinte de legitimar a resolução do Contrato-Promessa dos autos e a restituição em dobro do sinal prestado.

Do alegado incumprimento da ora recorrente decorrente da falta de elevadores no imóvel.
RR.O suposto “incumprimento da condição essencial da existência de elevador no prédio” imputado pela Recorrida à Recorrente não é invocado pela primeira como fundamento de resolução do Contrato-Promessa dos autos, mas tão só como uma circunstância justificativa da sua perda do interesse na celebração do contrato prometido, na sequência da mora da Recorrente. Sem prejuízo, sempre se diga o seguinte:
SS.Do Contrato-Promessa celebrado entre as partes não resulta qualquer obrigação, para o promitente vendedor (isto é, para Recorrente), de o respetivo imóvel ter elevadores instalados e em funcionamento;
TT.Por outro lado, não resultou demonstrado nos autos (e o ónus de o demonstrar era da Recorrida) que a existência de elevador no prédio tivesse sido condição essencial na sua decisão de contratar (cfr. alíneas D) a I) das presentes Conclusões);
UU.Assim como também não resultou demonstrado que tal essencialidade tivesse alguma vez sido comunicada pela Recorrida à “promitente-vendedora original”, a sociedade J... Lda. (cfr. alíneas J) a Q) das presentes Conclusões);
VV.Por conseguinte, tal “condição essencial”, a existir (o que não se concede), é totalmente inócua para a matéria que nos ocupa;
WW.Não obstante sempre se diga que, mais uma vez, a Recorrida não dirigiu à ora Recorrente qualquer interpelação admonitória, fixando um prazo razoável (e perentório) para que esta última procedesse à instalação de elevadores, sob pena de se ter a mesma por definitivamente incumprida;
XX.Por outro lado, também não se verifica qualquer perda de interesse objetiva na prestação devida, suscetível de converter a mora em incumprimento definitivo;
YY.In casu, não vêm alegados nem apurados (e o ónus de o fazer era da Recorrida) quaisquer factos ou circunstâncias que demonstrem que a Recorrida perdeu o interesse na prestação em mora, ou sejam na colocação dos elevadores pretendidos;
ZZ.Não há nos autos, de facto, quaisquer factos que possam justificar que até à data de 15.06.2010 (data da outorga da escritura pública) a Recorrida tivesse interesse na colocação de tais elevadores e que, nessa precisa data, tenha deixado de ter, recusando celebrar o contrato prometido;
AAA.Não obstante todo o exposto, o certo é que a Recorrente acolheu as “queixas” da Recorrida quanto à falta de elevadores, tendo-se comprometido a proceder à sua instalação, e o que veio efetivamente a fazer (cfr. alíneas RR) e TT) dos Factos Provados);
BBB.Concluiu-se, assim, que ainda que sobre a Recorrente recaísse qualquer obrigação de instalar elevadores no prédio (o que não se concede), a mesma apenas estaria em mora relativamente a tal prestação e nunca em incumprimento definitivo, não subsistindo, pois, qualquer fundamento para a declaração da resolução do Contrato-Promessa dos autos e da consequente condenação da Recorrente a restituir à Recorrida o dobro do sinal prestado (assim como não subsiste, também, qualquer fundamento que legitime a recusa da Recorrida em celebrar o contrato prometido);

Da Reconvenção:
CCC.Não estando a Recorrente (nem nunca tendo estado) em verdadeiro incumprimento face às obrigações por si assumidas no âmbito do Contrato-Promessa dos autos, impõe-se concluir pela falta de fundamento e consequente ilicitude quer da declaração de resolução dirigida pela Recorrida à Recorrente, datada de 03.02.2009 (cfr. Documento n.º 9 junto com a Petição Inicial), quer da recusa da Autora em celebrar a escritura pública de compra e venda, isto é, em celebrar o contrato prometido (recusa esta que não se tratou de uma recusa temporária, mas sim de uma recusa definitiva);
DDD.Ao recusar celebrar a escritura pública de compra e venda, a Recorrida incumpriu definitivamente o Contrato-Promessa celebrado, face ao disposto na respetiva Cláusula Quinta n.º 2;
EEE.O sentido da mencionada Cláusula é claro: para efeitos do cumprimento da obrigação, por parte da promitente compradora, a data indicada para a outorga da escritura de compra e venda constitui um termo final essencial;
FFF.A não comparência da promitente vendedora, na data do vencimento da sua obrigação, constituiu-a em incumprimento definitivo (e não em simples mora);
GGG.Consequentemente, e em virtude do seu (da Recorrida) incumprimento definitivo, tem a contraparte a faculdade de fazer sua a quantia entregue, conforme previsto no artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil;
HHH.Em suma, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento no que se reporta à matéria de facto apurado nos autos (nomeadamente, os factos constantes das alíneas GG) e HH) e dos Factos Provados e o facto mencionado na Alínea R) supra, bem com violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC e nos artigos 342.º, 442.º, n.º 2, 798.º, 805.º, n.º 2 alínea a) e 808.º do Código Civil.
Nestes termos (…) a) Deverá ser revogada a decisão proferida quanto à matéria de facto constante das Alíneas GG) e HH) dos Factos Provados e dado como provado o facto referido pela Recorrente sob o ponto (iii) do Capítulo II das presentes Alegações de Recurso;
b)Deverá ser revogada a Sentença proferida, substituindo-a por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a Recorrente da totalidade do pedido; e c) Deverá ser revogada a Sentença proferida, substituindo-a por outra que julgue a reconvenção deduzida pela Recorrente inteiramente procedente, por provada, declarando o Contrato-Promessa dos autos como definitivamente incumprido por causa imputável à Recorrida, com todos os efeitos legais, nomeadamente, o da perda do sinal prestado.

Contra-alegou a recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A.A decisão recorrida não merece qualquer reparo, pois resultou de uma exaustiva produção de prova, documental e testemunhal, tendo o Meritíssimo Juíz a quo feito uma valoração criteriosa e prudente das provas produzidas.
B.A Recorrente pretende colocar em causa a matéria dada como provada, em especial, pretende que os factos vertidos nas alíneas GG) e HH) não sejam dados como provados; e pretende aditar como facto provado que “a Autora apenas recusou celebrar a escritura pública de compra e venda da fracção autónoma referida em A) porque nessa data, 15.06.2010, os elevadores do respectivo imóvel não se encontravam instalados e em funcionamento”.
C.Contudo, do depoimento de parte, dos depoimentos das testemunhas J..., J..., S..., L... e M..., bem como dos diversos documentos juntos, em especial, a certidão emitida pela Câmara Municipal de Torres Vedras junta pela Recorrida em 11/06/2013 com o seu requerimento com a referência 13671269, onde é referido pelo marido da Recorrente, durante a reunião ordinária dessa Câmara ocorrida em 31/03/2009, que a opção de adquirir recaiu sobre este imóvel porque “teria elevador e tem no seu agregado familiar um elemento com dificuldades de mobilidade”, resulta claro que a “Autora apenas celebrou o acordo aludido em A) porque estava projectada a existência de elevador”, “tendo dado conhecimento da situação a J... S.A.”.
D.Os depoimentos são convergentes, e a consulta do projecto ainda antes da celebração do negócio por parte do marido da Recorrida, J..., o acompanhamento do projecto, e a sua consulta posteriormente pela irmã da Recorrida, que é arquitecta, J..., para confirmar a existência e manutenção dos elevadores no prédio, e a colocação de dúvidas sobre a futura existência dos elevadores junto da Câmara Municipal, são prova bastante para dar como provados tais factos.
E.Dos vários depoimentos e dos documentos juntos, em especial, das cartas enviadas pela Recorrida à Recorrente, retira-se que aquela ainda estaria disponível para celebrar o contrato definitivo se os elevadores, à data marcada pela Recorrente para a sua celebração, 11.06.2010, estivessem instalados e a funcionar.
F.O que não aconteceu. Aliás, a Recorrente apenas obteve os certificados de conformidade para o funcionamento dos elevadores em 04/02/2011 e 20/07/2011, como resulta da alínea TT) dos factos provados.
G.Resulta de toda a prova produzida que a Recorrida ainda estava disponível para celebrar a escritura em Junho de 2010 se os elevadores estivessem instalados e a funcionar, para não perder o seu sinal. Pois já tinha perdido o interesse na celebração do contrato definitivo.
H.Não resulta da prova produzida que “apenas recusou” por causa da falta dos elevadores.
I.A Recorrida já tinha dado a saber ao Ilustre Mandatário da Recorrente, e a esta, verbalmente e por escrito, o seu desgosto pelo imóvel, o seu cansaço, o seu desinteresse atento o decurso do prazo, e a falta de cumprimento da colocação em funcionamento dos elevadores.
J.A sua perda de interesse é consequência directa da mora da credora, aqui Recorrente, que, devida e atempadamente avisada pela Recorrida, e tendo tido tempo suficiente e razoável para o efeito, não cumpriu o contrato-promessa.
K.Não é “justo que o credor – por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento- esteja atido à vontade lassa do devedor”!
L.A Sentença recorrida resultou da livre apreciação e valoração da prova, segundo critérios práticos e realistas e lógico-dedutivos, pelo que não merece qualquer reparo.
M.Pelo que o Meritíssimo Juíz a quo julgou cumprindo escrupulosamente o imposto pelo art. 607º do C.P.C.
N.Aos factos que deu como provados, aplicou o Direito de forma irrepreensível, declarando a resolução do contrato-promessa em causa e condenando a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 100.000,00, correspondente ao sinal em dobro, nos termos do disposto no art. 442º nº.2 do C.C.
O.Ao contrário do que pretende a Recorrente, não merece a Sentença recorrida qualquer censura.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II.Direito.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
1ª-Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos factos provados sob as alíneas GG e HH, e no não aditamento à matéria provada do seguinte facto: “A Autora apenas recusou celebrar a escritura pública de compra e venda da fração autónoma referida em A) porque nessa data, 15.06.2010, os elevadores do respetivo imóvel não se encontravam instalados e em funcionamento”.
2ª-Da inexistência de incumprimento definitivo como causa de resolução do contrato promessa pela Autora.
3ª-Da existência de incumprimento definitivo por parte da A. como fundamento da procedência do pedido reconvencional.

III.Matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido:
Os factos provados são os seguintes:
-Da matéria de facto considerada assente:
A)Por acordo escrito denominado “contrato-promessa de compra e venda” subscrito pela autora C... e J... S.A., a 27 de Fevereiro de 2007, em Torres Vedras, a segunda declarou prometer vender e a primeira declarou prometer comprar, uma fracção autónoma, tipo T2, correspondente ao segundo andar direito do bloco D, para habitação, com dois espaços de estacionamento, localizados na cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua J...R..., em S...C..., freguesia da Silveira, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o nº 5..., da mesma freguesia referida, inscrito na matriz com o art.º 7577 (conforme documento de fls. 17 a 19 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
B)No escrito aludido em A) o preço acordado foi de € 190.000,00.
C)No mesmo escrito aludido em A) foi acordado entre os seus subscritores que o preço referido em B) seria pago da seguinte forma: € 25.000,00 aquando da celebração do acordo referido em A), como “sinal e principio de pagamento”; em 31-03-2007 a quantia de € 25.000,00 como “reforço do sinal” e o remanescente € 140.000,00 no acto da “escritura pública”.
D)No escrito aludido em A) foi acordado pelos seus subscritores que a realização do acordo final de transmissão do imóvel acima aludido, denominado de “escritura pública de compra e venda”, deveria realizar-se trinta dias após a emissão do alvará de licença de utilização, cuja obtenção ficou a cargo de J... S.A..
E)J... S.A. comprometeu-se perante a Autora, através do escrito aludido em A) a marcar o acto referido em D) em escritório notarial, devendo avisar a Autora por carta registada com aviso de recepção, dirigida à residência daquela, com antecedência de oito dias.
F)Ficou acordado no escrito aludido em A) que o imóvel em causa seria transmitido “livre de ónus ou quaisquer encargos e livre de pessoas e bens”.
G)No escrito aludido em A) a Autora e J... S.A. declararam “prescindir do reconhecimento notarial das assinaturas”.
H) A Autora entregou a J... S.A. na data em que foi celebrado o acordo aludido em A) a quantia de € 25.000,00 e no dia 31-03-2007 a quantia de € 25.000,00.
I)J...A...F...R..., engenheiro mecânico, técnico responsável pela instalação de elevadores da firma OTIS, subscreveu documento escrito denominado “Termo de Responsabilidade do Técnico Autor do Projecto de Elevadores – Instalações Electromecânicas de Transporte”, referente ao projecto de instalações electromecânicas de transporte de pessoas e mercadorias, relativo à obra sita em P... de S...C..., cujo licenciamento foi requerido pela Ré, declarando que o mesmo observa as normas técnicas gerais e específicas de construção, sendo o mesmo datado de 28 de Março de 2003 (conforme documento de fls. 20 que se dá por integralmente reproduzido).
J)J... S.A. declarou por escrito particular dirigido à Câmara Municipal de Torres Vedras, em 02-03-2008, “…ter optado por não instalar elevadores…” no imóvel aludido em A) (conforme documento de fls. 24, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
K)Pela Câmara Municipal de Torres Vedras foi emitido alvará de utilização nº 454/2009, datado de 31-07-2009, referente ao imóvel aludido em A) (conforme documento de fls. 26, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
L)Em 28 de Agosto de 2009, por documento escrito denominado de “escritura pública de dação em cumprimento e compra e venda com assunção cumulativa e solidária de dívida” outorgada no Cartório Notarial de Torres Vedras foi declarado por J... S.A. “…para pagamento de um milhão e trezentos mil euros… fazer dação em pagamento com a entrega de … fracções autónomas…” e pela Ré foi declarado “aceitar a dação em pagamento, destinando-se as fracções a revenda…” e mais declarou a Ré nesse acto “… a assunção cumulativa e solidária da dívida que a sociedade J... S.A. é devedora à CGD, S.A. …” (conforme documento de fls. 82 a 108 que aqui se dá por integralmente reproduzido).
M)A Ré comunicou à Autora, através de carta, redigida pelo seu mandatário, em 05-12-2009, ser a actual dona do edifício aludido em A), assumindo todos os direitos e obrigações decorrentes dos acordos anteriormente celebrados, incluindo os “contratos-promessa” (conforme documento de fls. 31 a 32, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
N)Na mesma carta aludida em M), entre outros, a Ré solicitava uma reunião com a Autora tendente a agendar a marcação da escritura aludida em D).
O)Em 16 de Janeiro de 2010 a Autora e o seu marido compareceram no escritório do representante da Ré efectuando diversas queixas e reclamações referentes à fracção aludida em A) e respeitantes à falta de elevadores.
P)Por carta registada e com aviso de recepção datada de 03-02-2010, que foi recepcionada, a Autora comunicou à Ré “…a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado com a sociedade J..., S.A., datado de 27-02-2007… por incumprimento da cláusula quarta que estipula … que a escritura definitiva … será outorgada trinta dias após a emissão do respectivo alvará de licença de utilização, … mais solicitando a devolução do sinal em dobro…” (conforme documento de fls. 33 a 34, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Q)Em resposta à comunicação aludida em P) a Ré em 10 de Fevereiro de 2010 informou a Autora não aceitar o ali alegado (conforme documento de fls. 35 a 37, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
R)Por carta datada de 04 de Junho de 2010, recebida pela Autora em 07 de Junho de 2010, a Ré convocou a Autora para a conclusão do negócio aludido em A), marcando a realização da “escritura pública” para o dia 15 de Junho de 2010, pelas 10 horas, no Cartório Notarial da Dra. A...R...A... (conforme documento de fls. 38 a 39, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
S)Por comunicação escrita subscrita pela Autora e dirigida à Ré, datada de 11 de Junho de 2010, que aquela recebeu, a Autora declarou que “… à data da reunião, não só tínhamos decidido desistir da casa, como inclusivamente já tinha assumido o compromisso de comprar outra…” (conforme documento de fls. 40 a 41, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
T)A Autora compareceu ao acto aludido em R), mas não subscreveu qualquer acordo escrito ou documento intitulado de “escritura pública de compra e venda” respeitante ao imóvel aludido em A), solicitando certificação notarial de que “…a referida escritura não se realizou por a parte compradora não ter aceite a realização da mesma, alegando já ter enviado carta registada à vendedora a pedir a resolução do contrato-promessa de compra e venda…” (conforme documento de fls. 44 que aqui se dá por integralmente reproduzido).
U)A Autora adquiriu uma outra habitação de tipologia similar e na mesma zona da aludida em A), celebrando promessa escrita para o efeito em 18-08-2009.
V)A Ré fez instalar elevador no edifício aludido em A).
- Das respostas aos números da base instrutória:
W)Antes de subscrever o acordo aludido em A) a Autora e o seu marido viram o projecto do edifício em causa … e de onde constava um elevador (resposta dada aos nºs 1 e 2 da base instrutória)
X)No processo referente à construção do edifício aludido em A), constante da Câmara Municipal de Torres Vedras, encontrava-se junto o documento aludido em I) (resposta dada ao nº 3 da base instrutória).
Y)A existência de um elevador no edifício aludido em A) facilitaria a visita à referida habitação dos sogros, dos filhos e dos futuros netos da Autora (resposta dada ao nº 4 da base instrutória).
Z)O sogro da autora nasceu a 02/08/1917 e faleceu a 17/06/2009 e a sogra da autora nasceu a 08/04/1916 e faleceu a 10/08/2007 (conf., respectivamente, certidão de fls. 191 a 193 e de fls. 194 a 196 dos autos e o disposto no art.º 607, nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil (na redacção efectuada pela Lei nº 41/2013 de 26/06, aqui aplicável ex vi do disposto no artº 5º do referido diploma))
AA)… Sendo que aquando do acordo aludido em A) os sogros da Autora tinham dificuldades em andar, sendo que, a sogra da Autora deslocava-se em cadeira de rodas (resposta restritiva dada ao nº 5 da e resposta dada ao nº 6 da base instrutória).
BB)A Autora foi avó em 25-04-2009 (conf. certidão de fls. 197 e 198 dos autos e o disposto no art.º 607, nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil (na redacção efectuada pela Lei nº 41/2013 de 26/06, aqui aplicável ex vi do disposto no artº 5º do referido diploma))
CC)Sendo utilizado para o transporte e conforto do seu neto um carrinho de bebé e vários equipamentos (resposta dada ao nº 8 da base instrutória)
DD)A Autora pretendia utilizar a fracção mencionada em A) nos tempos livres, veraneio e para viver aquando da sua reforma (resposta dada ao nº 9 da base instrutória)
EE)Após a celebração do acordo aludido em A) a Autora e o seu marido passaram a visitar o referido edifício (resposta dada ao nº 10 da base instrutória)
FF)E numa dessas visitas e após a entrega da segunda quantia aludida em H), a Autora constatou que as caixas dos elevadores haviam sido emparedadas com chapas de “pladur” (resposta dada ao nº11 da base instrutória)
GG)A Autora apenas celebrou o acordo aludido em A) porque estava projectada a existência de elevador (resposta dada ao nº 12 da base instrutória)
HH)… Tendo dado conhecimento da situação descrita em GG) a J..., S.A. (resposta dada ao nº 13 da base instrutória).
II)Na sequência do aludido em 11.º a Autora e o seu marido solicitaram explicações junto da J... S.A., sem obterem resposta (resposta dada ao nº 14 da base instrutória).
JJ)Autora e marido visitaram o edifício aludido em A) por ocasião da data referida em K) (resposta dada ao nº 15 da base instrutória).
KK)… E nessa visita constataram que não tinha sido colocado qualquer elevador (resposta dada ao nº 16 da base instrutória).
LL)A Autora e o marido diligenciaram junto da Câmara Municipal de Torres Vedras pela instalação de elevador no edifício aludido em A) (resposta dada ao nº 17 da base instrutória).
MM)Tendo obtido por parte do Sr. Presidente da Câmara de Torres Vedras, em 31 de Março de 2009, a informação de que “…se o edifício foi licenciado com elevador, só terá licença de utilização se devidamente concluído tal equipamento…” (resposta dada ao nº18 da base instrutória).
NN)Até Dezembro de 2009 a Autora não recebeu qualquer comunicação da J... S.A. ou da Ré a marcar a celebração da “escritura pública” aludida em D) e E) (resposta dada ao nº 19 da base instrutória).
OO)Aquando da realização da reunião aludida nas alíneas N) e O) supra a Autora informou a Ré do seu desinteresse pela conclusão do acordo aludido em A), tendo-lhe dado conhecimento da necessidade de instalação de elevadores para a concretização do referido negócio e informando-a, ainda, que recusaria a celebração do negócio definitivo de “escritura de compra e venda” caso os elevadores não fossem instalados e em funcionamento (resposta dada aos nºs 20, 21 e 22 da base instrutória).
PP)Na data aludida em R) e T) no edifício aludido em A) os elevadores não estavam a funcionar (resposta dada ao nº 23 da base instrutória)
QQ)Para a finalização do acordo aludido em A) a Autora não necessitou de recorrer a financiamento bancário (resposta dada ao nº 24 da base instrutória).
RR)Antes da formalização do negócio aludido em L) a Ré comunicou à Câmara Municipal de Torres Vedras que “…se comprometia à instalação de elevadores no edifício” aludido em A) (resposta dada ao nº 25 da base instrutória).
SS)Com a data de 11 de Novembro de 2009 e na sequência do pedido efectuado, a ré recebeu da Otis Elevadores, Lda. uma proposta pormenorizada relativa à aquisição e instalação de elevadores (resposta restritiva dada ao nº 26 da base instrutória).
TT)E após a concretização da situação aludida em V) obteve os respectivos certificados de conformidade, datados de 04-02-2011 (três deles) e de 07/20/2011 (um) (resposta dada ao nº 27 da base instrutória)”.

Consignou ainda o tribunal:
 “IV–Para além dos supra mencionados não se provaram quaisquer outros factos”.
E motivou a sua convicção nos seguintes termos:
“V–Motivação da decisão de facto
1.Os factos considerados provados e supra transcritos assentaram no conjunto da prova testemunhal produzida quando cotejada com a prova documental existente no processo e com as regras da experiência comum e da lógica.

Concretizando:
-Relativamente à resposta conferida ao nº 26 da base instrutória (alínea SS) dos factos provados) o Tribunal considerou, essencialmente, o teor do documento junto pela ré em audiência de discussão e julgamento datado de 11 de Novembro de 2009, salientando-se contudo que tal documento não é demonstrativo do acordo celebrado antes tratando-se de uma proposta de acordo fornecida pela empresa em causa (Otis Elevadores, Lda.);
-Quanto á resposta que foi dada ao nº 27 da base instrutória (alínea TT) dos factos provados), a convicção do Tribunal assentou, igualmente, no teor do documento junto em audiência de discussão e julgamento pela ré e relativo às declarações de conformidade em causa emitidas pela Otis Elevadores, Lda.;
-Relativamente aos factos que se deram como provados sob as alíneas Z) e BB) o Tribunal considerou o teor dos próprios documentos já mencionados nas referidas alíneas;
-Quanto à resposta conferida ao nº 25 da base instrutória (alínea RR) dos factos provados) o Tribunal considerou o teor do documento junto em audiência de discussão e julgamento pela ré e que se mostra datado de 20/07/2009.
-Relativamente ao que se deixou vertido sob as alíneas W) a Y), AA), CC) a KK) e NN) a QQ) dos factos provados o Tribunal considerou, respectivamente, os depoimentos das testemunhas J... (economista e marido da autora), J... (arquitecta e irmã da autora), S... (professora universitária e amiga da autora há cerca de 12/13 anos), L... (consultor informático e amigo do marido da autora sendo trabalhador numa empresa ao mesmo pertencente) e M... (trabalhador numa empresa do marido da autora), ressalvando-se aqui o depoimento prestado pela marido da autora que acompanhou o negócio em causa nestes autos e apesar dos laços de parentesco que o unem à autora, o seu depoimento foi prestado com objectividade e coerência, sendo conforme com as regras da experiência comum e com a demais prova documental aos autos junta (alguma já mencionada e outra a que infra se fará referência), pelo que, o seu testemunho afigurou-se-nos credível e, por isso, foi plenamente acolhido. Refira-se, igualmente, que quando foram instadas sobre tal, todas as testemunhas foram unânimes em referir que para a autora era imprescindível que os elevadores estivesse instalados e em funcionamento para que a mesma adquirisse o imóvel que prometeu comprar e que tal ainda não tinha ocorrido aquando da data aprazada para a celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel que a autora tinha prometido comprar.
Cotejado com os depoimentos das testemunhas em causa o Tribunal considerou, igualmente, o teor dos documentos de fls. 17 a 19; 20 e 21, 22 e 23; 26; 27 e 28; 29; 31 e 32; 33 e 34; 35 a 37; 38 e 39; 40 a 43 e 44 e 202 a 206 dos autos e o depoimento de parte que em julgamento foi tomado á autora C...F...I...B...N... (nºs 20 e 21 da base instrutória).
-Relativamente às respostas conferidas aos nºs 17 e 18 da base instrutória (alíneas LL e MM) dos factos provados) para além do depoimento da testemunha J... foi considerado, ainda, o teor do documento de fls. 25 e 200 dos autos.

Os depoimentos das testemunhas J... (construtor civil, tendo sido sócio gerente da empresa J...), D... (arquitecto e trabalhador da ré desde 2008), J... (técnico comercial da Otis, Elevadores, Lda. desde 09/12/2004) e J... (encarregado de elevadores da Otis, Elevadores, Lda. para que trabalha há cerca de 42 anos) não infirmaram os depoimentos das testemunhas da autora que atrás se identificaram, sendo que os depoimentos destas três últimas testemunhas reportaram-se sobretudo à temporalidade da instalação dos elevadores no imóvel em causa nestes autos, o que igualmente se mostrou corroborado pela prova documental que em sede de audiência de discussão e julgamento foi junta pela ré e com a que se mostra junta a fls. 108 a 145 dos autos”.

IV.Apreciação.

1ª-Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos factos provados sob as alíneas GG e HH (GG) A Autora apenas celebrou o acordo aludido em A) porque estava projectada a existência de elevador (resposta dada ao nº 12 da base instrutória)
HH) … Tendo dado conhecimento da situação descrita em GG) a J..., S.A. (resposta dada ao nº 13 da base instrutória) e no não aditamento à matéria provada do seguinte facto: A Autora apenas recusou celebrar a escritura pública de compra e venda da fração autónoma referida em A) porque nessa data, 15.06.2010, os elevadores do respetivo imóvel não se encontravam instalados e em funcionamento”.
Este tribunal procedeu à audição integral do julgamento.

Relativamente à alínea GG) e HH), recordemos que o tribunal fundou a sua convicção nos seguintes termos:
“- Relativamente ao que se deixou vertido sob as alíneas (…) CC) a KK) (…) dos factos provados o Tribunal considerou, respectivamente, os depoimentos das testemunhas J... (economista e marido da autora), J... (arquitecta e irmã da autora), S... (professora universitária e amiga da autora há cerca de 12/13 anos), L... (consultor informático e amigo do marido da autora sendo trabalhador numa empresa ao mesmo pertencente) e M... (trabalhador numa empresa do marido da autora), ressalvando-se aqui o depoimento prestado pela marido da autora que acompanhou o negócio em causa nestes autos e apesar dos laços de parentesco que o unem à autora, o seu depoimento foi prestado com objectividade e coerência, sendo conforme com as regras da experiência comum e com a demais prova documental aos autos junta (alguma já mencionada e outra a que infra se fará referência), pelo que, o seu testemunho afigurou-se-nos credível e, por isso, foi plenamente acolhido. Refira-se, igualmente, que quando foram instadas sobre tal, todas as testemunhas foram unânimes em referir que para a autora era imprescindível que os elevadores estivesse instalados e em funcionamento para que a mesma adquirisse o imóvel que prometeu comprar e que tal ainda não tinha ocorrido aquando da data aprazada para a celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel que a autora tinha prometido comprar”.

Insurge-se a recorrente porque, em síntese, tirando o marido da A., como parte interessada, e portanto a desconsiderar, todos os outros depoimentos foram sem conhecimento directo das negociações, sendo ainda que o depoimento do marido ressalvou que a partir de certa altura foi a mulher quem tratou das negociações, e por outro lado, a testemunha J..., depôs de modo isento e credível e com conhecimento directo dos factos.

Parece-nos que, não só a irmã da Autora como a sua amiga S..., foram absolutamente claras a afirmar que os elevadores, em vista do uso pretendido dar à casa, eram essenciais para a A.. No mesmo sentido depôs o seu marido. E note-se, a apreciação desta essencialidade deve fazer-se à data do contrato promessa, ou ainda anteriormente, altura em que os sogros da A., com dificuldades motoras, se já tinham 90 anos, ainda estavam vivos, e portanto é irrelevante saber se morreram pouco ou muito depois. Identicamente quanto a sobrinhos bebés ou netos, ou mesmo quanto à simples previsão de que, por tanto ter trabalhado na zona e tanto gostar de Santa Cruz, a Autora e o marido quereriam ali viver quando se reformassem e fossem velhos. Sobre esta situação, J... nada disse, isto é, nada abalou deste universo familiar e de amizade, com conhecimento directo da vida familiar e das exigências desta, que é o fundamento da essencialidade dos elevadores para a Autora.

Relativamente à questão da comunicação da Autora a J... sobre ela só ter celebrado o contrato porque estava prevista a construção de elevador, se é verdade que este afirmou, duas vezes pelo menos, que sobre elevadores nada se falou, também é verdade que o depoimento de J..., apesar das insistentes e demoradas inquirições oficiosas do tribunal, a fazerem perder a linha de condução da defesa dos interesses da parte ao mandatário da Ré, não tem solidez alguma. J... não deixa de aparecer em juízo como o culpado de toda a situação, a tentar defender a sua inocência mediante argumentação nada convincente. E ficámos portanto a saber que, tendo comprado a R... o terreno com projecto, e prevendo o projecto os elevadores, construiu a caixa dos elevadores, gastando o inerente excesso de betão para reforço, por via de ter de respeitar o projecto, e que decidiu, já depois da celebração do contrato promessa, não instalar os elevadores, emparedando as caixas, defendendo-se com a não obrigatoriedade de instalação porque o prédio só tinha três andares, e acabando a confessar que, apesar de ter comunicado isto à Câmara, não lhe ocorreu pedir uma alteração de projecto e menos ainda lhe ocorreu avisar a promitente compradora de que já não ia instalar os elevadores, anuindo assim à tese inquisitiva do Mmº Juiz de que o preço contratado era para um apartamento num prédio com elevador e que o prédio afinal não ia ter elevador, ou seja, que o preço pago afinal era superior ao que devia ter sido pago, com evidente violação de qualquer mínimo de boa-fé.

Portanto, salvo melhor opinião, o depoimento desta testemunha é tudo menos credível e idóneo, e dele até se retira, implicitamente, que ele sabia que a Autora prometia comprar em vista de tudo quanto lhe era prometido e estava previsto ser entregue.

E se pensarmos que quando a A. visitou o prédio, até com a sua amiga Sara, pela primeira vez, e viram as caixas de elevador, se pensarmos que as garagens eram ao nível térreo e por isso o prometido segundo andar era na verdade um terceiro, então é claro que nem precisava de ser falado se o elevador era essencial, porque implicitamente, ele estando previsto e o início de construção estando visível, ele era essencial ao próprio preço contratado e era um elemento essencial que o promitente vendedor não podia desconhecer, ou seja, praticamente era irrelevante se a A. tinha dito ao R. que a existência do elevador era essencial para ela.

Assim, numa apreciação global da prova produzida, entendemos que não incorreu o tribunal a quo em erro notório de julgamento, pelo que não se altera a decisão sobre estas alíneas. 
 
Quanto à pretensão de aditar que a A. só não celebrou o contrato porque os elevadores não estavam instalados, não foi lavrada nenhuma assentada do depoimento dela, porque, como disse o Mmº Juiz, ela nada confessou. Portanto, não é verdade que a A. tenha confessado o facto pretendido aditar. O que a A. disse foi que, mesmo após ter resolvido o contrato por incumprimento do prazo, ainda assim ponderou voltar atrás, se os elevadores estivessem instalados até à data da escritura definitiva, como forma de salvar o sinal pago, e isto porque, como resulta do seu depoimento, mas também do depoimento do seu marido, apesar de já não querer a casa para si, de lhe ter repulsa, como tinha uma família numerosa, a casa ainda podia servir para alguém da família, e ainda tinha dinheiro para a comprar, apesar de ter já negociado outra, para si, que veio mesmo a comprar. Ora, isto não é o mesmo que dizer que a A. apenas recusou celebrar a escritura porque os elevadores não estavam instalados à data desta. Isto não tem a virtualidade de eliminar a prova do desinteresse que a A. sofreu também em virtude do tempo decorrido. Note-se, é o que resulta do depoimento do marido, que a promessa realizada em 2007 era a de que as férias de Verão de 2008 já seriam passadas na casa.

Entendemos pois que não há prova suficiente do facto pretendido aditar.

Improcede assim a primeira questão.
2ª questão: - Da inexistência de incumprimento definitivo como causa de resolução do contrato promessa pela Autora.

A sentença recorrida considerou:
In casu não restam quaisquer dúvidas, em face da matéria de facto considerada provada, que a ré incumpriu em definitivo com a prestação a que se vinculou para com a autora.
Com efeito, ficou estipulado, na cláusula 4ª do contrato-promessa, que a escritura pública de compra e venda seria outorgada “30 dias após a emissão do alvará de licença de utilização, documento que cabe à representada do primeiro outorgante obter”.
À promitente vendedora cabia marcar a escritura de compra e venda em Cartório Notarial, e avisar a A., por carta registada a enviar para a residência desta, com a antecedência de 8 dias – vide cláusula 5ª nº.1 do contrato promessa.
Ficou ainda estipulado que a fracção objecto do contrato-promessa seria vendida à A. livre de quaisquer ónus ou encargos – vide cláusula 6ª do contrato promessa
A licença de utilização foi emitida em 31.07.2009 pela Câmara Municipal de Torres Vedras: alvará de utilização nº 454/2009 (alínea K) dos factos provados).
Ao contrário do que ficou estipulado na cláusula 4ª do contrato-promessa, a promitente vendedora não marcou a escritura pública de venda, de forma a que a mesma fosse "outorgada 30 após a emissão do respectivo Alvará de Licença de Utilização" e até Dezembro de 2009 a Autora não recebeu qualquer comunicação da J... S.A. ou da Ré a marcar a celebração da “escritura pública” aludida em D) e E) (alínea NN) dos factos provados).
Ficou igualmente demonstrado nos autos que a autora transmitiu à aqui ré – em 16 de Janeiro de 2010 – o seu desinteresse pela conclusão do acordo aludido em A), tendo-lhe dado conhecimento da necessidade de instalação de elevadores para a concretização do referido negócio e informando-a, ainda, que recusaria a celebração do negócio definitivo de “escritura de compra e venda” caso os elevadores não fossem instalados e em funcionamento e em resultado desta omissão da ré, por carta registada e com aviso de recepção datada de 03-02-2010, que foi recepcionada, a autora comunicou à Ré “…a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a sociedade J..., S.A., datado de 27-02-2007… por incumprimento da cláusula quarta que estipula … que a escritura definitiva … será outorgada trinta dias após a emissão do respectivo alvará de licença de utilização, … mais solicitando a devolução do sinal em dobro…” (conf., respectivamente, alíneas N), O), OO) e P) dos factos provados).
Ora, a ré conhecedora do propósito da autora não aceitou tal resolução do contrato e aprazou data para a escritura pública de compra e venda para o dia 15 de Junho de 2010, sendo que, a Autora compareceu ao acto em causa mas não subscreveu qualquer acordo escrito ou documento intitulado de “escritura pública de compra e venda” respeitante ao imóvel aludido em A), solicitando certificação notarial de que “…a referida escritura não se realizou por a parte compradora não ter aceite a realização da mesma, alegando já ter enviado carta registada à vendedora a pedir a resolução do contrato-promessa de compra e venda…”
Por último, sublinhe-se que na data aprazada para a escritura pública em causa os elevadores não estavam em funcionamento, como atempadamente tinha sido pedido à ré para o realizar, o que só sucedeu em 04/02/2011.
Afigura-se-nos, pois, o incumprimento do contrato por parte da ré”.

A recorrente defende, em síntese, que não ocorre o incumprimento definitivo do contrato, por sua parte, já que, sendo verdade que a escritura não foi outorgada, nem previamente marcada, no prazo previsto no contrato, a mora que daí resulta não se converte, só por si, sem a A. ter provado que comunicou e fixou um prazo razoável para o cumprimento, em incumprimento definitivo. Por outro lado, não se provou a essencialidade dos elevadores enquanto condição de contratar, nem a comunicação desta essencialidade, e por isso, provando-se até que o interesse da A. persistia mesmo na data da escritura definitiva, não há qualquer perda de interesse relevante. Mesmo que se provasse a essencialidade dos elevadores, então ela só releva se for assim entendida objectivamente, e não enquanto interesse meramente subjectivo.

A improcedência da questão anterior reorienta os termos desta: há que apreciar a perda de interesse objectiva, há que apreciar se a simples mora não se converte em incumprimento definitivo.

Note-se ainda que a recorrente invoca que o fundamento da resolução não são os elevadores, a sua falta, mas o simples decurso do tempo.

Sendo pacíficos os termos do direito, quanto a contrato promessa e seu regime e consequências do incumprimento, sendo pacífico que a recorrente sucedeu na posição contratual da promitente vendedora, sendo ainda claro que a escritura não foi marcada nem se realizou na data devida segundo o contrato promessa, por culpa da promitente vendedora, esta incorreu em mora.

A simples mora, nos termos do artigo 804º do Código Civil, apenas dá direito à reparação dos danos causados. Ela supõe que a prestação continua a poder ser realizada. Porém, dispõe o artigo 808º nº 1 do mesmo diploma “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.

Portanto, por duas vias podemos afirmar o incumprimento definitivo: por perda de interesse, ou por via de fixação de prazo pelo credor, ou dito de outro modo, por notificação admonitória, para obstar a que este fique eternamente vinculado. A perda de interesse é apreciada objectivamente, nos termos do nº 2 do artigo 808º citado.

Ora, a lei não estabelece nenhum mecanismo formal para a comunicação do credor ao devedor do prazo admonitório. No caso concreto, não havendo propriamente que afirmar uma perda de interesse – pois que, apesar do tempo decorrido, se mantinha o interesse em adquirir uma habitação, tanto que levou à compra de outra, em alternativa, e também porque a possibilidade de celebração da escritura não foi definitivamente excluída, admitindo a Autora que poderia ainda fazê-lo se os elevadores estivessem instalados – facto OO, parte final - a verdade é que, tendo ocorrido reunião com o representante da Ré, após a sucessão contratual e em vista da resolução do atraso e do cumprimento do contrato promessa (factos N e O), nesta reunião não só a Autora afirmou que ainda poderia celebrar a escritura, como afirmou que recusaria celebrá-la se os elevadores não fossem instalados e em funcionamento – o que tem de ler-se, à data em que fosse marcada a escritura.

Ora, com tal comunicação, verifica-se que a A., como credora prejudicada já pela mora, acabou por estabelecer uma condição para a aceitação do cumprimento da obrigação que representa simultaneamente a constituição de um prazo para o cumprimento: - até à escritura os elevadores terão de estar montados. Assim, o prazo não é fixado expressamente, mas implicitamente, e coincidiria com o prazo que a Ré observasse para a marcação da escritura. Ou seja, o prazo, porque deixado na dependência da condição de instalação a cargo da Ré, só pode ser afirmado como o mais razoável possível.

A Ré podia portanto ter marcado a escritura quando tivesse instalado os elevadores – sendo ainda certo que não está provado que tenha dado conhecimento à Autora quer de que se tinha comprometido a instalar os elevadores perante a Câmara Municipal (facto RR), quer que um pouco mais que um mês antes da reunião tinha até já recebido uma proposta para aquisição e instalação de elevadores (facto SS) – e assim sempre cumpriria o prazo estabelecido pela Autora.

Porém a Ré marcou a escritura e na data desta a condição não estava cumprida. Ou seja, a Ré não cumpre o prazo condicionado.

Donde, pode afirmar-se o incumprimento definitivo da obrigação.

É indiferente que a carta de resolução se baseie apenas na inobservância do prazo estipulado no contrato promessa para a celebração da escritura, porque antes dela foi estabelecido o prazo máximo de cumprimento – o que for preciso para instalarem os elevadores enquanto condição do meu interesse em comprar definitivamente – e porque depois dela esse prazo continuou a correr, até à marcação final da escritura sem cumprimento da condição.

É ainda indiferente que nada constasse do contrato promessa sobre elevadores, na medida em que a localização da fracção tem de ser conjugada com o projecto que previa a instalação de elevador e com a efectiva construção das caixas de elevador ao tempo de celebração do contrato promessa. Ou seja, a Autora prometia comprar uma fracção habitacional num prédio com elevador, e o preço naturalmente reflectia esse nível de equipamento do prédio.

Em conclusão, tendo a Autora comunicado, na reunião com o representante da Ré, de modo absolutamente claro, que a Ré tinha o prazo que decorreria até à marcação da escritura em função da instalação de elevadores, e tendo a Ré marcado a escritura sem ter instalado os elevadores, estando absolutamente ciente de que neste caso a Autora recusaria outorgar, entendemos que a Ré incumpriu definitivamente o contrato promessa, com a consequência legal, aliás não posta em causa no recurso, de pagamento do sinal recebido em dobro.
Improcede pois esta questão.

3ª questão:-Da existência de incumprimento definitivo por parte da A. como fundamento da procedência do pedido reconvencional.
A resposta dada à questão anterior prejudica evidentemente esta questão. A Ré podia ter marcado a escritura quando tivesse instalado os elevadores, e nesse caso a Autora não se recusaria a celebrar o contrato de compra e venda.

Em conclusão, improcede o recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Tendo decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.Decisão.
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 16 de Novembro de 2016


Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Fátima Galante
Decisão Texto Integral: