Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8155/2008-6
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2008
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: Em caso de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado não é possível proceder à fixação de alimentos a menor que deles careça, por a tal obstar o disposto no artigo 2004º CC, que manda atender não só às necessidades do alimentando como às possibilidades do obrigado a alimentos.
(M.P.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

O Ministério Público, em representação dos menores V, F e G, intentou no Tribunal de Caldas da Rainha, acção de regulação do exercício do poder paternal, contra M e D, nos termos do disposto no artigo 174°, n° 2, da O.T.M., por os pais não fazerem vida em comum e não estarem de acordo quanto à regulação do exercício do poder paternal.

Realizadas as diligências tidas por necessárias, foi proferida sentença regulando a guarda dos menores e o regime de visitas relativamente ao progenitor a quem os menores não foram confiados, não tendo sido fixados alimentos por desconhecimento do paradeiro e condições económicas do progenitor em causa.

Inconformado, recorreu o Ministério Público, que apresentou alegações, cujas conclusões são as seguintes:

«1) O tribunal deve decidir de harmonia com o interesse do menor, nos casos em que seja necessário regular o exercício do seu poder paternal, conforme decorre dos artigos 1905° do Código Civil e 180°, n° 1, da OTM.

2) Tal interesse impõe que mesmo nos casos de desconhecimento da situação económica do progenitor a quem a guarda não é atribuída devam ser fixados alimentos aos menores.

3) Na equação prevista no artigo 2004° do Código Civil as necessidades do alimentado devem sobrepor-se ao desconhecimento das reais possibilidades do obrigado, numa interpretação actualista, feita à luz do interesse do menor.

4) Apesar de não saber em concreto a situação do progenitor, pode o tribunal presumir que este aufere, pelo menos, o salário mínimo nacional, fixando o seu contributo para os menores em valores compatíveis com tal salário, um pouco à semelhança do que ocorre habitualmente no âmbito da fixação do quantitativo diário da pena de multa a aplicar ao arguido cuja situação económica é desconhecida.

5) Acresce que sendo tal desconhecimento imputável apenas ao progenitor relapso e desinteressado pela situação e necessidades dos filhos, apenas o mesmo, e não também estes, deve ser prejudicado com a sua atitude, até como decorrência do disposto no artigo 344°, n° 2, do Código Civil.


6) Assim e atento também o disposto no artigo 1905° do Código Civil, aplicável ao caso dos autos por via do artigo 1909° do mesmo diploma, deveria ter sido fixada uma prestação alimentícia a favor de cada um dos menores, a prestar pelo progenitor.

7) Tanto mais que apenas dessa forma ficaria aberto o caminho para uma futura e eventual intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos, apenas possível em caso de não satisfação das quantias fixadas a título de alimentos devidos a menores por parte da pessoa judicialmente obrigada a prestá-las (artigo 1° da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, e artigo 3°, n° 1, al. a), do Decreto-Lei n.° 164/99, de 13 de Maio).

8) Como tal, ao não fixar qualquer quantitativo a título de alimentos para os menores, por desconhecimento da situação económica do seu progenitor, a sentença proferida nos autos violou, entre outros, o artigo 36°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa, os artigos 344°, n.° 2, 1878°, n° 1, 1905° e 1909° do Código Civil e o artigo 180°, n° 1, da OTM.

9) Pelo exposto, deve tal sentença ser revogada na parte em que foi decidido não fixar o valor dos alimentos devidos aos menores.

10) Mais, atenta a situação económica do agregado familiar em que os menores se inserem, as suas próprias necessidades e idades e o que se pode presumir quanto à situação do progenitor, deve o contributo deste ser fixado em 70,00 euros mensais para cada menor, actualizável anualmente de acordo com a taxa de inflação, assim sendo satisfeito, na medida do possível, o interesse dos menores V, F e G, conforme é de Justiça».

Não houve contra-alegações.

2. Fundamentos de facto

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:

1. V nasceu em 10 de Abril de 1996, estando registado como filho de M e D.

2. F nasceu em 12 de Outubro de 1997, estando registada como filha de M e D.

3. G nasceu em 27 de Novembro de 2003, estando registado como filha de M e D.

4. Os menores residem com a requerida, sendo esta que vem assumindo de modo exclusivo a responsabilidade em assegurar o seu bem-estar e os cuidados elementares aos mais diversos níveis.

5. Os requeridos não são casados entre si, nem fazem vida em comum.


6. A requerida não desenvolve qualquer actividade laboral, recebendo apenas o rendimento de reinserção social no valor de €500,00.

7. O requerido encontra-se, actualmente, em paradeiro desconhecido, não lhe sendo conhecidos quaisquer rendimentos ou bens.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), consubstancia-se em saber se deve ser fixada pensão de alimentos a favor de menores quando se desconhece o paradeiro e a situação económica do progenitor legalmente obrigado.

O Mmº Juiz a quo, louvando-se no acórdão da Relação de Lisboa, de 07.01.18, respondeu negativamente, atento o disposto no artigo 2004º, nº 1, CC, considerando ser uma subversão do sistema permitir-se uma fixação fictícia de alimentos com vista a permitir o acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos. E que, na impossibilidade de o progenitor prestar alimentos, essa obrigação recairá sobre as pessoas mencionadas no artigo 2009ºCC.

O recorrente, fazendo apelo aos artigos 36º, nº 5, da Constituição, 1878º, nº 1, 1905º, 1909º e 1917º, CC, e 180 OTM, entende que deve ser fixada uma pensão de alimentos, com base na presunção de que o progenitor auferirá pelo menos o salário mínimo nacional, pois só assim será possível abrir caminho para uma eventual futura intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos.

Apreciando:

Estabelece o artigo 36º, nº 5, da Constituição, que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, o que significa que, tal como dispõe o artigo 1878º, nº 1, CC, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens.

O dever de sustento, consubstanciado em tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor (cfr. artigo 2003º CC), mantém-se mesmo se o progenitor for inibido do exercício do poder paternal (artigo 1917º CC).

Havendo desacordo dos pais quanto ao exercício do poder paternal, designadamente no que a alimentos concerne, cabe ao tribunal decidir de acordo com o interesse do menor (artigo 1905º, nº 2, CC), critério constante também do artigo 180º OTM, e que constitui um pilar fundamental do direito dos menores.

Por seu turno, o artigo 2004º, nº 1, CC, epigrafado «medida dos alimentos», estabelece que estes serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.

A este quadro legal há que acrescentar o artigo 1º da Lei 75/98, de 19.11 (Garantia dos Alimentos devidos a menores), que determina que «quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei 314/78, de 27.10, e ao alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início efectivo do cumprimento da obrigação».

Com efeito, os acórdãos favoráveis à fixação de alimentos em caso de impossibilidade do obrigado e mesmo perante o desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado fazem apelo a este diploma, argumentando com a necessidade de viabilizar o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos.

Refiram-se a este propósito os acórdãos da Relação de Lisboa, de 07.07.05, Manuel Gonçalves; de 05.10.13, Ferreira Lopes; de 03.10.23, Pereira Rodrigues; e as decisões nos termos do artigo 705º CPC, de 07.12.20, Granja da Fonseca; de 07.06.26, Abrantes Geraldes; e de 06.11.29, Pimentel Marcos, em www.dgsi.pt.jtrl, proc. 4586/2007-6, 6890/2005-6, 7695/2003-6, 10.780/2007-6, 5797/2007-7, 10.079/2006-7, respectivamente. E da Relação do Porto, de 04.04.22, Oliveira Vasconcelos, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0432181; da Relação de Coimbra, de 08.06.17, Jaime Ferreira, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 230/07.

Analisemos então a posição do recorrente.

Diz o recorrente que o interesse do menor demanda que na equação do 2004º CC seja dada maior relevância às necessidades do menor alimentando do que às possibilidades do progenitor obrigado.

O artigo 2004º, nº 1, CC, estabelece uma correlação entra as necessidades e as possibilidades, pressupondo o conhecimento dos dois termos da equação: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado. Da mesma forma que não há fixação de alimentos sem necessidade do alimentando, também não pode haver em caso de falta de possibilidades do obrigado.

Neste sentido se pronunciaram os acórdãos da Relação do Porto, de 03.10.28, Cândido Lemos, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0324797; da Relação de Évora, de 90.12.18, Matos Canas, BMJ 402/690; e da Relação de Lisboa, de 07.01.18, Ana Paula Boularot, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 10081/2007-2.

Como se refere neste último acórdão, também citado na decisão sob recurso, «inexistindo matéria factual que nos permita concluir, quer pelas necessidades do alimentando, quer pelas possibilidades do obrigado, não se pode fixar qualquer quantia a titulo de alimentos e, acrescentamos, fazê-lo seria, não só uma temeridade como, também, um verdadeiro atentado às regras básicas enformadoras do nosso sistema jurídico-processual, que não permitem, em caso algum, que o Tribunal decida sem uma base sólida no que tange à factualidade consubstanciadora do direito a tutelar: fixar-se uma prestação de alimentos na quantia de € 150 (ou de outra qualquer quantia nestas circunstâncias precisas), como propugnou o Apelante em sede de conferência, sem qualquer suporte factual, constituiria uma decisão completamente aleatória violadora, além do mais, do disposto nos artigos 664º e 1410º do CPCivil, pois não obstante neste tipo de decisões o Tribunal não esteja sujeito a critérios de legalidade, mas antes de conveniência e oportunidade, isso não quer dizer que lhe seja permitido decidir sem factos e que ignore em absoluto as normas em vigor».

O acórdão da Relação de Lisboa, de 07.06.26, Abrantes Geraldes, defende, numa situação idêntica à dos autos, que a não fixação da pensão deixa o menor desprotegido. E ao obstáculo que o artigo 2004º CC representa responde com uma pergunta: «que indivíduo, não afectado por qualquer incapacidade grave, tendo sobre si o encargo de suportar uma parte dos alimentos de uma filha de tenra idade, não está em condições de dispor, pelo seu trabalho, daquela quantia, se necessário, fazendo um esforço suplementar?».

E continua: «Ainda que estivesse apurado - e não está - que o requerido não aufere qualquer rendimento, tal não contenderia com aquela obrigação, já que é inerente à relação de paternidade a necessidade de realizar esforços e de ajustar a vivência por forma a que se consigam obter rendimentos que, além do mais, possam servir para prover às necessidades de quem, como o filho menor, não tem possibilidades de sobrevivência autónoma».

Este acórdão cita ainda Clara Sottomayor, que, numa situação de desemprego deliberado por parte do obrigado, defende a utilização de critérios de imputação de rendimentos a pais desempregados de acordo com a sua capacidade laboral para que possa ser fixada a pensão.

Estes argumentos não deixam de impressionar.

No entanto, não parece que possam ser aplicados numa situação como a que é versada nos autos: desconhece-se completamente o paradeiro e a situação económica do obrigado, bem como as suas condições de saúde, capacidade laboral, etc. Desconhece-se mesmo se está vivo, se está preso, internado com doença grave - desconhece-se tudo acerca do obrigado.

Nestas situações afigura-se abusivo tecer conjecturas ou apelar a regras de experiência comum, designadamente recorrer a critérios de imputação, pois, como refere J. Remédio Marques, Algumas Notas sobe alimentos devidos a menores, Coimbra Editora, pg. 200, «os factos que justificam ou autorizam a imputação de rendimentos serão todos aqueles factos voluntários ou controláveis pelo devedor, que o colocam numa situação económica mais desvantajosa relativamente àquela que, doutro modo, poderia usufruir (v.g., colocação voluntária em situação de desemprego, emprego a tempo parcial ou sub-emprego, escolha de uma actividade profissional menos lucrativa, tendo em vista a respectiva formação e /ou experiência profissional)».

Esse desconhecimento total da situação do obrigado impede igualmente o recurso à inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344º, nº 2, CC, porquanto a inversão apenas ocorre quando a parte contrária culposamente tiver tornado impossível a prova ao onerado.

Contrariamente ao que afirma o recorrente, não se vislumbra em que medida a não fixação de alimentos possa obrigar o progenitor relapso a assumir as suas responsabilidades parentais, nem que a não fixação surja como um prémio para o progenitor relapso, porquanto logo que lhe sejam conhecidos meios procede-se à fixação dos alimentos.

E se, em vez de um progenitor de paradeiro e situação económica desconhecida, estivéssemos perante um progenitor presente e esforçado, mas comprovadamente incapaz de angariar meios de subsistência por doença grave ou deficiência profunda, também seria de fixar uma prestação fictícia para permitir a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos? É que aqui já não é legítimo presumir que o obrigado aufere pela menos o salário mínimo nacional, nem conjecturar que a sua situação pode melhorar, ou que a fixação de uma pensão de alimentos possa estimular sua responsabilização, para utilizar a argumentação dos acórdãos supra referidos que defendem a fixação de alimentos independentemente das possibilidades do obrigado.

O principal argumento a favor da fixação de alimentos mesmo em caso de desconhecimento total do paradeiro e situação do obrigado é de natureza pragmática: é necessária a fixação prévia de alimentos para, face ao (altamente previsível) incumprimento, ser possível recorrer ao Fundo de Garantia dos Alimentos.

Nos termos do artigo 1º da Lei 75/98, de 19.11, o dever de prestar do Estado depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- existência de sentença que fixe alimentos ao menor («pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos»);

- residência do devedor em território nacional (cfr. Remédio Marques, op. cit., pg. 234, e acórdão da Relação de Coimbra, de 08.02.12, Isaías Pádua, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 886/06);

- que o não beneficie na mesma quantidade de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;

- falta de pagamento total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida através de uma das formas previstas no artigo 189º OTM.

Não se afigura, porém, que o entendimento que tem sido maioritariamente acolhido pela jurisprudência seja o mais adequado, por introduzir distorções no regime estabelecido pelo artigo 2004º CC..

Este regime é perfeitamente equilibrado, e conforme o princípio da proporcionalidade, e não se vê que a Lei 75/98, de 19.11, tenha pretendido alterá--lo.

O problema está no figurino restritivo do regime estabelecido pela Lei 75/98, de apenas abranger, pelo menos na sua letra, os casos em que é possível proceder à fixação de alimentos por se ter conhecimento da situação económica do obrigado.

Eventualmente o legislador terá dito menos do que pretendia, como sugere o preâmbulo do diploma regulamentar (o Decreto- Lei 164/99, de 13.05), ao referir que «De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais».

Com efeito, não se vislumbra razão válida para discriminar as situações em que a impossibilidade é superveniente (aparentemente só esta está contemplada no diploma) daquelas, porventura mais graves, em que a impossibilidade se verifica já no momento da fixação da pensão.

A Relação do Porto, através de acórdãos recentes, ensaiou um novo caminho, que passa por responsabilizar o Fundo de Garantia de Alimentos naquelas situações em que não se fixou pensão de alimentos por impossibilidade do obrigado.

Como exemplo desta tendência refira-se o acórdão de 06.02.23, Ana Paula Lobo, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0630817, onde se lê:

«A nova prestação social referida no DL 164/99 de 13 de Maio assente, como já demonstrado em algumas ficções, não pode deixar de fora exactamente as crianças mais desprotegidas e mais carecidas dessa prestação social que são aquelas em que os seus progenitores são tão pobres que nem mesmo num momento inicial puderam, nos termos da lei, ser condenados a pagar uma prestação de alimentos concreta.

Sob pena da prática de actos inúteis e da aplicação da lei conduzir a um resultado injusto e que em concreto desmente a finalidade para que foi criada a Garantia de pagamento pelo Estado dos alimentos devidos a menores, na presente situação terá que entender-se que o Fundo poderá ser obrigado a pagar uma prestação de alimentos cujo montante não foi concretamente fixado relativamente às pessoas a quem incumbe prestar alimentos aos menores, por falta de meios do devedor para o efeito».

No mesmo registo, o acórdão dessa Relação, de 06.10.02, Abílio Costa, www.dgsi,pt.jtrp, proc. 0653974, defende que a não fixação de alimentos por impossibilidade do obrigado cabe no espírito da lei, ou por interpretação extensiva, sob pena de violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.

O acórdão da Relação de Coimbra, de 08.02.12, Isaías Pádua, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 886/06-5, embora entenda que deve ser fixada pensão de alimentos mesmo em caso de impossibilidade do obrigado, defende que, por razões de economia processual, deve impor-se logo na sentença de regulação do exercício do poder paternal a prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos em situações de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado.

Esta jurisprudência tem o mérito de destacar as insuficiências do regime do Fundo de Garantia de Alimentos: o problema não está no artigo 2004º CC, mas sim na concepção restritiva da intervenção do Fundo, reflectida no artigo 1º da Lei 75/98, de 19.11.

J. Remédio Marques, op, cit., pg. 236-7, prefere a solução da fixação de uma pensão através da quantificação da capacidade laboral e apuramento, pelo baixo, de uma quantia a título de pensão de alimentos, subtraída a quantia equivalente ao mínimo de subsistência do devedor. No entanto, e para as situações de inactividade voluntária, defende que deverão ser demandados os restantes obrigados legais (cfr. artigo 2009º CC).

E terá também de ser essa a solução para os casos de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado.

Assim, em caso de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado não é possível proceder à fixação de alimentos a menor que deles careça, devendo ser accionados os demais obrigados nos termos do artigo 2009º CC..

E poderão ser accionados outros mecanismos de protecção de menores a nível da Segurança Social, designadamente no âmbito do rendimento social de reinserção, criado pela Lei 13/2003, de 21.05. Com efeito, nos termos do artigo 19º deste diploma, os programas de reinserção podem contemplar outros apoios ao titular do direito ao rendimento social de reinserção e aos demais membros do agregado familiar, designadamente ao nível da saúde, educação, habitação e transportes.

4. Decisão

Termos em que se decide julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 08.12.04

Márcia Portela

Carlos Valverde

Granja da Fonseca (vencido)

Declaração de voto

O meu entendimento nesta matéria encontra-se sufragado na decisão por mim subscrita, que o acórdão cita, a qual se encontra em consonância com as conclusões do Ministério Público, neste recurso.

Como tal, revogaria a sentença recorrida, condenando o progenitor a pagar a quantia sugerida para cada menor.