Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6989/16.0T8LRS-B.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A oposição à execução por embargos visa a extinção total ou parcial da execução; devem ser liminarmente rejeitados embargos de executados que terminem apenas com o pedido de que o exequente esclareça os cálculos subjacentes ao título executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


O. e V., executados e embargantes no processo indicado à margem, em que é exequente o Condomínio Prédio Sito na Av. C., notificados do despacho de indeferimento liminar dos embargos de executado, proferido em 19 de abril de 2017, e com ele não se conformando, interpuseram o presente recurso.

Na execução que constitui o processo principal foi oferecida como título executivo uma ata da assembleia-geral de condóminos do Condomínio exequente da qual consta, além do mais: «Foi também solicitado à procuradora da fração do “1.º A” a regularização das quotas em dívida, para evitar o recurso à via judicial, encontrando-se a administração externa – P., Lda, representada pelo sócio-gerente, Sr. E., mandatada pela maioria dos presentes para instaurar a ação que se mostre competente à cobrança dos valores em dívida (…) caso os pagamentos não sejam regularizados até ao final de março de 2016. Para que conste, o valor da dívida transitado para 2016 no montante de 3.400,45 € da fração 1.º A, diz respeito ao seguinte:». Em seguida vêm listadas doze parcelas de diferentes montantes com as respetivas descrições – essencial e resumidamente, quotas ordinárias e extraordinárias (obras) devidas nos anos 2013 e seguintes, acertos de consumos de água quente, e penalizações por atrasos nos pagamentos.

Os executados, donos da fração 1.º A, deduziram embargos, discorrendo sobre a ata, a falta de entrega de faturas e de esclarecimentos, as deficiências que imputam às obras realizadas, as dúvidas que têm sobre os consumos que lhes são imputados e sobre os cálculos e fundamento das penalizações.

Terminam com o seguinte pedido:

Termos em que, com o douto suprimento de V.Exa.:
a.Devem ser recebidos os presentes embargos, seguindo-se os termos do disposto no n.º 2 do artigo 732º do CPC;
b.Ser o Exequente convidado a aperfeiçoar o seu requerimento designadamente indicando concretamente qual a fórmula de cálculo da quota “fixa” para cada uma dos anos, identificando concretamente em que deliberação foi a mesma estabelecida, designadamente, cfr. resulta do n.º 2 do artigo 1424º, n.º 2 do CPC;
c.Ser o Exequente convidado a aperfeiçoar o seu requerimento designadamente indicando concretamente qual a fórmula de cálculo do consumo “variável” a título de consumo de água quente, para cada uma dos anos, identificando concretamente em que deliberação foi a mesma estabelecida, designadamente juntando as cópias das faturas emitidas pelo respectivo fornecedor.
d.Ser o Exequente convidado a aperfeiçoar o seu requerimento designadamente indicando concretamente qual a fórmula de cálculo penalização por atraso no pagamento para cada uma dos anos, identificando concretamente em que deliberação foi a mesma estabelecida e quais os critérios da respectiva aplicação.
e.Ser o Exequente convidado a indicar concretamente a data de vencimento de cada uma das obrigações indicadas no requerimento executivo, cfr. dispõe o n. 1 do artigo 716º do CPC.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«O. e V., identificados nos autos, intentaram os presentes embargos de executado contra Condomínio Prédio Sito na Av. C., requerendo que seja o Exequente convidado a aperfeiçoar o seu requerimento executivo designadamente indicando concretamente qual a fórmula de cálculo penalização por atraso no pagamento para cada uma dos anos, identificando concretamente em que deliberação foi a mesma estabelecida e quais os critérios da respectiva aplicação, e a indicar concretamente a data de vencimento de cada uma das obrigações indicadas no requerimento executivo.
No entanto, “a oposição à execução apresenta-se como uma acção declarativa funcionalmente acessória da acção executiva porquanto justificada pela oposição de uma defesa à dedução de uma pretensão executiva”. (Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 1.ª ed., Pág. 393).
Deste modo essa particular finalidade dos embargos de executado – defesa contra título a que a legislador atribuiu força executiva, i.e., a virtualidade de fundar uma cobrança coerciva do crédito por ele titulado sem precedência de acção judicial declarando a existência de direito – limita os pedidos que podem ser formulados ao tribunal no âmbito desses embargos.
Com efeito “na oposição à execução o autor-executado deduz um pedido de extinção da execução total ou parcial”, não sendo admissível a dedução de pedido diverso como aquele formulado nos presentes embargos. (Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 1.ª ed., Pág. 396).
Consequentemente é manifesta a improcedência dos embargos de executado com outro fim que não o de extinção total ou parcial da execução. Em face do exposto, e de acordo com o disposto no artigo 732.º, n.º 1, b) e c) do CPC, indeferem-se liminarmente os presentes embargos.
Custas pelo Embargante.
Valor da causa: 4.322,17 euros.
Notifique.»

Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso, concluindo:
«A.– O despacho que indefere liminarmente os embargos de executado, com base no argumento que estes apenas têm como propósito a extinção total ou parcial da execução padece de nulidade, por violação do disposto nos artigos 726º, n.º 2, alínea a) e 734º, ambos do CPC.
B.– A ata de condomínio dada à execução nos presentes autos, não configura título executivo nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
C.– Apenas as atas que obedecem ao disposto no citado preceito legal, têm força executiva conferida por lei, não permitindo a lei que qualquer ata de condomínio configure título executivo.
D.– A ata dada à execução nos presentes autos, poderá, quanto muito configurar um elemento complementar da ata (ou atas) que constitui (pu constituem) título executivo nos termos legais e, como tal, o tribunal a quo deveria ter ordenado o aperfeiçoamento do título executivo e do próprio requerimento executivo, se fosse o caso, tudo conforme dispõem os artigos 726º, n.º 2, alínea a) e 734º, ambos do CPC.
E.– Nos presentes autos, não existe fase posterior onde possa ser conhecida a validade e perfeição do título executivo, nos termos do disposto no artigo 734º, n.º 1 do CPC, considerando que estando a quantia exequenda garantida por penhora de saldo bancário, não há lugar à venda de bens.
F.– Neste caso o despacho recorrido deve conhecer oficiosamente da validade e perfeição do título executivo.
G.– Termos em que e nos melhores de Direito com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, deve ser decretada a revogação do despacho recorrido que indefere liminarmente o recebimento dos embargos e a substituição do mesmo por decisão que receba os embargos, seguindo-se os demais termos do processo até final.
Julgando neste sentido, Venerandos Desembargadores, estareis a fazer uma vez mais JUSTIÇA!»

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso.
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, a questão que se coloca é a de saber se os embargos deviam ter sido recebidos.

II.Fundamentação de facto.
Os factos relevantes são os que constam do relatório.

III.Apreciação do mérito do recurso
A oposição à execução por embargos de executado é uma fase declarativa do processo executivo, presentemente regulada nos arts. 728 a 734 do CPC, no que respeita à execução com processo ordinário, com as especificidades do art. 856, no caso de execução com processo sumário. Do ponto de vista estrutural, é uma ação externa à execução, correndo por apenso a esta (art. 732, n.º 1, do CPC). Materialmente, apresenta-se como uma «contra-ação tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia» (José Lebre de Freitas, A acção executiva, Coimbra Editora, 1993, p. 162). Das pp. 162-3 é o seguinte trecho elucidativo da natureza dos então designados embargos de executado, que toda a atualidade mantém na oposição à execução.

«Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal (…).

Quando a oposição por embargos tem um fundamento processual, o seu objeto é, já não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta dum pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da ação executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade.»

Na ação executiva para pagamento de quantia certa, como a dos autos, há um pedido de execução do património do executado para satisfação de dada quantia, cuja entrega ao exequente constitui obrigação do executado, corporizada no título executivo. A causa de pedir na ação executiva corresponde à obrigação exequenda incorporada no título dado à execução. Na oposição por embargos, o executado opõe ao título, e/ou à obrigação por ele titulada, exceções suscetíveis de extinguir, impedir ou modificar a eficácia do título, e/ou a obrigação que ele titula, e termina com um pedido que não pode ser outro que não o de extinção, total ou parcial, da execução.

«Tendo em conta a sua função essencial no quadro da ação executiva - obstar aos normais efeitos do título executivo - não faz sentido a formulação neles de algum pedido, a não ser o de extinção total ou parcial da acção executiva, com base na afirmação de factos de impugnação ou de exceção» (Ac. STJ, de 11/07/2006, proc. 06B2342 – Salvador da Costa). Por isso sempre se impediu a dedução de pedido reconvencional ou mesmo da invocação da compensação por via da afirmação de um direito indemnizatório apenas suscetível de ser relevantemente afirmado em acção declarativa propriamente dita – como sucedeu no citado acórdão.

Os pedidos formulados nos presentes embargos reconduzem-se ao convite do exequente ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, esclarecendo vários pontos (fórmula de cálculo da quota fixa para cada uma dos anos, fórmula de cálculo do consumo variável a título de consumo de água quente, para cada uma dos anos, fórmula de cálculo penalização por atraso no pagamento para cada uma dos anos, data de vencimento de cada uma das obrigações invocadas). Não é formulado qualquer pedido de extinção, total ou parcial da execução, pelo que bem andou o tribunal a quo ao rejeitar liminarmente os embargos.

O prosseguimento dos embargos, tal como deduzidos, constituiria um exercício estéril, apenas para esclarecimento dos executados de cálculos sobre os quais temos de presumir que já estão inteirados (pois de outro modo teriam de ter atacado no tempo e lugar próprios as deliberações que conduziram ao título exequendo e não o fizeram), sem qualquer influência no desfecho da execução.

IV.Decisão.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelos recorrentes.



Lisboa, 10/04/2018



Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira