Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
383/04.3TTGMR.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
MORTE SÚBITA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- Configura-se como acidente de trabalho, ao abrigo do art.º6 da Lei n.º100/97, a morte súbita do atleta C..., por se ter apurado que foi precipitada pelo esforço físico (causa exógena) que a sua actividade enquanto futebolista profissional lhe exigiu, esforço que lhe potenciou uma arritmia cardíaca, lesão que lhe causou a morte. II- E, ainda que aquela arritmia possa ter sido consequência de uma cardiomiopatia hipertrófica, considerada uma doença genética apenas detectada ao sinistrado post mortem, resultou provado que o esforço físico despendido pelo sinistrado na sua actividade profissional, ao serviço da 2ª ré, B..., foi determinante na lesão que lhe provocou a morte, ou seja, a relação de trabalho foi determinante no resultado verificado - a morte do sinistrado – que merece a protecção do regime jurídico dos acidentes de trabalho.
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A..., nascido a 17/08/56, natural da ... , portador do passaporte nº..., residente..., com o patrocínio oficioso do Ministério Público, veio propor acção especial emergente de acidente de trabalho, contra:
Cª de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A. com sede no Largo do Calhariz, 30, 1249-001 Lisboa, e
B... S.A.D. com sede na... (Estádio ....),
Pede que a presente acção seja julgada provada e procedente e, consequentemente:
a ) Ser a R. entidade seguradora condenada a pagar ao A. com início em 26/01/04, uma pensão anual e vitalícia de € 76 776,00;
b ) Despesas de transportes, cujo valor indicará oportunamente;
c) Com juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações pedidas.
Pedido subsidiário:
- Se a R. seguradora vier a ser eximida (o que se admite por mera cautela processual), sempre será a entidade empregadora responsável pelo pagamento integral ao autor das prestações pedidas (artigo 11º do DL 143/99) pelo que se pede a condenação da 2a R. a pagar ao A. a pensão, despesas de transporte e juros constantes do pedido principal.

O autor alega que é pai do sinistrado dos presentes autos, C..., nascido em ..., o qual, no dia 25/01/04, pelas 21 horas, no estádio..., foi vítima de acidente de trabalho, quando se encontrava a jogar uma partida de futebol, que opunha o Clube D... ao Clube E..., na execução de contrato de trabalho desportivo celebrado com a 2a ré; - o sinistrado auferia a remuneração global anual de € 765 156,00 ou seja, € 63 763,00 x 12 (meses). O autor carecia do auxílio do sinistrado, que quase todos os meses transferia para a ... quantias pecuniárias destinadas ao sustento do autor e da sua família. Com a morte do filho, o autor perdeu o auxílio de que dependia para o seu sustento.
A 2a ré havia transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a co-ré mediante contrato de seguro, devidamente titulado.

Na contestação, a ré seguradora alega que a morte do atleta resultou dos factos naturais descritos no relatório da autópsia efectuada a C..., donde consta que "a vítima sofreu uma arritmia do tipo da fibrilação ventricular, pós a alteração fisiopatológica que o vitimou. Quanto à origem da fibrilação ventricular o mais provável é que a mesma tenha sido consequência de uma Cardiomiopatia Hipertrófica tendo em conta as razões nele descritas. Deste modo, tendo a morte do atleta ocorrido por causa natural, sem a ocorrência de causa externa, não pode integrar o conceito de acidente de trabalho.
A ré requereu ainda a intervenção da mãe do sinistrado para vir aos autos deduzir o pedido de reparação que entenda ser-lhe devida.

O réu, B... SAD, na sua contestação alegou acompanhar, quer quanto aos factos quer quanto ao direito, a posição da Seguradora, para quem transferiu a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, nada lhe podendo por isso ser exigido.

Foi admitida a requerida intervenção da mãe do falecido, F..., casada com A..., de nacionalidade..., portadora do passaporte nº, actualmente residente em ..., que deduziu pedidos idênticos aos do autor e com semelhante fundamentação.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, tudo ponderado, julgo a presente acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, intentada por A..., patrocinado pelo Ministério Público, e F..., parcialmente procedente por provada e, em consequência, tendo em atenção o disposto no artigo 1°, 2°, 6°, 10, 15°, 20°alínea d) e n. °2 e 26° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e 6°, 7°, 15°, 49° e 51° do Decreto - Lei n. ° 143/99 de 30 de Abril, e bem assim a Lei 8/2003 de 12 de Maio, condeno a "Ca DE SEGUROS FIDELIDADE – MUNDIAL, S.A.", a pagar:
A) Ao Autor:
A pensão anual e vitalícia no montante de € 38.388, 00, devida a partir de 26.01.04, sujeita às respectivas actualizações legais.
B) À Autora:
A pensão anual e vitalícia no montante de € 38.388, 00, devida a partir de 26.01.04, sujeita às respectivas actualizações legais.
C) E juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento sobre as prestações em atraso nos termos do disposto no artigo 135° do Código de Processo do Trabalho.
D) Mais julgo improcedente por não provada a acção quanto ao demais pedido pelos AA. absolvendo – se, nessa medida, a Seguradora e bem assim o R. "B... S.A.D. " do peticionado.

A ré, seguradora, inconformada, interpôs recurso, tendo nas suas alegações proferido as a seguir transcritas,
Conclusões:
A) Uma morte devida a doença não pode ser transformada numa morte por acidente de trabalho.
B) Muitas têm sido as mortes súbitas de jovens atletas de alta competição, não só em Portugal, mas, também, por todo o mundo, em consequência de paragem cardio­respiratória, geralmente resultado de uma anomalia cardíaca congénita – “o assassino escondido para os jovens atletas”.
C) Apesar de serem várias as mortes de jovens atletas em acção, nunca ninguém se lembrou de transformar as mortes destes atletas, devidas a patologias cardíacas, em mortes por acidente de trabalho - se se procurar na jurisprudência, não há registo dum único acórdão que aborde a morte súbita do jovem atleta de alta competição, nem no âmbito de processos emergentes de acidentes de trabalho nem em qualquer outro.
D) Apesar da inexistência de orientação doutrinal ou jurisprudencial sobre o tema – que indicia, desde logo, que tais mortes não constituem acidente de trabalho –, os pais do malogrado C... conseguiram que o Tribunal "a quo" decidisse que, sofrendo o seu filho de miocardiopatia hipertrófica, que é uma doença cardíaca genética, a sua morte (que foi devida a arritmia cardíaca - fibrilação ventricular - em consequência de miocardiopatia hipertrófica) constituiu um acidente de trabalho.
E) A Meritíssima Juiz "a quo" concluiu no sentido de se ter verificado um acidente de trabalho, mas não identificou qual foi a causa externa, súbita e violenta, que atingiu o malogrado C..., ou, dito de outro modo, não identificou o acontecimento repentino, inesperado e externo à pessoa do futebolista, com ligações ao trabalho, que desencadeou a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular).
F) C... faleceu devido a patologia de origem endógena, doença de que já padecia antes de cair inanimado em pleno relvado do Estádio do Clube E...
G) Faz parte do trabalho de qualquer futebolista correr durante os treinos e durante os jogos de futebol, com bom ou mau tempo, com sol ou com chuva, sob temperaturas mais baixas ou mais elevadas e sujeitar-se a admoestações durante os jogos com cartões amarelos ou cartões vermelhos e às indicações dos seus treinadores.
H) As condições em que C... jogava eram exactamente iguais para os restantes intervenientes no jogo, estando ele a jogar apenas há 30 minutos.
1) Nada de anormal aconteceu que fosse alheio à sua própria condição física.
J) Acidente de trabalho é definido na jurisprudência e na doutrina, como "o evento em que uma causa externa, súbita e violenta, atinge um trabalhador, no local e no tempo de trabalho, provocando-lhe, directa ou indirectamente, lesão corporal" ou "todo o acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado".
L) Presumindo-se consequência de acidente de trabalho a morte por patologia cardíaca no local e tempo de trabalho, essa presunção fica ilidida com a prova de que não ocorreu qualquer evento súbito, de natureza exógena, no local e tempo de trabalho, que C... sofria de miocardiopatia hipertrófica (doença cardíaca genética), e que a sua morte foi devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência da miocardiopatia hipertrófica.
M) Como não foi qualquer acontecimento súbito e exterior à constituição física que provocou a perda de conhecimento, a paragem cardíaco-respiratória e a morte - falhando, assim, o elemento causa-efeito por ausência de causa -, não se pode afirmar que houve um acidente de trabalho.
N) Nas conclusões do Relatório de Autópsia consta que "...é de admitir que a morte de C.... tenha sido devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em consequência de cardiomiopatia hipertrófica. Esta é causa de morte natural.
O) A morte de C.... foi devida a causas endógenas - apresentava "alterações histopatológicas tais como desarranjo arquitectural, hipertrofia dos miocitos, aumento do volume dos núcleos e focos de colagénio e alterações dos vasos intramiocárdicos (hipertrofia da túnica média e hiperplasia subintimal); Peso do coração (600 gramas), o qual tendo em conta o peso do indivíduo (de 80 quilogramas) e apesar da sua condição de atleta se considera elevado; e Área compatível com ligeira fibrose do tracto de saída do ventrículo esquerdo".
P) A Meritíssima Juiz "a quo" ter-se-á deixado impressionar com o facto de o exercício normal da profissão do futebolista ter sido precipitante da sua morte e terá visto no desenvolvimento da sua actividade o elemento externo caracterizador do acidente de trabalho.
Q) O exercício normal da actividade do futebolista não constitui nem pode constituir um facto súbito, imprevisto e externo, estranho à constituição orgânica dele.
R) A Meritíssima Juiz "a quo" cometeu um erro ao concluir pela verificação de um acidente de trabalho, omitindo a necessidade de um acontecimento ou evento de origem externa, elemento essencial na caracterização de um acidente de trabalho.
S) Por outro lado, considerou que, "face à presunção (do artigo 7°, n°1, do DL. 143/99) ... a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) de que o sinistrado foi acometido no tempo e local de trabalho, presume-se determinada por acidente de trabalho", ou seja, presumiu que a arritmia cardíaca (e a consequente morte) foi determinada por acidente de trabalho.
T) Mas, apesar de fazer actuar a presunção, concluiu, mais adiante, que "Deste modo, dúvidas não nos restam de que estamos diante de um verdadeiro acidente de trabalho: ocorreu subitamente no local e no tempo de trabalho e a morte foi, sem dúvida, precipitada pelo desenvolvimento da actividade do sinistrado como futebolista profissional estando em pleno exercício físico e dela não pode ser dissociada de forma alguma", ou seja, concluiu pela existência de um acidente de trabalho depois de ter considerado a sua verificação presumida.
U) A morte de C... deveu-se a causa natural – a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de cardiomiopatia hípertrófíca. Por isso, não havia que operar qualquer presunção.
V) A cardíomiopatia hipertrófica é uma doença do miocárdio (músculo cardíaco) caracterizada por hipertrofia (espessamento) ventricular esquerda, com um envolvimento predominante do septo interventricular, na ausência de outras causas de hipertrofia. Tem uma grande variabilidade inter e infra-familiar, variando entre formas benignas e formas malignas com um elevado risco de insuficiência cardíaca e morte súbita.
X) Para a Meritíssima Juíza "a quo" o exercício normal da profissão é o suficiente para caracterizar como acidente de trabalho a morte de doentes com miocardiopatia hipertrófica, ou seja, decidiu inovar: um doente que morre da doença no decurso normal da sua actividade profissional, sofre um acidente de trabalho.
Z) A sentença é injusta, não é compatível com a realidade dos factos e com prova produzida, viola o conceito de acidente de trabalho estabelecido no artigo 6° da lei 100/97 e a presunção estabelecida no artigo 7°, n°1, do DL 143/99.

Nas contra-alegações apresentadas, quer pelo MP, quer pelo advogado dos autores, estes pugnaram pela confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir

I. Tal como decorre das conclusões do recurso interposto pela seguradora, que delimitam o seu objecto, a questão essencial é a de saber se a morte do sinistrado, jogador de futebol e atleta de alta competição que morreu no exercício da sua actividade, integra o conceito de acidente de trabalho.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. C..., ora sinistrado, nasceu em a 20/07/1979, filho de A...e F..., documento de fls. 297;
2. Por contrato de trabalho desportivo celebrado, no dia 07 de Julho de 2002, o falecido C... foi admitido ao serviço da Ré, B... SAD, para, em sua representação, sob a sua autoridade e direcção, prestar a esta a sua actividade de jogador profissional de futebol de categoria sénior, sendo praticante desportivo profissional, atleta de alta competição – documento de fls.370 a 377;
3. No dia 25 de Janeiro de 2004, no estádio ...., pelas 21h, o sinistrado encontrava – se a jogar uma partida de futebol, que opunha o Culbe D... ao Clube E..., na execução de contrato de trabalho desportivo celebrado com a 2ª ré;
4. O falecido era beneficiário da Segurança social com o n°... e tinha residência na Rua...;
5. O sinistrado, à data da morte, auferia da 2a Ré a remuneração global anual de € 765 156,00 ou seja, € 63.763,00 Euros x 12 (meses);
6. O sinistrado veio a falecer, no dia 25 de Janeiro de 2004, às 23h10m, no Hospital... – certidão de óbito de fls. 285;
7. O relatório da autópsia levado a cabo pelo Sr. Dr. AS..., Gabinete Médico Legal de..., datado de 06 de Abril de 2004, e constante de fls. 115 a 137, onde designadamente se conclui:
“ … em 1° lugar que em face dos dados necrópsicos, do resultado dos exames histológicos e toxicológicos e da informação clínica colhida, é de admitir que a morte de C... tenha sido devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em consequência de cardiomiopatia hipertrófica; 2° esta é causa de morte natural e 3° O exame toxicológico feito ao sangue não revelou a presença de álcool etílico, drogas de abuso (opiáceos, cocaína e metabolitos, canabinoides,anfetaminas); medicamentos (anticonvulsivos, ansiolíticos, antidepressivos, neurolépticos); ou esteróides anabolizantes;
8. O "B..., SAD" havia transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a Companhia Fidelidade Mundial, S.A. através de contrato de seguro, titulado pela apólice n° ..;
9. A tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória, no dia 21 de Janeiro de 2005, frustrou-se, porquanto a ré seguradora aceita que a ré entidade patronal é titular de um contrato de seguros do ramo de acidentes de trabalho, a que se refere apólice, e também aceita que o sinistrado auferia o salário anual de € 765 156,00, não aceitando, porém, a existência e caracterização do acidente como de trabalho, pelo que não aceita qualquer responsabilidade pelo mesmo, auto de fls. 268 a 271;
10. Em tal diligência "B..., SAD" aceitou que o sinistrado auferia o salário acima referido e a transferência da sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré Companhia de Seguros, mas já não aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho por considerar que C... morreu de "doença natural, conforme relatório de autópsia junto aos autos"- documento cit.;
11. Os AA. são os únicos e legítimos herdeiros legais e os únicos beneficiários legais do malogrado jogador profissional de futebol, conforme certidão de habilitação de herdeiros -"certificado de herança" junto a fls. 151 a 155;
12. A miocárdiopatia hipertrófica de que o falecido sofria apenas foi detectada post mortem, não obstante os exames médicos e clínicos a que o sinistrado foi regularmente submetido (cfr. documentos juntos aos autos a fls. 63 a 114 e relatório da autópsia);
13. A morte de C... foi devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de cardiomiopatia hipertrófica – também designada miocardiopatia hipertrófica;
14. O sinistrado tinha excelente compleição física - porte atlético – não tendo demonstrado fraqueza ou cansaço anormais, tanto na sua vida particular como na actividade profissional;
15. À data da morte do filho, o A. encontrava – se a trabalhar no restaurante adquirido pelo sinistrado, carecendo do auxílio deste, que quase todos os meses transferia para a ... quantias pecuniárias destinadas ao sustento do A. e da sua família;
16. O sinistrado sofria de miocardiopatia hipertrófica (também designada cardiomiopatia hipertrófica) - mas que não fora ainda detectada apesar de o mesmo ter sido submetido aos exames médicos pertinentes – e que o desenvolvimento da actividade como futebolista profissional do sinistrado – em pleno exercício físico no jogo de futebol que se encontrava a disputar – foi precipitante da sua morte;
17. O jogo de futebol em apreço disputava-se com chuva (precipitação cujo total acumulado deverá ter atingido um valor da ordem de 5, milímetros) e entre 12,5°e 13,5°C de temperatura;
18. No desenrolar do aludido jogo de futebol – jogando há cerca de 30 m, nas condições climatéricas referidas na resposta anterior e após a amostragem de um cartão amarelo (admoestação disciplinar), o sinistrado inclinou-se subitamente para a frente e, acto contínuo, caiu inanimado no relvado com perda de conhecimento e paragem cardio-respiratória;
19. O sinistrado na época 2003/2004 havia realizado 14 jogos oficiais, ao serviço do empregador, tendo apenas sido admoestado disciplinarmente com um cartão amarelo no último jogo;
20. O sinistrado era um jogador disciplinado;
21. O jogador foi assistido no relvado tendo – lhe sido efectuadas as manobras básicas de reanimação e, pelo facto de se encontrar molhado, não foi utilizado o disfribilhador;
22. À data da ocorrência, a A. encontrava – se a trabalhar no restaurante adquirido pelo sinistrado;
23. Era o sinistrado quem, desde há uns anos e até à data da sua morte, provia ao sustento da Autora e seu marido, sendo certo que esta e aquele dependia (m) para o respectivo sustento das contribuições monetárias que aquele lhe (s) fazia/enviava;
24. Tais contribuições monetárias eram-lhe enviadas/transferidas pelo sinistrado para a ... com uma periodicidade quase mensal, sendo que em alguns meses mais do que uma vez;
25. A Autora carecia para o seu sustento, nomeadamente para fazer face às despesas com alimentação, vestuário, deslocações, da casa e pagamento do empréstimo bancário, do auxílio económico do sinistrado;
26. No dia 03 de Junho de 2002, a A., juntamente com o seu marido, contraíram um empréstimo bancário à habitação, cuja prestação mensal importava e importa a quantia mensal de 63.690 Ft. (equivalente, à data, a cerca de € 254,76/mês (1 € = 250 florins), sendo que actualmente corresponde a € 225,85 (1€ = 282 florins);
27. A decisão de adquirir a casa e contrair tal empréstimo foi então determinada exclusivamente pelo auxílio monetário que o sinistrado lhe(s) prestou e prestava, incluindo para pagamento da prestação mensal relativa ao empréstimo, sendo exclusivamente com estas contribuições monetárias do sinistrado que os AA. faziam face a tais prestações;
28. Em consequência de ter perdido o auxílio de que dependia para o seu sustento, os AA. ficaram em situação económica bastante difícil, vivendo com grandes dificuldades desde então;
29. A A. teve necessidade de se empregar, auferindo no ano de 2004 rendimentos de trabalho 81.267 Florins e em 2005 auferia um ordenado mensal líquido de 37.335 Florins, estando desde 2008 a trabalhar numa loja de roupas;
30. Provado apenas o que consta das respostas aos artigos 1°, 4°, 11° e que o exercício físico inerente à actividade do sinistrado que estava a ser desenvolvido aquando do ocorrido potenciou a arritmia cardíaca;
31. Provado apenas o constante das respostas aos artigos 1°, 4°, 11° e 20°;
32. Provado apenas que após a amostragem do cartão amarelo o sinistrado esboçou um sorriso;
33. Exercendo o atleta falecido a profissão de futebolista há vários anos – jogou três anos no RG..., entre 1995 e 1998, ingressou no Clube J… na época de 1998/99, e, depois, jogou no Clube G..., Clube H..., Clube I e Clube D... -, tinha de efectuar e estar sujeito a esforço físico e emocional, quer durante os treinos diários, quer durante as partidas de futebol, sob sol, chuva e frio;
34. Aquando do ocorrido, C... estava a jogar há cerca de 30 minutos;
35. A miocardiopatia hipertrófica é uma doença cardíaca genética.

III. Fundamentos de direito

Como acima se referiu, a questão essencial suscitada pela seguradora/ recorrente é a de saber se a morte do sinistrado, jogador de futebol e atleta de alta competição, causada por uma lesão, arritmia cardíaca, que ocorreu no exercício da sua actividade durante um jogo de futebol, integra o conceito de acidente de trabalho, à luz do regime jurídico aplicável, Lei n.º100/97 de 13 de Setembro, como foi entendido pelo tribunal a quo.
Discordando do entendimento perfilhado na sentença recorrida, a recorrente aduz, no essencial, dois fundamentos, a saber:
a) - As mortes súbitas de jovens atletas de alta competição, que enumera a fls.3 das alegações, enunciando 24 nomes de atletas, incluindo o de C..., que desde 1967 morreram em plena acção desportiva, não só em Portugal, como por todo o mundo, nunca foram consideradas mortes por acidente de trabalho; alegando, ainda, que não há jurisprudência conhecida que aborde a morte súbita do jovem atleta de alta competição no âmbito de um acidente de trabalho.
b) – Com um segundo fundamento, mais concretizado, a recorrente entende que a matéria apurada não permite concluir pela existência de acidente de trabalho, atenta a ausência de uma causa externa que pressupõe o conceito de acidente de trabalho pois apenas se provou que o sinistrado morreu por uma patologia endógena, ou seja, doença cardíaca de que já padecia antes de ter caído inanimado em pleno jogo de futebol, concluindo assim que nada de anormal aconteceu que fosse alheio à sua própria condição física.
Vejamos se lhe assiste razão:
- Quanto ao fundamento mais genérico que as mortes súbitas de jovens atletas de alta competição, que a recorrente enuncia, ocorridas desde 1967, em plena acção desportiva, não só em Portugal, como por todo o mundo nunca foram considerados como mortes por acidente de trabalho, não pode ser acolhido, pois desconhecemos as circunstâncias em que ocorreram, o grau de protecção que detinha cada um dos atletas, bem como o grau de tutela concedido pelos respectivos ordenamentos jurídicos. Mas, também, a invocada ausência de jurisprudência foi, desde logo, contrariada pelo Ministério Público que, nas suas contra-alegações, citou alguma jurisprudência nacional e europeia com relevância para a situação em apreço, designadamente o Acórdão de Relação do Porto de 17.09.2009, disponível no site da dgsi, que julgou acidente, coberto pela respectiva apólice de seguro, a morte súbita de um futebolista amador, onde se pode ler: “Constitui acidente pessoal, abrangido pela previsão constante da respectiva apólice de seguro, a morte de um futebolista amador, de 17 anos de idade, que caiu no chão, inanimado, na sequência do esforço físico a que foi submetido em treino de preparação para os jogos do fim de semana, não obstante o relatório da respectiva autópsia revelar – o que não era do conhecimento da vítima – que o coração apresentava graves malformações, vegetações de todas as válvulas, nomeadamente da aorta, que apresentava ligeira estenose, ocorrendo tromba fibrinótica da coronária e concluindo-se que a morte ocorreu em consequência de degenerescência mixomatosa valvular global, afectando de forma grave a válvula aórtica”
Por outro lado, o nosso ordenamento jurídico não assenta na regra do precedente pelo que importa apreciar o caso em concreto, sendo certo que a sentença recorrida constitui, desde já, uma decisão judicial com entendimento diverso da recorrente.
- Analisemos então o conceito de acidente de trabalho, à luz do regime jurídico vigente à data dos factos. A definição legal de acidente de trabalho consta do art.º6 da Lei nº 100/97 (LAT) que, no seu nº1, dispõe:
“É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”
Assim, como elementos desta noção temos a existência de um acidente verificado no local e tempo do trabalho que cause, directa ou indirectamente (conforme exista ou não concorrência ou interferência de outra causa para a produção da lesão ou doença, art.º9 da Lei n. °100/97, de 13.09) lesão corporal, perturbação funcional ou doença e que delas resulte a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou ganho. Carece, pois, a figura em apreço da verificação de um nexo de causalidade entre a relação de trabalho e o facto naturalístico, entre este e a lesão corporal, perturbação funcional ou doença, e entre estas e a morte ou a redução na capacidade de ganho.
Com relevância para o caso, importa ainda salientar o n.º1 do art.º7 do DL n.º 143/99 de 30 de Abril, decreto regulamentar da LAT, ao dispor que a lesão constatada no local e no tempo de trabalho presume-se, até prova em contrário, consequente do acidente.
A questão suscitada pela recorrente, saber o que é acidente no âmbito do conceito de acidente de trabalho, tornou-se desde logo uma vexata questio, pois não é concretizado no referido conceito que apenas refere como acidente de trabalhoaquele que…”, ou seja, uma parte do definido entra na própria definição; não definindo a lei o que é acidente, a jurisprudência tem recorrido ao sentido usual e corrente que costuma dar-se àquela expressão, ou seja, como refere Cruz de Carvalho, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, Petrony, 1980, pág.26, citando Cunha Gonçalves, “ o acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa”. Também Vítor Ribeiro, em Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, Rei Livros, 1984, pág. 207” e ss, assinalava: “A doutrina e a jurisprudência, confrontadas com situações frequentes em que não é fácil distinguir se uma certa lesão ou doença constatadas são consequência de acidente ou se, pelo contrário, resultam de um processo qualquer de deterioração da saúde, súbito ou progressivo, mas alheio a qualquer acontecimento exterior ao doente, procuraram fixar uma noção de acidente no sentido naturalístico. Este será o acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.”
E, assim, em torno da causa exterior que parece estar subjacente à ideia de acidente, se têm levantado inúmeras dúvidas, designadamente, se a origem da lesão tinha que resultar de uma acção directa sobre o corpo humano ou se bastava uma acção indirecta; se ela tinha que ser clara, visível, evidente ou se podia actuar insidiosamente; se devia ser de percepção imediata; se tinha que actuar de forma violenta, através de choque, de golpe ou de qualquer outro contacto semelhante ou se podia insinuar-se sem violência.
Todavia, nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente, como bem refere e exemplifica Carlos Alegre, em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” – Regime Jurídico Anotado – 2ª edição, pág.36 e ss.
Ora, é com base neste elemento – acidente – que a recorrente baseia a essência do seu recurso, alegando que a morte da vítima se deveu a patologia de origem endógena e assim com ausência de causa externa, ou seja, não houve qualquer acidente pois não se verificou qualquer acontecimento repentino, inesperado e externo à pessoa do futebolista, com ligações ao trabalho, que tivesse desencadeado a arritmia cardíaca; para reforçar este entendimento invoca três acórdãos, transcrevendo alguns excertos que considera relevantes, a saber;
Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 10.10.2007, in dgsi:
"1. Acidente é todo o acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado...
3. O enfarte agudo do miocárdio sofrido por um trabalhador no local e tempo de trabalho, que lhe provoca a morte, presume-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho
4. Essa presunção ficará, no entanto, ilidida se a entidade empregadora provar que não ocorreu qualquer evento súbito, de natureza exógena, no local e tempo de trabalho e que a vítima sofria de aterosclerose coronária que lhe determinou o referido desfecho".
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.09.2007, in dgsi :
"1 – Entende-se por “acidente” o acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa" ….
Com efeito, apesar de o malogrado (A) ter falecido quando se encontrava, no exercício da sua função de motorista de serviço público, ao serviço da R. "Transportes... S.A.", a conduzir um autocarro desta R. (portanto no local e no tempo de trabalho), o relatório da autópsia indicou como possível causa de morte: 1-isquémia do miocárdio; 2-encefalopatia vascular e 3-doença hepática crónica…
As pessoas com doença cardíaca não sujeitas a stress também são susceptíveis de sofrer ataques cardíacos. Daí que, para que pudéssemos considerar a isquémia do miocárdio como resultante de acidente de trabalho era indispensável que tivessem sido trazidos aos autos factos que comprovassem que, imediatamente antes do colapso cardíaco, o trabalhador tinha sido sujeito, no local e no tempo de trabalho a um qualquer incidente susceptível de desencadear o colapso e, no caso, isso não se verifica pois que nada foi sequer alegado nesse sentido. Em suma, os elementos de facto conhecidos não nos permitem concluir que a morte do (A) tivesse sido provocada por qualquer causa estranha à constituição orgânica da vítima que se tivesse manifestado de modo súbito e violento, pelo que não podemos sequer considerar que tivesse havido um evento ou acidente em sentido naturalístico.
Assim sendo, faltando um dos elementos integradores do conceito normativo de acidente de trabalho, nunca poderia concluir-se pela existência, no caso dos autos, de um acidente dessa natureza…” (sublinhado nosso). Este acórdão foi subscrito pela presente relatora e 1º adjunto, na qualidade de desembargadores adjuntos.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2003, in dsgi:
“...se é certo que o trabalho e os desapontamentos e stress por ele provocados possam, às vezes, contribuir para o desencadeamento dum ataque cardíaco, a verdade é que não podemos dizer nunca, em tal situação laboral, que houve um acidente de trabalho, se não ocorreu no momento desse ataque um qualquer acontecimento repentino, inesperado e externo à pessoa do trabalhador, com ligações ao trabalho prestado, que o tenha gerado. (sublinhado nosso)
A recorrente, com base nestes arestos, conclui que no caso em apreço não foi qualquer causa externa que provocou a perda de conhecimento, a paragem cardíaco-respiratória (arritmia cardíaca no contexto duma doença designada por miocardiopatria hiperprófica) e a morte, falhando, assim, o elemento causa-efeito por ausência de causa. Não tendo ocorrido qualquer acontecimento repentino, inesperado e externo à pessoa do atleta, com ligações ao trabalho prestado, que tenha gerado a arritmia cardíaca por miocardiopatia hipertrófica, não se pode afirmar que houve um acidente de trabalho.
Na verdade, nos referidos acórdãos chega-se à conclusão que por não se verificar qualquer acontecimento exterior, exógeno ao trabalhador, com ligações ao trabalho, que tenha provocado a morte dos respectivos sinistrados, já que as mortes ocorreram em virtude de problemas cardíacos agudos, não se pode afirmar que tenha existido algum acidente de trabalho.
Mas, nos mesmos acórdãos, também, se conclui que se tivesse sido feita a prova da existência de algo exterior ao trabalhador que contribuísse ou que determinasse os referidos problemas cardíacos que provocaram as respectivas mortes, com ligações ao trabalho prestado, então, nessas situações, ter-se-ia de configurar a ocorrência de um acidente de trabalho.
Com efeito, a responsabilidade objectiva emergente de acidentes de trabalho baseia-se no risco que é inerente ao exercício de qualquer e toda a actividade profissional, fazendo recair sobre os empregadores, que com ela beneficiam, a obrigação de reparar os danos correspondentes. Assim, a referência a um acontecimento externo tem apenas em vista excluir do âmbito dos acidentes de trabalho situações em que a lesão que provocou a incapacidade ou morte não se relaciona com a actividade desenvolvida sob a autoridade de outrem, ou seja, nas situações em que o dano decorre de uma realidade que apenas diz respeito ao trabalhador, a denominada causa endógena, e nada tem que ver com a actividade desenvolvida.

Mas, no caso, resultou provado que:
- No dia 25 de Janeiro de 2004, no estádio..., pelas 21h, o sinistrado encontrava-se a jogar uma partida de futebol, que opunha o Culbe D... ao Clube E..., na execução de contrato de trabalho desportivo celebrado com a 2ª ré; (facto 3º)
- No desenrolar do aludido jogo de futebol – jogando há cerca de 30m, nas condições climatéricas referidas e após a amostragem de um cartão amarelo (admoestação disciplinar), o sinistrado inclinou-se subitamente para a frente e, acto contínuo, caiu inanimado no relvado com perda de conhecimento e paragem cardio-respiratória; (facto 18º)
- O relatório da autópsia levado a cabo pelo Sr. Dr. AS..., Gabinete Médico Legal de..., datado de 06 de Abril de 2004, e constante de fls. 115 a 137, onde designadamente se conclui:
“ … em 1° lugar que em face dos dados necrópsicos, do resultado dos exames histológicos e toxicológicos e da informação clínica colhida, é de admitir que a morte de C... tenha sido devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em consequência de cardiomiopatia hipertrófica; 2° esta é causa de morte natural…; (facto 7º)
- O sinistrado sofria de miocardiopatia hipertrófica (também designada cardiomiopatia hipertrófica) – mas que não fora ainda detectada apesar de o mesmo ter sido submetido aos exames médicos pertinentes – e que o desenvolvimento da actividade como futebolista profissional do sinistrado – em pleno exercício físico no jogo de futebol que se encontrava a disputar – foi precipitante da sua morte; (facto 16º)
- O exercício físico inerente à actividade do sinistrado que estava a ser desenvolvido aquando do ocorrido potenciou a arritmia cardíaca; (facto 30º)
- A miocardiopatia hipertrófica é uma doença cardíaca genética. (facto 35º)
Ora, destes factos resulta que a lesão, arritmia cardíaca, que terá sido a causa de morte do sinistrado, provavelmente, em consequência de uma causa endógena do próprio que sofria de cardiomiopatia hipertrófica, mas porque tendo ocorrido em pleno esforço físico – no jogo de futebol que se encontrava a disputar – foi precipitante da sua morte; ou seja, ficou provado que a lesão (arritmia cardíaca) que causou a morte ao sinistrado despoletou-se por causa do esforço físico que o sinistrado desempenhava na altura, enquanto participante do jogo de futebol em curso, no âmbito da sua actividade profissional.
Existe assim uma relação directa entre a lesão que provocou a morte do sinistrado (arritmia) e o desenvolvimento da sua actividade como futebolista profissional, já que foi o esforço físico (causa exógena) que despendia na altura que foi precipitante da lesão que lhe causou a morte.
Assim sendo, a causa adequada à morte do sinistrado – a arritmia cardíaca – ocorreu porque o sinistrado se encontrava em pleno esforço físico no desenvolvimento da sua actividade de futebolista, pois provou-se que foi esse esforço que precipitou o desenvolvimento da arritmia cardíaca, a lesão que lhe provocou a morte, ainda que provavelmente em consequência de uma cardiomiopatia hipertrófica, considerada uma doença cardíaca genética, sendo certo que, como decorre do disposto no art.º9 da LAT, quando a lesão consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, a reparação avaliar-se-á como se tudo dele resultasse.
Por outro lado, a lesão que provocou a morte do sinistrado ocorreu no tempo e no local de trabalho pelo que presume-se consequência do acidente, face à presunção, acima referida, consignada no n.º1 do art.º7 do DL n.º 143/99, na medida em que, como vimos, a seguradora não conseguiu demonstrar que não foi por causa do esforço físico do atleta/sinistrado, no exercício da sua actividade profissional, que ocorreu a lesão que lhe provocou a morte.
É certo que o esforço físico era inerente à sua actividade profissional, como por diversas vezes foi salientado pela recorrente, porém, esse esforço só deveria ocorrer se o sinistrado não tivesse a doença que veio a verificar-se que padecia – cardiomiopatia hipertrófica. Da prova produzida, designadamente dos relatórios dos peritos, podemos concluir que alguém que sofra de cardiomiopatia hipertrófica não deve ser admitido como profissional do futebol, uma vez que o esforço físico que lhe é exigido é potenciador do desenvolvimento de arritmias cardíacas que podem provocar a morte. Contudo, resultou provado que a referida doença não fora detectada ao sinistrado, apesar de o mesmo ter sido submetido aos exames médicos pertinentes, por parte da sua entidade empregadora, que nem a seguradora pôs em causa.
Assim, afigura-se-nos configurar como acidente de trabalho, ao abrigo do art.º6 da Lei n.º100/97, a morte súbita do atleta C..., por se ter apurado que foi precipitada pelo esforço físico (causa exógena) que a sua actividade enquanto futebolista profissional lhe exigiu, esforço que, em si próprio e como vimos, é potenciador do surgimento de arritmia cardíaca, lesão que lhe causou a morte. E, ainda que, aquela arritmia possa ter sido consequência de uma cardiomiopatia hipertrófica, considerada doença genética, apenas, detectada ao sinistrado post mortem, resultou provado que o esforço físico despendido pelo sinistrado na sua actividade profissional, ao serviço da 2ª ré, B..., foi determinante na lesão que lhe provocou a morte, ou seja, a relação de trabalho foi determinante no resultado verificado - a morte do sinistrado – que assim merece a protecção do regime jurídico dos acidentes de trabalho.
Acresce que não podemos ser completamente alheios à circunstância do mencionado esforço físico estar a ser desenvolvido em condições climatéricas que se podem considerar adversas, sob muita chuva, que impossibilitou, por o atleta se encontrar molhado, a utilização do disfribilhador, e que todo o evento sucedeu na sequência de admoestação disciplinar exercida, momentos antes, sobre o sinistrado.
Por todo o exposto, os fundamentos do recurso não podem proceder.

IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela seguradora, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de Novembro de 2010.

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Ramalho Pinto