Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10662/20.7T8LSB-A.L2-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) Os embargos de terceiro visam tutelar a defesa da posse, mas também, qualquer direito incompatível com a penhora ou outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, relativamente a quem não seja parte na causa a que os embargos de terceiro devam ser apensados.
II) É licito ao locatário financeiro, ainda que verdadeiramente não seja um não possuidor, lançar mão de acções possessórias (cfr. artigo 1276.º e ss. do CC), mesmo contra o locador.
III) Pretendendo um terceiro (relativamente a contrato de locação financeira) servir-se de embargos de terceiro para fazer valer a posse material do bem locado, carece de alegar e provar que detém relativamente ao bem uma ligação - v.g. por força da qualidade de cessionária em contrato de cessão de posição contratual, eficaz perante o locado -  que lhe permite usar e fruir dele.
IV) A cessão da posição contratual, para produzir efeitos relativamente ao cedido, terá que ser por esta consentida, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 424.º do CC, consentimento que pode ser dado antes (caso em que a cessão deverá ser comunicada ao cedido) ou depois da cessão.
V) O consentimento pode ser expresso ou tácito (cfr. artigo 217.º, n.º 1, do CC), podendo relevar-se através de conduta concludente do contraente cedido, mas não pode resultar do mero silêncio deste, salvo se a lei, uso ou convenção lhe reconhecerem esse valor.
VI) Enquanto não for dado o consentimento, a cessão é ineficaz em relação ao cedido, incumbindo a quem invoca a cessão da posição contratual o ónus de alegação e prova daquele consentimento (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC).
VII) A cessão da posição contratual deverá, de harmonia com o disposto no artigo 425.º do CC, observar a forma imposta por lei para o negócio subjacente, do qual resulta a posição cedida.
VIII) Dispondo o artigo 3.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de junho que os contratos de locação financeira podem ser celebrados por documento particular, mas que, no caso de bens imóveis, as assinaturas das partes devem ser presencialmente reconhecidas, salvo se efetuadas na presença de funcionário dos serviços do registo, aquando da apresentação do pedido de registo, a cessão da posição em tais contratos tem de observar tal forma. Tal não sucede se o cedente e o cessionário declaram prescindir do reconhecimento presencial de assinaturas.
IX) Prevendo a cláusula 7.ª das condições gerais do contrato de locação financeira que “o Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiros, sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado (…)”, para que a cessão da posição contratual validamente ocorra terá de ser dado o prévio consentimento escrito do locador à transmissão.
X) Neste contexto, a receção de valores relativos ao contrato de locação financeira pelo cedido, não poderá representar um tácito consentimento ou o reconhecimento da embargante como locatária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
1. Por apenso à execução instaurada por CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. – a que, entretanto, sucedeu a ora recorrente - contra JC – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A., ambas identificadas nos autos, deduziu FINE FACILITY SERVICES, LDA., também identificada nos autos, os presentes autos de embargos de terceiro, pedindo que os embargados fossem condenados a reconhecer que a embargante possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº 337787, celebrado entre a sociedade insolvente JC Gestão Global de Negócios S.A e a Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito S.A , por ser válida e eficaz entre Embargante e Embargadas o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação celebrado a 31 de Março de 2015, ser a comunicação feita, de desinteresse no cumprimento do contrato de locação com o nº 337787 e bem ainda em consequência desta comunicação a declaração de resolução feita pela Embargada quanto ao aludido contrato, declaradas ineficazes quanto à aqui Embargante, sendo a 1ª Ré condenada a mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto da locação a favor da aqui Autora.
Para tanto, alegou, em síntese, que, no exercício da sua atividade comercial, a primeira Embargada celebrou com a segunda embargada o Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º 337787, tendo por objecto as fracções identificadas no auto de entrega sendo que, a efectivação da entrega das fracções, determinará a paralisação, absoluta, de toda a actividade, com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Embargante, pois que, a Embargante está, legitimamente, há mais de cinco anos, na posse das fracções imóveis, cuja entrega agora se determina; o que é do conhecimento das Embargadas, que permite e justifica a posse a favor da Embargante.
*
2. Citadas ambas as embargadas, contestou a Embargada Caixa, alegando, em suma, que a Embargante está ilegitimamente na posse das fracções, pois o alegado contrato de cessão da posição contratual entre a segunda embargada e o embargante é ineficaz relativamente a ela, já que não deu o seu consentimento para o mesmo, nem expresso nem tácito, necessário de acordo com as cláusulas contratuais, sendo que, há mais de cinco anos, que a Embargante paga, à Embargada Caixa Leasing, as rendas do contrato de Leasing celebrado, que permite e justifica a posse a favor da Embargante.
Concluiu que deverá:
“a) Ser a Embargada absolvida da instância nos termos do artigo 278.º n.º 1 alínea d) do CPC.
b) Julgar os presentes embargos de terceiro totalmente improcedentes devendo a providência cautelar seguir os seus ulteriores trâmites com restituição do imóvel à Requerente;
c) Condenar a Embargante em litigância de má fé e, consequentemente, em multa e indemnização em valor não inferior a € 5.000,00; (…)”.
*
3. Por requerimento de 30-11-2020, a embargante apresentou resposta às exceções deduzidas pela embargada, concluindo pela sua improcedência e absolvição do pedido de condenação em litigância de má fé.
*
4. Por despacho de 25-01-2021 foi excecionada a incompetência do Juízo Local Cível, em razão do valor, foram os autos remetidos ao Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, decisão da qual a embargante interpôs recurso, que, por despacho de 18-05-2021 foi admitido como apelação.
*
5. Por acórdão de 22-06-2021, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente a apelação e revogou a decisão recorrida, julgando o Juízo Local Cível onde os autos pendiam como competente para conhecer dos presentes embargos de terceiro.
*
6. Prosseguindo os autos, teve lugar audiência de discussão e julgamento, após o que, em 14-12-2021, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, condeno os embargados a reconhecer que a Embargante possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº 337787 celebrado entre a sociedade insolvente JC Gestão Global de Negócios S.A e a Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito S.A, por ser válida e eficaz entre Embargante e Embargadas o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação celebrado a 31 de Março de 2015, ser a comunicação feita, de desinteresse no cumprimento do contrato de locação com o nº 337787 e bem ainda em consequência desta comunicação a declaração de resolução feita pela Embargada quanto ao aludido contrato, declaradas ineficazes quanto à aqui Embargante, sendo a 1ª Ré condenada a mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto da locação a favor da aqui Autora.
Registe e Notifique.
Custas pelas Embargadas (…).”.
*
7. Não se conformando com a referida sentença, dela apela a embargada CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., pugnando pela procedência do recurso, com revogação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. No âmbito dos presentes autos foi proferida decisão final que determinou os embargos de terceiro deduzidos procedentes e, em consequência, condenou os Embargados a reconhecer que a Embargante possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira n.º 337787 o qual foi celebrado entre a JC Gestão Global de Negócios, S.A. e a Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A..
B. Condenando, a final, a ora Recorrente a, mediante o pagamento do valor em falta pra cumprimento antecipado e integral do contrato de locação financeira imobiliária, outorgar a escritura de compra e venda do imóvel objeto daquele contrato.
C. Todavia, entende a ora Recorrente que, salvo todo o respeito por opinião diversa, a decisão tomada não é correta, considerando ter havido um erro na apreciação da matéria de facto e erro na aplicação do direito.
D. Tal decisão é contrária à prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento e à prova documental junta aos autos.
E. Donde resulta o desconhecimento da Recorrente do alegado contrato de cessão da posição contratual e que a Fine Facility Services, Lda. sempre soube que não assumiu a posição de locatária no contrato de locação financeira imobiliária.
F. O douto Tribunal a quo considerou, para a formação da sua convicção o testemunho prestado pelo Sr. JC.
G. O depoimento do Sr. JC está repleto de incoerências.
H. Em sede de Audiência de Julgamento, o Sr. JC, afirmou apenas ter sido administrador único da JC até 2012, 2013 ou 2014.
I. Do portal do Ministério da Justiça resulta uma informação completamente diferente: O Sr. JC abandonou a administração da JC em 02 de novembro 2010 tendo renunciado a esse cargo, conforme Doc. 1 que se junta.
J. E o Sr. JC afirmou também ter conhecimento do contrato de cessão da posição contratual que alegadamente ocorreu em 2015 altura em que o mesmo já não ocuparia o cargo de administrador único.
K. Mais, afirmou ainda ter encetado negociações com a ora Recorrente para a apresentação da JC a Processo Especial de Revitalização.
L. As afirmações não batem certo com o período em que o Sr. JC esteve na administração da JC: O Processo Especial de Revitalização a que esta se apresentou foi proposto em 30 de junho de 2017.
M. E o contrato de cessão de posição contratual foi alegadamente celebrado em 2015.
N. Em ambos os momentos o Sr. JC já não seria administrador da JC.
O. Tais incongruências não poderiam passar despercebidas ao douto Tribunal a quo.
P. A JC e a Fine Facility Services, Lda. fazem parte de um único grupo de empresas com o qual o Sr. JC tem ligação.
Q. O grupo é ainda composto pela sociedade Grandupla II – Indústria, S.A., administrada pelo Sr. JC e que detinha a JC a 100%.
R. A Fine Facility Services, Lda. é atualmente gerida pela Sra. RO conforme Insc. 2 – AP 31/20100907.
S. Esta Sra. RO foi também administradora da JC a partir de 10/11/2010 – Insc. 6 – AP 197/20101110.
T. E mais: A Sra. RO é cônjuge do Sr. JC conforme o próprio assumiu, a custo, em sede de Audiência de Julgamento.
U. Pelo que é patente o interesse direto do Sr. JC na presente lide.
V. Não podendo o douto Tribunal a quo ter dado a relevância que deu ao depoimento prestado pelo Sr. JC. O que se verifica é que o depoimento desta testemunha é vago e defensivo quanto se trata de factos que podem comprometer a tese apresentada pela recorrida e já aparece muito afirmativo quando pretende corroborar a mesma.
W. O testemunho da Sra. SA não prova a existência de prejuízos irreparáveis para a Recorrente, mas é essencial para provar outros factos.
X. Não foi dada pelo tribunal a quo qualquer relevância ao testemunho da Dra. SC.
Y. A Dra. SC disse ser gestora negocial a ora Recorrente, mas que tal não a impedia de dizer a verdade tendo mantido um discurso coerente, claro, revelador de conhecimento da presente situação dos procedimentos internos seguidos nos processos de cedência de posição contratual e de receção dos pagamentos por parte da ora Recorrente.
Z. O depoimento da Dra. SC vai além daquilo que o tribunal a quo considerou na douta sentença.
AA. Não pode o douto Tribunal a quo considerar como provado que a efetivação da entrega das frações determinará a paralisação absoluta, de toda a atividade com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Fine Facility Services, Lda, como o faz no ponto 27 da douta sentença.
BB. A Fine Facility Services, Lda. alega a existência de danos irreparáveis mas não logra provar esses mesmos danos.
CC. Tendo a ora Recorrente impugnado a sua existência uma vez que desconhece, sem obrigação de conhecer, se os mesmos são verdade.
DD. O testemunho prestado pela Sra. SA também não permite apurar a existência de danos irreparáveis com a entrega das frações: parte da resposta à questão “Qual é a consequência se esse ato pretendido for efetivado. O que é que acontece à Fine?” baseou-se no que ouviu um colega dizer e na outra parte não é dada resposta com certezas a essa mesma questão.
EE. A atividade da Fine Facility Services, Lda. é a prestação de serviços de limpeza em edifícios pelo que facto de as frações serem restituídas à legitima proprietária não poria em causa, no limite, a sobrevivência da empresa que sempre poderia continuar a prestar os seus serviços que não ocorrem nas frações.
FF. Como tal, impunha-se ao douto Tribunal a quo considerar como não provados os alegados prejuízos para a Fine Facility Services, Lda. decorrentes da entrega das frações.
GG. O douto tribunal a quo, deu como facto provado, nos pontos 20 e 28 da douta sentença que a ali Embargante tem a posse das frações.
HH. A Recorrente celebrou com a sociedade JC – Gestão Global de Negócios, S.A um contrato de locação financeira imobiliária ao qual foi atribuído o n.º 337787, tendo dado em locação à JC as frações autónomas designadas pelas letras AB (escritório no 6.º andar direito posterior com estrada pelo 22008), AC (escritório no 6.º andar direito centro posterior com entrada pelo 2.208) e AD (escritório no 6.º andar esquerdo posterior, com entrada pelo n.º …) do prédio urbano situado em Av. … …., … e …. e Rua … …, … e …, freguesia de Mafamude, Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2.º Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob a ficha n.º … (três mil, seiscentos e trinta e sete), da Freguesia de Mafamude, e inscrito na matriz predial sob o artigo ….
II. O regime aplicável ao presente caso, uma vez que estamos perante a aplicação do regime da locação financeira é o DL 149/94 de 24 de junho.
JJ. A “posse” é um conceito jurídico que deve ser utilizada com especiais cautelas no âmbito aplicado do DL 149/94 de 24 de junho.
KK. O locatário financeiro tem o direito de usar e fruir o bem locado, que lhe advém da relação contratual estabelecida com o locador, o qual na qualidade de proprietário do bem lhos cede.
LL. O locatário financeiro é um mero detentor da coisa nos termos previstos no contrato, não tendo a posse do imóvel em momento algum.
MM. A JC, locatária no contrato de locação financeira imobiliária celebrado, não podia ceder a posse das frações uma vez que não a tem.
NN. A recorrida não alegou qualquer causa de aquisição da posse,
OO. Apenas poderia o douto Tribunal a quo considerar como não provado a alegada posse da Fine Facility Services, Lda.
PP. O douto Tribunal a quo deu como provado, no ponto 29 da douta sentença, que a ora Recorrente tinha conhecimento da cessão uma vez que tal é evidenciado pelo Doc. 2 junto pela Embargante com os seus Embargos de Terceiro.
QQ. A sociedade JC foi declarada insolvente no âmbito do Processo que corre termos sob o n.º de processo …/… do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 1, tendo a ora Recorrente peticionado os seus créditos.
RR. Nesta sequência, a Recorrente após manifestação da Sra. Administradora de Insolvência de que não teria interesse em cumprir com o contrato de locação financeira celebrado, em 13 de fevereiro de 2020, considerou o contrato como resolvido.
SS. Na mesma missiva a Sra. Sra. Administradora de Insolvência comunicou à ora Recorrente ter recebido comunicação por parte da Fine Facility Services, Lda. onde a mesma informa ter vindo a proceder ao pagamento das rendas e aos encargos inerentes ao contrato desde o início.
TT. Em março de 2020, a Recorrente teve conhecimento do alegado contrato de cessão da posição contratual através de carta remetida pela Fine Facility Services, Lda, tendo respondido que não teve conhecimento da existência ou deu o seu consentimento ao suposto contrato de cessão e que não reconhecida a Fine Facility Services, Lda como locatária.
UU. A Recorrente remeteu à JC missiva a informar a resolução do contrato na sequência da opção pelo não cumprimento do contrato manifestada, mediante carta registada com aviso de receção datada de 10 de março de 2020 a qual foi junta com a petição inicial para a qual se remete como docs. 7 e 8.
VV. O documento 2 junto com os Embargos de Terceiro, e que o tribunal a quo utiliza para fundamentar o facto dado como provado no ponto 29 da doutra sentença foram remetidos aos autos de insolvência da JC em 23 de junho de 2020 e do mesmo decorre que a Sra. Administradora de Insolvência a informou da (alegada) existência de um contrato de cessão da posição contratual.
WW. O referido documento não prova o conhecimento da Recorrente de que foi celebrado um suposto contrato de cessão em 2015, o que deveria ter sido dado como provado.
XX. Também da prova testemunhal produzida, a testemunha SC resulta que a recorrente não teve conhecimento ou deu o sem consentimento ao suposto contrato de cessão quando o mesmo foi celebrado.
YY. Apenas tendo tido conhecimento em 2020.
ZZ. O ponto 30 da douta sentença além de facto, contém conclusões.
AAA. Pelo que deve ser retirada a parte do ponto 30 em que o doutro Tribunal a quo conclui que a “posse” da Embargante se encontra justificada.
BBB. Ainda em relação ao ponto 30 da sentença a Recorrente sempre aceitou o pagamento uma vez que considerava que os mesmos haviam sido efetuados pela JC.
CCC. Não tendo conhecimento que a Fine Facility Services, Lda. era quem fazia os pagamentos nem a que título os fazia.
DDD. Aliás, ainda que soubesse, o que não se admite, o artigo 767.º n.º 1 do CC prevê que a prestação pode ser feita pelo devedor ou por terceiro independentemente deste último ter interesse ou não no cumprimento da obrigação.
EEE. E mais tratando-se de empresas do mesmo grupo, não seria estranho procederem ao pagamento das obrigações assumidas por outras pelo que mesmo que a Recorrente tivesse conhecimento da entidade que fazia os pagamentos, nunca ficaria alerta na gestão desses pagamentos.
FFF. O douto Tribunal a quo considerou como facto provado, no ponto 32 da douta sentença de que se recorre, que em 31 de março de 2015 a Embargada JC cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira celebrado com a ora Recorrente.
GGG. Tal contrato foi impugnado pela Recorrente pelo que ao abrigo do artigo 376.º n.º 1 do Código Civil não faz prova plena.
HHH. O contrato não tem assinaturas reconhecidas e não foi realizada qualquer prova quanto ao conteúdo do mesmo e data de celebração.
III. Mais inclui o douto Tribunal a quo no ponto 36 dos factos dados como provados, que o pagamento das rendas era feito pela Fine Facility Services, Lda. mediante depósito de cheque em balcão de estabelecimento da Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A., e em jeito de conclusão afirma que tal não poderia não ser do conhecimento da ora Recorrente.
JJJ. Desde logo, deverá ser retirada a conclusão inserida no referido ponto de que o pagamento das rendas à Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A. demonstra o conhecimento da Locadora do cessão operada.
KKK. Por outro lado, o pagamento das rendas não era feito em estabelecimento da Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A. mas em balcão da Caixa Geral de Depósitos, S.A.
LLL. Que, na referida altura, eram instituições distintas, com n.º de registo diferente na Conservatória de Registo Comercial.
MMM. Do testemunho prestado por SC resulta evidente o procedimento interno da receção dos pagamentos: os pagamentos eram feitos por depósito em conta no balcão da Caixa Geral de Depósitos, S.A., posteriormente eram transferidos para a Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A..
NNN. Em momento algum, o funcionário do balção que nem tem acesso à informação relativa a contratos, vai recusar o pedido de depósito de um cheque.
OOO. E, em momento algum a então Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A. iria questionar a origem desses pagamentos.
PPP. Se a Fine Facility Services, Lda., procedeu ao pagamento das rendas, fê-lo de livre vontade sem nunca ter informado a ora Recorrente de que fazia os pagamento e do título a que os fazia.
QQQ. Desta forma, não poderia ser dado como provado a Fine Facility Services, Lda. procede ao pagamento das rendas há mais de cinco anos.
RRR. Alias, aquando do pagamento das rendas eram remetidos à Recorrente e-mails onde era informado ter sido efetuado o pagamento do contrato de locação financeira.
SSS. Em momento algum das ditas comunicações era mencionado quem fazia os pagamentos e a que título o faziam.
TTT. Isto decorrente evidente do depoimento prestado pela Dra. SC e pela Sra. SA: em nenhum momento era mencionado quem fazia os pagamentos e a que título.
UUU. E mais, se efetivamente é verdade que a Fine Facility Services, Lda. efetua os pagamentos desde 2015, não se compreende o motivo de a mesma nunca ter solicitado ou reclamado que as faturas fossem efetuadas em seu nome.
VVV. O que não se pode deixar de considerar estranho que uma entidade pessoa coletiva que se supõe ter a contabilidade organizada, faça pagamentos por conta de um contrato desde 2015 e não tenha o documento que permita justificar o mesmo e nunca tenha diligenciado por o obter.
WWW. Do depoimento prestado pela Sra. SA resulta claro que recebeu ordens da Sra. RO, atual gerente da Fine Facility Services, Lda. para não levar os pagamentos a custos da Fine Facility Services, Lda.
XXX. O que, salvo melhor opinião, não fará sentido uma vez que alegadamente seria essa entidade a fazer os pagamentos e se existia o contrato de cessão de posição contratual, então tinha fundamento para o custo sair das contas da recorrida.
YYY. A partir do momento em que a Sra. Administradora de Insolvência optou pelo não cumprimento do contrato de locação financeira celebrado, a ora Recorrente deixou de alocar os pagamentos recebidos ao contrato, conforme depoimento prestado pela Dra. SC.
ZZZ. Pelo que, ao longo da manutenção do contrato a ora Recorrente apenas reconheceu a JC como contraparte no mesmo.
AAAA. O douto Tribunal a quo considerou como facto provado no ponto 42 da douta sentença que a Recorrente tinha conhecimento que a Fine Facility Services, Lda. pretendia exercer o direito de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação.
BBBB. Para além de tal facto não ser verdade e ter sido alvo de resposta da Recorrente em sede própria, o mesmo não foi alvo de prova em sede de Audiência de Julgamento pelo que não poderia ser dado como provado.
CCCC. Nunca a Recorrente teve conhecimento da pretensão da Fine Facility Services, Lda. de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação financeira.
DDDD. Da cláusula 11.ª do contrato de locação financeira resulta que apenas o locatário poderia exercer esse direito.
EEEE. Não sendo a Fine Facility Services, Lda. parte no contrato, então em momento algum poderia exercer esse direito.
FFFF. E aliás, como também já alegou a Recorrente, não resulta dos autos de insolvência a intenção de antecipação integral do cumprimento do contrato.
GGGG. Conclui ainda o douto Tribunal a quo no ponto 47.º da douta sentença de que se recorre que a Recorrente desrespeitou a substituição de sujeitos num dos lados da relação contratual ao considerar que o contrato estava resolvido, uma vez que o contrato estaria a ser cumprido.
HHHH. Tal conclusão é desprovida de sentido de ser integrada no elenco de factos provados / não provados pelo que deverá ser retirada.
IIII. E também não poderia ser dado como provado, como o fez o douto Tribunal a quo no ponto 48, que a ora Recorrente incumpriu com as obrigações decorrentes do contrato de locação financeira.
JJJJ. Desde a celebração do contrato a ora Recorrente cumpre plenamente com a totalidade das suas obrigações enquanto locadora perante a locatária, JC.
KKKK. Não se pode considerar que a Recorrente tinha conhecimento ou deu o seu consentimento ao contrato de cessão da posição contratual alegadamente celebrado, o qual nem se sabe se foi celebrado e se o foi em 2015.
LLLL. E mesmo que tenha sido celebrado, o contrato não seria eficaz em relação à ora Recorrente uma vez que gozaria apenas de eficácia relativa nos termos do artigo 406.º n.º 1 e 2 do CC.
MMMM. A cláusula 7.ª n.º 1 do contrato de locação financeira mobiliária vai mais além do que a letra do artigo 424.º n.º 1 do CC, aplicável na presente situação ex vi do artigo 11.º n.º 2 do DL 149/95 de 24 de junho e artigo 1059.º do CC, obrigando a que o locatário apenas poderá ceder a sua posição contratual se obtiver consentimento prévio por escrito do Locador.
NNNN. O que não aconteceu no presente caso.
OOOO. E por isso, mesmo que houvesse sido celebrado, o contrato de cessão sempre seria nulo por violador das disposições contratuais.
PPPP. Este é um facto relevante para os termos da causa pelo que deve ser aditado à matéria de facto um ponto onde conste: Da clausula 7ª nº 1 das condições gerais do contrato de locação financeira consta:“O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiro sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado.”
QQQQ. E consequentemente, pela sua relevância e porque resulta provado nos autos e foi alegado na contestação deverá o ponto 35 da matéria de facto ser completado com a adição do facto: e sem ter obtido o prévio consentimento escrito da embargada.
RRRR. Conceber-se a ideia de que a Recorrente tinha conhecimento e aceitou o contrato de cessão é uma afronta à sua segurança jurídica e também é violador das regras prudenciais a que a Recorrente deve respeitar no âmbito da sua atividade.
SSSS. Mais, o comportamento da Fine Facility Services, Lda. está tão repleto de incoerências que em abril de 2019 houve intenção de a JC ceder a sua posição no contrato, o que foi alvo de recursa pela Recorrente, mas em 2020 é apresentado um contrato de cessão que aparentemente remontaria a 2015.
TTTT. Ou a mesma sabia que o contrato que alegadamente celebrou em 2015 não era válido e oponível à recorrente ou então em 2019 esse contrato não existia ainda.
UUUU. Mas mais surpreendente é a douta sentença recorrida, não obstante a previsão legal e o teor da clausula contratual ter considerado que a cessão foi objeto de conhecimento e aceitação tácita da ora recorrente.
VVVV. Aceitação tácita, é um entendimento que viola frontalmente a cláusula 7ª do contrato de locação financeira, o princípio da autonomia privada, artº 405º do CC.
WWWW. Efetivamente, a atuação da ré não deixa margem para aceitação tácita, dado que confrontada com a situação tomou posição clara, no sentido de não aceitar a cessão de posição contratual.
XXXX. O que aliás sempre faz, nunca se vinculando de forma tacita, pelo que não seria neste caso que o ia fazer.
YYYY. Pois quando em março de 2020 lhe é
comunicada a cessão de posição contratual, prontamente indica que não a conhecia e que não a aceita, não lhe sendo a mesma oponível, conforme decorre do doc. 9 junto com a petição de embargos de terceiro.
ZZZZ. E posteriormente, confrontada com a mesma questão no âmbito do processo de insolvência, manifesta a mesma posição, conforme decorre do doc. 2 junto com a petição de embargos.
AAAAA. Ou seja, sempre que confrontada com a situação a recorrente indica que desconhecia a cessão de posição contratual, até março de 2020 e que nunca prestou o seu consentimento ou deu a sua autorização.
BBBBB. Sendo que o pagamento das rendas, dado o que resulta dos depoimentos da testemunha SC supra citados e o facto de os cheques serem depositados na conta bancária, não podem ser fundamento para essa aceitação tácita.
CCCCC. Diga-se, ainda, que é bastante comum empresas do mesmo grupo económico procedem ao pagamento de obrigações assumidas por outras.
DDDDD. Portanto, no presente caso o facto de o pagamento das rendas do contrato estar a ser feito por outra entidade do mesmo grupo da JC, não era sequer motivo de alerta na gestão desses pagamentos.
EEEEE. Dado que na fase de contratação foi indicado que a JC é uma empresa de gestão de património de grupo. Pelo que se trata de empresas que mantém uma relação especial entre si.
FFFFF. Com efeito, dos elementos dos autos, parece-nos claro o conluio entre as empresas com o objetivo último da recorrida beneficiar da posição da JC no contrato, não obstante a insolvência desta última.
GGGGG. E tanto assim é que as diligencias da recorrida face à alegada cessão de posição contratual ocorrem em 2020, depois da insolvência da JC e após a Exma. Sra. Administradora de insolvência ter indicado não pretender a execução do contrato de locação financeira.
HHHHH. Veja, que até neste campo a recorrente foi coerente com a sua posição e face à declaração de insolvência da JC procedeu à notificação da Exma. Sra. Administradora de insolvência para que procedesse à opção quanto ao cumprimento do contrato.
IIIII. Possibilitando assim à massa insolvente, caso tal fosse viável nos termos do nº 4 do artº 102º do CIRE, o cumprimento pontual das obrigações do contrato, fazendo seu o imóvel objeto do contrato.
JJJJJ. E perante as circunstâncias do caso, a Exma. Sra. Administradora de insolvência, conforme poder que a lei lhe confere (a ela e só a ela) – artº 102º e 119º do CIRE, optou pelo não cumprimento do contrato.
KKKKK. Portanto, não ocorreu qualquer abuso de direito, pelo contrário atua em conformidade com a lei e com o direito.
LLLLL. A posição da Senhora Administradora de Insolvência está em conformidade com as normas legais aplicáveis ao caso. Tendo sido tomada dentro dos poderes que a lei lhe confere.
MMMMM. Contrariamente ao afirmado pelo douto Tribunal a quo, não se pode considerar estar perante uma situação de enriquecimento sem causa.
NNNNN. Não há um efetivo enriquecimento da ora Recorrente com o correlativo empobrecimento da Fine Facility Services, Lda. pois se a Recorrente recebeu dinheiro das rendas, para tal cedeu o gozo do imóvel nos termos do artigo 1.º do DL 149/05 de 24 de junho e a Fine Facility Services, Lda. gozou de um imóvel sem qualquer título justificativo para tal.
OOOOO. E mais se diga que não podermos considerar que haja falta de causa justificativa para tal: a causa justificativa é o contrato de locação financeira imobiliária celebrado com a JC.
PPPPP. Sendo que se havia cumprimento do contrato, a recorrente não podia tomar qualquer diligência com vista a assegurar o seu direito, pois nunca lhe foi comunicado que o imóvel era usado por entidade.
QQQQQ. Portanto, não pode a recorrida beneficiar de uma situação a que deu causa.
RRRRR. Se há atuação em abuso de direito é por parte da recorrida que ocultou conscientemente factos relevantes da recorrente e com base nessa atuação vem agora procurar obter benefícios.
SSSSS. A douta sentença recorrida erra na decisão da matéria de facto nos termos indicados e erra na aplicação do direito violando a clausula 7ª das condições gerais do contrato de locação financeira, o princípio da autonomia da vontade – artº 405 do C.C., o DL 149/95 de 24 de junho e o artº 473º do C.C.(…)”.
*
8. A embargante contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, tendo concluído o seguinte:
“1. No passado dia 8 de Julho de 2020, na Rua …, n.º …, … e …, na freguesia de Mafamude, Vila Nova de Gaia, foi entregue à aqui Embargante o denominado “Auto de Entrega”, que se junta e cujo teor se dá por reproduzido – documento 1, junto com a petição inicial.
2. De acordo com o mesmo, proceder-se-ia à diligência ordenada nos autos de procedimento cautelar referida em epígrafe. A saber: Entrega das “Fracções Autónomas AB, AC e AD do prédio urbano situado na Avenida …, …, … e … e Rua … …, … e …, freguesia de Mafamude, Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito sobre a ficha n.º …, da freguesia de Mafamude.
3. Como se pode, ainda, ler no mesmo Auto, foram recebidos pela “Colaboradora da Empresa que tem a posse do imóvel, que é a empresa “Fine Faciliti Services”, NIPC 509 418 627”, a aqui Embargante.
4. “Atendendo ao facto de o imóvel se encontrar ocupado, foi concedido pelo representante da Requerente, o prazo de 5 dias para que todos os bens móveis sejam retirados dos imóveis a entregar, pelo que se designa o dia 14 d Julho de 2020 para concretizar a entrega ordenada”. Ora,
5. Como resulta do Auto de entrega, é a aqui Embargante a única possuidora das fracções imóveis, cuja entrega foi determinada na providência cautelar acima referida,
6. Onde tem o seu centro operacional. De facto,
7. Nestas instalações, de Vila Nova de Gaia, funciona o gabinete de contabilidade de toda a empresa Embargante, com 2 funcionárias, assim como um gabinete Jurídico com uma funcionária.
8. Também nas instalações em causa, se encontra todo o sistema operativo dos serviços de informática desta empresa.
9. Aí se “gere” toda a empresa, encontrando-se toda a plataforma operativa e operacional da Embargante.
10. São os escritórios da Embargante, onde se encontram todos os registos, arquivos informáticos, computadores, a organização dos diversos colaboradores, os telefones, internet e tudo o que permite a laboração da Embargante.
11. E como tal, sempre para alterar todo esse sistema - com PT’s vários e equipamentos das diversas operadoras de telecomunicações, é necessária a intervenção das empresas de telecomunicações, o que não é, de todo, possível acontecer até à próxima terça-feira.
12. Sendo que, a efectivação da entrega das fracções, determinará a paralisação, absoluta, de toda a actividade, com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Embargante.
13. Sendo que, a Embargante está, legitimamente, há mais de cinco anos, na posse das fracções imóveis, cuja entrega agora se determina.
14. O que é do conhecimento das Embargadas, como, designadamente, resulta do documento 2, que se juntou e cujo teor se dá por reproduzido.
15. Sendo que, há mais de cinco anos, que a Embargante paga, à Embargada Caixa Leasing as rendas do contrato de Leasing celebrado, que permite e justifica a posse a favor da Embargante. De facto,
16. Sucede que, em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos – contrato que se junta sob documento n.º 5;
17. Por conseguinte, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015 – conforme documento que se junta sob n.º 5.
18. Estando o imóvel, desde essa data – 2015 -, na posse da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização.
19. Na verdade, desde essa data que a aqui Embargante procede ao pagamento das rendas – mediante depósito de cheque bancário passado em seu nome e efetuado presencialmente por seu representante em balcão do estabelecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring - o que naturalmente demonstra, como não podia deixar de ser, o conhecimento da Locadora – conforme deriva dos documentos que se juntam sob n.º 6.
20. Como também é do conhecimento desta que durante os processos especiais de revitalização que foram apresentados pela Cedente, a massa insolvente JC, após a insolvência declarada, durante o período de tempo que mediou a apresentação de um plano na insolvência e mesmo após a recusa deste plano que ocorreu no pretérito dia 25/11/2019, sempre as rendas devidas pelo cumprimento daquele contrato foram sendo pagas pela aqui Embargante – conforme resulta do documento n.º 7 junto.
21. Tendo sempre a aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring aceitado o seu pagamento – conforme deriva do documento junto sob n.º 6.
22. Tais pagamentos foram também sempre do conhecimento da Sra. Administradora de Insolvência – que os consentiu porque decorrentes de cumprimento de contrato validamente firmado e tacitamente reconhecido pela massa insolvente, quer ainda porque garantiam os interesses dos demais credores porquanto a aqui Embargante assegurava, como assegurou, o pagamento de créditos reclamados sobre a insolvência que assim a devedora não teria que solver. Isto Posto,
23. Em decorrência da tomada de posição por parte da massa insolvente, a Embargada Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. em desrespeito pela substituição de sujeitos operada num dos lados da relação contratual, (que aceitou ainda que tacitamente) nomeadamente da Embargante no lugar de locatária por força da cessão de posição contratual celebrada, considerou resolvido o contrato de locação financeira objeto de cessão, apesar de este se encontrar a ser pontualmente cumprido pela Embargante, o que esta bem sabe.
24. Incumprindo esta Embargada Caixa Leasing e Factoring, por via da aceitação da resolução promovida, o contrato de locação financeira onde a Embargante figura como locatária cessionária.
25. Na sequência dos incumprimentos ocorridos que tiveram como consequência a resolução contratual promovida pela Embargada Caixa Leasing e Factoring, além dos prejuízos que infra melhor se descreveram, foi a Embargante surpreendida com uma comunicação da Requerida Caixa Leasing e Factoring, no sentido de obter a restituição do imóvel locado no prazo máximo de 5 dias, não obstante o escrupuloso cumprimento da Embargante do aludido contrato e, bem ainda do pagamento realizado por esta há apenas 3 dias (10/03/2020) do valor de renda mensal e da sua aceitação por aquela - veja-se documento n.º 9 e 6.6 que se juntam.
26. Com os incumprimentos ocorridos e principalmente com a intenção comunicada pela Embargada Caixa Leasing e Factoring em reaver rapidamente a posse do locado, encontra-se a Embargante com os seus direitos de cessionária e locatária ameaçados, sem fundamento legal bastante para tal, cuja efetividade pretende pelo presente assegurar;
27. Quanto à existência de enriquecimento, refere o douto aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 02-11-2010, relativo ao processo n.º 1867/08.0TBVIS.C1, que “O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.”.
28. Veja-se que, com a conduta da Embargada Caixa Leasing e Factoring, de desconsideração da posição contratual da Embargante enquanto locatário, existe ausência de uma causa justificativa para o recebimento dos valores por esta liquidados a título de rendas, em virtude de não existir uma relação ou facto que justifique a deslocação patrimonial ocorrida, ou seja, que legitime o enriquecimento.
29. Resultando assim por parte da Embargada Caixa Leasing e Factoring a obtenção de vantagem patrimonial à custa do empobrecimento da aqui Embargante, a quem cabe o direito de ser restituída, nos termos do artigo 474.º do Código Civil.
30. Ademais, agiu a Embargada Caixa Leasing e Factoring em claro Abuso do direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto considera inexistir vínculo contratual com a aqui Embargante, não obstante auferir desta mensalmente proveito económico com vista o cumprimento e manutenção daquele vínculo; Acresce que,
31. O recurso visa a alteração da matéria de facto e da matéria de direito. Ora,
32. Quanto à alteração da matéria de facto, importa atentar ao disposto no artigo 640.º do CPC.
33. No caso, atentas as alegações de recurso, temos que a Recorrente não cumpre com o fixado.
34. E, por isso, por si só, não pode haver alteração da matéria de facto.
35. Sendo que, sempre, sem prescindir,
36. A matéria de facto, assente pelo Tribunal “a quo” é, efetivamente, o reflexo fidedigno da prova produzida nos autos.
37. Nada justificando a sua alteração, infundada e ilegalmente requerida.
38. Não se verificando um qualquer erro na apreciação da matéria de facto pelo douto Tribunal a quo.
39. Ficou, realmente, demonstrado/provado que, a ora Recorrente tinha conhecimento do alegado contrato de cessão da posição contratual.
40. Aliás, isso mesmo, resulta da própria confissão da Recorrente.
41. A convicção do tribunal “a quo” fundou-se, acertadamente, por um lado, no acordo das partes, designadamente quanto aos factos descritos no requerimento de procedimento cautelar.
42. Quanto ao pagamento das rendas por parte da Embargante, os comprovativos de depósitos, abundantemente, resultante de anos de pagamentos, juntos a fls. 46 e seguintes, que não foram impugnados.
43. Quanto aos factos descritos, levados ao conhecimento do Administrador de Insolvência, por parte da Embargante, o depoimento de JC, que demonstrou conhecimento directo dos mesmos.
44. Quanto ao prejuízo decorrente da entrega das fracções à embargada, por parte da Embargante, o mesmo, como se pode ler da sentença recorrida, resulta do depoimento da testemunha SA, contabilista, funcionária da Embargante.
45. Sendo, igualmente acertado que, quanto ao depoimento da testemunha da Embargada Caixa, SC, não merece o mesmo qualquer relevância por parte do tribunal, pois, querendo contrariar o reconhecimento por parte da Embargada Caixa, sua entidade patronal, da cessão da posição contratual no contrato de locação, alegou que aceitavam os depósitos porque não sabiam da sua origem e que só não devolveram as quantias porque não sabiam o número de identificação bancária para o qual devolver, obtendo o mesmo procederiam à sua devolução.
46. Passando aos factos dados como provados pelo douto Tribunal a quo,
47. Pode o douto Tribunal a quo considerar como provado que a efetivação da entrega das frações determinará a paralisação absoluta, de toda a atividade com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Fine Facility Services, Lda,
48. E, que, a Recorrente teve conhecimento da pretensão da Fine Facility Services, Lda. de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação financeira.
49. Assim, como é manifesto, a douta sentença recorrida não erra na decisão da matéria de facto nos termos indicados E,
50. Também não erra na aplicação do direito.
51. Assim, pela Embargante e pela Embargada insolvente JC – Gestão Global de Negócios, S.A. foi celebrado contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira, através do qual a Embargada cedeu à aqui Embargante, e esta aceitou, a posição contratual de locatária.
52. Assim, pretende a aqui Embargante, enquanto cedente, cumprir o contrato de locação financeira, como vem a fazer desde 2015, liquidando o valor remanescente e adquirindo o bem locado.
53. Ora, por força da transmissão provada, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015 – conforme resultou provado, estando o imóvel, desde essa data – 2015 -, na esfera jurídica da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização,
54. Cessão esta que foi e é objeto do seu conhecimento e aceitação tácita.
55. Na verdade, resultou provado que, desde essa data, que a aqui Embargante procede ao pagamento das rendas – mediante depósito de cheque bancário passado em seu nome e efetuado presencialmente por seu representante em balcão do estabelecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring – o que naturalmente demonstra, como não podia deixar de ser, o conhecimento da Locadora.
56. E, sempre, atuam com claro abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium a massa insolvente e a Sra. Administradora, ao declararem não ter interesse na manutenção do contrato de factoring celebrado com a Embargada Caixa Leasing e Factoring, desconsiderando e incumprindo o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira celebrado, onde cederam a sua posição contratual de locatária à aqui Embargante, bem sabendo que por via de tal era a Embargante enquanto cessionária quem titulava na posição de locatária, e encontrava-se desde 2015 a cumprir os termos daquele.
57. Dado o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira celebrado, podia a Embargante fundamentadamente e de boa-fé confiar que, enquanto cessionária cabia a si a posição de locatária, posição que considerava ser respeitada e assegurada pela massa insolvente sua Cedente;
58. Como se pode ler na douta sentença:
“o Confiança essa objetivamente reforçada pelo decurso de um tão dilatado lapso de tempo e do cumprimento por si exercido, o que coloca, desde logo, em causa a posição contratual da Embargante, enquanto cessionária, bem como, todos os valores por esta enquanto locatária entregues a título de renda com o objetivo de compra do locado a final, ignorando o cumprimento que a Embargante tem vindo a exercer no contrato de locação financeira, nomeadamente o pagamento das rendas contratualmente estabelecidas, o que faz desde 2015 até hoje.
o Desde logo, desde 2015 que é a Embargante quem liquida os valores mensais devidos a título de renda, em cumprimento daquele contrato; o que faz presencialmente, em balcão de estabelecimento comercial da Embargada, onde se identifica como locatária daquele contrato, apresentando-se como Fine Facility Services Lda.; e, onde deposita mensalmente cheque bancário emitido por si, outorgado por si, para liquidação da renda do bem locado que se encontra em seu gozo desde a cessão ocorrida.
o A que acresce, que, tendo o contrato de locação financeira estipulado como financiamento o montante global de 228.103,60 € e permanecendo apenas em dívida, para o cumprimento integral do contrato de locação financeira e consequente transmissão do locado, o montante de cerca de 30.000,00 €uros, segundo o embargante, ou de 49.501,62 segundo a embargada locadora, ao ser desconsiderada a posição contratual da Embargante enquanto locatária, existe por parte da Embargada Caixa Leasing e Factoring um enriquecimento sem causa quanto ao valor recebido em cumprimento daquele contrato, correspondente à diferençaa entre o montante de financiamento e ao atualmente em dívida,
Pelo que os embargos terão que ser totalmente procedentes!
59. Acresce, por último, que a Recorrente sequer cumpre o fixado no artigo 639.º do CPC, o que, sempre, há de determinar a improcedência do recurso (…)”.
*
9. Em 07-02-2022 foi proferido despacho de admissão liminar da apelação.
*
10. Foram colhidos os vistos legais.
*
2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
*
I) Questões prévias:
A) Se se mostra inobservado pela recorrente o disposto no artigo 639.º do CPC?
B) Se existe motivo para a rejeição do recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
*
II) Impugnação da matéria de facto:
C) Se a matéria de facto constante do ponto 27 deve ser dada como não provada?
D) Se a matéria de facto constante dos pontos 20 e 28 deve ser dada como não provada?
E) Se a matéria de facto constante do ponto 29 deve ser dada como não provada?
F) Se a matéria de facto constante do ponto 30 deve ser dada como não provada?
G) Se deverá ser eliminado o ponto 32 dos factos provados?
H) Se a matéria de facto constante do ponto 36 deve ser dada como não provada e eliminado, por conclusivo, que o pagamento das rendas à Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A. demonstra o conhecimento da Locadora da cessão operada?
I) Se a matéria de facto constante do ponto 42 deve ser dada como não provada?
J) Se deverá ser eliminada do ponto 47, por conclusiva, a menção de que a recorrente desrespeitou a substituição de sujeitos num dos lados da relação contratual ao considerar que o contrato estava resolvido, uma vez que o contrato estaria a ser cumprido?
K) Se a matéria de facto constante do ponto 48- de que a recorrente incumpriu com as obrigações decorrentes do contrato de locação financeira - não poderia ser dada como provada?
L) Se deve ser aditado à matéria de facto um ponto onde conste: “Da cláusula 7ª nº 1 das condições gerais do contrato de locação financeira consta:“O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiro sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado”?
*
III) Mérito do recurso:
M) Se a decisão recorrida violou a cláusula 7ª das condições gerais do contrato de locação financeira, o princípio da autonomia da vontade (artigo 405.º do CC), o Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho e o artigo 473.º do CC?
*
3. Fundamentação de facto:
*
A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1ºNo exercício da sua atividade comercial, a primeira Embargada celebrou com a segunda embargada o Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º 337787, composto de Condições Particulares e de Condições Gerais, cuja cópia foi junta como doc. 1da providência cautelar apensa e aqui se dá por integralmente reproduzida.
2ºO contrato foi celebrado a 15 de abril de 2008 pelo prazo de 180 meses, tendo a locatário se obrigado ao pagamento de 180 rendas mensais, a primeira renda no valor de € 16.228,68 + IVA e as restantes 179 no valor de € 1.706,87 + IVA e ainda a um valor residual no valor de € 4.237,50 + IVA.
3º Nos termos do contrato (artigo primeiro das Condições Particulares e cláusula 1ª das Condições Gerais) a primeira embargada veio a dar de locação financeira à requerida o seguinte imóvel que adquiriu por indicação desta e com o objetivo de celebrar o contrato:
• Frações Autónomas AB, AC e AD do prédio urbano situado em Av. …, …, … e … e Rua … …, … e …, Freguesia de Mafamude, Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito sob a ficha n.º …, da Freguesia de Mafamude, e inscrito na matriz predial sob o artigo …, conforme cláusula n.º 1 das condições particulares do contrato já junto.
4º A segunda embargada foi declarada insolvente em 18/04/2018, conforme anúncio publicado no portal citius em 19/04/2018 cuja cópia foi junta como doc.2. e aqui se dá por integralmente reproduzida.
5º Em consequência da declaração de insolvência da segunda embargada, a primeira embargada, notificou a Exma. Senhora Administradora de Insolvência nomeada no processo, Drª AF, para declarar qual a opção quanto ao cumprimento do contrato, conforme comunicação eletrónica, datada de 10-12-2019, que foi junta como doc. 3. e aqui se dá por integralmente reproduzida.
6º Nesta sequência, a Exma. Senhora Administradora de Insolvência comunicou a sua opção pelo não cumprimento do contrato, de acordo com comunicação datada de 13 de fevereiro de 2020 que foi junta como doc. 4. e aqui se dá por integralmente reproduzida.
7º Uma vez que a Senhora Administradora de Insolvência não procedeu à apreensão do imóvel para a massa insolvente, a mesma negou-se a assinar o auto de resolução do contrato em apreço com vista à entrega do imóvel, conforme resulta das mensagens de correio eletrónico de 18 de Fevereiro de 2020 e de 24 de Fevereiro de 2020, cujas cópias foram juntas como docs. 5 e 6 e aqui se dá por integralmente reproduzida.
8º Assim, a primeira embargada comunicou à segunda embargada a resolução na sequência de opção pelo não cumprimento por parte da Senhora Administradora de Insolvência, por carta registada com aviso de receção, datada de 10 de março de 2020, do contrato de locação financeira imobiliária, conforme cópias foram juntas como docs. 7 e 8 e aqui se dá por integralmente reproduzida.
9º Na carta de comunicação da resolução do contrato foi a segunda embargada informada das consequências da mesma, nomeadamente da obrigação de restituição do bem locado livre de pessoas e bens, conforme decorre da al. d) do segundo parágrafo.
10º O imóvel supra descrito locado ao abrigo do contrato de locação financeira imobiliária, é propriedade da requerente.
11º O imóvel supra identificado, apesar dos insistentes e variados esforços nesse sentido por parte da segunda embargada, não lhe foi devolvido.
12º Não obtendo a restituição do imóvel através da Senhora Administradora de Insolvência, a primeira embargada entrou também em contacto com a Insolvente, representada pelo seu mandatário, para recuperação do imóvel, esforços esses que se mostraram infrutíferos.
13º Motivo pelo qual a primeira embargada remeteu a carta de resolução à segunda requerida já junta como doc. 5., com a petição de providência cautelar, à qual não obteve qualquer resposta.
14ºTendo a primeira embargada requerido à Conservatória do Registo de Predial o cancelamento do registo de locação financeira averbado em nome da Requerida, conforme resulta do comprovativo do pedido que se junto como doc. 9. Com a petição de providência, e aqui se dá por integralmente reproduzida.
15ºAté ao momento a insolvente não procedeu à restituição do imóvel: pelo que veio a segunda embargada requerer ao tribunal a entrega imediata do mesmo à requerente nos termos do art. 21º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho:, a qual foi julgada procedente e decretada a imediata entrega dos imóveis à primeira embargada.
16º No passado dia 8 de Julho de 2020, na Rua …, n.º …, … e …, na freguesia de Mafamude, Vila Nova de Gaia, foi entregue à aqui Embargante o denominado “Auto de Entrega”, junto e cujo teor se dá por reproduzido – documento 1 com a petição dos embargos.
17º A saber: Entrega das “Fracções Autónomas AB, AC e AD do prédio urbano situado na Avenida …, …, … e … e Rua … …, … e … freguesia de Mafamude, Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito sobre a ficha n.º …, da freguesia de Mafamude.
18.º Consta no mesmo Auto, foram recebidos pela “Colaboradora da Empresa que tem a posse do imóvel, que é a empresa “Fine Faciliti Services”, NIPC 509 418 627”, a aqui Embargante.
19.º“Atendendo ao facto de o imóvel se encontrar ocupado, foi concedido pelo representante da Requerente, o prazo de 5 dias para que todos os bens móveis sejam retirados dos imóveis a entregar, pelo que se designa o dia 14 d Julho de 2020 para concretizar a entrega ordenada”.
20º Como resulta do Auto de entrega, é a aqui Embargante a única possuidora das fracções imóveis, cuja entrega foi determinada na providência cautelar acima referida.
21ºNas fracções, que para entrega se designou o dia 14 de Julho, próxima terça-feira, a Embargante tem o seu centro operacional.
22ºNestas instalações, de Vila Nova de Gaia, funciona o gabinete de contabilidade de toda a empresa Embargante, com 2 funcionárias, assim como um gabinete Jurídico com uma funcionária.
23ºTambém nas instalações em causa, se encontra todo o sistema operativo dos serviços de informática desta empresa.
24ºAí se “gere” toda a empresa, encontrando-se toda a plataforma operativa e operacional da Embargante.
25.ºSão os escritórios da Embargante, onde se encontram todos os registos, arquivos informáticos, computadores, a organização dos diversos colaboradores, os telefones, internet e tudo o que permite a laboração da Embargante.
26.ºE como tal, sempre para alterar todo esse sistema - com PT’s vários e equipamentos das diversas operadoras de telecomunicações, é necessária a intervenção das empresas de telecomunicações, o que não é, de todo, possível acontecer até à próxima terça-feira.
27.ºSendo que, a efectivação da entrega das fracções, determinará a paralisação, absoluta, de toda a actividade, com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Embargante.
28.ºSendo que, a Embargante está, há mais de cinco anos, na posse das fracções imóveis, cuja entrega agora se determina.
29.ºO que é do conhecimento das Embargadas, como, designadamente, resulta do documento 2, junto e cujo teor se dá por reproduzido.
30.ºSendo que, há mais de cinco anos, que a Embargante paga, à Embargada Caixa Leasing as rendas do contrato de Leasing celebrado, que permite e justifica a posse a favor da Embargante.
31.ºFoi, no âmbito do processo de insolvência n.º 6362/18.6T8LSB, do Juízo de Comércio, Juiz 7, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é insolvente a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A, reconhecido o crédito da Requerida Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., no montante de 80.781,72 €uros (oitenta mil, setecentos e oitenta e um €uros e setenta e dois cêntimos), com fundamento em Contrato de locação financeira com o número 337787 – conforme documento n.º 3 junto.
32.º Em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos – contrato junto sob documento n.º 5;
33.ºPor conseguinte, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015 – conforme documento junto sob n.º 5.
34.ºEstando o imóvel, desde essa data – 2015 -, no gozo da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização.
35.ºPese embora a dita cessão não tenha sido formalmente comunicada e aceite pela Locadora aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring.
36.ºNa verdade, desde essa data que a aqui Embargante procede ao pagamento das rendas – mediante depósito de cheque bancário passado em seu nome e efetuado presencialmente por seu representante em balcão do estabelecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring - o que naturalmente demonstra, como não podia deixar de ser, o conhecimento da Locadora – conforme deriva dos documentos juntos sob n.º 6.
37.ºComo também é do conhecimento desta que durante os processos especiais de revitalização que foram apresentados pela Cedente, a massa insolvente JC, após a insolvência declarada, durante o período de tempo que mediou a apresentação de um plano na insolvência e mesmo após a recusa deste plano que ocorreu no pretérito dia 25/11/2019, sempre as rendas devidas pelo cumprimento daquele contrato foram sendo pagas pela aqui Embargante – conforme resulta do documento n.º 7 junto.
38.ºTendo sempre a aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring aceitado o seu pagamento – conforme deriva do documento junto sob n.º 6.
39.ºTais pagamentos foram também sempre do conhecimento da Sra. Administradora de Insolvência – que os consentiu porque decorrentes de cumprimento de contrato validamente firmado e tacitamente reconhecido pela massa insolvente, quer ainda porque garantiam os interesses dos demais credores porquanto a aqui Embargante assegurava, como assegurou, o pagamento de créditos reclamados sobre a insolvência que assim a devedora não teria que solver.
40.º No âmbito do Processo de insolvência em curso foi solicitado à Sra. Administradora de insolvência – quer pela administração da Embargada insolvente, quer pela aqui Embargante - que comunicasse à Embargada Caixa Leasing o interesse na manutenção da cessão da posição contratual a favor desta Embargante e assim, do próprio contrato de locação financeira na modalidade de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação;
41.ºCumprimento que a aqui Embargante satisfaria, com a consequente escritura do imóvel a seu favor.
42.ºEsta intenção de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação pela Embargante foi também do conhecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring, quer por via de contactos diretos com esta estabelecidos, quer ainda porque resulta dos próprios autos de insolvência onde aquela figura como credora;
43.º Submeteu então a Sra. Administradora de insolvência à consideração dos credores da massa insolvente o vindo de descrever – ou seja, a possibilidade de cumprir o contrato de cessão celebrado entre a devedora e a aqui Requerente, para posterior comunicação à Requerida Caixa Leasing e Factoring, aí também credora;
44.ºNenhum dos credores consultados se opôs, tendo havido apenas pronúncia de um credor que de forma inequívoca, dada a inexistência de prejuízo para a massa insolvente e consequentemente para os credores aí reconhecidos e, de modo a evitar custos e responsabilidade para a massa insolvente decorrentes do incumprimento do contrato de locação financeira e do contrato de cessão de posição contratual celebrados, considerou favorável a manutenção da cessão da posição contratual da aqui Requerente.
45.ºNão obstante, foi pela Exma. Administradora de Insolvência emitida manifestação de desinteresse da massa insolvente na manutenção do cumprimento do contrato de locação financeira supra identificado – conforme deriva do documento n.º 8 junto.
46º Incumprindo com tal declaração o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira.
47ºEm decorrência da tomada de posição por parte da massa insolvente, a Embargada Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. em desrespeito pela substituição de sujeitos operada num dos lados da relação contratual, nomeadamente da Embargante no lugar de locatária por força da cessão de posição contratual celebrada, considerou resolvido o contrato de locação financeira objeto de cessão, apesar de este se encontrar a ser pontualmente cumprido pela Embargante, o que esta bem sabe.
48.ºIncumprindo esta Embargada Caixa Leasing e Factoring, por via da aceitação da resolução promovida, o contrato de locação financeira onde a Embargante figura como locatária cessionária.
*
4. Fundamentação de Direito:
*
I) Questões prévias:
*
A) Se se mostra inobservado pela recorrente o disposto no artigo 639.º do CPC?
Na conclusão 59.ª da contra-alegação invoca a recorrida o seguinte:
“59. Acresce, por último, que a Recorrente sequer cumpre o fixado no artigo 639.º do CPC, o que, sempre, há de determinar a improcedência do recurso”.
Vejamos se assim ocorre.
Conforme refere Luís Filipe Castelo Branco (Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária. Lisboa: CEDIS, 2020, pp. 33-34, consultado em: https://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2020/09/Recursos-Civis-min.pdf): “O sucesso do recurso cível baseia-se, essencialmente, numa peça processual inicial que, apresentada juntamente com o requerimento de interposição de recurso, contém as alegações de recurso.
Trata-se da exposição alargada dos motivos que justificam, segundo a óptica do recorrente, que o tribunal de recurso opte por posição diversa da adoptada na instância inferior, concluindo pela errada valoração de facto ou pela violação das normas legais aplicáveis à situação sub judice, e que altere, modificando, o sentido da decisão recorrida.
Estas alegações de recurso terminam obrigatoriamente com a formulação das conclusões das alegações (ou melhor dito, das conclusões do corpo das alegações), as quais delimitam o objecto do respectivo conhecimento por parte do tribunal superior.
Trata-se basicamente da concretização do ónus de síntese conclusiva que é colocado sobre os ombros do recorrente e que o mesmo deverá satisfazer com o máximo zelo, clareza e escrúpulo.
Por um lado, esta obrigação processual introduz clareza e transparência na discussão da temática do objecto do recurso: a instância superior fica a saber, de forma ordenada, quais as questões essenciais que lhe compete apreciar, não as podendo descurar, e estabelecendo-se desse modo, com nitidez e utilidade, o foco de incidência do juízo do tribunal ad quem; por outro, o recorrido poderá exercer cabalmente o contraditório que lhe assiste, na medida em que sabe qual a parte da motivação do recurso verdadeiramente relevante e decisiva, a que terá de responder, não se distraindo com as considerações retóricas, marginais e acessórias, que germinam livremente nas orlas da divagação jurídica, por vezes entusiástica e inflamada”.
O n.º 1 do artigo 637.º do CPC estatui que os recursos de interpõem por meio de requerimento, dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida e nele é indicada a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.
O n.º 2 do artigo 637.º do CPC estabelece que o “requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.
Importa referir, a respeito do n.º 2 do artigo 637.º do CPC que, fora dos casos em que deve ter lugar, sob pena de rejeição do recurso, a indicação do fundamento específico de recorribilidade – o que sucede nos casos do recurso de revista excecional (artigo 672.º, n.º 2) e do recurso para uniformização de jurisprudência (artigo 692.º, n.º 1), em que a condição de recorribilidade da decisão advém de uma norma particular a consentir no recurso – nas demais situações e, concretamente, em sede de recurso de apelação, não é imperioso o apelante indicar algum específico fundamento de recorribilidade.
Por sua vez, estatuem os n.ºs. 1, 2 e 3 do artigo 639.º do CPC que:
“1-O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificidades a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada (…)”.
Conforme deriva dos normativos transcritos, o requerimento de interposição de recurso deve satisfazer determinadas condições formais, apresentando a respetiva fundamentação e o pedido.
Como refere, em geral, Rui Pinto (O Recurso Civil. Uma Teoria Geral; AAFDL, Lisboa, 2017, p. 236), “no requerimento o recorrente deve cumprir os ónus básicos de alegação e formulação das respetivas conclusões – i.e., os fundamentos específicos do pedido – conforme os artigos 637º nº 2 e 639º, e terminar no pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial”.
E, noutro local (Manual do Recurso Civil; Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020 p. 293), concretiza o mesmo Autor que: “Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 673.º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. o artigo 635º nº 4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência de que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efetivamente, o objeto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações” (STJ 26-5-2015/Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (HÉLDER ROQUE)”.
As conclusões da motivação de recurso têm de habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito e sempre com a formulação das conclusões que resumem as razões do pedido.
Assim, o ónus de concluir obtém-se pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente, as conclusões traduzem uma enunciação abreviada dos fundamentos do recurso, que devem ser congruentes, claros e precisos.
É que, “no contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusão, no final da minuta” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra, 1984, p. 359).
As conclusões são, pois, a enunciação resumida dos fundamentos do recurso.
“Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, p. 359).
A lei impõe a indicação especificada dos fundamentos do recurso nas conclusões, para que o tribunal conheça, com precisão, as razões da discordância em relação à decisão recorrida.
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2013 (Pº 483/08.0TBLNH.L1.S1, rel. GARCIA CALEJO): “O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas”.
Na mesma linha, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2017 (Pº 1297/12.9T2AMD-A.L1-2, rel. PEDRO MARTINS) que: “Se as conclusões de um recurso não são a síntese daquilo que foi dito no corpo das alegações (art. 639/1 do CPC), mas matéria nova não discutida neste corpo, não há conclusões que devam ser tidas em consideração. E também não existem conclusões relevantes se em nenhuma delas consta a indicação dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão (art. 639/1 do CPC)”.
Esse ónus de concluir compete exclusivamente ao recorrente – conforme decorre do n.º 1 do artigo 639.º do CPC – e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que o levam a impugnar a decisão recorrida (pelo que, não tem o recorrido que formular conclusões, como condição de admissibilidade da contra-alegação, muito embora se afigure útil para a síntese da respetiva pronúncia que o faça).
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal, constituindo, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente como motivadoras do recurso e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate, quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.
As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, daí que deva ser clara a identificação do que se pretende obter junto do tribunal de recurso, por contraposição, com a decisão recorrida.
Sintetizando os aspetos mais relevantes, refere João Aveiro Pereira (“O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, 2018, pp. 32-33, consultado em: http://www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf) que:
“1. As conclusões das alegações são ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida. Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm necessária e legalmente de ser curtas, claras e objectivas, para que não deixem dúvidas quanto às questões que o tribunal ad quem deve e pode conhecer.
2. O ónus de concluir cumpre-se também com a indicação das disposições violadas, do sentido com que deveriam ter sido aplicadas ou, em caso de erro sobre a norma, aquela que o recorrente entende que devia ter sido aplicada (…)”.
“Todavia, é com inusitada frequência que se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações exigidas pelo n.º . São triviais as situações em que as conclusões não passam da mera reprodução (total ou parcial) dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume ou a quantidade das conclusões fosse sinónimo de qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 768, nota 5).
A jurisprudência dos tribunais superiores tem apreciado diversas situações onde se questiona a validade e admissibilidade das conclusões apresentadas, de que são exemplos, as seguintes decisões:
- Acórdão do STJ de 16-12-2020 (Pº 2817/18.0T8PNF.P1.S1, rel. TOMÉ GOMES): “O ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver. “A falta de conclusões” a que se refere a alínea b), parte final, do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, como fundamento de rejeição do recurso, deve ser interpretada num sentido essencialmente formal e objetivo, independentemente do conteúdo das conclusões formuladas, sob pena de se abrir caminho a interpretações de pendor subjetivo. Assim, a reprodução do corpo das alegações nas conclusões não se traduz na falta destas, impondo-se, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento das mesmas, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC. De todo o modo, a orientação no sentido de fazer equivaler a reprodução integral do corpo das alegações nas conclusões - que aqui não se acolhe - não deverá prescindir de uma aferição casuística em ordem a ponderar, à luz do principio da proporcionalidade, a repercussão que essa reprodução, mais ou menos integral, possa acarretar, em termos de inteligibilidade das questões suscitadas, em sede do exercício do contraditório e da delimitação do objeto do recurso por parte do tribunal”;
- Acórdão do STJ de 02-05-2019 (proc. nº 7907/16.1T8VNG.P1.S1, rel. BERNARDO DOMINGOS):  “A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.”;
- Acórdão do STJ de 07-03-2019 (Pº 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1, rel. ROSA TCHING): “A reprodução nas “conclusões” do recurso da respetiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, inexistindo, por isso, fundamento para a imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil. Uma tal irregularidade processual mais se assemelha a uma situação de apresentação de alegações com o segmento conclusivo complexo ou prolixo, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 639º, nº 3 do Código Processo Civil, impõe-se a prolação de despacho a convidar a recorrente a sintetizar as conclusões apresentadas.”;
- Acórdão do STJ de 19-12-2018 (proc. nº 10776/15.5T8PRT.P1.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO): “I - A reprodução da motivação nas conclusões do recurso não equivale à falta de conclusões, fundamento de indeferimento do recurso – art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC. II - Neste caso, impõe-se prévio convite ao recorrente para aperfeiçoar as conclusões, no sentido de lhes conferir maior concisão – art. 639.º, n.º 3, do CPC.”;
- Acórdão do STJ de 27-11-2018 (Pº 28107/15.2T8LSB.L1.S1, rel. JÚLIO GOMES): “I. Quando as conclusões de um recurso são a mera reprodução, ainda que parcial, do corpo das alegações, não se pode, em rigor, afirmar que o Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC. II. Em tal circunstância não há que rejeitar imediatamente o recurso, podendo convidar-se ao seu aperfeiçoamento, por força do disposto no n.º 1 do artigo 659.º do CPC.”;
- Acórdão do STJ de 02-05-2018 (Pº 687/14.7TTMTS.P1.S1, rel. RIBEIRO CARDOSO): “Impõe o art. 639º, nºs 1 e 3 do CPC um ónus ao recorrente - a formulação de conclusões sintéticas, e um dever ao tribunal - o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, designadamente sintetizando-as, quando sejam prolixas e, nessa medida, complexas. Não definindo o legislador a forma que deve revestir a síntese das alegações, limitando-se a referir que consistem na indicação sintética dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, o não conhecimento do recurso fundamentado na falta de síntese das conclusões, apenas deve ter lugar em casos muito limitados e flagrantemente violadores do dever de síntese”;
- Acórdão do STJ de 06-07-2017 (Pº 297/13.6TTTMR.E1.S1, rel. GONÇALVES ROCHA): “I - A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva alegação não equivale a uma situação de falta de conclusões, estando-se antes perante um caso de conclusões complexas por o recorrente não ter cumprido as exigências de sintetização impostas pelo nº 1 do artigo 639º do CPC. II - Assim, não deve dar lugar à imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea b) do CPC, mas à prolação de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, conforme resulta do nº 3 do artigo 639º do mesmo compêndio legal.”;
- Acórdão do STJ de 25-05-2017 (Pº 2647/15.1T8CSC.L1.S1, rel. ANA PAULA BOULAROT): “I - A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com falta de conclusões. II - Nestas circunstâncias, não há lugar à prolação de um despacho a rejeitar liminarmente o recurso, impondo-se antes um convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº3 do artigo 639º do CPCivil, atenta a sua complexidade e/ou prolixidade.”;
- Acórdão do STJ de 13-10-2016 (Pº 5048/14.5TENT-A.E1.S1, rel. OLIVEIRA VASCONCELOS): “I - Do facto de as conclusões serem uma repetição das alegações do recurso não se pode retirar que aquelas conclusões não existam, mas apenas que não assumem a forma sintética legalmente imposta pelo art. 639.º, n.º 1, do CPC. II - Perante tal irregularidade, deve o tribunal convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões no sentido de proceder à sua sintetização, com respeito pelo objeto do recurso que ficou definido nas alegações originais, nos termos do n.º 3 do citado normativo.”;
- Acórdão do STJ de 18-02-2016 (Pº 558/12.1TTCBR.C1.S1, rel. ANTÓNIO LEONES DANTAS): “Nas conclusões da alegação do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados”;
- Acórdão do STJ de 09-07-2015 (Pº 818/07.3TBAMD.L1.S1, rel. ABRANTES GERALDES): “A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.”
- Acórdão da Relação de Guimarães de 24-09-2020 (Pº 2781/18.6T8VCT-A.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS): “Verificando-se que nas alegações de recurso o apelante, após a explanação da motivação do recurso, conclui essa motivação com a expressão: “ Termos em que…”, passando após a fazer uma súmula das razões pelas quais recorre e a expor o sentido da pretensão que solicita lhe seja reconhecida pelo tribunal ad quem e indicando os dispositivos legais que suportam essa sua pretensão, a falta de conclusões é meramente aparente”;
- Acórdão da Relação do Porto de 27-01-2020 (Pº 2817/18.0T8PNF.P1, rel. JORGE SEABRA): “A reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que intitulada de “conclusões”, não pode ser considerada para efeitos do cumprimento do dever de apresentação de conclusões do recurso nos termos estatuídos no artigo 639.º, n.º 1 do CPC. Equivalendo essa reprodução à falta total de conclusões deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento”;
- Acórdão da Relação do Porto de 13-01-2020 (Pº 3381/18.6T8PNF-A.P1, rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS): “I - Em consonância com o regime plasmado na lei adjetiva, as conclusões das alegações correspondem às ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida. II - Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm, pois, necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas. III - Daí que a reprodução praticamente integral e ipsis verbis do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pela apelante, não pode ser considerada para efeito de válido cumprimento do dever de apresentação das conclusões recursivas. IV - Tal comportamento processual, equivalendo à ausência de conclusões, dará lugar ao não conhecimento do recurso de acordo com o que se dispõe no artigo 641º, nº 1 al. b) do Código de Processo Civil, não cabendo convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desse ónus”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 24-01-2019 (Pº 3113/17.6T8VCT.G1, rel. EUGÉNIA MARIA MOURA MARINHO DA CUNHA): “1. Verificando-se a falta, em peça processual da alegação de recurso de apelação, das “conclusões”, a que alude o nº1, do art. 639º, do CPC (indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente, que define e delimita o objeto do recurso), os apelantes têm de suportar a consequência do incumprimento do ónus de as formular - a rejeição do recurso, em obediência ao consagrado na al. b), do nº2, do art. 641º, de tal diploma; 2. A deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões das alegações de recurso - passíveis de despacho de aperfeiçoamento - são vícios de conclusões, que pressupõem a existência de esboço de síntese dos fundamentos do recurso; 3. Ocorre efetiva, real e absoluta falta de objeto do recurso-as “conclusões”, definidas na lei adjetiva como indicação sintética dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – e não mero vício, na situação de a apelante, embora usando tal título ao finalizar a alegação de recurso de apelação, reproduzir ipsis verbis e integralmente o antecedente corpo das suas alegações, pois que tal inútil eco do já dito nenhuma síntese dos invocados fundamentos revela. E o esboço de síntese não se verifica em nominadas “conclusões” que apenas repetem, com insignificantes alterações de pormenor na redação e agrupamento, o teor integral do corpo das alegações; 4. Aquela consequência (rejeição do recurso) justifica-se nesta situação de falta de rigor, sem que tal se mostre desproporcional nem excessivo, pois que, tendo a parte o ónus de formular as definidas conclusões, sem o que se decorrem, automaticamente, os efeitos gravosos da rejeição do recurso (em materialização do princípio da auto-responsabilização das partes), a mesma nem sequer um esboço de esforço nesse sentido desenvolveu”;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 08-06-2018 (Pº 1840/16.4T8FIG-A.C1, rel. RAMALHO PINTO): “I – O artº 639º, nº 1 do nCPC impõe ao recorrente dois ónus: o ónus de alegar e o ónus de formular conclusões. II – O recorrente cumpre o ónus de alegar apresentando a sua alegação onde expõe os motivos da sua impugnação, explicitando as razões por que entende que a decisão está errada ou é injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, para além de especificar o objectivo que visa alcançar com o recurso. III – Deve, todavia, terminar a sua minuta com a indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/oude direito, por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida. IV – As conclusões do recurso que versem matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes. V – A não apresentação de conclusões recursivas tem como efeito imediato o puro e simples indeferimento do requerimento de recurso”; e
- Acórdão da Relação de Lisboa de 07-12-2016 (Pº 141/14.7T8SXL.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “A reprodução integral, mediante aquilo que se pode designar por “copy-past” do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada pelo recorrente de “Conclusões”, não pode ser considerada para efeito do cumprimento do dever de apresentação das conclusões do recurso (proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação), nem podem ser consideradas deficientes (motivação insuficiente, contraditória, incongruente ou mesmo excessiva), obscuras ou complexas, equivalendo, ao invés, à ausência de conclusões, pois é igual a nada dizer, repetir o que antes se disse na motivação, o que sempre dará lugar à rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º, nº 1, alínea b) do CPC”.
A propósito do que caracteriza de “peripécias relacionadas com as conclusões das alegações de recurso e dos custos que elas implicam para o sistema judiciário”, remata Miguel Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, registo de 03-04-2020, consultado em https://blogippc.blogspot.com/2020/04/jurisprudencia-2019-210.html) que: “ninguém pode "atirar a primeira pedra":
-- A jurisprudência, porque, com decisões, de carácter puramente formal, que se recusaram a apreciar algumas questões suscitadas nos recursos com argumento de que não constavam das conclusões, os tribunais deram azo a que os advogados, segundo a conhecida "jurisprudência das cautelas", alargassem as conclusões muito para além do razoável;
-- A advocacia, porque os advogados continuam a não cumprir o que a lei impõe, que é -- lembre-se -- a indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que se pede a alteração ou a anulação da decisão impugnada (art. 639.º, n.º 1, CPC)”.
A falta de alegações ou de conclusões não admite aperfeiçoamento e determina a liminar rejeição do recurso – cfr. artigo 641.º, n.º 2, al. b) do CPC – ou o seu não conhecimento pelo Tribunal de recurso – cfr. artigo 652.º, n.º 1, al. b) do CPC.
Revertendo estas considerações para o caso em apreço, verifica-se que a recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso, que acompanhou de alegações (que deduziu articuladamente ao longo de 262 artigos), terminando com um segmento que intitulou “II – Das conclusões”, onde formulou as conclusões acima transcritas. Terminou, por fim, requerendo a procedência do recurso, com a revogação da sentença recorrida.
Como se viu, o propósito do legislador ao enunciar os princípios constantes do artigo 639.º do CPC foi o de vincular os recorrentes a fornecer, nos recursos que interponham, a indicação, em moldes percetíveis, do que pretendem e das disposições legais que afirmam terem sido violadas pela decisão impugnada.
Em face do referido, encontra-se expresso na pretensão da recorrente, o requerimento de revogação da decisão recorrida pelo Tribunal de recurso e também as razões da impugnação, com indicação das normas tidas como violadas, de acordo com a síntese constante das conclusões.
Assim, não se pode concluir que a recorrente não tenha observado, o ónus de alegar e de concluir. Lidas e relidas as conclusões da recorrente, delas não decorre, nem a ausência de síntese, nem uma indeterminação do sentido do concluído. E, nada mais lhe era exigível.
De semelhante modo, não se afigura, igualmente, existir motivo que justifique a prévia prolação do despacho de convite a que se reporta o n.º 3 do artigo 639.º do CPC, pois, não se vislumbra ocorrer situação de deficiência ou obscuridade recursória.
Conclui-se, pois, inexistir motivo para o não conhecimento do recurso, não se mostrando inobservado pela recorrente o disposto no artigo 639.º do CPC.
*
B) Se existe motivo para a rejeição do recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
Concluiu, ainda, a recorrida, na contra-alegação que deduziu, nomeadamente, o seguinte:
“31. O recurso visa a alteração da matéria de facto e da matéria de direito. Ora,
32. Quanto à alteração da matéria de facto, importa atentar ao disposto no artigo 640.º do CPC.
33. No caso, atentas as alegações de recurso, temos que a Recorrente não cumpre com o fixado.
34. E, por isso, por si só, não pode haver alteração da matéria de facto (…)”.
As mencionadas conclusões reportam-se à alegação precedente da recorrida, onde invocou o seguinte:
“O recurso visa a alteração da matéria de facto e da matéria de direito. Ora, Quanto à alteração da matéria de facto, importa atentar ao disposto no artigo 640.º do CPC.
De facto, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Sendo que, no caso dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, impõe-se que se observe o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;  b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
No caso, atentas as alegações de recurso, temos que a Recorrente não cumpre com o fixado.
E, por isso, por si só, não pode haver alteração da matéria de facto (…).”.
E, de facto, a recorrente vem invocar erro de julgamento, designadamente, na apreciação da matéria de facto pelo Tribunal recorrido (cfr., designadamente, as conclusões C, D e SSSSS da alegação da recorrente).
Com a alegação produzida e com a impugnação deduzida, a recorrente/apelante pretende colocar em crise a factualidade apurada pelo Tribunal a quo.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, pelo que, cumpre apreciar se deve este Tribunal ad quem proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada ou se se verifica a invocada inobservância do cumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC.
Vejamos:
Dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do CPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639.º, n.º 3, do CPC (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) do mesmo artigo (cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que, quanto à reapreciação factual pelo Tribunal de recurso, atenta a função deste tribunal, que não se compadece com a realização de um novo – e integral – julgamento, o mesmo só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Como resulta do n.º 1 do já citado artigo 640.º do CPC, no caso de impugnação sobre a decisão de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, bem como, os concretos meios de prova que impunham diversa decisão, indicando a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre tais questões de facto.
De acordo com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, cabe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso na parte respetiva, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso (sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte:
“1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância.
3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º 4.
4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Refira-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Processo 123/11.0TBCBT.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) concluindo que: “Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
Conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012 (processo 245/09.8 GBACB.C1, relator BRÍZIDA MARTINS): “O recorrente que queira impugnar a matéria de facto tem que (…) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”.
Assim, pode concluir-se que, “como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2018, Pº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, rel. SOUSA LAMEIRA).
De todo o modo, de harmonia com o princípio da prevalência da substância pela forma a que se refere o artigo 6.º do vigente CPC (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2018, p. 32, nota 5), tem-se admitido que, se da conjugação da motivação e das conclusões é viável a percepção de quais os pontos da matéria de facto impugnados, não deverá ter lugar a rejeição da impugnação: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal. Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, identificando e transcrevendo parcialmente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com a prova documental, que, no seu entender, impõem decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações e conclusões, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação atrás referida, o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do CPC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2020, Pº 274/17.8T8AVR.P1.S1, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, na linha do Acórdão do mesmo Tribunal de 12-07-2018, Pº 167/11.2TTTVD.L1.S1, rel. FERREIRA PINTO).
Sobre a indicação concreta de meios de prova que se pretendem utilizar, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-09-2018 (Processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, rel. GONÇALVES ROCHA) decidiu que: “A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.
E, conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 (Processo 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), não observa o ónus legalmente exigido, “o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”.
Quanto ao ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a jurisprudência tem entendido uniformemente, o seguinte:
- “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1 do artigo 640º, do CPC” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2019, Pº 126528/16.6YIPRT.P1, rel. CARLOS PORTELA); e
- “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2018, Pº 1474/16.3T8CLD.C1.S1, rel. FERREIRA PINTO).
Finalmente – refira-se – que, conforme se deu nota no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2018 (Pº 552/13.5TTVIS.C1.S1, rel. PINTO HESPANHOL): “A rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto prevista no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil não está dependente da observância prévia do princípio do contraditório. Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre tais pontos de facto”.
Conforme refere Abrantes Geraldes, (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pp. 199-200) impõe-se a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique “(…) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; (…) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (…)”, concluindo que, a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
No caso, a recorrida aponta a inobservância pela recorrente do disposto no artigo 640.º do CPC, sem, contudo, identificar onde é que tal inobservância se materializa.
Ora, não obstante o alegado pela recorrida, apreciando a alegação da recorrente verifica-se que a mesma identifica, com clareza, quais os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido incorretamente julgados: Os factos provados nos pontos 27, 20, 28, 29, 30, 32, 36, 42, 47 e 48 da decisão recorrida – cfr. artigos 49.º, 61.º, 79.º, 98.º, 109.º, 119.º, 143.º, 168.º e 170.º das alegações de recurso e conclusões AA, GG, PP, ZZ, FFF, III, AAAA, GGGG e IIII.
E o mesmo se diga, relativamente à decisão que, no entender da recorrente, deveria ser proferida em alternativa à que foi levada a efeito pela decisão recorrida – veja-se, nesse sentido, o alegado nos artigos 49.º, 60.º, 62.º, 78.º, 92.º, 93.º, 99.º, 100.º, 118.º, 120.º, 154.º, 167.º, 169.º e 174.º das alegações de recurso e conclusões AA, FF, AAA, HHH, JJJ, QQQ, BBBB, HHHH e IIII.
Finalmente, a respeito de cada um dos pontos de facto que constituem o objeto da impugnação deduzida, a recorrente enuncia, com a necessária e suficiente precisão, os concretos meios probatórios que, no seu entender motivariam diversa decisão da tomada. Quanto tal não sucede, a impugnação dos pontos de facto baseia-se na invocação da impossibilidade jurídica de a correspondente matéria ser objeto de selecção factual, por não corresponder a matéria de facto ou respeitar a matéria conclusiva.
Por fim, também relativamente à matéria de facto que pretende seja aditada na decisão de facto, de acordo com a alegação constante dos artigos 182.º a 184.º das alegações de recurso, a recorrente observou os ónus de impugnação que lhe estavam adstritos, de harmonia com o previsto no mencionado artigo 640.º do CPC.
Já assim não sucede com o aditamento visado no artigo 185.º das mesmas alegações, pois, nele a recorrente se limita a, sem outra especificação, a afirmar a sua prova nos autos, não se evidenciando, quanto a este ponto, a observância do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, razão pela qual, a impugnação da matéria de facto respetiva deverá, neste conspecto, ser rejeitada.
O mesmo se diga relativamente ao aditamento gizado nos artigos 198.º e 199.º das alegações da recorrente, relativamente ao qual, igualmente, não se mostra observado o cumprimento pela apelante do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.
De acordo com o exposto:
a) Rejeita-se a impugnação da matéria de facto, respeitante aos aditamentos à matéria de facto visados nos artigos 185.º, 198.º e 199.º das alegações da recorrente, por inobservância do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC; e
b) Quanto ao mais, porque observados pela recorrente, os ónus impugnatórios a que se reporta o artigo 640.º do CPC, inexiste motivo para a rejeição da impugnação de facto.
*
II) Impugnação da matéria de facto:
Tendo em conta a decisão precedente, cumpre apreciar cada uma das questões de facto suscitadas e que não foram objeto de rejeição liminar, o que se passa a conhecer nos termos seguintes:
*
C) Se a matéria de facto constante do ponto 27 deve ser dada como não provada?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“49.º Não pode o douto Tribunal a quo considerar como provado que a efetivação da entrega das frações determinará a paralisação absoluta, de toda a atividade com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Fine Facility Services, Lda, como o faz no ponto 27 da douta sentença.
50.º Desde logo, a Fine Facility Services, Lda. alega a existência de danos irreparáveis nos seus Embargos de Terceiro, mas não logra provar esses mesmos danos.
51.º Conforme teve a Recorrente oportunidade de alegar em sede oportuna.
52.º E tendo aliás a Recorrente, impugnado os artigos 89.º a 98.º dos Embargos de Terceiro, onde são alegados factos referentes aos prejuízos decorrentes da entrega das frações, por desconhecer, sem obrigação de conhecer, se os mesmos são verdade.
53.º E o testemunho prestado pela Sra. SA também não permite apurar a existência de danos irreparáveis com a entrega das frações.
54.º Efetivamente, veja-se o depoimento prestado pela Sra. SA (minuto 25:56 a 27:02, referência da gravação 20210902142624_20033099_2871123):
Mandatário da Embargante. Sr. Dra., não sei se estava… Se estava nas instalações quando em julho de 2020 apareceram lá…Testemunha SA: Os senhores do tribunal? Sim estava.
Mandatário da Embargante: Sim… Estava… E o propósito era tomar posse das…
Testemunha SA: Exato.
Mandatário da Embargante.: A minha pergunta é: Qual é a consequência se esse ato pretendido for efetivado. O que é que acontece à Fine?
Testemunha SA: É assim… Em efeitos imediatos sinceramente nem sei porque em termos informáticos pelos vistos aquilo não é… Porque na altura… Estou a dizer isso baseado no que o colega disse logo na altura quando eles foram lá e que nos apanharam de surpresa: que se tiver que alterar aquilo tudo vai demorar não sei quanto tempo e durante esse tempo ninguém pode laborar em termos de guias de transporte e essas coisas que eles fazem. Em termos contabilísticos também suspender…. Há alturas em que suspender uma semana o acesso ao servidor que era impensável… Isso vai pôr muita coisa em causa, acho eu., sublinhado e negrito nosso
55.º Desde logo, veja-se que parte da resposta dada pela testemunha SA é baseada no que disse o colega e não nos conhecimentos diretos que a mesma tem.
56.º Por outro lado, a mesma informa que acha que havendo paralisação em termos contabilísticos uma semana seria impensável.
57.º Ora, acontece que em momento algum do depoimento prestado a mesma alega que a entrega das frações à ora Recorrente trará a paralisação absoluta da atividade em termos de não poder prestar os seus serviços.
58.º E aliás, nem poderia afirmar tal coisa, sendo a atividade da Fine Facility Services, Lda. a prestação de serviços de limpeza em edifícios, o facto de as frações serem restituídas à legitima proprietária não poria em causa, no limite, a sobrevivência da empresa, pois nem é nesse local que presta os serviços aos seus clientes.
59.º Ora, de facto pode ocorrer que haja transtornos e custos para que a recorrida muda-se de instalações, mas não fica demonstrado nos autos que iria ter danos irreparáveis que colocassem em causa a sua sobrevivência.
60.º Como tal, impunha-se ao douto Tribunal a quo considerar como não provados os alegados prejuízos para a Fine Facility Services, Lda. decorrentes da entrega das frações.”.
Vejamos:
Estamos perante autos de embargos de terceiro, cujo regime consta regulado nos artigos 342.º e ss. do CPC.
Em conformidade com o disposto no artigo 348.º, n.º 1, do CPC, “recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum”.
“No direito anterior à Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, em sede de processo ordinário, a decisão sobre a matéria de facto tinha lugar após o encerramento da audiência de julgamento (cf. anterior artigo 653.° n.°2). Na nova versão do Código de Processo Civil, o legislador suprimiu a decisão sobre matéria de facto, no termo da audiência de julgamento. Por isso, bem se pode chegar à sentença sem o proferimento de despacho formal sobre factos assentes. Na realidade, a decisão de fixação de factos assentes passou a ser uma decisão formalmente não autónoma — mas decisão, ainda assim…— no seio da fundamentação da sentença, prejudicial do dispositivo desta.” (assim, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil; vol. II, 2ª edição, p. 77).
O artigo 607.º, n.º 4, do CPC impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
“A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS).
Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 315), refere que: “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”.
Ora, conforme se sublinhou no já citado Acórdão do STJ de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS): “Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento”.
Por seu turno, refere Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351) que: “A estatuição do citado nº4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado)”.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal”.
Nesta linha é, pois, crucial que seja feita a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento, de acordo com os temas da prova fixados.
“A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 717).
Ora, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1.S1, rel. ROSA TCHING), “[f]actos provados são os factos concretos assim julgados, na sentença final, após exame crítico das provas e não os factos tidos como assentes no despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Ainda que se admita não haver obstáculo a que o juiz, no âmbito do novo Código de Processo Civil, continue a proferir despacho de fixação da matéria de facto considerada assente, é inquestionável que tal despacho não pode deixar de ser visto como um “guião” ou mero “suporte de trabalho” para o julgamento, pelo que, mesmo depois de decididas as reclamações contra ele apresentadas, não se forma  caso julgado formal sobre ele, podendo, por isso, os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso”.
Conforme referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Dito isto, importa referir que, no caso, não se procedeu à elaboração de temas da prova, limitando-se o Tribunal a enunciar em sede de sentença os factos apurados (não tendo sido elencados factos não provados).
Cumpre preliminarmente referir que o facto provado em 15 tem um manifesto lapso de escrita ao se referir, na primeira parte, à primeira embargada, quanto, logica e manifestamente, a respetiva menção se reporta à segunda embargada (ora recorrente, requerente da providência cautelar apensa).
A retificação dos erros materiais por lapso de escrita mostra-se prevista para as sentenças e despachos, nos artigos 613.º e 614.º do CPC, no que respeita à 1.ª instância e no artigo 666.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, no que respeita à 2.ª instância.
«O erro é uma falsa representação da realidade: é a ignorância que se ignora». «Pratica-se determinado acto, concebendo as coisas por modo diverso daquele que, na realidade, são, mas não fora esse imperfeito conhecimento e o acto não teria sido praticado». «De entre as diversas modalidades de erro apenas interessa para o caso, o chamado erro de escrita em que há, na verdade, uma divergência entre o que se quer e o que se diz» (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 24-05-2005, Pº 480/05, rel. ANTÓNIO PIÇARRA).
O erro de escrita, revela-se no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, nos termos previstos pelo artigo 249º do Código Civil, dando direito à retificação desta.
Assim, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Pº 9549/15.0T8VNG-C.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO), “o regime da retificação dos erros materiais incide apenas sobre as faltas de conformidade da sentença, que não respeitem aos seus elementos substanciais, mas meramente complementares, tais como erros de cálculo ou de escrita, lapso, obscuridade ou ambiguidade. Pode proceder-se à correção da sentença, oficiosamente ou a requerimento, desde que a mesma não implique uma modificação essencial, invadindo o conteúdo do julgamento”.
O erro material é, pois, tratado como uma sub-espécie de erro-obstáculo, que terá de ser constituído por um lapso ostensivo, não podendo existir fundada dúvida sobre o que se quis declarar (cf. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica, n.° 134, VI).
O “erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito” (assim, Castro Mendes; Direito Processual Civil, II, p. 313).
O erro material é, pois, corrigível por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
No caso, como se vê da simples leitura do facto n.º 15, padece o mesmo do apontado lapso, devendo ser corrigido em conformidade.
Para além deste aspeto, cumpre referir que, o facto provado n.º 27 tem a seguinte redação: “27.ºSendo que, a efectivação da entrega das fracções, determinará a paralisação, absoluta, de toda a actividade, com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Embargante”.
Na motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido referiu, singelamente, o seguinte: “Quanto ao prejuízo decorrente da entrega das fracções à embargada, por parte da Embargante, o depoimento da testemunha SA, contabilista, funcionária da mesma.”.
A recorrente insurge-se contra tal depoimento, dizendo que o mesmo não permite apurar a existência de danos irreparáveis com a entrega das frações, que, em nenhum momento do referido depoimento refere que a entrega das frações trará a paralisação absoluta da atividade, em termos de a recorrida não poder prestar os seus serviços.
Ora, antes de mais, importa referir que relativamente às instalações em questão, se apurou, nomeadamente, a seguinte factualidade (factos provados 21 a 26):
- Nas fracções, que para entrega se designou o dia 14 de Julho, próxima terça-feira, a Embargante tem o seu centro operacional;
-Nestas instalações, de Vila Nova de Gaia, funciona o gabinete de contabilidade de toda a empresa Embargante, com 2 funcionárias, assim como um gabinete Jurídico com uma funcionária;
- Também nas instalações em causa, se encontra todo o sistema operativo dos serviços de informática desta empresa e aí se “gere” toda a empresa, encontrando-se toda a plataforma operativa e operacional da Embargante, constituindo os escritórios, onde se encontram todos os registos, arquivos informáticos, computadores, a organização dos diversos colaboradores, os telefones, internet e tudo o que permite a laboração da Embargante; e
- Para alterar todo esse sistema - com PT’s vários e equipamentos das diversas operadoras de telecomunicações, é necessária a intervenção das empresas de telecomunicações, o que não é, de todo, possível acontecer até à próxima terça-feira.
Se avaliarmos o depoimento de JC sobre a questão, dele se extrai apenas o seguinte:
“Mand1 – Então estando lá, como diz, os arquivos informáticos, todas as questões informáticas, computadores, as questões de comunicação também disse, a internet, se, de um momento para o outro, a Caixa leasing chegar ali, como pretende, e simplesmente disser “Daqui para fora”, o que é que acontece à Fine?
(15’:13”) T1 – Olhe, o que é quer acontece? Não irá fechar provavelmente por causa disso, mas que muitas instituições a nível nacional vão ter problemas, porque nós não vamos conseguir fazer as limpezas, não vamos conseguir ter ordenamento, não vamos conseguir ter controle efetivo das coisas, portanto, há muita gente que vai para o desemprego, nomeadamente as 15 pessoas, ou 12 ou 15 pessoas que lá trabalham, porque são de lá de cima, são do porto, não vêm para Lisboa, e se tivesse que mudar, se isso acontecesse, até que arranjar um outro espaço , que irá levar algum tempo, já não ia fazer no Porto, portanto, essa gente vai para o desemprego de certeza, já viria para Lisboa porque só está lá porque, na altura, foi lá que comecei o serviço (…)”.
E, sobre o depoimento de Alice Pinto verifica-se o seguinte excerto:
“(…) Mandatário da Embargante. Sr. Dra., não sei se estava… Se estava nas instalações quando em julho de 2020 apareceram lá…
Testemunha SA Os senhores do tribunal? Sim estava.
Mandatário da Embargante: Sim… Estava… E o propósito era tomar posse…
Testemunha SA: Exato.
Mandatário da Embargante.: A minha pergunta é: Qual é a consequência se esse ato pretendido for efetivado. O que é que acontece à Fine?
Testemunha SA: É assim… Em efeitos imediatos sinceramente nem sei porque em termos informáticos pelos vistos aquilo não é… Porque na altura… Estou a dizer isso baseado no que o colega disse logo na altura quando eles foram lá e que nos apanharam de …surpresa: que se tiver que alterar aquilo tudo vai demorar não sei quanto tempo e durante esse tempo ninguém pode laborar em termos de guias de transporte e essas coisas que eles fazem, pronto. Em termos contabilísticos também suspender…. Há alturas em que suspender uma semana o acesso ao servidor que era impensável… Isso vai pôr muita coisa em causa, acho eu (…)”.
Ora, considerados estes elementos de prova- sendo certo que, os demais produzidos nada permitiram aportar de positivo para a prova correspondente - afigura-se que o que consta enunciado no facto 27 dos factos provados, se encontra parcialmente demonstrado, no que respeita à paralisação da atividade da embargante, mas apenas, como não pode deixar de ser, apenas com referência às instalações em questão (ou seja, durante o período em que a embargante carecer de encontrar instalações alternativas).
De facto, a prova produzida mostra-se insuficiente para concluir que tal paralisação será “absoluta”, designadamente, estendendo-se às demais instalações da embargante, a qual tem, aliás, sede noutro local que não o local onde a embargada contestante visou a efetivação da entrega das frações.
Relativamente à extinção dos postos de trabalho, a mesma foi referenciada, sem outra concretização por JC, pelo que, se entende que a prova produzida sobre tal factualidade é, apesar de tudo insuficiente para afirmar a certa extinção dos postos de trabalho e, ainda mais, a própria “sobrevivência” da embargante, não se tendo atingido um estádio probatório de molde a concluir que tais factos terão maior probabilidade de verosimilhança com a realidade, razão pela qual deve essa factualidade transitar – com a ressalva do assente em 27 - para os factos não provados.
Em face do referido e em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, deverá:
- retificar-se a redação do facto provado n.º 15, para a seguinte: “15.º Até ao momento a insolvente não procedeu à restituição do imóvel, pelo que veio a primeira embargada requerer ao tribunal a entrega imediata do mesmo à requerente nos termos do art. 21º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho, a qual foi julgada procedente e decretada a imediata entrega dos imóveis à primeira embargada”;
- alterar-se a redação do facto 27.º dos factos provados, para a seguinte: “27.º Sendo que, a efectivação da entrega das fracções, determinará a paralisação da atividade da embargante nas instalações correspondentes”.
E, igualmente, de acordo com o exposto, deverá incluir-se nos factos não provados, um facto – com a al. a) – do seguinte teor:
“a) Que, para além do referido em 27, a efectivação da entrega das fracções determinará a paralisação, absoluta, de toda a actividade, com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Embargante”.
*
D) Se a matéria de facto constante dos pontos 20 e 28 deve ser dada como não provada?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“61.º Considerou ainda o douto tribunal a quo, como facto provado, nos pontos 20 e 28 da douta sentença que a ali Embargante tem a posse das frações.
62.º O que não se pode aceitar, face ao conceito jurídico usado.
63.º Ora, a Recorrente celebrou com a sociedade JC – Gestão Global de Negócios, S.A um contrato de locação financeira imobiliária ao qual foi atribuído o n.º 337787, facto este que é assente nos presentes autos.
64.º No âmbito do referido contrato a ora Embargada deu em locação à JC as frações autónomas designadas pelas letras AB (escritório no 6.º andar direito posterior com estrada pelo 22008), AC (escritório no 6.º andar direito centro posterior com entrada pelo …) e AD (escritório no 6.º andar esquerdo posterior, com entrada pelo n.º …) do prédio urbano situado em Av. … …, … e … e Rua … …, … e …, freguesia de …, Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2.º Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob a ficha n.º … (três mil, seiscentos e trinta e sete), da Freguesia de Mafamude, e inscrito na matriz predial sob o artigo ….
65.º O contrato em questão foi celebrado pelo prazo de 180 (cento e oitenta) meses com início na data da celebração do contrato.
66.º Devendo o pagamento ser feito em 180 (cento e oitenta) prestações mensais, a primeira no valor de € 16.228,68 (dezasseis mil, duzentos e vinte e oito euros e sessenta e oito cêntimos) e as demais 179 prestações no valor de € 1.706,87 (mil, setecentos e seis euros e oitenta e sete cêntimos).
67.º Como tal, o regime aplicável ao presente caso, uma vez que estamos perante a aplicação do regime da locação financeira, é o DL 149/94 de 24 de junho.
68.º A “posse” é um conceito jurídico e por isso deve ser utilizado com as devidas precauções.
69.º E, em situações em que está em causa do regime do DL 149/94 de 24 de junho, o que é o presente caso, tal conceito deve ser usado ainda com mais cautela.
70.º Uma vez que, como teve a Recorrente oportunidade de defender em sede apropriada para o efeito, o locatário financeiro tem o direito de usar e fruir o bem locado, que lhe advém da relação contratual estabelecida com o locador, o qual na qualidade de proprietário do bem lhos cede.
71.º Nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei 149/95 de 24 de Junho “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados” (Negrito e sublinhado nosso).
72.º Como tal, o locatário não é possuidor do bem locado em momento algum.
73.º Sendo antes um mero detentor da coisa nos termos previstos no contrato estabelecido.
74.º O locatário no contrato de locação financeira detém apenas um direito de natureza obrigacional de uso fruição do bem locado.
75.º Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02-09-2019, disponível em www.dgsi.pt “(…) a posse do locatário, seja a locação de que natureza for, tem natureza precária, uma vez que o locatário não é titular do direito à luz do qual exerce a sua posse. Possuidor em nome próprio é apenas o proprietário ou o titular de outro direito real menor (usufrutuário, usuário, etc.).”
76.º Veja-se até que a própria lei confere ao locatário tutela limitada à posição jurídica que lhe reconhece: de uso e fruição do bem.
77.º Desta forma, nunca poderia a JC, locatária no contrato de locação financeira imobiliária celebrado, ceder a posse das frações uma vez que não a tem.
78.º Assim sendo, apenas poderia o douto Tribunal a quo considerar como não provado a alegada posse da Fine Facility Services, Lda. relativamente ao imóvel em causa.”.
Dos factos provados 20 e 28 consta o seguinte:
“20º Como resulta do Auto de entrega, é a aqui Embargante a única possuidora das fracções imóveis, cuja entrega foi determinada na providência cautelar acima referida.
(…)
28.ºSendo que, a Embargante está, há mais de cinco anos, na posse das fracções imóveis, cuja entrega agora se determina”.
Ora, sendo função e finalidade da decisão judicial, a de resolução de um “conflito de interesses” (cfr. n.º 1 do artigo 3.º do CPC), a paz social só será efetivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 348).
Neste sentido, é a fundamentação da decisão que assegurará aos visados o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do acerto ou desacerto do decidido.
“A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-04-2014, Pº 772/11.7TBBVNO-A.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES).
Logo, conforme se sublinha no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-10-2018 (Pº 4981/15.1T8VNF-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS) “e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza).
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607.º, n.º 4 do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento”.
E, de facto, apreciar livremente a prova (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC) não equivale a uma apreciação da prova arbitrária, liberta de qualquer regra ou desregrada.
O Juiz tem, ao invés, o dever de objectivar e exteriorizar o modo como formou a sua convicção, impondo-se a “identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador”, e ainda “a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (assim, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
Como evidencia Paulo Pimenta (Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325): “É assim que o juiz explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)”.
“Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª Instância” (assim, Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, p. 591).
A fundamentação exerce, pois, uma dupla função: “(…) facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e (…) reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional” (cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 281).
Relativamente ao modo de evidenciação ou de exteriorização na decisão de facto, pelo julgador, do iter que levou à formação da convicção sobre a matéria de facto, não estabelece a lei uma modulação inflexível, podendo a motivação ser concretizada por formas diversas.
Isso mesmo foi referenciado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-04-2019 (Pº 963/13.6TJLSB.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE) onde se concluiu que:
“1. O relatório é a parte inicial ou cabeçalho da sentença, de matriz expositiva, em que, de forma sintética, são identificadas as partes e o objeto da causa e se fixam ou enunciam as questões que cumpre ao tribunal apreciar e decidir, não podendo, por isso, limitar-se a identificar as partes e a transcrever os pedidos formulados.
2. O teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, que devem, quando muito, constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
3. Apesar de decorrer da 1ª parte do nº 5 do art. 607º do CPC, que a regra é a da motivação facto a facto, nada impede, no entanto, antes pelo contrário, que a motivação possa incidir sobre um conjunto ou bloco de factos sempre que tal o justifique ou aconselhe, o que ocorrerá, por exemplo, quando um bloco de factos respeite a um determinado tema de prova e o seu encadeamento ou sequência lógica seja tal que se justifique a sua motivação conjunta e simultânea, em vez de fragmentada”.
Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC a “Relação deve (…), mesmo oficiosamente (…), anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que (…) permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)”.
Assim, quando se verifique que a decisão sobre a matéria de facto omitiu a “pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, tem uma “natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa”, ou patenteia “incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”, deve o Tribunal da Relação, oficiosamente, anulá-la, quando não lhe seja possível suprir tais vícios (assim, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 239 e 240).
Todavia, não poderá esquecer-se que, “o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de (…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2015, Pº 416/13.2TBCBR.C1, rel. ISABEL SILVA).
De facto, a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Processo 1426/15.0T8BGC-A.G1, relator ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA).
Neste sentido, “não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. Em caso de dúvida sobre o sentido da decisão, face às provas que lhe são apresentadas, a 2ª instância deve fazer prevalecer a decisão da 1ª instância, em homenagem à livre convicção e liberdade de julgamento. A garantia do duplo grau de jurisdição em caso algum pode subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto e, por isso, o objecto do recurso não pode ser nem a liberdade de apreciação das provas, nem a convicção que presidiu à matéria de facto, mas esta própria decisão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2011, Processo 334/07.3TBASL.E1, relatora MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS).
É que, na verdade, como escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 234): “… existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiamo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos”.
Em suma: Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre os factos num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
O julgamento dos factos, na sua valoração, mormente quando se reporta a meios de prova produzidos oralmente, não se reconduz a uma operação aritmética de número ou de adição de depoimentos, antes tem de atender a uma multiplicidade de factores, não se bastando com a palavra pronunciada, mas nele confluindo aspetos tão variados como, as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber quem estará a falar com verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida.
“Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2017, Processo: 1156/15.3T8CTB.C2, relator ARLINDO OLIVEIRA).
Assim, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS): “O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)”.
Em suma, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-06-2021 (Pº 2479/18.5T8VLG.P1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA): “Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância”.
O ordenamento processual probatório português combina o sistema livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, dado que, “a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, Pº 1306/12.1TBSSB.E1, rel. JOSÉ TOMÉ DE CARVALHO).
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação, partindo da análise e ponderação da prova disponibilizada (cfr. Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pp. 435-436).
Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
A prova não visa “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (assim, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 419 e 420).
A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245).
Nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.
A “prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência, de 21-06-2016, Pº 2683/12.0TJLSB.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE).
Neste enquadramento, a credibilidade firmada em torno de um específico meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum, que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade.
Todas estas circunstâncias deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, vemos que a recorrente considera que ocorreu erro na apreciação da prova produzida, por entender que o Tribunal não ter incluído na matéria de facto em questão conceitos conclusivos.
Vejamos:
De acordo com o que constava dos artigos 508.º-A, n.º 1, al. e) e 511.º do CPC de 1961, na redação ultimamente vigente, a base instrutória deveria conter a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias situações plausíveis da questão de direito e sobre a qual incidiriam as diligências instrutórias de prova e de julgamento. Estas normas harmonizavam-se com a disposição contida no artigo 513.º do mesmo Código (com a epígrafe “Objecto da prova”), no qual se consagrava que a instrução tinha por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devessem considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.
No novo e vigente Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na enunciação dos temas da prova, não está em causa a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas apenas a enunciação das questões essenciais de facto, em que assenta a controvérsia entre as partes, deixando-se para a decisão sobre a matéria de facto - a ter lugar, em regra, no momento de prolação da sentença - a descrição dos factos que, relativamente a cada tema da prova, tenham sido provados ou não provados.
Conforme esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 699), “[r]elativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais da quesitação atomística e sincopada de pontos de facto que caracterizou o nosso processo civil durante muitas décadas. Numa clara mudança de paradigma, procura-se agora que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiai e sem quaisquer constrangimentos, assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, importará que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual”.
Ora, conforme se evidencia no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 (Pº 185/14.9TBRGR.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “Será, pois, admissível que a enunciação dos temas da prova, actualmente prevista no n.º 1 do artigo 596.º do nCPC, assuma um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, apenas devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique.
Todavia, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma já não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir.
Não obstante a redacção dada ao artigo 410º do nCPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constante dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do nCPC, e não sobre os respectivos temas de prova enunciados.
São de igual modo os enunciados de factos, e não os temas de prova, que o artigo 607.º do nCPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença.
Acresce que decorre do artigo 413.º do nCPC, que reproduziu sem alteração o artigo 515.º do aCPC, que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, mantendo-se, assim, intocável o princípio da aquisição processual.
Nos termos do aludido princípio, as provas acumuladas no processo consideram-se adquiridas para o efeito da decisão de mérito, pouco importando saber por via de quem foram trazidas para os autos (…)”.
Ou seja: “A enunciação dos temas da prova pode fazer-se em diversos graus de abstração ou concretização, ora mais vaga, ora mais precisa, tudo dependendo daquilo que seja realmente adequado às necessidades de uma instrução apta a propiciar a justa composição do litígio (…).
Haverá ações em que os temas da prova surgirão com maior concretização, embora não seja necessário (nem sequer aconselhável, na maior parte dos casos) que cada tema corresponda a um facto puro e simples, e haverá ações em que os temas da prova se apresentarão numa formulação de pendor mais genérico ou até mesmo conclusivo (…)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 699-700).
De todo o modo, como sublinham estes mesmos Autores (ob. cit., p. 701), “a maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere à instrução não dispensa o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto, indicar com precisão os factos provados e não provados”.
Assim, não obstante o artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC (onde se dispunha que: “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”) não se encontrar no CPC em vigor, certo é que, da fundamentação da sentença devem constar factos, o que, desde logo, deriva da previsão do artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
De facto, ao invés dos factos essenciais (os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas) que devem ser alegados pelas partes, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do CPC e, além dos factos que sejam considerados pelo juiz, de harmonia com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, há determinada alegação que comporta a invocação de factos irrelevantes ou conclusivos, ou conter matéria de direito, aspetos que não devem ser transpostos para a seleção factual realizada pelo Tribunal em sede de sentença: “A matéria conclusiva (que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito é contrária à matéria estritamente factual que, como decorre do art. 607º nº4 do CPC, deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2021, Pº 701/19.0T8PFR.P1, rel. MENDES COELHO). De tal sorte que, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO).
Contudo, nem sempre, na prática, se torna evidente se estamos perante absoluta matéria conclusiva ou de direito ou ainda em face de matéria de facto.
Conforme se escreveu – ainda no âmbito do precedente CPC - no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2003 (Pº 8271/03, rel. MARIA JOSÉ MOURO, CJ, 2003, t. I, pp. 79-87): “A distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito é uma questão deveras complexa e delicada. A linha divisória não tem carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.
Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, pags. 206-207 referia: «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.”
Mas, como o ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática.
Efectivamente, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.
As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.
Antunes Varela (no comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei”.
Na mesma linha e também no âmbito do CPC de 1961, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-12-1992 (Pº 003400, rel. DIAS SIMÃO) que: “Nem sempre é fácil a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito, podendo mesmo afirmar-se que a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em larga medida da estrutura da norma aplicável e dos termos da causa (…). Como critério geral de distinção pode dizer-se que é de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, se o apuramento dessas realidades se realiza à margem da aplicação directa da lei, ou seja, tratando-se de averiguar factos cuja existência não dependa da interpretação a dar a qualquer norma jurídica. Acontecendo, porém, que o conceito normativo mencionado na lei seja igual ao conceito empiríco, utilizando aquela expressão de uso corrente na linguagem comum, nesse caso, poder-se-à quesitar empregando-se as palavras da lei, na medida em que, tomando-se esse conceito no seu sentido vulgar para este reservado”.
Em termos gerais, com referência aquilo que se verteu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-05-2009 (Pº 08S3441, rel. VASQUES DINIS) pode considerar-se que: “Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos). No mesmo âmbito, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio”.
Assim, como princípio, não devem enunciar-se, em sede de fundamentação da sentença, no segmento dos factos apurados (provados/não provados), matéria conclusiva ou de direito, designadamente, quando esta se reporte ao cerne do objeto da questão a decidir.
Contudo, tem-se admitido que a mesma seleção factual possa conter expressões de cariz fático-jurídico com um significado socialmente consensual, se não forem objeto de discussão entre as partes, nem carecerem de interpretação jurídica, devendo ser tomadas na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum, caso em que ainda estaremos perante matéria factual.
Isso mesmo tem sido assinalado, em diversos arestos, pela jurisprudência, exemplificativamente se citando os seguintes (por ordem cronológica decrescente):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2021 (Pº 2999/08.0TBLLE.E2.S1, rel. PEDRO DE LIMA GONÇALVES): “Em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação, mas pode conter pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2020 (Pº 2124/17.6T8VCT.G1.S1, rel. GRAÇA AMARAL): “Factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2020 (Pº 3789/15.9T8VFR.P1, rel. JERÓNIMO FREITAS): “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-11-2019 (Pº 3875/18.3T8MTS.P1, rel. RITA ROMEIRA): “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o “thema decidendum”, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (Pº 109/17.1T8ACB.C1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES): “Apenas os factos concretos podem integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão, embora lhe sejam equiparáveis os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o objecto do processo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Pº 338/17.8YRPRT, rel. FILIPE CAROÇO): “O desaparecimento da previsão do nº 4 do art.º 646º do antigo Código de Processo Civil não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do n° 3 e no n° 4 do artigo 607º do atual Código de Processo Civil tenha passado a poder incidir também sobre matéria conclusiva e de direito. Em termos gerais, o facto corresponde a um estado ou acontecimento que se configura como uma realidade passível de constatação e apreensão, seja ele um facto do mundo exterior (facto externo) ou um facto da vida psíquica (facto interno: o dolo, o conhecimento de determinadas circunstâncias, uma determinada intenção)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018 (Pº 3499/11.6TJVNF.G1.S2, rel. ROSA TCHING): “No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, não obstando, por conseguinte, que se considere, como realidades suscetíveis de averiguação e demonstração, as ocorrências virtuais ou factos hipotéticos quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO): “Face ao Novo Código de Processo Civil é na sentença que o juiz declara quais os factos que julga provados e os que julga não provados. A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP (…)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017 (Pº 809/10.7TBLMG.C1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA): “A questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito de que cumpre ao STJ conhecer, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado. Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2015 (Pº 819/11.7TBPRD.P1.S1, rel. JOÃO TRINDADE): “Em face do NCPC (2013), haverá que considerar, de uma forma inovadora, que a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, já não valendo argumentos de pendor formalista. É possível agora ao juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5.º, n.º 2, do NCPC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 (Pº 185/14.9TBRGR.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “É hoje admissível que a enunciação dos Temas da Prova prevista no nº 1 do artigo 596º do nCPC assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo - ao invés do que sucedia com a Base Instrutória elaborada, nos termos do artigo 511º do aCPC – encontrando-se apenas balizada pelos limites decorrentes da causa de pedir e das excepções invocadas na lide. A decisão da matéria de facto não deverá, todavia, conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, impondo o artigo 607º do nCPC, no seu nº 4, que na sentença o julgador declare provados ou não provados os factos e não os temas da prova”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2013 (Pº 400/09.0PAOVR.C1.P1, rel. EDUARDA LOBO): “Os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-04-2004 (Pº 04B652, rel. FERREIRA GIRÃO): “O vocábulo janela pertence ao mundo dos vocábulos ou expressões, que, traduzindo embora determinado conceito técnico-jurídico, têm também um significado de uso corrente, fácil e inequivocamente identificável; Consequentemente, não se deve dar como não escrito, ao abrigo do nº. 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, o vocábulo janela, quando incluído na decisão da matéria de facto sem qualquer discriminação das suas características - tal como, aliás, foi alegado”.
Assim: “Se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas”, estendendo-se as dificuldades de delimitação também no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 4372/09.3TTLSB-A.L1-4, rel. DURO CARDOSO).
Noutros arestos tentou-se mais uma aproximação:
- “É matéria conclusiva toda aquela que não consiste na percepção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual. Dentro da matéria conclusiva devem distinguir-se os juízos de facto periciais, dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-02-2014, Pº 2138/10.7TBPRD.P1, rel. CARLOS GIL); e
- “Não são meros “juízos conclusivos” as expressões que têm um sentido perfeitamente apreensível na linguagem comum e cujo significado é totalmente apreendido na linguagem corrente, podendo até dizer que hoje em dia são os mesmos utilizados muitas vezes na vox populi” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-09-2021 (Pº 145/18.0T8SRP.E1, rel. ELISABETE VALENTE).
Que dizer das expressões “a (…) Embargante a única possuidora das fracções imóveis” e “a Embargante está há mais de cinco anos, na posse das fracções imóveis…” (factos provados 20 e 28)?
“Posse” traduz um inequívoco conceito de direito, aliás, definido na lei: “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” (cfr. artigo 1251.º do CC).
Nesse sentido, vd., entre outros, os seguintes arestos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-1997 (Pº 98B066, rel. FIGUEIREDO DE SOUSA): “Posse é um conceito de direito, cabendo ao juiz qualificar ou não como posse uma dada situação de facto, caracterizada pelos materiais por que se manifesta e pela intenção com que são praticados”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2005 (Pº 05B1078, rel. CUSTÓDIO MONTES): “Demonstrando-se o poder de facto sobre a coisa, presume-se o animus, se a presunção da posse não for ilidida. Esta operação levada a cabo pelo tribunal da Relação não se insere em sede de matéria de facto, por ser questão de direito”;
Contudo, o conceito de “posse” tem também um sentido perfeitamente apreensível pela linguagem corrente. Posse tem o significado de “1. Retenção ou fruição de uma coisa ou de um direito. 2. Estado de quem possui uma coisa, de quem a detém como sua ou tem o gozo dela” ("posse", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/posse).
Neste sentido, vd, por exemplo:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-03-1994 (Pº 9340815, rel. NORBERTO BRANDÃO): “A palavra "posse" pode não envolver um conceito de direito, mas tão-somente referir-se a factos que integram o conceito jurídico de posse. É admissível a invocação de um conceito jurídico, tal como a "posse", quando traduza também o sentido vulgar da situação de facto”.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-02-1993 (Pº 9240388, rel. SIMÕES FREIRE): “Nos embargos de terceiro a causa de pedir é a posse. A expressão "posse", embora coincidente com o conceito de direito, pode traduzir o sentido comum de matéria de facto. Sendo a posse a causa de pedir, não pode quesitar-se a expressão "posse", quando é a posse jurídica que está em causa, por ser conclusiva. Só através de actos em que a posse se concretize se pode concluir que há posse”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2019 (Pº 1333/15.7T8LMG.C1.S1, rel. ROSA RIBEIRO COELHO): “Sendo aplicável o CPC de 2013, e incluindo-se, em sede de decisão sobre a matéria de facto, a afirmação de uma dada conclusão jurídica sem que se julguem como provados factos concretos que a integrem, não se poderá fazer uso do remédio previsto no nº 4 do antigo art. 646º – desaparecido que está da nossa ordem jurídica –, mas haverá lugar à constatação de que a matéria de facto apurada não suporta essa conclusão jurídica, que, por isso, não será vinculativa para a decisão de mérito a proferir”.
Conforme concluem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 798), “a patologia da sentença apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumido como matéria de facto provada aquilo que, no contexto da ação, seja pura e inequívoca matéria de direito”.
Sucede que, no caso em apreço, a questão da existência de posse pela embargante sobre as frações dos autos constitui um dos elementos da causa de pedir em que se sustenta a pretensão da embargante e o cerne da discussão jurídica em questão no presente processo, tendo a embargante invocado tal direito como fundamentador da pretensão de embargos de terceiro deduzida, não se afigurando, por isso, possível a inclusão de uma tal conclusão de direito, porque reportada a um direito que careceria de prévia descodificação factual, no rol dos factos selecionados pelo Tribunal recorrido.
O juízo de valor emitido deverá, pois, ser eliminado do rol dos factos selecionados pelo Tribunal, não sendo possível o aproveitamento de algum segmento remanescente, atenta a ausência de qualquer preenchimento factual.
Em face do exposto, porque conclusivos, não devendo constar do acervo factual selecionado pelo Tribunal, deverão ser eliminados do rol dos factos provados, os factos 20 e 28.
*
E) Se a matéria de facto constante do ponto 29 deve ser dada como não provada?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“79.º Mais, considerou o douto Tribunal a quo como provado, no ponto 29 da douta sentença, que a ora Recorrente tinha conhecimento da cessão uma vez que tal é evidenciado pelo Doc. 2 junto pela Embargante com os seus Embargos de Terceiro o que é desprovido de fundamento.
80.º Ora, a sociedade JC foi declarada insolvente no âmbito do Processo que corre termos sob o n.º de processo …/… do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 1.
81.º Nesta sequência a ora Recorrente peticionou créditos no âmbito do referido processo de insolvência, no total de € 80.781,72 de natureza comum.
82.º Estando o contrato em vigor à data da declaração de insolvência, e após interpelação feita pela ora Recorrente à Sra. Administradora de Insolvência nos termos do artigo 102.º do CIRE, aquela manifestou o desinteresse da massa insolvente no cumprimento do contrato celebrado, em 13 de fevereiro de 2020, conforme comunicação junta aos autos como com a petição inicial como Doc. 4. e para a qual se remete.
83.º Pela mesma missiva a Sra. Administradora de Insolvência comunicou à ora Recorrente ter recebido comunicação por parte da Fine Facility Services, Lda. onde a mesma informa ter vindo a proceder ao pagamento das rendas e aos encargos inerentes ao contrato desde o início.
84.º Apenas em março de 2020 a ora Recorrente tomou conhecimento do alegado contrato de cessão da posição contratual mediante carta remetida pela Fine Facility Services, Lda. onde esta lhe dava conta disso.
85.º À qual respondeu que não teve conhecimento da existência ou deu o seu consentimento ao suposto contrato de cessão motivo pelo qual o mesmo em momento algum a vinculava ao cumprimento das obrigações decorrente do contrato de locação perante a destinatária da missiva, conforme decorre do documento 9 junto pela recorrida com a petição inicial e que a recorrente aceitou.
86.º Ora, uma vez que a Sr. Administradora de Insolvência se negou a assinar o auto de resolução, o qual era essencial para o cancelamento do ónus que impendia sobre o imóvel, a ora Recorrente remeteu à JC missiva a informar a resolução do contrato na sequência da opção pelo não cumprimento do contrato manifestada, mediante carta registada com aviso de receção datada de 10 de março de 2020 a qual foi junta com a petição inicial para a qual se remete como docs. 7 e 8.
87.º Não tendo a locatária naquele contrato procedido à restituição do imóvel, como deveria ter feito e como sabia estar obrigada, não restou outra opção à ora Recorrente senão deitar mão do presente procedimento cautelar.
88.º O documento 2 junto com os Embargos de Terceiro, e que o tribunal a quo utiliza para fundamentar o facto dado como provado no ponto 29 da doutra sentença é um requerimento remetido aos autos de insolvência da JC, em 23 de junho de 2020.
89.º Data em que a Recorrente já teria sido informada da suposta cessão da posição contratual operada, pela carta da recorrida recebida a 05 de março de 2020 e que se responde a 12/03/2020, conforme resulta do doc. 9 junto com a petição de embargos de terceiro.
90.º E onde se manifesta apenas que a Sra. Administradora de Insolvência a informou da (alegada) existência de um contrato de cessão da posição contratual.
91.º Como tal, o referido documento não prova o conhecimento da Recorrente de que foi celebrado um suposto contrato de cessão em 2015.
92.º Pelo que deveria constar dos factos provados que a embargante comunicou à embargada, por carta recebida em 05 de março de 2020, a celebração do contrato de cessão de posição contratual com a JC.
93.º Assim, como devia ficar provado que a embargada comunicou à embargante, por carta de 12/03/2020 que desconhecia e não deu consentimos ao contrato de cessão de posição contratual, conforme resulta do doc.9 junto com a petição de embargos de terceiros pela recorrida e aceite pela recorrente.
94.º E aliás, também da prova testemunhal produzida pela testemunha SC resulta que a Caixa não teve conhecimento ou deu o sem consentimento ao suposto contrato de cessão de posição contratual (minuto 34:46 a 35:40, referência da gravação 2021090242624_20033099_2871123):
Mandatária da Embargada: A minha pergunta é: A Caixa Leasing teve conhecimento, autorizou? O que é que consegue dizer a este respeito?
Testemunha SC: Não. Não teve conhecimento da cessão a não ser agora em 2020 depois de termos dito que não aceitávamos fazer a cessão de posição. Aliás, qualquer cessão de posição, ao abrigo do próprio contrato tem de ser pedido autorização à Caixa Leasing e Factoring e terá de ficar registado também na Conservatória porque a Caixa Leasing e Factoring ou a CGD têm que aceitar trabalhar com aquele locatário novo. Portanto, essa cessão terá sido feita à revelia e sem o consentimento e com desconhecimento da Caixa Leasing e Factoring.
Mandatária da Embargada: Pronto. Portanto a cessão era desconhecida e não foi autorizada, é isto?
Testemunha SC: Sim.
95.º Ora daqui resulta evidente que a ora Recorrente não teve conhecimento do suposto contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a Fine Facility Services, Lda. e a JC logo quando o mesmo supostamente foi celebrado, isto é em 2015.
96.º Mas apenas em 2020.
97.º E também resulta provado que a Recorrente em momento algum deu o seu consentimento ao mesmo.”.
No facto provado n.º 29 consta – em relação com o facto precedente, que constava do ponto 28 (e ora objeto de eliminação) – que: “29.ºO que é do conhecimento das Embargadas, como, designadamente, resulta do documento 2, junto e cujo teor se dá por reproduzido”. Ou seja, o que está em questão é saber se se provou que a embargada sabia/tinha conhecimento de que era a embargante que utilizava as fracções cuja entrega foi determinada, com referência ao documento n.º 2 (cfr. artigo 14.º da petição de embargos), o “contrato de cessão da posição contratual” entre a JC e a Fine Facility?
Ora, dos factos apurados resulta que, relativamente ao imóvel dos autos, propriedade da primeira embargada e dado em locação financeira à JC (2.ª embargada), esta última, foi declarada insolvente em 18-04-2018, conforme anúncio publicado no portal citius em 19-04-2018.
Em consequência da declaração de insolvência da segunda embargada, a primeira embargada, notificou a Exma. Senhora Administradora de Insolvência nomeada no processo, para declarar qual a opção quanto ao cumprimento do contrato, conforme comunicação eletrónica, datada de 10-12-2019, de harmonia com o previsto no artigo 102.º do CIRE.
Nesta sequência, a Exma. Senhora Administradora de Insolvência comunicou a sua opção pelo não cumprimento do contrato, de acordo com comunicação datada de 13 de fevereiro de 2020, onde, nomeadamente, a Administradora de Insolvência informou o processo de insolvência “que foi remetida para a signatária comunicação por parte da Fine Facility, a qual se anexa, onde esta informa que tem vindo ab initio a cumprir com o contrato de locação financeira em questão, liquidando todas as rendas e assumindo todos os encargos a ele inerentes, comunicação resta que ora se junta e aqui se considera reproduzida para todos os efeitos legais (…)”.
Uma vez que a Senhora Administradora de Insolvência não procedeu à apreensão do imóvel para a massa insolvente, a mesma negou-se a assinar o auto de resolução do contrato em apreço com vista à entrega do imóvel, conforme resulta das mensagens de correio eletrónico de 18 de Fevereiro de 2020 e de 24 de Fevereiro de 2020, cujas cópias foram juntas aos autos.
Assim, a primeira embargada comunicou à segunda embargada a resolução na sequência de opção pelo não cumprimento por parte da Senhora Administradora de Insolvência, por carta registada com aviso de receção, datada de 10 de março de 2020, do contrato de locação financeira imobiliária.
Na carta de comunicação da resolução do contrato foi a segunda embargada informada das consequências da mesma, nomeadamente da obrigação de restituição do bem locado livre de pessoas e bens, conforme decorre da al. d) do segundo parágrafo.
Até ao momento, a insolvente não procedeu à restituição do imóvel: pelo que veio a segunda embargada requerer ao tribunal a entrega imediata do mesmo à requerente nos termos do art. 21º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho, a qual foi julgada procedente e decretada a imediata entrega dos imóveis à primeira embargada.
Atendendo aos meios de prova carreados para os autos, neles não se retira a conclusão que foi expressa pelo Tribunal recorrido, relativamente ao conhecimento pela primeira embargada da utilização das frações em questão nos autos, pela embargante. E, o mesmo se diga ao conhecimento por parte da segunda embargada.
Desde logo, importa sublinhar que a primeira embargada impugnou expressamente o que a embargante tinha alegado no artigo 14.º da petição de embargos (cfr. artigo 90.º da contestação).
Cabia assim à embargante demonstrar que era quem utilizava as frações em causa e que essa situação que era do conhecimento da primeira embargada e também da segunda embargada.
Ora, neste ponto, o depoimento interessado de JC que não se mostrou isento, objetivo e demonstrativo do que, apesar de tudo, referiu, não mereceu credibilidade.
De facto, JC (que vive maritalmente com a representante da embargante - cfr. certidão permanente do registo comercial 0265-0444-5086 -, que é administrador único da empresa Grandupla II – Indústria, S.A., sociedade que detém uma quota na embargante de 1.000.000,00), tendo manifesto interesse no desfecho da presente lide - reportou-se a que, a partir da cessão foi a embargante que passou a pagar as rendas do leasing, dizendo, sem qualquer cabal concretização temporal ou explicação dos termos de contexto em que tal terá sucedido (referindo-se, aliás, a que a embargante entrou nas frações, “quando saiu as Tintas Potro, será, ou 2014 ou 2013, não sei…”), não tendo sido corroborado por qualquer meio de prova que “esse contrato, esse pedido de cedência de posição contratual foi negociada, inclusive pela própria Caixa Geral de Depósitos, pelo doutor JC e pelo doutor PM e com a outra senhora”. A ausência de densificação das afirmações produzidas, não permite formar positiva convicção sobre a realidade do que foi afirmado por tal depoente.
O depoimento de SA não foi, de qualquer modo, concludente sobre este ponto, não sabendo, aliás, explicar porque é que, em termos contabilísticos as faturas se mantinham em nome da segunda embargada e não tinham transitado para o nome da embargante: “…Sim, e eu aí poderia levar isso a custo e neste momento eu não posso considerar isso como um custo e imputá-lo à empresa, está em conta corrente com a, o que me foi dito, na altura, quando eu pedi, “O que é que eu faço, contabilisticamente, com isto, a doutora RO disse-me “Levas à conto JC que isso depois haverá aí um encontro de contas”, e eu não posso considerar isso custo da empresa, portanto, contabilisticamente falando…O custo está, é da JC, sim. O pagamento, o fluxo financeiro, está na Fine…Pois, não faço…”.
Por seu turno, o depoimento de SC mostrou-se claro, objetivo e detalhado, referindo que a primeira embargada “não teve conhecimento da cessão a não ser agora em 2020 depois de termos dito que não aceitávamos fazer a cessão de posição. Aliás, qualquer cessão de posição, ao abrigo do próprio contrato tem de ser pedido autorização à Caixa Leasing e Factoring e terá de ficar registado também na Conservatória porque a Caixa Leasing e Factoring ou a CGD têm que aceitar trabalhar com aquele locatário novo. Portanto, essa cessão terá sido feita à revelia e sem o consentimento e com desconhecimento da Caixa Leasing e Factoring”.
Os elementos probatórios referenciados, pela sua contraditoriedade, são insuficientes para concluir que, antes de março de 2020 (na sequência da carta recebida pela Administradora de Insolvência a dar conta da existência da embargante), a primeira embargada tinha conhecimento de que a embargante se encontrava, de algum modo, relacionada com o contrato de locação financeira em questão, o mesmo sendo de referir relativamente à segunda embargada.
E, o mesmo se diga, em face da prova documental carreada para os autos, a qual não permite diversa conclusão.
Em particular, os documentos juntos aos autos em 10-07-2020 e em 15-11-2020 reportam-se a depósitos com a menção do número do Contrato de Locação Financeira em questão, sem identificação da entidade depositante e a emissão de cheques sacados sobre conta da embargante não faz presumir que a primeira embargada tivesse conhecimento de tal facto, nem de qual a razão para a embargante assim proceder.
Mas, para além disso, há aspetos que não foram explicitados pela embargante e que não permitem justificar a sua alegação como correspondendo à realidade. Senão, repare-se na semelhança que existe entre a assinatura aposta que consta, como referente à embargante no documento relativo à invocada “cessão da posição contratual”, datada de 31-03-2015 e, aquelas assinaturas, que se verificam apostas nos talões de depósito de valores efetuados em 12-04-2016, 10-05-2016, 29-07-2016, 12-09-2016, 10-01-2017, 12-02-2017, 10-03-2017, 16-10-2017, 10-11-2017, 02-11-2017, 11-12-2017, 11-01-2018, 14-02-2018, 10-05-2018, 11-06-2018, 10-08-2018, 20-08-2018, 10-09-2018, 12-11-2018, 10-12-2018, 10-10-2019 e 10-03-2020 (documentos juntos em 10-07-2020), 10-10-2019, 11-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 12-03-2020, 11-05-2020, 15-06-2020, 10-07-2020, 12-08-2020, 11-09-2020, 09-10-2020 e 09-11-2020 (documentos juntos aos autos em 15-11-2020) e em 14-06-2021, 12-07-2021 e 10-08-2021 (documentos juntos aos autos em 27-08-2021)- ou seja, muitos anos depois da data da mencionada “cessão”, sem explicação plausível, qual a razão da intervenção do mesmo representante da segunda embargada (identificado no documento de “cessão” como administrador único, António Luís Célio de Sousa Batista, nos pagamentos que, invocadamente seriam já, então, efetuados pela embargante?
Os demais documentos juntos aos autos, designadamente, os emails juntos aos autos em 15-11-2020 não dão qualquer conclusão sobre a utilização das frações em questão nos autos pela embargante e, na afirmativa, se esta ocorria há mais de cinco anos.
A ausência de demonstração probatória é resolvida contra a parte que tinha o respetivo ónus probatório dos factos constitutivos do direito invocado, a ora recorrente/embargante.
Assim, de acordo com o exposto e tendo em conta a prova produzida e ora reapreciada, deverá ser eliminado o ponto 29 dos factos provados e incluída nos factos não provados, uma nova alínea – b) – com a seguinte redação: “O que é do conhecimento das Embargadas, como, designadamente, resulta do documento 2, junto e cujo teor se dá por reproduzido”.
*
F) Se a matéria de facto constante do ponto 30 deve ser dada como não provada?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“98.º E contrariamente ao dado como provado no ponto 30 da douta sentença, a qual merece desde logo reparo pela breve conclusão com que termina utilizando mais uma vez um conceito jurídico de forma imprópria, não foi feita qualquer tipo de prova de que as rendas do contrato de locação financeira eram pagas pela Fine Facility Services, Lda. desde 2015 à recorrente.
99.º O que impunha que fosse dado como não provado o pagamento desde essa data pela Fine Facility Services, Lda.
100.º Devendo ainda ser retirada a parte do ponto 30 em que o doutro Tribunal a quo conclui que a “posse” da Embargante se encontra justificada.
101.º A Recorrente sempre aceitou o pagamento proveniente da JC, enquanto locatária no contrato e não da Fine Facility Services, Lda., uma vez que desconhecia que os pagamentos eram feitos por esta última e a que título os realizava.
102.º E por outro lado, mesmo que os pagamentos fossem feitos pela Fine Facility Services, Lda. e a Recorrente tivesse disso conhecimento, tal não faz com que a Recorrente, tenha aceite, ainda que tacitamente, qualquer cessão da posição contratual.
103.º O artigo 767.º n.º 1 do CC prevê que a prestação pode ser feita pelo devedor ou por terceiro independentemente deste último ter interesse ou não no cumprimento da obrigação.
104.º Pelo que a Recorrente, enquanto credora no contrato de locação financeira, poderia receber o pagamento das rendas de qualquer pessoa e não apenas da parte devedora do contrato.
105.º E aliás, sendo oferecido o pagamento, não poderia recusá-lo sob pena de se considerar em mora nos termos do artigo 813.º do CC.
106.º Diga-se ainda que, tratando-se de empresas do mesmo grupo, não seria estranho procederem ao pagamento das obrigações assumidas por outras.
107.º Pelo que o facto de o pagamento das rendas do contrato ser feito por outra entidade do mesmo grupo da JC, não levaria sequer a motivo de alerta na gestão desses pagamentos.
108.º Sem que tal signifique que assumem a posição nos contratos celebrados pelas outras.”.
O facto provado em 30.º tem a seguinte redação: “30.ºSendo que, há mais de cinco anos, que a Embargante paga, à Embargada Caixa Leasing as rendas do contrato de Leasing celebrado, que permite e justifica a posse a favor da Embargante”.
Tendo em conta as precedentes considerações, verifica-se que a conclusão – “que permite e justifica a posse a favor da Embargante” - constante da parte final do referido facto não poderá subsistir na seleção factual, atento o seu caráter não demonstrativo da afirmação produzida – desconhecendo-se qual a base do juízo formulado para uma tal conclusão - e sem conteúdo factual.
De semelhante modo, reapreciada a componente factual do que se encontra enunciado em tal ponto n.º 30, certo é que, não se mostra, de qualquer modo, demonstrado que a embargante tenha satisfeito as rendas do leasing em questão “há mais de cinco anos”.
JC afirmou tal pagamento desde a data da cessão, mas certo é que, atenta a relevância deste facto, seria necessário algo mais do que a mera afirmação – desacompanhada de outros elementos que a permitissem consolidar e corroborar, inexistindo prova documental que suporte uma tal afirmação, como infra se referirá. De facto, este depoimento, pela vacuidade e interesse demonstrado – sendo que a produção de efeitos da cessão face à primeira embargada desoneraria de responsabilidades contratuais a segunda embargada - não merece credibilidade, designadamente, quando o pagamento era efetuado por depósito para a conta da segunda embargada, o que terá, logicamente, se ter um mínimo de conteúdo documental plausível e compatível com o afirmado, o que não ocorreu.
Os demais depoimentos nada permitiram concluir de positivo.
Refere o Tribunal recorrido que, “quanto ao pagamento das rendas por parte da Embargante” formou positiva convicção sobre “os comprovativos de depósitos juntos a fls. 46 e seguintes, que não foram impugnados”.
Ora, por via do requerimento que apresentou em 17-11-2020, a Caixa Leasing e Factoring, para além de invocar a inadmissibilidade de junção dos documentos apresentados pela embargante em 15-11-2020, refere a mencionada embargada que:
“(…) • Todavia, mesmo que tal documentação seja verdadeira, o que não se admite pelo que vai desde já impugnada, as quantias depositadas em balcão da CGD, S.A., apenas são transferidas para a conta da ora Embargada.
• E as que são transferidas para a Embargada não têm qualquer indicação do título a que é feito o pagamento.
• Limitando-se a aqui Embargada a cumprir com as suas obrigações decorrentes do contrato e a rececionar os montantes devidos no âmbito do mesmo.
• E aliás, qualquer pagamento feito a título de prestação que haja sido rececionado após a resolução do contrato celebrado, quando deixou de haver vínculo contratual entre a Embargada e a Locatária, JC, não foi imputado à divida (…)”.
Assim, no que se refere à prova documental produzida, conforme decorre das considerações precedentemente efetuadas, os mesmos documentos não comprovam serem conhecidos da primeira embargada, todos os pagamentos que a embargante invocou ter efetuado relativamente ao contrato de locação financeira em questão, mas, tão só, que a embargante, em 2019 e 2020, remeteu (por emails) à embargada comprovativos de depósitos destinados a pagar quantias do contrato de locação financeira, precisando-se quais esses pagamentos comunicados, conforme o que ficará a constar – como infra se verificará – no ponto 36, para onde se remeterá o respetivo detalhe.
Atenta a falta de sustentação para a prova do que consta enunciado no facto provado n.º 30, constante da decisão recorrida, deverá proceder-se à eliminação da correspondente matéria desse ponto e incluir no rol dos factos não provados a matéria factual eliminada, sendo desconsiderada a parte conclusiva que foi vertida no mencionado facto provado n.º 30.
Deverá, pois, em consequência:
- ser alterada a redação do facto provado em 30.º, para a seguinte: “30.º A embargante remeteu à embargada, como detalhado no facto 36, em 2019 e 2020, emails acompanhados de comprovativos de depósitos destinados a pagar quantias do contrato de locação financeira”; e
- ser incluído no rol dos factos não provados, uma nova alínea – c) – com a seguinte redação: “c) Que, para além do provado em 30, há mais de cinco anos, a Embargante paga à Embargada Caixa Leasing as rendas do contrato de Leasing celebrado”.
*
G) Se deverá ser eliminado o ponto 32 dos factos provados?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“109.º Ora, o douto Tribunal a quo considerou como facto provado, no ponto 32 da douta sentença de que se recorre, que em 31 de março de 2015 a Embargada JC cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira celebrado com a ora Recorrente.
110.º Desde já se diga que o contrato celebrado foi alvo de impugnação por parte da aqui Recorrente que no artigo 50º da constestação declarou: “a Embargada impugna a veracidade do alegado contrato de cessão junto como doc. 5 nos termos do artigo 444.º n.º 1 do CPC,…”
111.º E como tal, em respeito pela lei, não faz prova plena, conforme dita o artigo 376.º n.º 1 do Código Civil.
112.º Com efeito, trata-se de um documento particular que nem as assinaturas tem reconhecidas com as qualidades e poderes para vincularem as partes.
113.º As assinaturas que constam do documento nem são legíveis de forma a determinar se foram feitas por quem tinha poderes.
114.º Nada permite determinar que o documento tivesse sido elaborado e assinado em 31/03/2015.
115.º Sendo certo que não se pode deixar de estranhar que a recorrida tenha levado 5 anos para o apresentar à recorrente.
116.º Nenhuma prova foi produzida nos autos que permita considerar provado que: “ Em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos.”
117.º O contrato junto como doc. 5 foi impugnado pela recorrente e nenhuma outra prova foi realizada nesse sentido.
118.º Logo, este facto do ponto 32 da matéria de facto dada como provada tem de ser eliminado.”.
O facto provado no ponto 32 tem a seguinte redação: “32.º Em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos – contrato junto sob documento n.º 5”.
No caso, na petição de embargos de terceiro, a embargante alegou no respetivo artigo 19.º o seguinte: “19.º Sucede que, em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos – contrato que se junta sob documento n.º 5;”.
Tal alegação foi impugnada pela primeira embargada, que, invocando desconhecer tal contrato de cessão, “uma vez que a mesma não é parte do mesmo nem nunca lhe foi dado conhecimento da sua celebração”, igualmente, impugnou “a veracidade do alegado contrato de cessão junto como doc. 5 nos termos do artigo 444.º n.º 1 do CPC, uma vez que não tem conhecimento da sua validade e eficácia” (cfr. artigo 31.º e 48.º a 50.º da contestação).
Ora, tendo sido impugnado o teor do referido documento, caberia à embargante a demonstração da sua realidade.
De facto, conforme decorre do disposto no artigo 444.º do CPC:
“1 - A impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exatidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o n.º 1 do artigo 381.º do Código Civil e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira devem ser feitas no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário.
2 - Se, porém, respeitarem a documento junto com articulado que não seja o último, devem ser feitas no articulado seguinte e, se se referirem a documento junto com a alegação do recorrente, são feitas dentro do prazo facultado para a alegação do recorrido.
3 - No mesmo prazo deve ser feito o pedido de confronto da certidão ou da cópia com o original ou com a certidão de que foi extraída”.
Conforme refere Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 512-513), “[a] parte que junta ao processo um documento cuja assinatura e/ou letra imputa à parte contrária afirma implicitamente a genuinidade de tal assinatura e/ou letra (coincidência entre o autor aparente e o autor real). Aquele a quem é imutado o documento fica investido no ónus de impugnar a letra e/ou a assinatura, sob cominação de as mesmas passarem a ser tidas como verdadeiras (arts. 374.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do CC (…).
Ocorrendo as demais impugnações, a prova da veracidade compete ao apresentante do documento (art. 374.º, n.º 2, do CC). O apresentante do documento tem, assim, um ónus que opera em dois momentos sucessivos: o da produção do documento e o da demonstração da sua autenticidade (coincidência entre o autor real e o autor aparente), sendo que este segundo está sujeito à condição suspensiva da exceção (em sentido estrito) do desconhecimento por parte do presumível subscritor (…)
Caso o apresentante do documento não logre fazer prova da genuinidade do documento, o mesmo fica destituído da força probatória consignada no art. 376.º, n.º 1, do CC, mas poderá, não obstante, contribuir para a livre convicção do juiz sobre os factos controvertidos com base na sua maior ou menor credibilidade (…).”.
Relativamente aos documentos provenientes de terceiros, sobre a questão de saber qual o seu valor probatório e sobre se os mesmos se encontram sujeitos a impugnação de genuinidade (artigo 444.º do CPC), refere Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material; Almedina, 2020, p. 166) que a jurisprudência nacional tem afirmado que “os documentos provenientes de terceiro são livremente apreciados pelo tribunal nos termos do art. 366.º” e, que, “atento o segmento do n.º 2 do art. 374.º (“não lhe sendo elas imputadas”) é admissível a impugnação da letra e/ou assinatura de documento proveniente de terceiro. Nesta eventualidade, cabe à parte que produziu/juntou o documento o ónus de provar a sua veracidade formal, isto é, que o mesmo provém da pessoa a quem é imputado sob pena de o documento não ter qualquer valor probatório, nem sequer como facto-base de presunção judicial. A tramitação correspondente é a prevista no art. 444.º, n.º 1, 445.º, 448.º e 449.º do CPC”.
Ora, o aludido documento, datado de 31-03-2015, intitulado “CONTRATO DE CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL EM CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA”, tem a natureza de documento particular, uma vez que não foi emitido por autoridade pública nos limites da sua competência – cfr. artigo 363.º, n.º 2, do CC.
Relativamente a documentos particulares, cuja autoria seja reconhecida nos termos do artigo 374.º do CC, como se disse, os mesmos fazem prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (cfr. n.ºs. 1 e 2 do artigo 376.º do CC).
No caso, apresentado que foi pela embargante o aludido documento, a primeira embargada impugnou a sua genuinidade, razão pela qual competia à embargante demonstrar a sua veracidade formal, ou seja, de que o mesmo provém das pessoas a quem é imputado, no caso, embargante e segunda embargada, ónus que não foi observado pela embargante, não permitindo o documento fazer prova plena das declarações correspondentes atribuídas aos respetivos autores.
E, importa referir que, em sede de audiência de discussão e julgamento a produção de prova sobre este ponto resumiu-se às declarações de JC que apenas se pronunciou nos termos seguintes:
“(20’:08”) Advogado– (…) Ó senhor doutor JC, entretanto está junto um contrato de cessão da posição contratual aos autos, que é o documento 5 junto com os embargos, em que, datado de 31 de março de 2015, a JC cede a sua posição à Fine Facility Services, Limitada, à aqui embargante. É conhecedor disto?
JC – Sou.
Advogado – A pergunta que faço é: e se sabe porque é que, a partir deste momento quem é que pagou, quem é que passou a pagar as rendas do leasing?
JC– Foi a Fine Facility, essas, esse contrato, esse pedido de cedência de posição contratual foi negociada, inclusive pela própria Caixa Geral de Depósitos, pelo doutor JC e pelo doutor PM e com a outra senhora (…)”.
Este depoimento, assim como os demais meios de prova produzidos não permitem, ao contrário do que assentou o Tribunal recorrido, concluir a este Tribunal de recurso no sentido de que ocorreu em 31-03-2015, a dita celebração negocial a que se reporta o facto provado n.º 32, matéria que, não poderá permanecer no rol dos factos provados.
Ora, sucede que, conforme deriva do artigo 662.º do CPC, “[c]umprido pelo recorrente o ónus de impugnação a que alude o artigo 640º do CPC e tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento. Não se compreenderia, na verdade, desde logo, por razões de justiça material, que o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação e da formação do seu próprio juízo probatório sobre cada um dos pontos de facto objeto de impugnação, não pudesse interferir noutros pontos da matéria de facto cujo conteúdo se viesse a revelar afetado pelas respostas dadas àqueloutros por forma a evitar contradições, tal como acontece na situação prevista na parte final da alínea c) do nº 3 do artigo 662º, do CPC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-11-2019, Pº 2929/17.8T8ALM.L1.S1, rel. ROSA TCHING).
Ora, se bem atentarmos, a matéria de facto que consta dos pontos 33, 34, 35 e 46, por consequente ou conexionada com o que constava expresso no facto provado n.º 32 (ou seja, dependendo da demonstração probatória que se efetuasse sobre o que foi vertido no facto provado em apreço, com a demonstração da negociação inerente à cessão da posição contratual), não poderá subsistir no rol dos factos provados.
Assim, destinando-se tal intervenção a evitar a existência de contradição com os demais factos, e uma vez que resultou não provado o que constava no ponto 32 dos factos provados, deverá, consequente e concomitantemente, incluir-se nos factos não provados, também a matéria de facto que consta vertida nos aludidos pontos 33, 34, 35 e 46.
Assim, de acordo com o exposto, deverá:
- eliminar-se o facto n.º 32 do rol dos factos provados;
-passar a constar uma nova alínea – d) – do rol dos factos não provados, com a seguinte redação: “d) Em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos – contrato junto sob documento n.º 5”;
- eliminar-se os factos n.ºs. 33, 34, 35 e 46 do rol dos factos provados;
-passarem a constar quatro novas alíneas – sucessivamente, denominadas e), f), g) e h) - no rol dos factos não provados, com a seguinte redação:
“e) Por conseguinte, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015 – conforme documento junto sob n.º 5”;
“f) Estando o imóvel, desde essa data – 2015 -, no gozo da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização”;
“g) Pese embora a dita cessão não tenha sido formalmente comunicada e aceite pela Locadora aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring”; e
“h) Incumprindo com tal declaração o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira”.
*
H) Se a matéria de facto constante do ponto 36 deve ser dada como não provada e eliminado, por conclusivo, que o pagamento das rendas à Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A. demonstra o conhecimento da Locadora da cessão operada?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“119.º O douto Tribunal a quo inclui ainda nos factos dados como provados, ponto 36, que o pagamento das rendas era feito pela Fine Facility Services, Lda. mediante depósito de cheque em balcão de estabelecimento da Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A., e em jeito de conclusão afirma que tal não poderia não ser do conhecimento da ora Recorrente.
120.º Ora, não obstante o elenco dos factos dados como provados não dever conter conclusões, e que, portanto, deverá ser retirada a parte do ponto 36 em que o douto Tribunal a quo conclui que o pagamento das rendas à Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A. demonstra o conhecimento da Locadora do cessão operada, dir-se-á ainda que o pagamento das rendas não era feito em estabelecimento da Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A.
121.º Mas sim junto a balcão da Caixa Geral de Depósitos, S.A.., conforme ficou provado.
122.º Que, na referida altura, eram instituições distintas, com n.º de registo diferente na Conservatória de Registo Comercial, o que é do conhecimento público.
123.º Do testemunho prestado por SC (minuto 42:01 a 45:51, referência da gravação 2021090242624_20033099_2871123) resulta inequívoco o procedimento interno perante a receção de valores para pagamento de contratos:
Mandatária da Embargada: Ah… Ia questionar aqui uma coisa que tem a ver com a tramitação interna e com o facto de serem feitos pagamentos por terceiros: qual é a norma, em termos bancários, de receber pagamentos por uma pessoa terceira? A Caixa opor-se, é regra opor-se e qual é o modus operandi nestes casos?
Testemunha SC: De todo. Primeiro…
Mandatária da Embargada: Genericamente…
Testemunha SC: Exatamente. Primeiro estamos a falar de situações em que apesar de sermos todos do mesmo grupo eramos entidades distintas e, portanto o processamento também era de forma diferente. Estamos a falar de entidades que chegam a um balcão e é exatamente como se fosse outra pessoa qualquer e que chega lá e diz “eu quero fazer um depósito para pagar a renda deste contrato”. É identificado e o colega que está ao balcão não se vai opor a receber uma renda…um pagamento ou a transferência, o depósito numa conta, seja ele qual for, não pode recusar receber sob pena de até colocar a entidade em situação de default por não pagamento das rendas. Portanto nós nunca recusaríamos e nunca nenhum balcão iria estar a “checkar” a título de quê o estavam a fazer ou quem vinha fazer um depósito ou que fizessem uma transferência. Portanto é uma situação normal, é a mesma coisa que virem, fazerem… Eu tenho um contrato e venho fazer um depósito na minha conta. Quer dizer, será expetável que nenhum bancário me vá recusar que faça um depósito na minha conta
124.º Como tal, os pagamentos nunca foram feitos diretamente à ora Recorrente; isto é a recorrida não provou que se deslocou às instalações da Caixa Leasing e Factoring e procedeu à entrega de cheque com a indicação expressa que visava o pagamento das rendas do contrato de locação financeira.
125.º Efetivamente, resulta que a recorrida fazia os depósitos numa agência da Caixa Geral de Depósitos, S.A., que, novamente se saliente, era uma instituição distinta da então Caixa Leasing e Factoring – SFC, S.A.
126.º E que, como é natural, não questionava a sua origem, considerando que os pagamentos, até à resolução do mesmo, estariam a ser feitos pela locatária no contrato celebrado.
127.º Única entidade com aparente interesse no cumprimento das obrigações contratuais.
128.º Sendo-lhe impossível, como é do conhecimento geral, determinar quem os fazia ou mesmo recusar a sua receção.
129.º Se a Fine Facility Services, Lda., procedeu ao pagamento das rendas, fê-lo de livre vontade, não podendo a ora Recorrente ser lesada por tal atuação quando nem conhecimento ou consentimento deu.
130.º Desta forma, não poderia ser dado como provado que a Fine Facility Services, Lda. procede ao pagamento das rendas há mais de cinco anos.
131.º Como tal, o facto de a Fine Facility Services, Lda. ter efetuado o pagamento das rendas não impõe o conhecimento e aceitação da cessão por parte da ora Recorrente.
132.º Até porque, em momento algum a Fine Facility Services, Lda. informou a que título fazia os pagamentos.
133.º Aliás, apenas eram remetidos e-mails à ora Recorrente, aparentemente por contabilística da Fine Facility Services, Lda., onde era informado ter sido feito o pagamento do contrato de locação financeira.
134.º Em momento algum das ditas comunicações era mencionado quem fazia os pagamentos e a que título o faziam ou sequer que eram feitos na sequência de cessão de posição contratual.
135.º Isso mesmo decorre da prova testemunhal produzida pela Dra. SC (minuto 42:27 a 44:00, referência da gravação 2021090242624_20033099_2871123):
Mandatária da Embargada: E mesmo quando faziam pagamentos… Acho que tem conhecimento que havia alguém do grupo, das empresas, que enviavam um mail com os pagamentos?
Testemunha SC: Sim.
Mandatária da Embargada: Era assumido algum tipo de posição em como tava a ser feito por uma pessoa que não era a JC.  Alguma menção que desse sequer isso a entender?
Testemunha SC: Não. A única indicação que tinha mesmo era só a dizer o número do contrato e a dizer “procedemos”… Creio que dizia, “procedemos ao depósito da renda do contrato em assunto” e mandavam o comprovativo.
Mandatária da Embargada: E o assunto era o quê?
Testemunha SC: Era o contrato de locação. Só dizia o contrato de locação n.º tantos. Em alguns…
Mandatária da Embargada: Com a entidade?
Testemunha SC: … Se fôssemos nós a identificar também… Imagine se nós não identificássemos logo, eles não enviassem logo a informação, nós identificámos o contato e o locatário e dizíamos contrato não sei quantos do locatário JC, da JC. Portanto, nunca, em momento, e posso dizê-lo desde 2019 e também tive a pesquisar outras informações anteriores para verificar, nunca em momento nenhum foi dada a indicação de que era a titulo de uma eventual cessão que tivessem feito entre eles, que seria a esse título, senão nós tínhamos reagido e teríamos dito logo que não podia ser.
136.º E também resulta da prova testemunhal produzida por SA (minuto 30:20 a 30:54, referência da gravação 20210902142624_20033099_2871123):
Mandatária da Embargada: Quando faziam os pagamentos, existem documentos juntos aos autos de uma pessoa que eu creio que trabalha também…
Testemunha SA: É o Diogo.
Mandatária da Embargada: O Diogo…
Testemunha SA: Costuma fazer esses pagamentos. É daqui de Lisboa, sim.
Mandatária da Embargada: Pronto. É isso mesmo que se encontra junto aos autos. E no, no assunto dos e-mails vem sempre o contrato de locação financeira JC.
Testemunha SA: Porque o contrato está feito em nome da JC.
Mandatária da Embargada: Portanto para todos os efeitos os pagamentos eram feitos para alocar àquele contrato independentemente de quem enviasse os pagamentos, não é?
Testemunha SA: Exato. Era para pagar aquele contrato, sim.
137.º Saliente-se nesta sede que a Sra. SA, conforme disse aos costumes, é contabilista da Fine Facility Services, Lda., pelo que a mesma tem conhecimento direto dos factos invocados no que toca aos pagamentos efetuados e, conforme de seguida se alegará, relativamente à emissão das faturas devidas pelos alegados pagamentos das rendas, tendo ainda jurado dizer a verdade (minuto 23:40 a 24:21, referência da gravação 20210902142624_20033099_2871123):
Meritíssimo Juiz: Bom dia.
Testemunha SA: Boa tarde.
Meritíssimo Juiz: Ou boa tarde. Vai-me dizer o nome completo por favor.
Testemunha SA: SA.
Meritíssimo Juiz: Estado Civil?
Testemunha SA: Divorciada.
Meritíssimo Juiz: A profissão?
Testemunha SA: Contabilista.
Meritíssimo Juiz: Da Fine?
Testemunha SA: Sim.
Meritíssimo Juiz: Desde quanto?
Testemunha SA: 2012 acho que. Mais ou menos por essa altura. Ou 2014.
Meritíssimo Juiz: Sabe porque é que está aqui?
Testemunha SA: Sim, sim.
Meritíssimo Juiz: Jura por sua honra dizer toda a verdade e apenas a verdade?
Testemunha SA: Juro.
Meritíssimo Juiz: O facto… O facto de ter uma relação profissional com uma das partes interessada no processo, neste caso a Embargante, não a impede de dizer a verdade?
Testemunha SA: Não.
138.º E mais, tanto é verdade que a Recorrente não tinha conhecimento da cessão pelo suposto pagamento das rendas pela Fine Facility Services, Lda. e que esta última sabia perfeitamente que não tinha assumido a posição de locatária no contrato que as faturas emitidas aquando dos pagamentos das rendas serem emitidas a favor da JC.
139.º A título de exemplo vejam-se as faturas datadas de 10-02-2020 e 10-03-2020 juntas com a Contestação como Docs. 3 e 4.
140.º Daqui resulta claro que a Fine Facility Services, Lda. sempre soube que não assumiu a posição de locatária no contrato uma vez que, não obstante alegadamente efetuar o pagamento das rendas desde 2015, em momento algum solicitou que as faturas fossem emitidas em seu nome.
141.º De facto, não há uma única fatura emitida em nome da recorrida Fine Facility Services, Lda. e não há uma única reclamação da mesma nesse sentido.
142.º O que não se pode deixar de considerar estranho que uma entidade pessoa coletiva que se supõe ter a contabilidade organizada, faça pagamentos por conta de um contrato desde 2015 e não tenha o documento que permita justificar o mesmo e nunca tenha diligenciado por o obter.
143.º Não podemos deixar de notar como a tese da recorrida, aceite pelo douto tribunal a quo, tem muitas pontas soltas.
144.º Isto resulta evidente quando analisamos a prova testemunhal produzida por SA (minuto 28:23 a 30:12, referência da gravação 2021090242624_20033099_2871123
Mandatária da Embargada: O facto de ser, por exemplo, a contabilidade quando diz que é a Fine que paga. Ia perguntar-lhe: para fazer isso, ou, em termos contabilísticos se assim fosse, as faturas não deveriam ser emitidas em nome da Fine? Se é realmente ela quem paga e se o está a fazer acreditando que é para cumprir um contrato?
Testemunha SA: A fatura desta prestação, é isso?
Mandatária da Embargada: Sim.
Testemunha SA: Está a perguntar se deveria ter sido emitido… Sim, eu aí poderia levar isso a custo. E neste momento não posso considerar isso como um custo e imputá-lo à empresa. Está em conta corrente com… O que me foi dito na altura quando eu pedi “o que é que eu faço contabilisticamente com isto”, a Dra. ROl disse-me “leve a contas da JC que isso depois haverá aí um encontro de contas. Eu não posso considerar isso custo da empresa.”
Mandatária da Embargada: Portanto, contabilisticamente falando e corrija-me se eu estiver errada, se eu tiver percebido mal o que disse, em termos contabilísticos os pagamentos tão alocados à contabilidade da JC? Ou estavam, pelo menos, até ser declarada insolvente que agora não deveriam estar a sê-lo, não é…
Testemunha SA: O custo é da JC sim. O pagamento, o fluxo financeiro está na Fine.
Mandatária da Embargada: Ok…Outra coisa que eu ia perguntar-lhe. Posso perguntar já esta das faturas: se, em termos contabilísticos, era necessário, e se é a Fine que quer assumir que faz os pagamentos diretamente, porque é que nunca foi pedida faturação em seu nome?
Testemunha SA: Pois, não faço ideia, limito-me a registar (Impercetível).
145.º E no mesmo sentido, apesar de não considerado, vai o testemunho prestado por SC (minuto 42:11 a 42:27, referência da gravação 2021090242624_20033099_2871123)
Mandatária da Embagada: (…) Em relação à faturação das rendas deste cliente, alguma vez foi solicitada, alguma vez foi emitida alguma fatura em nome de outra entidade que não fosse a JC?
Testemunha SC: Não. O locatário sempre foi a JC e foi a ele que foram emitidas todas as faturas.
146.º Não é compreensível como é que uma entidade que alegadamente faz os pagamentos durante mais de 5 anos em virtude de ter assumido a posição de locatária no presente contrato sob análise, em momento algum teve interesse em que as faturas fossem passadas em seu nome.
147.º E aliás, a partir do momento em que a Sra. Administradora de Insolvência optou pelo não cumprimento do contrato de locação financeira celebrado, a ora Recorrente deixou de alocar os pagamentos recebidos ao contrato (minuto 48:05 a 50:12, referência da gravação 2021090242624_20033099_2871123):
Mandatário da Embargante: Senhora Dra., a senhora Dra. disse-nos também que a JC está insolvente, que resolveram o contrato, que o contrato com a JC está resolvido. O contrato de leasing…Mas a verdade é que mensalmente até ao dia de hoje a Caixa Leasing continua a receber as mensalidades.
Testemunha SC: Eu vou dizer que a Caixa Leasing todos os meses recebe um depósito na sua conta de uma entidade que lá deposita.
Mandatário da Embargante: Então e agora pergunto-lhe o que é que fazem a esse depósito.
Testemunha SC: Estará lá para ser identificado quando nos disserem para que é que é aquilo para que nós…
Mandatário da Embargante: Então não, não diz… A senhora acabou de dizer que nos e-mails dizia a referência ao contrato. Está identificado…
Testemunha SC: Mas o… A entidade que tem estado a fazer os depósitos desde a resolução, tem estado a enviar alguma informação para a Caixa Leasing e Factoring?
Mandatário da Embargante: Está documentado. A Senhora Dra. já o disse que, que recebem e-mails com a identificação.
Testemunha SC: Não, não, não. Peço desculpa…
Mandatário da Embargante: Então (impercetível), repita lá que eu não percebi bem.
O que é que diz no assunto dos e-mails?
Testemunha SC: Posso dizer-lhe que o que eu estava a falar era até à data da resolução do contrato.
Mandatário da Embargante: Então e depois disso?
Testemunha SC: Depois disso os senhores deixaram de fazer qualquer comunicação.
Mandatário da Embargante: Mas os pagamentos continuam?
Testemunha SC: Pelo menos eu não recebi nenhuma comunicação.
Mandatário da Embargante: Mas sabe se os pagamentos continuam?
Testemunha SC: Identifiquei que haviam pagamentos porque os senhores como deram nota que continuavam a fazer os depósitos fui lá identificar.
Mandatário da Embargante: E o que é que fazem a esse dinheiro?
Testemunha SC: é isso que eu lhe estava a dizer. Está na conta a aguardar que os senhores nos digam o que é que é aquele valor.
Mandatário da Embargante: Mas nunca o devolveram…
Testemunha SC: Vou devolver para onde?
Mandatário da Embargante: Para quem pagou…
Testemunha SC: Quem é que pagou?
Mandatário da Embargante: Está lá… Fine… Olhe vários cheques, vários e-mails.
(Impercetível).
Testemunha SC: Sim, mas os senhores…
Mandatário da Embargante: Tudo isto tem nome…Os documentos…
Testemunha SC: Sr. Dr., mas os
senhores deram-nos nota para onde é que pretendiam que fosse pago? Imagina que o Sr. está…
Mandatário da Embargante: Diz aqui, olhe…
Testemunha SC: Sr. Dr.,
Mandatário da Embargante: No documento junto, CLF contrato 337780. Está em todos os documentos juntos. “N” e-mails. Diz assim “contrato…”.
Testemunha SC: Mas é só darem-nos indicação de qual é a conta para devolver e nós faremos a proposta e devolveremos o valor que pagaram até agora.
Mandatário da Embargante: Certo… Agradeço…
Testemunha SC: Desde a data da resolução… Desde que deixaram…
148.º Como tal, após o momento em que o contrato se considerou resolvido, e que, como tal, não poderia a JC proceder à amortização da dívida, os valores devidos mantiveram-se inalteradas estando as quantias pagas pela Fine Facility Services, Lda. disponíveis a serem devolvidas.
149.º Saliente-se que o contrato se considerou resolvido, face à opção de não execução exercida pela Exma. Senhora Administradora de Insolvência nos termos do artº 102º do CIRE, em data anterior à missiva remetida pela Fine Facility Services, Lda. a informar do alegado contrato de cessão da posição contratual.
150.º Resultando ainda que a recorrente sempre manteve a sua posição de considerar como locatária a JC e não qualquer outra entidade.2
151.º Nunca tendo tido um comportamento que permitisse concluir que aceitou a alegada cessão de posição contratual, ainda que tacitamente.
152.º Pois, verificada a insolvência da locatária a JC, notificou a Exma. Senhora Administradora de Insolvência para se pronunciar quanto à execução ou recusa do cumprimento do contrato, conforme previsto no artº 102º do CIRE.
153.º Tendo sido tomada a opção de recusa do cumprimento do contrato, considerou o mesmo terminado e deixou de imputar pagamentos no mesmo.
154.º Pelo que a matéria do ponto 36 da matéria de facto não pode ser considerada provada, nunca podendo constar a parte final por se tratar de conclusão.”.
Conforme resulta do que já se mencionou anteriormente, não logrou efetuar a embargante demonstração probatória de que procedeu ao pagamento de rendas referente ao contrato de locação financeira em questão nos autos desde a data mencionada como a da cessão (31-03-2015), sendo os meios de prova produzidos, vagos, contraditórios e não consistentes, não permitindo uma tal conclusão.
Apenas é possível dar como assente aquilo que resulta dos documentos juntos aos autos em 15-11-2020, na sua estrita materialidade: Que a embargante remeteu por email à embargada Caixa Leasing e Factoring, em 10-10-2019, 15-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 11-03-2020, 13-04-2020, 12-05-2020, 09-10-2020 e 11-11-2020, respetivamente, os comprovativos de depósito, efetuados em 10-10-2019, 11-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 12-03-2020, 13-04-2020, 11-05-2020, 09-10-2020 e 09-11-2020, respetivamente, ali se mencionando que respeitavam ao contrato de locação financeira n.º 337787.
Assim, congruente com a prova produzida, apenas poderá dar-se como assente uma tal factualidade, sendo que, o demais vertido no mencionado ponto 36 deverá transitar para o rol dos factos não provados.
De facto, sobre a forma de pagamento “presencial” nenhuma prova pessoal convincente foi produzida, apenas resultando apurado que, em 2019 e 2020, foram efetuados depósitos para a conta da embargada, nos termos dos talões de depósito e de transferências, juntos aos autos em 15-11-2020, sendo que, com esse comprovativo foi, nas ocasiões acima referenciadas, enviado um email com o comprovativo desses depósitos e transferências.
Ora, sob pena de contradição com o apuramento factual efetuado e atenta a ausência de demonstração probatória de uma tal factualidade, importará, igualmente, considerar como não provado o que foi vertido pelo Tribunal recorrido nos pontos 37, 38 e 39, matéria que deverá transitar para novas alíneas a incluir no rol dos factos não provados.
De acordo com o exposto, determina-se:
- A alteração da redação do ponto 36 dos factos provados, que passa a ser a seguinte: “36.º A embargante remeteu por email à embargada Caixa Leasing e Factoring, em 10-10-2019, 15-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 11-03-2020, 13-04-2020, 12-05-2020, 09-10-2020 e 11-11-2020, respetivamente, os comprovativos de depósito, efetuados em 10-10-2019, 11-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 12-03-2020, 13-04-2020, 11-05-2020, 09-10-2020 e 09-11-2020, respetivamente, ali se mencionando que respeitavam ao contrato de locação financeira n.º 337787”;
- A eliminação do rol dos factos provados dos pontos 37, 38 e 39;
- A inclusão no rol dos factos não provados, de uma alínea – i) – com a seguinte redação: “i) Que, com exceção do referido em 36 dos fatos provados, desde a data de 31-03-2015, a aqui Embargante procede ao pagamento das rendas – mediante depósito de cheque bancário passado em seu nome e efetuado presencialmente por seu representante em balcão do estabelecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring - o que naturalmente demonstra, como não podia deixar de ser, o conhecimento da Locadora – conforme deriva dos documentos juntos sob n.º 6.”;
- A inclusão de três alíneas – j), k) l) - no rol dos factos não provados, com a seguinte e respetiva redação:
“j) Como também é do conhecimento desta que durante os processos especiais de revitalização que foram apresentados pela Cedente, a massa insolvente JC, após a insolvência declarada, durante o período de tempo que mediou a apresentação de um plano na insolvência e mesmo após a recusa deste plano que ocorreu no pretérito dia 25/11/2019, sempre as rendas devidas pelo cumprimento daquele contrato foram sendo pagas pela aqui Embargante – conforme resulta do documento n.º 7 junto”;
“k) Tendo sempre a aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring aceitado o seu pagamento – conforme deriva do documento junto sob n.º 6”; e
“l) Tais pagamentos foram também sempre do conhecimento da Sra. Administradora de Insolvência – que os consentiu porque decorrentes de cumprimento de contrato validamente firmado e tacitamente reconhecido pela massa insolvente, quer ainda porque garantiam os interesses dos demais credores porquanto a aqui Embargante assegurava, como assegurou, o pagamento de créditos reclamados sobre a insolvência que assim a devedora não teria que solver”.
*
I) Se a matéria de facto constante do ponto 42 deve ser dada como não provada?
Alegou ainda a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“143.º Ainda, o douto Tribunal a quo considerou como facto provado no ponto 42 da douta sentença que a Recorrente tinha conhecimento que a Fine Facility Services, Lda. pretendia exercer o direito de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação.
155.º Ora, tal facto não só não tem correspondência com a realidade.
156.º Como não foi alvo de prova nos autos.
157.º Baseando-se nas alegações feitas pela Fine Facility Services, Lda. no âmbito dos Embargos de Terceiro.
158.º Alegações essas que foram alvo de resposta por parte da ora Recorrente em sede de contestação.
159.º Nunca a Recorrente teve conhecimento da pretensão da Fine Facility Services, Lda. de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação financeira.
160.º E aliás, da cláusula 11.º do contrato de locação financeira resultam os pressupostos para que o locatário posso exercer antecipadamente a opção de compra do imóvel.
161.º O texto do contato é claro: apenas o locatário pode exercer esse direito.
162.º Que naturalmente lhe está reservado.
163.º Como tal, não sendo a Fine Facility Services, Lda. parte no contrato, então em momento algum poderia exercer esse direito.
164.º E consequentemente nunca poderia a escritura ser celebrada em favor da Fine Facility Services, Lda.
165.º E como também teve a Recorrente oportunidade de alegar em sede de Contestação, não resulta dos autos de insolvência a intenção de antecipação integral do cumprimento do contrato.
166.º Não tendo a Recorrente conhecimento dessa intenção senão em sede de Embargos de Terceiro.
167.º Pelo que como tal, tal facto não poderia ser dado como provado pelo douto Tribunal a quo, dado que nenhum elemento de prova dos autos vai nesse sentido.”.
Ora, reapreciada a prova produzida, verifica-se que, os testemunhos produzidos em audiência de discussão e julgamento não suportam a conclusão tirada pelo Tribunal recorrido sobre a realidade do que consta no ponto 42 dos factos provados, não existindo acervo probatório que sustente que a embargante tenha manifestado intenção de antecipação integral do cumprimento do contrato de locação financeira e que o tenha dado a conhecer à embargada Caixa Leasing e Factoring.
Em consequência, o aludido ponto 42 deverá ser eliminado dos factos provados e transitar a correspondente matéria factual para o rol dos factos não provados, elaborando-se uma nova alínea – m) - com a seguinte redação: “m) Esta intenção de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação pela Embargante foi também do conhecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring, quer por via de contactos diretos com esta estabelecidos, quer ainda porque resulta dos próprios autos de insolvência onde aquela figura como credora”.
*
J) Se deverá ser eliminada do ponto 47, por conclusiva, a menção de que a recorrente desrespeitou a substituição de sujeitos num dos lados da relação contratual ao considerar que o contrato estava resolvido, uma vez que o contrato estaria a ser cumprido?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“168.º Mais conclui o douto Tribunal a quo no ponto 47.º da douta sentença de que se recorre que a Recorrente desrespeitou a substituição de sujeitos num dos lados da relação contratual ao considerar que o contrato estava resolvido, uma vez que o contrato estaria a ser cumprido.
169.º Estando perante o elenco de factos provados, tal conclusão para além de desprovida de sentido face ao supra alegado quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, deverá ser eliminada por não corresponder a facto.”.
O ponto 47 dos factos provados tem a seguinte redação: “47ºEm decorrência da tomada de posição por parte da massa insolvente, a Embargada Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. em desrespeito pela substituição de sujeitos operada num dos lados da relação contratual, nomeadamente da Embargante no lugar de locatária por força da cessão de posição contratual celebrada, considerou resolvido o contrato de locação financeira objeto de cessão, apesar de este se encontrar a ser pontualmente cumprido pela Embargante, o que esta bem sabe.”.
Ora, conforme bem refere a ora recorrente, as menções constantes do aludido ponto 47- “em desrespeito pela substituição de sujeitos operada num dos lados da relação contratual, nomeadamente da Embargante no lugar de locatária por força da cessão de posição contratual celebrada” e “apesar de este se encontrar a ser pontualmente cumprido pela Embargante, o que esta bem sabe” – não poderão subsistir no rol dos factos selecionados, atento o caráter conclusivo de tais expressões, não suportadas em factos que as pudessem demonstrar e fundamentar, de forma suficiente, um juízo de valoração probatória incidente sobre tal matéria.
Porque indemonstrada a ocorrência da cessão, igualmente, deverá ser suprimida a menção constante da parte final do ponto 47, referenciada a tal negócio, meramente conclusiva.
Assim, deverão suprimir-se tais menções, porque conclusivas, do facto provado n.º 47, o qual passará a ter a seguinte redação: “47º Em decorrência da tomada de posição por parte da massa insolvente, a Embargada Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. considerou resolvido o contrato de locação financeira”.
*
K) Se a matéria de facto constante do ponto 48- de que a recorrente incumpriu com as obrigações decorrentes do contrato de locação financeira - não poderia ser dada como provada?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“170.º E também não poderia ser dado como provado, como o fez o douto Tribunal a quo no ponto 48, que a ora Recorrente incumpriu com as obrigações decorrentes do contrato de locação financeira.
171.º Desde a celebração do contrato a ora Recorrente cumpre plenamente com a totalidade das suas obrigações enquanto locadora perante a locatária, JC.
172.º Em face de todo o exposto não se pode admitir que tenha havido uma cessão da posição contatual entre a JC e a Fine Facility Services, Lda. que seja válida e oponível à ora Recorrente.
173.º E aliás, em momento nenhum dos presentes autos a Embargada JC, única entidade que o poderia fazer, afirmou que a ora Recorrente incumpriu com as suas obrigações.
174.º Motivo pelo qual apenas teria de ser dado como não provado o incumprimento das obrigações contratuais da ora Recorrente.”.
Ora, também quanto a esta invocação assiste procedência à recorrente, dado que, de facto, o juízo formulado no facto provado n.º 48 é um juízo conclusivo, expressando uma opção de direito – o incumprimento da embargada Caixa Leasing e Crédito - que não poderá permanecer como assente.
Assim, de acordo com o exposto, determina-se a eliminação, porque conclusiva a matéria nele vertida, do facto provado n.º 48.
*
L) Se deve ser aditado à matéria de facto um ponto onde conste: “Da cláusula 7ª nº 1 das condições gerais do contrato de locação financeira consta:“O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiro sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado”?
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“182.º Todavia, o contrato estabelecido pelas partes e que consta do ponto 1 da matéria de facto provada, vai mais além do que a letra do Código Civil, sendo uma clara manifestação da autonomia privada das partes.
183.º Decorrendo da cláusula 7.ª n.º 1, que “O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiro sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado.” (Negrito e sublinhado nosso).
184.º Este é um facto relevante para os termos da causa pelo que deve ser aditado à matéria de facto um ponto onde conste: Da clausula 7ª nº 1 das condições gerais do contrato de locação financeira consta:“O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiro sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado.”.
Ora, neste ponto, não se alcança pertinência ou utilidade na especificação pretendida pela recorrente.
Efetivamente, no facto provado n.º 1 consta já assente que, no exercício da sua atividade comercial, a primeira embargada celebrou com a segunda embargada, o contrato de locação financeira imobiliária n.º 337787, “composto de Condições Particulares e de Condições Gerais, cuja cópia foi junta como doc. 1 da providência cautelar apensa e aqui se dá por integralmente reproduzida”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-09-2012 (Pº 1011/08.3TTVFR.P1, rel. EDUARDO PETERSEN SILVA), “a mera remissão para documentos (…) tem apenas o alcance de dar como provada a existência desses documentos, meios de prova, e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar como provados”.
Contudo, não sendo questionada a existência e materialidade das cláusulas e condições que compõem o dito instrumento negocial, encontra-se, na prática, demonstrada a matéria pretendida aditar pela recorrente.
Deste modo, porque tal corresponderia à prática de um acto inútil, por redundante, ilícito ou proibido, em conformidade com o disposto no artigo 130.º do CPC, não poderá proceder o pretendido pela ora recorrente.
De acordo com o exposto, indefere-se o aludido aditamento à matéria de facto provada.
*
NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
1ºNo exercício da sua atividade comercial, a primeira Embargada celebrou com a segunda embargada o Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º 337787, composto de Condições Particulares e de Condições Gerais, cuja cópia foi junta como doc. 1da providência cautelar apensa e aqui se dá por integralmente reproduzida.
2ºO contrato foi celebrado a 15 de abril de 2008 pelo prazo de 180 meses, tendo a locatário se obrigado ao pagamento de 180 rendas mensais, a primeira renda no valor de € 16.228,68 + IVA e as restantes 179 no valor de € 1.706,87 + IVA e ainda a um valor residual no valor de € 4.237,50 + IVA.
3º Nos termos do contrato (artigo primeiro das Condições Particulares e cláusula 1ª das Condições Gerais) a primeira embargada veio a dar de locação financeira à requerida o seguinte imóvel que adquiriu por indicação desta e com o objetivo de celebrar o contrato:
• Frações Autónomas AB, AC e AD do prédio urbano situado em Av. …, …, … e … e Rua … …, … e …, Freguesia de Mafamude, Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito sob a ficha n.º …, da Freguesia de Mafamude, e inscrito na matriz predial sob o artigo …, conforme cláusula n.º 1 das condições particulares do contrato já junto.
4º A segunda embargada foi declarada insolvente em 18/04/2018, conforme anúncio publicado no portal citius em 19/04/2018 cuja cópia foi junta como doc.2. e aqui se dá por integralmente reproduzida.
5º Em consequência da declaração de insolvência da segunda embargada, a primeira embargada, notificou a Exma. Senhora Administradora de Insolvência nomeada no processo, Drª AF, para declarar qual a opção quanto ao cumprimento do contrato, conforme comunicação eletrónica, datada de 10-12-2019, que foi junta como doc. 3. e aqui se dá por integralmente reproduzida.
6ºNesta sequência, a Exma. Senhora Administradora de Insolvência comunicou a sua opção pelo não cumprimento do contrato, de acordo com comunicação datada de 13 de fevereiro de 2020 que foi junta como doc. 4. e aqui se dá por integralmente reproduzida.
7º Uma vez que a Senhora Administradora de Insolvência não procedeu à apreensão do imóvel para a massa insolvente, a mesma negou-se a assinar o auto de resolução do contrato em apreço com vista à entrega do imóvel, conforme resulta das mensagens de correio eletrónico de 18 de Fevereiro de 2020 e de 24 de Fevereiro de 2020, cujas cópias foram juntas como docs. 5 e 6 e aqui se dá por integralmente reproduzida.
8º Assim, a primeira embargada comunicou à segunda embargada a resolução na sequência de opção pelo não cumprimento por parte da Senhora Administradora de Insolvência, por carta registada com aviso de receção, datada de 10 de março de 2020, do contrato de locação financeira imobiliária, conforme cópias foram juntas como docs. 7 e 8 e aqui se dá por integralmente reproduzida.
9º Na carta de comunicação da resolução do contrato foi a segunda embargada informada das consequências da mesma, nomeadamente da obrigação de restituição do bem locado livre de pessoas e bens, conforme decorre da al. d) do segundo parágrafo.
10º O imóvel supra descrito locado ao abrigo do contrato de locação financeira imobiliária, é propriedade da requerente.
11º O imóvel supra identificado, apesar dos insistentes e variados esforços nesse sentido por parte da segunda embargada, não lhe foi devolvido.
12º Não obtendo a restituição do imóvel através da Senhora Administradora de Insolvência, a primeira embargada entrou também em contacto com a Insolvente, representada pelo seu mandatário, para recuperação do imóvel, esforços esses que se mostraram infrutíferos.
13º Motivo pelo qual a primeira embargada remeteu a carta de resolução à segunda requerida já junta como doc. 5., com a petição de providência cautelar, à qual não obteve qualquer resposta.
14º Tendo a primeira embargada requerido à Conservatória do Registo de Predial o cancelamento do registo de locação financeira averbado em nome da Requerida, conforme resulta do comprovativo do pedido que se junto como doc. 9. Com a petição de providência, e aqui se dá por integralmente reproduzida.
15º Até ao momento a insolvente não procedeu à restituição do imóvel, pelo que veio a primeira embargada requerer ao tribunal a entrega imediata do mesmo à requerente nos termos do art. 21º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho, a qual foi julgada procedente e decretada a imediata entrega dos imóveis à primeira embargada.
16º No passado dia 8 de Julho de 2020, na Rua …, n.º …, … e …, na freguesia de Mafamude, Vila Nova de Gaia, foi entregue à aqui Embargante o denominado “Auto de Entrega”, junto e cujo teor se dá por reproduzido – documento 1 com a petição dos embargos.
17º A saber: Entrega das “Fracções Autónomas AB, AC e AD do prédio urbano situado na Avenida …, …, … e … e Rua … …, … e …, freguesia de Mafamude, Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito sobre a ficha n.º …, da freguesia de Mafamude”.
18.º Consta no mesmo Auto, foram recebidos pela “Colaboradora da Empresa que tem a posse do imóvel, que é a empresa “Fine Faciliti Services”, NIPC 509 418 627”, a aqui Embargante.
19.º “Atendendo ao facto de o imóvel se encontrar ocupado, foi concedido pelo representante da Requerente, o prazo de 5 dias para que todos os bens móveis sejam retirados dos imóveis a entregar, pelo que se designa o dia 14 de Julho de 2020 para concretizar a entrega ordenada”.
21ºNas fracções, que para entrega se designou o dia 14 de Julho, próxima terça-feira, a Embargante tem o seu centro operacional.
22º Nestas instalações, de Vila Nova de Gaia, funciona o gabinete de contabilidade de toda a empresa Embargante, com 2 funcionárias, assim como um gabinete Jurídico com uma funcionária.
23º Também nas instalações em causa, se encontra todo o sistema operativo dos serviços de informática desta empresa.
24º Aí se “gere” toda a empresa, encontrando-se toda a plataforma operativa e operacional da Embargante.
25.º São os escritórios da Embargante, onde se encontram todos os registos, arquivos informáticos, computadores, a organização dos diversos colaboradores, os telefones, internet e tudo o que permite a laboração da Embargante.
26.º E como tal, sempre para alterar todo esse sistema - com PT’s vários e equipamentos das diversas operadoras de telecomunicações, é necessária a intervenção das empresas de telecomunicações, o que não é, de todo, possível acontecer até à próxima terça-feira.
27.º Sendo que, a efectivação da entrega das fracções, determinará a paralisação da atividade da embargante nas instalações correspondentes.
30.º A embargante remeteu à embargada, como detalhado no facto 36, em 2019 e 2020, emails acompanhados de comprovativos de depósitos destinados a pagar quantias do contrato de locação financeira;
31.ºFoi, no âmbito do processo de insolvência n.º 6362/18.6T8LSB, do Juízo de Comércio, Juiz 7, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é insolvente a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A, reconhecido o crédito da Requerida Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., no montante de 80.781,72 €uros (oitenta mil, setecentos e oitenta e um euros e setenta e dois cêntimos), com fundamento em Contrato de locação financeira com o número 337787 – conforme documento n.º 3 junto.
36.º A embargante remeteu por email à embargada Caixa Leasing e Factoring, em 10-10-2019, 15-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 11-03-2020, 13-04-2020, 12-05-2020, 09-10-2020 e 11-11-2020, respetivamente, os comprovativos de depósito, efetuados em 10-10-2019, 11-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 12-03-2020, 13-04-2020, 11-05-2020, 09-10-2020 e 09-11-2020, respetivamente, ali se mencionando que respeitavam ao contrato de locação financeira n.º 337787;
40.º No âmbito do Processo de insolvência em curso foi solicitado à Sra. Administradora de insolvência – quer pela administração da Embargada insolvente, quer pela aqui Embargante - que comunicasse à Embargada Caixa Leasing o interesse na manutenção da cessão da posição contratual a favor desta Embargante e assim, do próprio contrato de locação financeira na modalidade de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação;
41.º Cumprimento que a aqui Embargante satisfaria, com a consequente escritura do imóvel a seu favor.
43.º Submeteu então a Sra. Administradora de insolvência à consideração dos credores da massa insolvente o vindo de descrever – ou seja, a possibilidade de cumprir o contrato de cessão celebrado entre a devedora e a aqui Requerente, para posterior comunicação à Requerida Caixa Leasing e Factoring, aí também credora;
44.º Nenhum dos credores consultados se opôs, tendo havido apenas pronúncia de um credor que de forma inequívoca, dada a inexistência de prejuízo para a massa insolvente e consequentemente para os credores aí reconhecidos e, de modo a evitar custos e responsabilidade para a massa insolvente decorrentes do incumprimento do contrato de locação financeira e do contrato de cessão de posição contratual celebrados, considerou favorável a manutenção da cessão da posição contratual da aqui Requerente.
45.º Não obstante, foi pela Exma. Administradora de Insolvência emitida manifestação de desinteresse da massa insolvente na manutenção do cumprimento do contrato de locação financeira supra identificado – conforme deriva do documento n.º 8 junto.
47º Em decorrência da tomada de posição por parte da massa insolvente, a Embargada Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. considerou resolvido o contrato de locação financeira.
*
NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
a) Que, para além do referido em 27, a efectivação da entrega das fracções determinará a paralisação, absoluta, de toda a actividade, com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Embargante”;
b) O que é do conhecimento das Embargadas, como, designadamente, resulta do documento 2, junto e cujo teor se dá por reproduzido;
c) Que, para além do provado em 30, há mais de cinco anos, a Embargante paga à Embargada Caixa Leasing as rendas do contrato de Leasing celebrado;
d) Em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos – contrato junto sob documento n.º 5;
e) Por conseguinte, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015 – conforme documento junto sob n.º 5;
f) Estando o imóvel, desde essa data – 2015 -, no gozo da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização;
g) Pese embora a dita cessão não tenha sido formalmente comunicada e aceite pela Locadora aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring;
h) Incumprindo com tal declaração o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira;
i) Que, com exceção do referido em 36 dos factos provados, desde a data de 31-03-2015, a aqui Embargante procede ao pagamento das rendas – mediante depósito de cheque bancário passado em seu nome e efetuado presencialmente por seu representante em balcão do estabelecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring - o que naturalmente demonstra, como não podia deixar de ser, o conhecimento da Locadora – conforme deriva dos documentos juntos sob n.º 6.;
j) Como também é do conhecimento desta que durante os processos especiais de revitalização que foram apresentados pela Cedente, a massa insolvente JC, após a insolvência declarada, durante o período de tempo que mediou a apresentação de um plano na insolvência e mesmo após a recusa deste plano que ocorreu no pretérito dia 25/11/2019, sempre as rendas devidas pelo cumprimento daquele contrato foram sendo pagas pela aqui Embargante – conforme resulta do documento n.º 7 junto;
k) Tendo sempre a aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring aceitado o seu pagamento – conforme deriva do documento junto sob n.º 6;
l) Tais pagamentos foram também sempre do conhecimento da Sra. Administradora de Insolvência – que os consentiu porque decorrentes de cumprimento de contrato validamente firmado e tacitamente reconhecido pela massa insolvente, quer ainda porque garantiam os interesses dos demais credores porquanto a aqui Embargante assegurava, como assegurou, o pagamento de créditos reclamados sobre a insolvência que assim a devedora não teria que solver;
m) Esta intenção de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação pela Embargante foi também do conhecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring, quer por via de contactos diretos com esta estabelecidos, quer ainda porque resulta dos próprios autos de insolvência onde aquela figura como credora.
*
III) Mérito do recurso:
*
M) Se a decisão recorrida violou a cláusula 7ª das condições gerais do contrato de locação financeira, o princípio da autonomia da vontade (artigo 405.º do CC), o Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho e o artigo 473.º do CC?
Concluiu a recorrente, nas respetivas alegações de recurso, ainda o seguinte:
“(…) JJJJ. Desde a celebração do contrato a ora Recorrente cumpre plenamente com a totalidade das suas obrigações enquanto locadora perante a locatária, JC.
KKKK. Não se pode considerar que a Recorrente tinha conhecimento ou deu o seu consentimento ao contrato de cessão da posição contratual alegadamente celebrado, o qual nem se sabe se foi celebrado e se o foi em 2015.
LLLL. E mesmo que tenha sido celebrado, o contrato não seria eficaz em relação à ora Recorrente uma vez que gozaria apenas de eficácia relativa nos termos do artigo 406.º n.º 1 e 2 do CC.
MMMM. A cláusula 7.ª n.º 1 do contrato de locação financeira mobiliária vai mais além do que a letra do artigo 424.º n.º 1 do CC, aplicável na presente situação ex vi do artigo 11.º n.º 2 do DL 149/95 de 24 de junho e artigo 1059.º do CC, obrigando a que o locatário apenas poderá ceder a sua posição contratual se obtiver consentimento prévio por escrito do Locador.
NNNN. O que não aconteceu no presente caso.
OOOO. E por isso, mesmo que houvesse sido celebrado, o contrato de cessão sempre seria nulo por violador das disposições contratuais.
PPPP. Este é um facto relevante para os termos da causa pelo que deve ser aditado à matéria de facto um ponto onde conste: Da clausula 7ª nº 1 das condições gerais do contrato de locação financeira consta:“O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiro sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado.”
QQQQ. E consequentemente, pela sua relevância e porque resulta provado nos autos e foi alegado na contestação deverá o ponto 35 da matéria de facto ser completado com a adição do facto: e sem ter obtido o prévio consentimento escrito da embargada.
RRRR. Conceber-se a ideia de que a Recorrente tinha conhecimento e aceitou o contrato de cessão é uma afronta à sua segurança jurídica e também é violador das regras prudenciais a que a Recorrente deve respeitar no âmbito da sua atividade.
SSSS. Mais, o comportamento da Fine Facility Services, Lda. está tão repleto de incoerências que em abril de 2019 houve intenção de a JC ceder a sua posição no contrato, o que foi alvo de recursa pela Recorrente, mas em 2020 é apresentado um contrato de cessão que aparentemente remontaria a 2015.
TTTT. Ou a mesma sabia que o contrato que alegadamente celebrou em 2015 não era válido e oponível à recorrente ou então em 2019 esse contrato não existia ainda.
UUUU. Mas mais surpreendente é a douta sentença recorrida, não obstante a previsão legal e o teor da clausula contratual ter considerado que a cessão foi objeto de conhecimento e aceitação tácita da ora recorrente.
VVVV. Aceitação tácita, é um entendimento que viola frontalmente a cláusula 7ª do contrato de locação financeira, o princípio da autonomia privada, artº 405º do CC.
WWWW. Efetivamente, a atuação da ré não deixa margem para aceitação tácita, dado que confrontada com a situação tomou posição clara, no sentido de não aceitar a cessão de posição contratual.
XXXX. O que aliás sempre faz, nunca se vinculando de forma tacita, pelo que não seria neste caso que o ia fazer.
YYYY. Pois quando em março de 2020 lhe é comunicada a cessão de posição contratual, prontamente indica que não a conhecia e que não a aceita, não lhe sendo a mesma oponível, conforme decorre do doc. 9 junto com a petição de embargos de terceiro.
ZZZZ. E posteriormente, confrontada com a mesma questão no âmbito do processo de insolvência, manifesta a mesma posição, conforme decorre do doc. 2 junto com a petição de embargos.
AAAAA. Ou seja, sempre que confrontada com a situação a recorrente indica que desconhecia a cessão de posição contratual, até março de 2020 e que nunca prestou o seu consentimento ou deu a sua autorização.
BBBBB. Sendo que o pagamento das rendas, dado o que resulta dos depoimentos da testemunha SC supra citados e o facto de os cheques serem depositados na conta bancária, não podem ser fundamento para essa aceitação tácita.
CCCCC. Diga-se, ainda, que é bastante comum empresas do mesmo grupo económico procedem ao pagamento de obrigações assumidas por outras.
DDDDD. Portanto, no presente caso o facto de o pagamento das rendas do contrato estar a ser feito por outra entidade do mesmo grupo da JC, não era sequer motivo de alerta na gestão desses pagamentos.
EEEEE. Dado que na fase de contratação foi indicado que a JC é uma empresa de gestão de património de grupo. Pelo que se trata de empresas que mantém uma relação especial entre si.
FFFFF. Com efeito, dos elementos dos autos, parece-nos claro o conluio entre as empresas com o objetivo último da recorrida beneficiar da posição da JC no contrato, não obstante a insolvência desta última.
GGGGG. E tanto assim é que as diligencias da recorrida face à alegada cessão de posição contratual ocorrem em 2020, depois da insolvência da JC e após a Exma. Sra. Administradora de insolvência ter indicado não pretender a execução do contrato de locação financeira.
HHHHH. Veja, que até neste campo a recorrente foi coerente com a sua posição e face à declaração de insolvência da JC procedeu à notificação da Exma. Sra. Administradora de insolvência para que procedesse à opção quanto ao cumprimento do contrato.
IIIII. Possibilitando assim à massa insolvente, caso tal fosse viável nos termos do nº 4 do artº 102º do CIRE, o cumprimento pontual das obrigações do contrato, fazendo seu o imóvel objeto do contrato.
JJJJJ. E perante as circunstâncias do caso, a Exma. Sra. Administradora de insolvência, conforme poder que a lei lhe confere (a ela e só a ela) – artº 102º e 119º do CIRE, optou pelo não cumprimento do contrato.
KKKKK. Portanto, não ocorreu qualquer abuso de direito, pelo contrário atua em conformidade com a lei e com o direito.
LLLLL. A posição da Senhora Administradora de Insolvência está em conformidade com as normas legais aplicáveis ao caso. Tendo sido tomada dentro dos poderes que a lei lhe confere.
MMMMM. Contrariamente ao afirmado pelo douto Tribunal a quo, não se pode considerar estar perante uma situação de enriquecimento sem causa.
NNNNN. Não há um efetivo enriquecimento da ora Recorrente com o correlativo empobrecimento da Fine Facility Services, Lda. pois se a Recorrente recebeu dinheiro das rendas, para tal cedeu o gozo do imóvel nos termos do artigo 1.º do DL 149/05 de 24 de junho e a Fine Facility Services, Lda. gozou de um imóvel sem qualquer título justificativo para tal.
OOOOO. E mais se diga que não podermos considerar que haja falta de causa justificativa para tal: a causa justificativa é o contrato de locação financeira imobiliária celebrado com a JC.
PPPPP. Sendo que se havia cumprimento do contrato, a recorrente não podia tomar qualquer diligência com vista a assegurar o seu direito, pois nunca lhe foi comunicado que o imóvel era usado por entidade.
QQQQQ. Portanto, não pode a recorrida beneficiar de uma situação a que deu causa.
RRRRR. Se há atuação em abuso de direito é por parte da recorrida que ocultou conscientemente factos relevantes da recorrente e com base nessa atuação vem agora procurar obter benefícios.
SSSSS. A douta sentença recorrida erra na decisão da matéria de facto nos termos indicados e erra na aplicação do direito violando a clausula 7ª das condições gerais do contrato de locação financeira, o princípio da autonomia da vontade – artº 405 do C.C., o DL 149/95 de 24 de junho e o artº 473º do C.C.  ”.
A decisão recorrida concluiu pela condenação dos embargados a reconhecer que a embargante possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº 337787 celebrado entre a sociedade insolvente JC Gestão Global de Negócios S.A e a Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito S.A, por ser válida e eficaz entre Embargante e Embargadas o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação celebrado a 31 de Março de 2015, por ser a comunicação feita, de desinteresse no cumprimento do contrato de locação com o nº 337787 e bem ainda em consequência desta comunicação a declaração de resolução feita pela Embargada quanto ao aludido contrato, declaradas ineficazes quanto à Embargante, sendo a primeira embargada condenada a (mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária) outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto da locação a favor da aqui Autora.
A fundamentação de Direito expendida na decisão recorrida assentou, em suma, no seguinte:
“(…) [O] embargante invoca a posse, pois, segundo alega, em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos, por conseguinte, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015, estando o imóvel, desde essa data – 2015 -, na posse da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização.
(…) A locação financeira é, nas palavras do Prof. Diogo Leite de Campos, um contrato a médio ou a longo prazo dirigido a “financiar” alguém, não através de uma prestação de uma quantia em dinheiro, mas através do uso de um bem. Está-lhe subjacente a intenção de proporcionar ao “locatário” não tanto a propriedade de determinados bens, mas a sua posse e utilização para um certos fim (“Ensaio de Análise Tipológica do Contrato de Locação Financeira”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXIII, 1987, pág. 10; Veja-se também o Dr. Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Leasing e Factoring, 2001, pág. 28).
A locação financeira reveste a forma que tem através da (co)ligação entre um contrato de compra e venda e um contrato de locação; coligação obtida através de um vínculo final.
Numa análise mais estrutural diremos que o contrato de locação financeira contém elementos dos tipos compra e venda e locação, sendo, pois, um contrato nominado misto.
É, pois, da essência da locação financeira o gozo temporário e oneroso de uma coisa pelo locatário, com eventual possibilidade de este comprar ao locador nos moldes contratualmente acordados, pelo que, assim, o locatário é titular de um direito de gozo, não possuindo a posse, mas mera detenção (possuidor em nome alheio) Fernando Gravato de Morais, Manual de Locação Financeira, mas que a lei protege para efeitos de dedução de embargos, mas que seriam improcedentes perante a invocação de exceptio domiini, que, aliás foi invocada pelo embargado locador.
Contudo, o Embargante alega que houve uma transmissão da posição contratual do primitivo locatário para si, cessão reconhecida pelo próprio locador embargado.
Ora, a cessão da posição contratual, prevista nos artigos 424.º e seguintes do Código Civil, implica a existência de dois contratos: o contrato-base, em que o cedente tem a posição que transmite ao cessionário, e o contrato-instrumento, através do qual se opera essa transmissão; e tem como efeito principal típico a transferência da posição processual do cedente para o cessionário e por conteúdo a totalidade dessa posição, no seu conjunto de direitos e obrigações, levando a que o cessionário adquira todos os créditos, poderes potestativos e exceções e fique vinculado pelas obrigações, deveres acessórios e sujeições resultantes desse contrato.
Tendo a cessão como objeto um contrato de locação financeira e, sendo este um contrato de execução continuada, a cessão da posição contratual abrangerá as situações jurídicas correspondentes ao período de tempo posterior à celebração do negócio de transmissão.
Neste sentido, o contrato de cessão de posição contratual tem ainda como efeito a garantia prestada pelo cedente relativamente à posição contratual transmitida, nomeadamente nas situações jurídicas correspondentes ao período de tempo posterior à cessão;
De facto, o artigo 426.º n.º 1 do Código Civil assegura ao cessionário uma garantia legal, referente à existência da posição contratual transmitida pelo que, se a posição contratual não existe, quer por não ter sido celebrado o negócio em questão quer por esse ser inválido, ou se encontrar na titularidade de outrem que não o cedente, o cedente torna-se responsável perante o cessionário.
Assim, pela Embargante e a pela Embargada insolvente JC – Gestão Global de Negócios, S.A. foi celebrado contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira, através do qual a Embargada cedeu à aqui Embargante, e esta aceitou, a posição contratual de locatária.
Assim, pretende a aqui Embargante, enquanto cedente, cumprir o contrato de locação financeira, como vem a fazer desde 2015, liquidando o valor remanescente e adquirindo o bem locado.
Contudo, no contrato de locação financeira, estabelece-se, em concordância, aliás, com o artigo 424º, n.º 1, do Código Civil, que a transmissão apenas opera desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
Ora, por força da transmissão provada, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015 – conforme resultou provado, estando o imóvel, desde essa data – 2015 -, na esfera jurídica da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização, pese embora a dita cessão não tenha sido formalmente comunicada pela Locadora aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring, esta cessão foi e é objeto do seu conhecimento e aceitação tácita.
Na verdade, resultou provado que, desde essa data, que a aqui Embargante procede ao pagamento das rendas – mediante depósito de cheque bancário passado em seu nome e efetuado presencialmente por seu representante em balcão do estabelecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring - o que naturalmente demonstra, como não podia deixar de ser, o conhecimento da Locadora.
Ora, o abuso do direito, nas suas diversas manifestações, é um instituto puramente objetivo, por não estar dependente de culpa do agente, nem sequer de qualquer específico elemento subjetivo, ainda que a presença ou a ausência de tais elementos possam contribuir para a definição das consequências do abuso.
A figura do abuso do direito encontra-se regulada no artigo 334º, do Código Civil, onde se estatui que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Refere António Menezes Cordeiro, analisando decisões jurisprudenciais relativas ao abuso do direito (Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Volume II, Setembro de 2005, consultada e disponível on-line em www.oa.pt), que “qualquer pretensão aparentemente apoiada em leis estritas pode ser desamparada, com base em abuso do direito”.
A este propósito refere o mesmo Ilustre autor (obra supra citada), “ (…) o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas (…) Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na Boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim: 1.a Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias; 2.a Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível; 3.a Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; 4.a A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu. Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha.
Assim, atuam com claro abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium a massa insolvente e a Sra. Administradora, ao declararem não ter interesse na manutenção do contrato de factoring celebrado com a Embargada Caixa Leasing e Factoring, desconsiderando e incumprindo o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira celebrado, onde cederam a sua posição contratual de locatária à aqui Embargante, bem sabendo que por via de tal era a Embargante enquanto cessionária quem titulava na posição de locatária, e encontrava-se desde 2015 a cumprir os termos daquele.
Dado o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira celebrado, podia a Embargante fundamentadamente e de boa-fé confiar que, enquanto cessionária cabia a si a posição de locatária, posição que considerava ser respeitada e assegurada pela massa insolvente sua Cedente;
Confiança essa objetivamente reforçada pelo decurso de um tão dilatado lapso de tempo e do cumprimento por si exercido, o que coloca, desde logo, em causa a posição contratual da Embargante, enquanto cessionária, bem como, todos os valores por esta enquanto locatária entregues a título de renda com o objetivo de compra do locado a final, ignorando o cumprimento que a Embargante tem vindo a exercer no contrato de locação financeira, nomeadamente o pagamento das rendas contratualmente estabelecidas, o que faz desde 2015 até hoje.
Desde logo, desde 2015 que é a Embargante quem liquida os valores mensais devidos a título de renda, em cumprimento daquele contrato; o que faz presencialmente, em balcão de estabelecimento comercial da Embargada, onde se identifica como locatária daquele contrato, apresentando-se como Fine Facility Services Lda.; e, onde deposita mensalmente cheque bancário emitido por si, outorgado por si, para liquidação da renda do bem locado que se encontra em seu gozo desde a cessão ocorrida.
A que acresce, que, tendo o contrato de locação financeira estipulado como financiamento o montante global de 228.103,60 € e permanecendo apenas em dívida, para o cumprimento integral do contrato de locação financeira e consequente transmissão do locado, o montante de cerca de 30.000,00 €uros, segundo o embargante, ou de 49.501,62 segundo a embargada locadora, ao ser desconsiderada a posição contratual da Embargante enquanto locatária, existe por parte da Embargada Caixa Leasing e Factoring um enriquecimento sem causa quanto ao valor recebido em cumprimento daquele contrato, correspondente à diferença entre o montante de financiamento e ao atualmente em dívida, pelo que o embargos serão totalmente procedentes”.
Ora, atentos os factos apurados, tal como resultaram da decisão sobre a impugnação de facto, não poderá subsistir a decisão recorrida, dado a mesma não ter respaldo na factualidade apurada.
Vejamos:
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CPC, “se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Conforme refere Rui Darlindo (“Embargos de terceiro (em particular, legitimidade subjectiva e objectiva)” in, Revista Jurídica, n.º 14, 2011, Instituto Jurídico Portucalense, p. 274, disponível em: http://repositorio.uportu.pt:8080/bitstream/11328/1407/1/20_RUI-DARLINDO.pdf) os embargos de terceiro traduzem-se num “meio de reacção contra a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens (como o arresto, o arrolamento e o mandado de despejo), fundamentando-se na ofensa da posse ou de qualquer direito de terceiro que é total ou parcialmente incompatível com esses actos, visando impugnar a legalidade dos mesmos com fundamento nessa ofensa”.
Os embargos de terceiro visam tutelar a defesa da posse, mas também, qualquer direito incompatível com a penhora ou outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, relativamente a quem não seja parte na causa a que os embargos de terceiro devam ser apensados.
No caso dos autos, apurou-se, nomeadamente, que resolvido o contrato de locação financeira, a insolvente locatária, ora segunda embargada, não procedeu à restituição do imóvel objeto da locação operada, motivo pelo qual, a primeira embargada instaurou providência cautelar para entrega judicial do imóvel, nos termos do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho, providência que foi julgada procedente e decretada a imediata entrega dos imóveis à primeira embargada.
Essa entrega foi tentada concretizar em 08-07-2020 e, depois, em 14-07-2020, tendo-se a embargante aprestado a deduzir embargos em 10-07-2020 para impedir a concretização de tal ato judicialmente ordenado.
Dos autos resulta que entre as embargadas foi celebrado um contrato de locação financeira imobiliária, respeitante ao objeto nele descrito.
O artigo 1.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de junho, contém uma definição legal do contrato em questão: “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.”
Têm sido adotadas várias posições doutrinárias quanto à natureza jurídica deste contrato.
A nosso ver trata-se de um contrato misto, contendo prestações típicas da locação e da compra e venda, mas com um regime jurídico próprio decorrente da indicada legislação específica.
Em termos de regime jurídico, os sujeitos da locação financeira são apenas dois: a entidade locadora e o locatário utilizador do bem.
Por outro lado, e tal como decorre do disposto nos artigos 1.º, 7.º e 10.º, n.º 1, alínea k), do D.L. n.º 149/95, de 24 de junho, a locadora mantém, em princípio, a propriedade dos bens locados, uma vez que, só no final do contrato de locação, e caso o locatário manifeste essa vontade, é que lhe será transmitida a propriedade do bem locado – tratando-se, assim, de um direito potestativo de aquisição futura.
Em sede de resolução do contrato, os art.º 17.º e 18.º do mesmo D.L. n.º 149/95, de 24 de junho, determinam que o contrato pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte e, ainda, com fundamento na dissolução ou liquidação da sociedade locatária e/ou verificação de qualquer dos fundamentos de declaração de falência do locatário.
Assim, em caso de incumprimento definitivo pelo locatário financeiro, o locador pode resolver o contrato, reavendo o bem locado e exigindo o pagamento das rendas vencidas e não pagas (cf. art.º 434.º e 801.º, n.º 2, do Código Civil).
O referido D.L. n.º 149/95, de 24 de junho introduziu na nossa ordem jurídica uma providência cautelar destinada a tutelar os interesses do locador financeiro, consistente na possibilidade de, em caso de cessação do contrato, por resolução ou decurso do prazo potestativo de aquisição, o mesmo poder requerer a entrega imediata do bem locado e cancelamento do respetivo registo, quando existir (art.º 21.º).
Encontra-se em situação de insolvência aquele que se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações.
Em tese geral, a declaração de insolvência da sociedade locatária não prejudica ou altera, por qualquer forma, a adequação processual da providência cautelar prevista no indicado art.º 21.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de junho ou a legitimidade das respetivas partes primitivas.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-02-2015 (in Coletânea de Jurisprudência Ano XL, Tomo I, p.246, relatado por MÁRIO SERRANO), "o conceito básico de insolvência é traduzido pela impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das suas obrigações, correspondendo os factos-índice ou presuntivos da insolvência a situações cuja ocorrência objectiva pode, nos termos da lei, fundamentar o pedido e que se prendem com a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações."
E, de harmonia com o referenciado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2017 (Pº 1374/15.4T8STS.P1, rel. LINA BAPTISTA): “O mecanismo de insolvência judicial tem por propósito o de se obter a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores do insolvente, através da repartição dos seus bens ou da aprovação de um plano de insolvência.
A insolvente, apesar de entrar em processo de dissolução, mantém a sua personalidade jurídica e judiciária até ao seu encerramento, tal como decorre do disposto nos art.º 146.º, n.º 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais, do art.º 11.º do C.P.Civil e do art.º 234.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
Ora, integra a massa insolvente “todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (cf. art.º 46.º, 36.º, n.º1, alínea g), e 149.º, todos do CIRE).
Assim, os bens que integram a massa insolvente (cfr. artigo 46.º, n.º 1, do CIRE) são, desde logo, os bens do devedor.
O bem imóvel objeto da presente providência, uma vez que não integra o conjunto de bens pertencentes ao insolvente, não poderá ser apreendido a favor da massa insolvente, pois, ao invés, trata-se de bem pertencente à sociedade locadora.
Conforme refere Luís M. Martins (Processo de Insolvência, 2016, 4ª Edição, Almedina, p. 297): “Quanto ao património do devedor não incluído na massa insolvente, o devedor pode deles dispor e administrar com total liberdade (sem prejuízo do regime estatuído no n.º 8 e de eventuais ações judiciais levada a cabo pelos credores).”
A respeito dos “negócios em curso” o CIRE limita-se a prescrever, no artigo 102.º, n.º 1, que: “Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.”
Dispõe ainda o artigo 108.º do CIRE o seguinte:
“Artigo 108.º Locação em que o locatário é o insolvente
1 - A declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, mas o administrador da insolvência pode sempre denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior.
2 - Exceptua-se do número anterior o caso de o locado se destinar à habitação do insolvente, caso em que o administrador da insolvência poderá apenas declarar que o direito ao pagamento de rendas vencidas depois de transcorridos 60 dias sobre tal declaração não será exercível no processo de insolvência, ficando o senhorio, nessa hipótese, constituído no direito de exigir, como crédito sobre a insolvência, indemnização dos prejuízos sofridos em caso de despejo por falta de pagamentos de alguma ou algumas das referidas rendas, até ao montante das correspondentes a um trimestre.
3 - A denúncia do contrato pelo administrador da insolvência facultada pelo n.º 1 obriga ao pagamento, como crédito sobre a insolvência, das retribuições correspondentes ao período intercedente entre a data de produção dos seus efeitos e a do fim do prazo contratual estipulado, ou a data para a qual de outro modo teria sido possível a denúncia pelo insolvente, deduzidas dos custos inerentes à prestação do locador por esse período, bem como dos ganhos obtidos através de uma aplicação alternativa do locado, desde que imputáveis à antecipação do fim do contrato, com actualização de todas as quantias, nos termos do n.º 2 do artigo 91.º, para a data de produção dos efeitos da denúncia.
4 - O locador não pode requerer a resolução do contrato após a declaração de insolvência do locatário com algum dos seguintes fundamentos:
a) Falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência;
b) Deterioração da situação financeira do locatário.
5 - Não tendo a coisa locada sido ainda entregue ao locatário à data da declaração de insolvência deste, tanto o administrador da insolvência como o locador podem resolver o contrato, sendo lícito a qualquer deles fixar ao outro um prazo razoável para o efeito, findo o qual cessa o direito de resolução”.
Explicando a articulação entre os artigos 102.º e 108.º do CIRE refere Maria do Rosário Epifânio (Manual de Direito da Insolvência; 7.ª Ed., Almedina, 2019, p. 223) que “[p]or força do art. 108.º, n.º 1, a declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário. Contrariamente ao princípio geral do art. 102.º, n.º 1, em que o contrato fica suspenso até que o administrador da insolvência decida o seu destino, nos contratos de locação tal não é possível. De facto, uma vez que o locatário continua a usufruir do gozo do bem, deverá continuar a pagar a respetiva renda ou aluguer, como crédito sobre a massa (art. 51.º, n.º 1, als. e) e f))” (cfr., ainda sobre o tema, entre outros, José de Oliveira Ascensão; “Insolvência: Efeitos sobre os Negócios em Curso”, in THEMIS, Revista da FDUNL, 2005, Edição Especial, “Novo Direito da Insolvência”, pp. 113-114).
E refere a mesma Autora (ob. cit., pp. 224-225) que “[n]ão parece (…) excluída a possibilidade de resolução do contrato, com fundamento na falta de pagamento das rendas referentes ao período posterior à data da declaração de insolvência”.
Contudo, no que respeita ao contrato de locação financeira e sua execução, a jurisprudência tem-se pronunciado em sentido algo diverso.
Assim, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2015 (Pº 1393/12.2TBFLG-A.P1, rel. JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA) concluiu-se que “o regime insolvencial do contrato de locação financeira é o previsto nos artigos 102 e 104 do CIRE e não no artigo 108 deste mesmo diploma”.
E explica-se na fundamentação do aresto a interpretação seguida:
“Nos termos do artigo 102, n.º 1 do CIRE, mas sem prejuízo dos artigos que se lhe seguem, “em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.” Um dos preceitos que concretiza esta disciplina geral (…) é justamente o artigo 104(…). Este artigo estabelece no seu n.º 1 que “No contrato de compra e venda com reserva de propriedade em que o vendedor seja o insolvente, a outra parte poderá exigir o cumprimento do contrato...”, esclarecendo no n.º 2 que essa previsão se aplica “em caso de insolvência do locador, ao contrato de locação financeira (…)...” e, no n.º 3, com especial relevo para a situação que aqui apreciamos, dispõe: “Sendo o comprador ou locatário o insolvente, e encontrando-se ele na posse da coisa, o prazo fixado para o administrador da insolvência, nos termos do n.º 2 do artigo 102º, não pode esgotar-se antes de decorridos cinco dias sobre a data da assembleia de apreciação do relatório, salvo se o bem for passível de desvalorização considerável durante esse período e a outra parte advertir expressamente o administrador da insolvência dessa circunstância.”
Como decorre da leitura conjugada dos preceitos, e a doutrina assinala, “se o insolvente for o futuro adquirente e a coisa estiver em seu poder, o alienante pode fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este decidir se opta pelo cumprimento ou pelo não cumprimento” (…) e “onde o art. 102.º, n.º 1, se aplique, o cumprimento do contrato fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou pela recusa do cumprimento.”(…) O preceito em análise “determina a aplicação plena do direito de escolha do administrador de insolvência, nos termos do artigo 102º”(…) e, com efeito, o regime estabelecido no seu n.º 3 apenas se desvia no que respeita à “notificação cominatória prevista no n.º 2 do artº 102º, quanto ao terminus ad quem do prazo estabelecido pela outra parte.” (…).
Podemos dizer, em suma, com manifesto reflexo no caso presente, (…) que, nos casos em que é insolvente o comprador ou o locatário e se “o comprador/locatário insolvente estiver na posse da coisa, o n.º 3 [do citado artigo 104 do CIRE] fixa prazos especiais de persistência da suspensão”(…)”.
Ora, resultando dos autos que declarada a insolvência da segunda embargada, em 18-04-2018, em 13-02-2020, a Administradora de Insolvência da mesma, interpelada para o efeito, veio optar pelo não cumprimento do contrato de locação financeira, o que veio a motivar que a segunda embargada promovesse a resolução contratual.
E, conforme se lê na decisão recorrida, sendo “(…) da essência da locação financeira o gozo temporário e oneroso de uma coisa pelo locatário, com eventual possibilidade de este comprar ao locador nos moldes contratualmente acordados (…), o locatário é titular de um direito de gozo, não possuindo a posse, mas mera detenção (possuidor em nome alheio) Fernando Gravato de Morais, Manual de Locação Financeira, mas que a lei protege para efeitos de dedução de embargos, mas que seriam improcedentes perante a invocação de exceptio domiini, que, aliás foi invocada pelo embargado locador”.
Ou seja: “Sendo o locador o dono do bem locado, e até ao fim do prazo acordado ( cfr. n.º 2, alínea e) do artigo 10º do DL 149/95 ), obrigado está ele a assegurar e a entregar a coisa cuja posse exerce através do locatário ( cfr. artº 1031º, do CC ( ex vi do artº 9º DL 149/95), interessando a este último, na pendência do contrato, a posse material do bem locado que afecta ao destino da sua locação, isto por um lado e, por outro, interessando por sua vez e ao locador a propriedade da coisa locada (…). Concomitantemente, percebe-se portanto que licito é ao locatário financeiro, ainda que verdadeiramente um não possuidor, lançar mão das acções possessórias, mesmo contra o locador. (…) Mas, pretendendo um terceiro servir-se de embargos de terceiro para fazer valer a posse material do bem locado, carece ele de alegar e provar que detém relativamente ao referido bem uma ligação decorrente de um contrato que, v.g. na sequência da cessão de posição contratual eficaz perante o locador, lhe permite usar e fruir dele, podendo inclusive usar contra o locador dos meios facultados ao possuidor nos artºs 1276º e seg.s do CC. (…) Não logrando o referido terceiro efectuar tal prova, prima facie não podia ele deduzir embargos de terceiro a título preventivo e com vista a afastar a concretização de um acto judicialmente ordenado, mas, tendo-o feito, têm eles necessariamente de improceder” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-01-2012, Pº 1741/10.0TBCLD-A.L1-1, rel. ANTÓNIO SANTOS).
O artigo 11.º do D.L. n.º 149/95,de 24 de junho regula sobre a transmissão das posições jurídicas do contrato de locação financeira dispondo o seguinte:
“1 - Tratando-se de bens de equipamento, é permitida a transmissão entre vivos, da posição do locatário, nas condições previstas pelo artigo 115.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, e a transmissão por morte, a título de sucessão legal ou testamentária, quando o sucessor prossiga a actividade profissional do falecido.
2 - Não se tratando de bens de equipamento, a posição do locatário pode ser transmitida nos termos previstos para a locação.
3 - Em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, o locador pode opor-se à transmissão da posição contratual, provando não oferecer o cessionário garantias bastantes à execução do contrato.
4 - O contrato de locação financeira subsiste para todos os efeitos nas transmissões da posição contratual do locador, ocupando o adquirente a mesma posição jurídica do seu antecessor.”.
Conforme refere Fernando de Gravato Morais (Manual da Locação Financeira; Almedina, 2006, p. 98), “[p]ode enunciar-se quanto à transferência inter vivos da situação jurídica do locatário a seguinte regra: essa transmissão ocorre de acordo com as normas vigentes em sede de mera locação (art. 11.º, n.º 2 DL 149/95).
Esta cessão, como expressa o art. 1059.º, nº 2 CC, “está sujeita ao regime geral dos artigos 424.º e seguintes”.
Destes preceitos emerge que tal transferência necessita sempre do consentimento do locador financeiro, não sendo portanto a cedência da posição contratual do locatário forçada ou imperativa em relação àquele.
O princípio enunciado encontra-se em consonância com as disposições do regime jurídico da locação financeira (…).
Se o locatário transferir a sua posição jurídica sem a respectiva aquiescência do locador, estamos perante uma situação de incumprimento do contrato de locação financeira que pode acarretar a sua resolução por parte do locador (art. 17.º DL 149/95 e arts. 432.º ss. CC)”.
Como resulta dos autos, a embargante (terceiro relativamente ao contrato de locação financeira) veio alegar que ocorreu uma cessão da posição contratual do primitivo locatário (a segunda embargada) para si, cessão que o locador (a ora recorrente e primeira embargada) teria invocadamente reconhecido.
Ora, sucede que, conforme resultou da decisão tomada em sede de apreciação da impugnação sobre a matéria de facto, não se validou o juízo tomado pelo Tribunal recorrido no sentido de que tal cessão da posição contratual teve lugar e, designadamente, com data de 31-03-2015, elementos que caberia à embargante demonstrar, o que não fez (cfr. facto não provado constante da alínea d) ).
Tanto basta para a improcedência da pretensão deduzida pela embargante e, consequentemente, para a revogação do decidido.
De todo o modo, mesmo que, porventura, se concluísse que o negócio de cessão da posição contratual teve existência, como alegado pela embargante, certo é que o mesmo, para produzir efeitos relativamente à segunda embargada, teria de ser por esta consentido, consentimento que não resultou, de qualquer modo, comprovado.
Sobre este ponto, importa ter presente o regime que resulta do artigo 424.º do CC, preceito onde se dispõe o seguinte:
“1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
2. Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.”.
A cessão da posição contratual, também designada cessão do contrato ou cessão de contrato (cfr. Galvão Telles; “Cessão do contrato”, in Revista da Fac. de Dir. de Lisboa, vol. VI, p. 148 ss.) consiste na faculdade concedida a qualquer dos contraentes (cedente), em contratos com prestações recíprocas, de transmitir a sua inteira posição contratual, isto é, o complexo unitário constituído pelos créditos e dívidas que para ele resultarem do contrato, a um terceiro (cessionário), desde que o outro contraente (cedido) consinta na transmissão.
Tal como salienta Almeida Costa (Direito das Obrigações; 5.ª ed., Almedina, 1991, p. 696) reconduzem-se a dois os requisitos fundamentais deste negócio:
“1) Em primeiro lugar, exige-se que se trate de um contrato bilateral, quer dizer, de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes (…).
2) Em segundo lugar, constitui ainda requisito legal o consentimento do outro contraente. Este pode ser dado antes ou depois da cessão (…)”.
De facto, conforme explica Gonçalo Andrade e Castro (anotação ao artigo 424.º do CC, no Comentário ao Código Civil; Direito das Obrigações – Das obrigações em geral; Universidade Católica Editora; 2018, p. 115): “A cessão implica a substituição do cedente pelo cessionário, pelo que o primeiro deixa de poder exercer os direitos e fica também exonerado das obrigações e outros deveres que do contrato resultem (embora possa, ao abrigo da liberdade contratual, estipular-se a subsistência de direitos ou obrigações do cedente). A transmissão tem efeitos ex nunc, dado que tem por objeto a relação contratual no estado em que se encontra à data da cessão, pelo que não abrange, nomeadamente, direitos já constituídos e obrigações já vencidas quanto ela tem lugar (…).
O fato de a cessão implicar também a transmissão de débitos e outras posições jurídicas passivas explica que a lei exija sempre o consentimento do contraente cedido, podendo esse consentimento ser prestado no próprio contrato de cessão, no qual aquele também intervenha, ou ser anterior ou posterior a esse ato (e podendo ser feito por via contratual ou através de declaração unilateral). Quando o consentimento seja anterior, a cessão deverá ser comunicada ao cedido. O consentimento pode ser expresso ou tácito, podendo resultar, por exemplo, da aceitação de pagamentos feitos pelo cessionário (…), mas já não pode resultar do mero silêncio do contraente cedido, salvo se a lei, uso ou convenção lhe reconhecerem esse valor (…).”.
E refere o mesmo Autor (ob. cit., p. 116) que, “a falta de consentimento do contraente cedido implica a absoluta ineficácia da cessão enquanto instrumento de transmissão da posição contratual complexa – parecendo não dever aceitar-se, em linha de princípio, a conversão da cessão não autorizada noutro negócio não exoneratório do cedente”.
Assim, “para que a cessão da posição contratual (artigo 424 n.1 do Código Civil) produza efeitos em relação ao outro contraente (cedido), é necessário que este consinta na transmissão, antes ou depois dela. O consentimento referido (…) pode ser tácito (artigo 217 n.1 do Código Civil), podendo relevar-se através de conduta concludente do contraente cedido. Enquanto não for dado o consentimento referido (…), a cessão é ineficaz em relação ao cedido, incumbindo a quem invoca a cessão da posição contratual o ónus de alegação e prova daquele consentimento (artigo 342 n.1 do Código Civil)” (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2002, Pº 0221146, rel. LEMOS JORGE).
Conforme se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-03-2012 (Pº 1241/05.0TBBNV.L1-2, rel. JORGE LEAL), “o contrato de cessão de posição contratual é o negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou signalamático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram do contrato, dessa forma se operando a substituição de um dos titulares da relação contratual básica, saindo o cedente, entrando para o seu lugar o cessionário e mantendo-se o contraente cedido. Para que tal modificação subjetiva do contrato se consume é necessário o consentimento do outro contraente, o qual pode exprimir-se tácita ou expressamente, sendo certo que o silêncio do cedido perante a comunicação da cessão não vale como consentimento, a não ser que no caso concreto a lei, uso ou convenção lhe atribua o valor de declaração negocial”.
A respeito deste consentimento, refere Vaz Serra (“Cessão da Posição Contratual”, in BMJ 49º, p. 12, nota 15) que, na falta de notificação do cedente ao cedido, o reconhecimento (“aceitação”) deste último só relevará, para que a cessão produza efeitos em relação a ele, no caso de se revestir de um significado tão amplo que “equivalha para esse efeito à notificação”. Assim acontecerá quando o contraente cedido passa a cumprir as suas obrigações contratuais para com o cessionário-- por outras palavras, reconheça, na pessoa do cessionário, a sua contraparte.
Da mesma forma, escreve Luís Teles de Menezes Leitão (Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 2002, p. 79), que “a cessão da posição contratual não é, porém, admissível sem o consentimento do outro contraente, prestado antes ou depois da celebração do contrato, resultando assim do efeito conjugado das declarações negociais do cedente, cessionário, e da outra parte no contrato transmitido. Conforme refere LARENZ --, Schuldrecht, § 35 III, p. 618-- todos eles vêem a sua situação jurídica afectada pela cessão da posição contratual pelo que todos terão que consentir na transmissão. Em relação às primitivas partes no contrato, a cessão resulta de um negócio de disposição sobre a relação obrigacional complexa, enquanto em relação ao cessionário ela resulta de um negócio obrigacional. Normalmente o negócio de cessão da posição contratual é celebrado primeiro entre cedente e cessionário, ficando depois a sua eficácia dependente da aceitação do outro contraente, mas este pode igualmente dar previamente o seu consentimento a toda e qualquer cessão da posição contratual. Neste último caso, o contrato entre cedente e cessionário não produzirá efeitos logo que celebrado, mas apenas com a notificação ou reconhecimento da transmissão da posição contratual pelo outra parte no contrato (art. 424.°, n.° 2)”.
De todo o modo, dispõe o artigo 425.º do CC que: “A forma da transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão”.
Compreende-se esta solução legal, na medida em que a cessão da posição contratual não constitui, em si mesma, um tipo contratual, mas assenta num negócio jurídico que lhe serve de base ou causa - podendo ter diferentes causas ou ser efeito de negócios típicos distintos, podendo revestir tantas modalidades causais, quantas as modalidades de negócios de alienação existentes – negócio causal, segundo o qual se observarão os requisitos formais da cessão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes.
Assim, a cessão deverá observar a forma imposta por lei para o negócio subjacente, do qual resulta a posição cedida (cfr. neste sentido, Vaz Serra; “Anotação ao Acórdão do STJ de 5 de Novembro de 1974”, in RLJ, ano 108.º, pp. 346-347; e Gonçalo Andrade e Castro; Comentário ao Código Civil; Universidade Católica Editora, 2018, p. 118).
Ora, sobre a forma dos contratos de locação financeira rege, desde logo, o artigo 3.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de junho, dispondo o seguinte:
“1 - Os contratos de locação financeira podem ser celebrados por documento particular.
2 - No caso de bens imóveis, as assinaturas das partes devem ser presencialmente reconhecidas, salvo se efectuadas na presença de funcionário dos serviços do registo, aquando da apresentação do pedido de registo.
3 - Nos casos referidos no número anterior, a existência de licença de utilização ou de construção do imóvel deve ser certificada pela entidade que efectua o reconhecimento ou verificada pelo funcionário dos serviços do registo.
4 - A assinatura das partes nos contratos de locação financeira de bens móveis sujeitos a registo deve conter a indicação, feita pelo respectivo signatário, do número, data e entidade emitente do bilhete de identidade ou documento equivalente emitido pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou do passaporte.
5 - A locação financeira de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo fica sujeita a inscrição no serviço de registo competente”.
Ora, no caso dos autos, o documento junto pela embargante para titular a cessão não contém reconhecimento presencial das assinaturas dos ali dados como intervenientes que, de acordo com o que se lê de tal documento, inclusivamente, declararam prescindir de uma tal formalidade.
Este aspeto, porque em contravenção à prescrição normativa e ao que resulta do disposto no artigo 425.º do CPC levaria, caso se comprovasse a cessão, a concluir pela nulidade do negócio correspondente (cfr., nesta linha, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-11-1999, Pº 9950958, rel. ANTÓNIO GONÇALVES).
Mas, para além desta previsão normativa, importa atentar naquilo que consta, em termos de sujeição a forma convencional, no contrato de locação financeira constante dos autos, aspeto que não poderia ser olvidado por quem se aprestasse a pretender celebrar um negócio de cessão da posição contratual, tendo por objeto a posição de locatária de tal contrato.
De facto, a cláusula 7.ª das condições gerais deste contrato tem o seguinte teor:
“7ª – Cessão de Posição Contratual e Sublocação
1. O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiros, sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado (…)”.
Ora, não resulta de qualquer elemento dos autos que a ora recorrente tenha autorizado, por escrito e em momento anterior à de ocorrência da invocada cessão (31-03-2015), alguma transmissão, aspeto que, por si só determinaria a ineficácia de tal negócio, caso o mesmo se tivesse apurado.
Mas, para além disso, não se comprovou qualquer reconhecimento por parte da embargada contestante, sobre a embargante, que a pudesse configurar como locatária da locação financeira dos autos e de onde pudesse derivar a eficácia de tal invocada cessão.
Não se conclui, pois, ao contrário do juízo formulado na decisão recorrida, no sentido de que o ato de entrega judicialmente determinado se possa considerar, de qualquer modo, ofensivo dos direitos da embargante, pela simples razão de que não logrou esta demonstrar ser titular de uma posição subjetiva que lhe permita opor à locadora e ora recorrente algum motivo que obste à efetivação da entrega do imóvel que foi objeto da locação financeira dos autos.
De facto, não pode encontrar-se algum fundamento de oposição por embargos na comprovação dos depósitos e transferências apurados, os quais, no contexto da contratação de locação financeira em questão não podem basear qualquer pretensão juridicamente relevante, designadamente, no sentido de ter ocorrido um tácito consentimento relativamente a uma cessão, pois, desde logo, seria necessário que, para uma cessão da posição contratual fosse eficaz relativamente à segunda embargada, a celebração da mesma – ou seja, antes de a cessão ter ocorrido - fosse consentida por escrito por esta, elemento de que os autos não dão qualquer conta.
Não se sufraga, pois, o entendimento do Tribunal recorrido no sentido de que a embargante podia “confiar que, enquanto cessionária cabia a si a posição de locatária”, dado que, como se viu, não tendo a cessão da posição contratual que invocou produzido quaisquer efeitos relativamente à segunda embargada, não poderia a embargante pretender obter tal tutela jurídica.
Conforme concretiza Manuel Carneiro da Frada (Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil; Almedina, 2007, pp. 448-449), “na concretização dos ditames de um comportamento de boa fé importa obviamente ponderar a normalidade social das condutas e os “papéis” sociais desempenhados pelos contraentes, as representações recíprocas a esse respeito, os usos comerciais, valorações de justiça objectiva (tanto as ligadas às especificidades da relação concreta, como as próprias do género de relação em que aquela se integra, enquanto suas naturalia), critérios de distribuição dos riscos da relação (…). Na extensa panóplia de tópicos utilizáveis avultam, naturalmente, as expectativas informalmente engendradas no contexto da relação contratual concreta, não devendo esquecer-se a ordem de solidariedade mínima que informa o âmbito da relação obrigacional e que restringe a possibilidade de comportamento puramente egoísticos”.
Ora, não se alcança dos factos apurados qualquer actuação da embargada contestante em desconformidade com estes ditames de conduta conforme à boa fé, nem alguma confiança em que a embargante devesse ter investido sobre a conduta da contraparte, não se tendo demonstrado, pois, qualquer abuso de direito por parte da embargada contestante, nem por derivação sequer da conduta levada a efeito pela Administradora de Insolvência, sendo, neste particular conspecto, inteiramente de acolher as considerações expendidas nas alegações da recorrente (cfr. artigos 226.º a 248.º), para as quais, por economia, se remete.
Finalmente, não se alcança também que a situação apurada nos autos convoque, de algum modo, o instituto jurídico do enriquecimento sem causa.
Com efeito, o enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, a saber:
a) “o enriquecimento de alguém” por aumento do activo ou diminuição do passivo (isto é, deve ocorrer uma melhoria da situação patrimonial da pessoa obrigada à restituição, a qual, “tanto pode derivar da aquisição de um novo direito como do acréscimo do valor de um direito que já lhe pertencia: a propriedade de um objecto, a titularidade de um crédito, a mais-valia trazida a um prédio por trabalhos nele efectuados, etc. Pode também o enriquecimento ser realizado, não através de um aumento do activo patrimonial, mas por uma diminuição do passivo (...) ou mesmo evitando-se uma despesa (...)” (assim, Almeida Costa; Direito das Obrigações; 5ª ed., p. 393). Na realidade, “o enriquecimento tanto pode consistir no aumento do património pela prestação de uma coisa como no evitar que desse património saia qualquer parcela, o que matematicamente se equivale” (assim, L.P. Moitinho de Almeida; Enriquecimento sem Causa; Almedina, Coimbra, 1996, p. 47);
b) “sem causa justificativa”, isto é, sem existir uma relação ou um facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento (“a inexistência de causa…pressupõe ter havido um enriquecimento injusto do réu, enriquecimento esse que, se não fosse injusto, não seria sem causa” - assim, L.P. Moitinho de Almeida; Enriquecimento sem Causa; Almedina, Coimbra, 1996, p. 63 ou, como referem Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil, anotado, vol. I, p. 320, “a falta de justa causa traduz-se na inexistência de uma relação onde um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento”); e
c) “à custa de quem requer a restituição, de modo que aquele enriquecimento esteja correlacionado com o empobrecimento” (neste sentido e entre outros, vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª ed., pp. 454 e ss.; Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7ª ed., pp. 467 e ss.; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6ª edição, pp. 182 e ss.; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., pp. 392 e ss.; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, in C.J.S.T.J., 1996, t. II, p. 70). A causalidade consiste numa relação directa entre o património empobrecido e o património enriquecido.
Mas, “o artº 473º, nº 1, do C. Civ. contém uma cláusula geral cuja amplitude conduziria, na base da sua utilização indiscriminada, ao efeito perverso de colocar em causa a aplicação de uma série de outras regras de direito positivo, facultando a interposição de uma acção exigindo a restituição do enriquecimento sempre que se reunissem os pressupostos directamente previstos na norma em causa: a) existência de um enriquecimento; b) obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) ausência de causa justificativa para o enriquecimento. Como primeiro elemento de “contenção” da amplitude da cláusula geral, encontramos a chamada regra da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, constante do artº 474º do CC, que afasta a “restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2010, Pº 64/03.5TBTBU.C1, rel. TELES PEREIRA).
Mas, por outro lado, “sendo a acção baseada no artº 473º, nº 1, do Código Civil (enriquecimento sem causa) cabe aos autores o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu direito, pese embora a sua carga negativa. Assim sendo, cabe-lhes provar que não havia causa justificativa para o recebimento de determinado quantitativo, isto, evidentemente, para além de lhes caber provar o enriquecimento da ré decorrente do mesmo recebimento” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-07-1993, in B.M.J. 429.º, p. 906).
Ora, no caso dos autos, ao invés do que invocou a recorrida (cfr., conclusões 27 a 29 da contra-alegação de recurso) não se alcança, por qualquer modo, dos factos apurados alguma situação de enriquecimento por parte de qualquer das embargadas, na ocorrência das deslocações patrimoniais levadas a efeito, o que, por si só, faz decair qualquer aplicação ao caso concreto do instituto do enriquecimento sem causa.
Pode sintetizar-se o referido, nas principais proposições, como segue:
- A cessão da posição contratual, para produzir efeitos relativamente ao cedido, terá que ser por esta consentida, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 424.º do CC, consentimento que pode ser dado antes (caso em que a cessão deverá ser comunicada ao cedido) ou depois da cessão;
- O consentimento pode ser expresso ou tácito (cfr. artigo 217.º, n.º 1, do CC), podendo relevar-se através de conduta concludente do contraente cedido, mas não pode resultar do mero silêncio deste, salvo se a lei, uso ou convenção lhe reconhecerem esse valor;
- Enquanto não for dado o consentimento, a cessão é ineficaz em relação ao cedido, incumbindo a quem invoca a cessão da posição contratual o ónus de alegação e prova daquele consentimento (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil);
- A cessão da posição contratual deverá, de harmonia com o disposto no artigo 425.º do CC, observar a forma imposta por lei para o negócio subjacente, do qual resulta a posição cedida;
- Dispondo o artigo 3.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de junho que os contratos de locação financeira podem ser celebrados por documento particular, mas que, no caso de bens imóveis, as assinaturas das partes devem ser presencialmente reconhecidas, salvo se efetuadas na presença de funcionário dos serviços do registo, aquando da apresentação do pedido de registo, a cessão da posição em tais contratos tem de observar tal forma. Tal não sucede se o cedente e o cessionário declaram prescindir do reconhecimento presencial de assinaturas;
- Prevendo a cláusula 7.ª das condições gerais do contrato de locação financeira que “o Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiros, sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado (…)”, para que a cessão da posição contratual validamente ocorra terá de ser dado o prévio consentimento escrito do locador à transmissão; e
- Neste contexto, a receção de valores relativos ao contrato de locação financeira pelo cedido, não poderá representar um tácito consentimento ou o reconhecimento da embargante como locatária.
*
A apelação deduzida deverá, em conformidade com o exposto, proceder, conduzindo à revogação da decisão recorrida e sua substituição por decisão que julgue os embargos de terceiro, deduzidos pela embargante, totalmente improcedentes.
*
De acordo com o estatuído no n.º 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre a embargante/apelada, que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
I) Rejeitar a impugnação da matéria de facto, respeitante aos aditamentos à matéria de facto visados nos artigos 185.º, 198.º e 199.º das alegações da recorrente, por inobservância do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC;
II) Retificar a redação do facto provado n.º 15, para a seguinte: “15.º Até ao momento a insolvente não procedeu à restituição do imóvel, pelo que veio a primeira embargada requerer ao tribunal a entrega imediata do mesmo à requerente nos termos do art. 21º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho, a qual foi julgada procedente e decretada a imediata entrega dos imóveis à primeira embargada”;
III) Alterar a redação do facto 27.º dos factos provados, para a seguinte: “27.º Sendo que, a efectivação da entrega das fracções, determinará a paralisação da atividade da embargante nas instalações correspondentes”;
IV) Eliminar do rol dos factos provados, os factos 20, 28, 29, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 39, 42, 46 e 48;
V) Alterar a redação do facto provado em 30.º, para a seguinte: “30.º A embargante remeteu à embargada, como detalhado no facto 36, em 2019 e 2020, emails acompanhados de comprovativos de depósitos destinados a pagar quantias do contrato de locação financeira”;
VI) A alteração da redação do ponto 36 dos factos provados, para a seguinte: “36.º A embargante remeteu por email à embargada Caixa Leasing e Factoring, em 10-10-2019, 15-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 11-03-2020, 13-04-2020, 12-05-2020, 09-10-2020 e 11-11-2020, respetivamente, os comprovativos de depósito, efetuados em 10-10-2019, 11-11-2019, 10-01-2020, 10-02-2020, 12-03-2020, 13-04-2020, 11-05-2020, 09-10-2020 e 09-11-2020, respetivamente, ali se mencionando que respeitavam ao contrato de locação financeira n.º 337787”;
VII) A alteração da redação do ponto 47.º dos factos provados, para a seguinte: “47º Em decorrência da tomada de posição por parte da massa insolvente, a Embargada Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. considerou resolvido o contrato de locação financeira”.
VIII) Incluir nos factos não provados as seguintes alíneas:
“a) Que, para além do referido em 27, a efectivação da entrega das fracções determinará a paralisação, absoluta, de toda a actividade, com a consequente extinção de postos de trabalho e mesmo, seriamente, a “sobrevivência” da Embargante”;
“b) O que é do conhecimento das Embargadas, como, designadamente, resulta do documento 2, junto e cujo teor se dá por reproduzido”;
“c) Que, para além do provado em 30, há mais de cinco anos, a Embargante paga à Embargada Caixa Leasing as rendas do contrato de Leasing celebrado”;
“d) Em 31 de Março de 2015, a Embargada JC – Gestão Global de Negócios, S.A. celebrou com a sociedade Fine Facility Services Lda., aqui Embargante, Contrato de Cessão de Posição Contratual em Contrato de Locação Financeira, onde a Requerida cedeu a sua posição contratual no contrato de locação financeira supra identificado à aqui Requerente, com efeitos imediatos – contrato junto sob documento n.º 5”;
“e) Por conseguinte, passou a competir à aqui Embargante, enquanto cessionária, o pagamento das rendas vencidas e vincendas do contrato de locação supra identificado, o que fez e faz desde 2015 – conforme documento junto sob n.º 5”;
“f) Estando o imóvel, desde essa data – 2015 -, no gozo da Embargante que, providência e assegura a sua conservação e prudente utilização”;
“g) Pese embora a dita cessão não tenha sido formalmente comunicada e aceite pela Locadora aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring”; e
“h) Incumprindo com tal declaração o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação financeira”.
“i) Que, com exceção do referido em 36 dos factos provados, desde a data de 31-03-2015, a aqui Embargante procede ao pagamento das rendas – mediante depósito de cheque bancário passado em seu nome e efetuado presencialmente por seu representante em balcão do estabelecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring - o que naturalmente demonstra, como não podia deixar de ser, o conhecimento da Locadora – conforme deriva dos documentos juntos sob n.º 6.”;
“j) Como também é do conhecimento desta que durante os processos especiais de revitalização que foram apresentados pela Cedente, a massa insolvente JC, após a insolvência declarada, durante o período de tempo que mediou a apresentação de um plano na insolvência e mesmo após a recusa deste plano que ocorreu no pretérito dia 25/11/2019, sempre as rendas devidas pelo cumprimento daquele contrato foram sendo pagas pela aqui Embargante – conforme resulta do documento n.º 7 junto”;
“k) Tendo sempre a aqui Embargada Caixa Leasing e Factoring aceitado o seu pagamento – conforme deriva do documento junto sob n.º 6”;
“l) Tais pagamentos foram também sempre do conhecimento da Sra. Administradora de Insolvência – que os consentiu porque decorrentes de cumprimento de contrato validamente firmado e tacitamente reconhecido pela massa insolvente, quer ainda porque garantiam os interesses dos demais credores porquanto a aqui Embargante assegurava, como assegurou, o pagamento de créditos reclamados sobre a insolvência que assim a devedora não teria que solver”;
“m) Esta intenção de antecipação integral de cumprimento do contrato de locação pela Embargante foi também do conhecimento da Embargada Caixa Leasing e Factoring, quer por via de contactos diretos com esta estabelecidos, quer ainda porque resulta dos próprios autos de insolvência onde aquela figura como credora”;
IX) Indeferir o aditamento à matéria de facto da matéria pretendida incluir pela recorrente, como supra mencionado na apreciação da questão L).
X) Julgar procedente a apelação e, em conformidade com o exposto, revogar a decisão recorrida e substituí-la pela presente, julgando os embargos de terceiro, deduzidos pela embargante, totalmente improcedentes.
Custas pela embargante/apelada.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 7 de abril de 2022.

Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva