Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
249/17.7YUSTR.L3-PICRS
Relator: MARIA DA LUZ TELES MENESES DE SEABRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A presente decisão não contraria as decisões anteriormente adoptadas por este Tribunal nos presentes autos, porquanto não se põe em causa a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 49º da Lei nº 25/2008 de 5/6, nem a aplicação das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no art. 27º A do RGCO, apenas e só se sufraga o entendimento de é de aplicar o prazo mais alargado dessa suspensão da prescrição introduzido pela Lei nº 83/2017 de 18/8.
Não estamos perante qualquer violação de caso julgado, porquanto nos anteriores Acórdãos proferidos nestes autos não se decidiu pela verificação da prescrição do procedimento contraordenacional, nem se disse qual era o prazo de suspensão da prescrição aplicável, apenas ficou escrito que à luz da Lei nº 25/2008 não havia ocorrido qualquer prescrição e que seriam aplicáveis as causas de suspensão da prescrição especialmente previstas na Lei nº 1-A/2020, decisão que aqui não é de todo contrariada. 
Assim decidindo, tem de se concluir que a prescrição do ilícito contraordenacional pelo qual o recorrente foi condenado, e que é objecto deste requerimento (ou qualquer dos ilícitos em causa nos presentes autos) não ocorreu em 4.12.2021 e, está ainda muito longe de ocorrer.
Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão da remessa dos autos à primeira instância para reformulação do cúmulo de coimas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação de Lisboa- Secção PICRS, em 28.09.2021, no qual foi proferida a seguinte decisão relativamente ao recorrente R..
“Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Recorrente R…, fixando-se as coimas parcelares pela prática de cada uma das cinco contra-ordenações previstas e punidas pelo art. 53.º, alínea ab) da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, em €110.000,00 por uma, €30.000,00 por outra e €50.000,00 por cada uma das três restantes, mantendo-se a sua condenação, em cúmulo, na coima única de €290.000,00 e confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.”
2. Em sede da sentença recorrida proferida pelo TCRS, este recorrente havia sido condenado nos seguintes termos:
“Condenar R…pela prática, sob a forma dolosa, de cinco contraordenações, previstas e punidas pelo artigo 53.º, alínea ab), da Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo (Lei n.º 25/2008, de 5 de junho), nas coimas de 110.000,00€, por uma, e 60.000,00€, por cada uma das restantes.
Condenar R….pela prática, sob a forma dolosa, de uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag), consubstanciada na violação do artigo 2.º, n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de maio, na coima de 65.000,00€.
Condenar, em cúmulo, R…, na coima única de 290.000,00 €.”
3. O Acórdão proferido por esta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa está pendente de recurso no Tribunal Constitucional.
4. Estando os autos já no Tribunal Constitucional, veio este recorrente apresentar o requerimento sub judice, em 5.12.2021 (Refª Citius 40661742), pelo qual pretende que seja declarada a prescrição da contraordenação relativa à “prática, sob a forma dolosa, de uma contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 53º, alínea ag), consubstanciada na violação do artigo 2º nº 1 do aviso  nº 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de maio ( baseada nos factos QQQ) e RRR) da sentença recorrida), sustentando que a prescrição ocorreu em 4 de Dezembro de 2021, por força dos artigos 27º e 27º-A do RGCO e mesmo dos artigos 7º, nºs 3 e 4 da redação original da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março e artigos 6º-B, nºs 3 e 4 e 6º C da lei nº 1-A/2020 de 19 de Março na redação introduzida pela Lei nº 4-B/2021 de 1 de Fevereiro.
Alegou, em resumo, que “O Tribunal da Relação de Lisboa manteve, assim, a condenação do ora Recorrente pela prática das seguintes contra-ordenações:
a) prática, sob a forma dolosa, de cinco contra-ordenações, previstas e punidas pelo artigo 53.º, alínea ab), da Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo (Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho), fixando as coimas parcelares em € 110.000,00 por uma, € 30.000,00 por outra e € 50.000,00 por cada uma das três restantes.
b) a prática, sob a forma dolosa, de uma contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag), consubstanciada na violação do artigo 2.º, n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de Maio, fixando uma coima de € 65.000,00.
Atendendo ao valor das coimas parcelares que foram fixadas, o Tribunal da Relação de Lisboa e a 1.ª instância operaram ambos o cúmulo jurídico e condenaram (ou confirmaram a condenação) do Recorrente na coima única de 290 mil euros.
Sucede que a condenação descrita na alínea b) acima, correspondente à alegada contra-ordenação em sede de reporte de relatório de prevenção de branqueamento de capitais, encontra-se, na presente data, prescrita – mesmo considerando os períodos de suspensão da prescrição prevista no regime excepcional aprovado no quadro das medidas da pandemia Covid-19 – e, como tal, não pode ser relevada para efeitos do cômputo da coima única conjunta a aplicar ao Recorrente.
A PRESCRIÇÃO DA ALEGADA CONTRA-ORDENAÇÃO EM SEDE DE REPORTE DE RELATÓRIO DE PREVENÇÃO DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
A condenação descrita na alínea b) supra assenta nos factos provados QQQ. e RRR. da decisão recorrida, segundo os quais o relatório de prevenção de branqueamento apenas foi enviado ao Banco de Portugal em 27 de Junho de 2013.
Independentemente do mérito da condenação (que não se concede, mas que por ora não releva), está em causa um suposto comportamento imputado ao ora Recorrente datado de 27 de Junho de 2013.
 Ora, por força da conjugação do artigo 49.º, n.º 1, da Lei n.º 25/2008, com os artigos 27.º-A, n.º 2, e 28.ºdo RGCO, o prazo máximo de prescrição nunca poderá ultrapassar os 8 anos, já contando com as sucessivas causas de interrupção e suspensão.
Desde logo, o n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 25/2008 prevê o seguinte: “O procedimento relativo às contra-ordenações previstas neste capítulo prescreve no prazo de cinco anos a contar da data da sua prática”.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO determina que a suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação não pode ultrapassar os seis meses.
E, por último, o n.º 3 do artigo 28.º do RGCO consagra que “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
Acresce que, in casu, mesmo a aplicação da suspensão da prescrição prevista no regime excepcional aprovado no quadro das medidas da pandemia Covid-19 (sem conceder) jamais poderia afastar a prescrição da aludida contra-ordenação, que assim ocorreu em 4 de Dezembro de 2021.
Com efeito, em 2020, os prazos (sem ser em processos urgentes) estiveram suspensos apenas desde 9 de Março de 2020 até 2 de Junho de 2020, o que corresponde a 86 dias de suspensão, em 2020 (sem conceder) (cfr. artigos 7.º, n.os 3 e 4, da redacção original da Lei n. 1-A/2020, de 19 de Março).
Por sua vez, em 2021, os prazos (sem ser em processos urgentes) estiveram suspensos apenas desde 22 de Janeiro de 2021 até 5 de Abril de 2021, o que corresponde a 74 dias de suspensão, em 2021 (sem conceder) (cfr. artigos 6.º- B, n.os 3 e 4 e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção introduzia pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro).
Tudo, num total de 160 dias de suspensão (sem conceder).
Ora, aplicando as aludidas normas legais ao caso concreto, temos o seguinte:
O prazo de prescrição iniciou-se em27 de Junho de 2013 e, por isso, terminaria sempre dentro de oito anos (cfr. artigo 49.º, n.º 1, da Lei n.º 25/2008, com os artigos 27.º-A, n.º 2, e 28.º do RGCO).
Assim, o prazo de 8 anos da prescrição (que já inclui metade do prazo de prescrição ordinário e os 6 meses previstos no artigo 27.º-A do RGCO) terminou em 27 de Junho de 2021, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Setembro de 2021 (cfr. pág. 185)
Acrescentando-se o referido prazo de 160 dias de suspensão a estes 8 anos, ao abrigo das medidas excepcionais da Covid-19 em 2020 e 2021 (sem conceder), então mesmo assim a prescrição da aludida contra-ordenação ocorreu entretanto em 4 de Dezembro de 2021.”
5. No Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa em 28.09.2021, foi expressamente conhecida a questão da prescrição já então suscitada por este mesmo recorrente, relativa à contraordenação aqui em apreço, ao longo das páginas 175 a 185, tendo ficado decidido que ao caso são aplicáveis os prazos de suspensão da prescrição decorrentes da Lei nº 1-A/2020, concluindo-se do seguinte modo:
“(…)no caso dos autos, ao prazo de oito anos (que terminaria em 27.06.2021) acresce o prazo em que foi determinada a respectiva suspensão com fundamento na situação de emergência nacional e de calamidade determinada pela pandemia causada pelo “Covid19”, que é de um total de 160 dias e não decorreu ainda.
Resta concluir pela improcedência da prescrição invocada pelo Recorrente(…).”
6. Esta mesma questão voltou a ser objecto de decisão no Acórdão proferido a 4.11.2021, que se debruçou sobre novo requerimento deste recorrente, no qual se manteve inalterado o Acórdão de 28.09.2021 naquela parte relativa à prescrição.
*
O PGA a propósito do requerimento em análise tomou a seguinte posição: Nada a dizer.
*
O Banco de Portugal remeteu para o douto entendimento do Tribunal.
*
Recebidos os autos nesta Relação, foi proferida decisão singular subscrita pela ora Juiza Relatora – despacho sob o qual incide a presente reclamação – que julgou improcedente a extinção do procedimento contraordenacional por prescrição.
*
Inconformado com esta decisão, veio o Recorrente apresentar reclamação para a Conferência, requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria, apresentando as seguintes
Conclusões
1. Por requerimento de 5 de Dezembro de 2021, o ora Requerente requereu junto do presente Tribunal da Relação de Lisboa, que fosse ordenada a baixa do processo e a sua remessa ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, para redução da condenação do Recorrente e reajuste do cômputo da coima que lhe foi fixada em cúmulo jurídico, tendo em conta a prescrição do procedimento contra-ordenacional relativo à contra-ordenação em sede de reporte de relatório de prevenção de branqueamento de capitais (infracçãoprevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag),consubstanciada na violação do artigo 2.º,n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de Maio) no passado dia 4 de Dezembro de 2021.
2. A Decisão Reclamada entendeu que não seria aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 27.º-A do RGCO, ex vi artigo 52.º da Lei n.º 25/2008, mas sim o disposto no artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, pelo que o prazo de suspensão do prazo prescricional não seria de 6 meses, mas sim de 5 anos e, nesses termos, ainda não teria decorrido a prescrição.
3. Salvo o devido respeito, a Decisão Reclamada é manifestamente ilegal e violadora do princípio da legalidade, devendo ser revogada por esta conferência.
4. EM PRIMEIRO LUGAR, o disposto no artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, apenas é aplicável ao procedimento relativo a contra-ordenações previstas naquela Lei.
5. As contra-ordenações pelas quais o ora Recorrente foi condenado encontravam-se punidas e previstas na Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e não na Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, pelo que aquele preceito não é aqui aplicável.
6. Na verdade, os n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional ali prevista é aplicável a processos contra-ordenacionais por contra-ordenações punidas e previstas pela Lein.º 25/2008, de 5 de Junho, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de Setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação dos artigos 18.º, n.os 4 e 6, 29.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, da CRP, que consagram, inter alia, os princípios de proibição de aplicação retroactiva da lei penal / contra-ordenacional desfavorável ao arguido, proporcionalidade e garantias de defesa do arguido.
7. De igual modo, os n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional ali prevista é aplicável a processos contra-ordenacionais por contra-ordenações punidas e previstas pela Lein.º 25/2008, de 5 de Junho, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de Setembro de 2017 são inconstitucionais, por violação das garantias do direito de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.os 1 e 10, da CRP, os princípios da confiança e segurança jurídicas ínsitos ao Estado-de-Direito consagrado no artigo 2.º da CRP e, ainda, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP.
8. Por sua vez, os n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional ali prevista é aplicável a processos contra-ordenacionais por contra-ordenações que não são previstas e punidas pela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de Setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação dos artigos 18.º, n.os 4 e 6, 29.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, da CRP, que consagram, inter alia, os princípios de proibição de aplicação retroactiva da lei penal/contra-ordenacional desfavorável ao arguido, proporcionalidade e garantias de defesa do arguido.
9.  Adicionalmente, os n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional ali prevista é aplicável a processos contra-ordenacionais por contra-ordenações que não são previstas e punidas pela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de Setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação das garantias do direito de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.os 1 e 10, da CRP, os princípios da confiança e segurança jurídicas ínsitos ao Estado-de-Direito consagrado no artigo 2.º da CRP e, ainda, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP.
10. EM SEGUNDO LUGAR, a Decisão Reclamada contraria, frontalmente, as decisões anteriormente adoptadas por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa no que diz respeito à aplicação da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, aos presentes autos, desde logo, o próprio Acórdão condenatório proferido em 28 de Setembro de 2021.
11.  Naquele Acórdão, este Tribunal da Relação de Lisboa reconhece expressamente ser aplicável, ao presentecaso, o disposto noartigo49.º, n.º1 da Lei n.º25/2008, de5 de Junho e nos artigos 27.º-A, n.º 2 e 28.º do RGCO, o que constitui caso julgado a este respeito.
12. O que vai exposto é,de resto, confirmado pelo ofício /termo de remessa remetido pelo Tribunal a Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, onde se referiu expressamente que os presentes autos têm prazo de prescrição a terminar nos primeiros dias de Dezembro (cfr. DOC. 1 junto com o requerimento do Recorrente de 5 de Dezembro de 2021).
13. A ausência de resposta substantiva do Ministério Público e do Banco de Portugal ao requerimento do ora Recorrente, de 5 de Dezembro de 2021, confirma que todos os sujeitos processuais se conformaram com a aplicação, aos presentes autos, do disposto no artigo 49.º, n.º 1 da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e nos artigos 27.º-A, n.º 2 e 28.º do RGCO e de que a prescrição aqui em causa se verificou no passado dia 4 de Dezembro de 2021.
14. EM TERCEIRO LUGAR, ainda que assim não se entenda, sem de forma alguma conceder, a aplicação do disposto no artigo 166.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, ao procedimento contra-ordenacional aqui em causa consubstancia uma violação do princípio da aplicação retroactiva da leicontra-ordenacional posterior desfavorável ao arguido,consagrados nos artigos 29.º, n.os 1 e 4, da CRP, 3.º do RGCO e 2.º do Código Penal, aplicáveis ex vi artigos 52.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e 32.º do RGCO.
15. Primeiro: como é reconhecido na Decisão Reclamada, o artigo 166.º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto entrou em vigor em data posterior à alegada prática dos factos em causa nos autos, que terá ocorrido em 27 de Junho de 2013 (sem conceder).
16.  À data dos factos, estava em vigor a Lei n.º 25/2008, de 8 de Junho, tendo a Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto apenas entrado em vigor em 17 de Setembro de 2017 (cfr. artigo 191.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto).
17. Assim, a aplicação do alargamento do prazo máximo de suspensão da prescrição do procedimento, previsto nos n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, ao presente processo e ao respectivo prazo de prescrição da contra-ordenação em sede de reporte de relatório deprevenção de branqueamento de capitais, que já seencontrava em curso, consubstancia uma evidente aplicação retroactiva destas normas.
18. Segundo: é manifesto que as normas sobre as causas de suspensão da prescrição, os prazos de suspensão da prescrição e os prazos máximos de prescrição têm um cariz substantivo ou natureza de norma processual contra-ordenacional material,
19. sendo certo que, independentemente da posição perfilhada a respeito da natureza destas normas, actualmente resulta clara a sujeição das normas sobre prazos prescricionais à regra geral da proibição da aplicação retroactiva da lei desfavorável ao arguido em processo criminal e contra-ordenacional.
20. O artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto versa sobre o prazo de prescrição das contra-ordenações e das sanções previstas naquela Lei, o início da contagem desse prazo, as causas de suspensão da prescrição e o limite máximo dos prazos de suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
21.  Em particular, o disposto no artigo 166.º. n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, incide, precisamente, sobre os prazos máximos de suspensão da prescrição do procedimento de contra-ordenação que decorre entre a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso.
22. As normas que versam sobre causas e prazos de suspensão da prescrição determinam a contagem do prazo da prescrição, pelo que têm, necessariamente, um cunho material.
23. Terceiro: enquanto normas processuais materiais, os n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, estão sujeitos ao princípio constitucional da legalidade e, em particular, ao princípio da proibição da aplicação retroactiva das normas contra-ordenacionais desfavoráveis ao arguido, consagrados nos artigos 29.º, n.os 1 e 4, da CRP, 3.º do RGCO e 2.º do Código Penal, aplicáveis ex vi artigo 52.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, e 32.º do RGCO.
24. Pelo que desde logo se afasta o entendimento manifestamente improcedente – e de resto, sem qualquer base legal – pugnado na Decisão Reclamada, de que seria aqui aplicável a lei em vigor à data em que foi praticado o acto judicial que determinou a suspensão do procedimento por contra-ordenação, i.e., o despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso.
25. Inexiste qualquer base legal para sustentar que a lei aplicável será aquela em vigor à data em que o processo passa à fase judicial.
26. Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que o despacho de apresentação dos autos Ministério Público é de 4 de Julho de 2017 ref. Citius 180000), tendo o primeiro despacho judicial aqui em causa sido proferido em 13 de Julho de 2017 (ref. Citius 181142), ou seja, em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto.
27. Quarto: é inquestionável que a aplicação retroactiva do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, se revela desfavorável ao Recorrente.
28. Por um lado, atento o regime previsto no n.º 1, alínea c) e no n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO – regime efectivamente em vigor à data da pretensa prática dos factos aqui em causa –, o prazo limite de suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação, na pendência do processo de recurso da decisão administrativa até à decisão final do recurso, é de seis meses.
29. No entanto, a aplicação da nova lei – i.e., do disposto nos n.os 3 e 4 do 5 e 6 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto – a estes autos implica a aplicação retroactiva de um regime desfavorável aos arguidos, na medida em que este novo regime impõe um aumento do prazo de suspensão de seis meses para cinco anos.
30. Por outro lado, as normas dos n.os 3 e 4 do 5 e 6 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, ao aumentarem o tempo de suspensão da prescrição (conjugadas com o previsto no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO), implicam necessariamente um aumento dos prazos máximos de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
31. De facto, como antecipado, nos termos conjugados do artigo 49.º, n.º 1, da Lei n.º 25/2008, com os artigos 27.º-A, n.º 2, e 28.º do RGCO, o prazo máximo de prescrição do procedimento segundo o regime anterior, previsto nos artigos 27.º-A e 28.º, n.º 3, do RGCO, aplicável ao tempo da prática dos factos nestes autos, era de oito anos.
32. Já nos termos dos n.os 3 e 4 do 5 e 6 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, este prazo máximo de prescrição do procedimento é substancialmente alargado para doze anos e seis meses.
33.  Em consequência, por força da aplicação dos n.os 3 e 4 do 5 e 6 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, o prazo máximo de prescrição do procedimento é aumentado para doze anos e meio.
34.  Donde, é inequívoco que a aplicação destas normas a este processo configura um evidente agravamento da situação do arguido.
35. Por esse motivo, o regime previsto nos n.os 3 e 4 do5 e 6 do artigo166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, não poderia ter sido aplicado aos factos ocorridos antes da entrada em vigor dessa lei, como os factos imputados ao Recorrente nos presentes autos.
36.  Na verdade, os n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional ali prevista é aplicável a processos contra-ordenacionais pendentes aquando da entrada em vigor desta Lei, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de Setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação dos artigos 18.º, n.os 4 e 6, 29.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, da CRP, que consagram, inter alia, os princípios de proibição de aplicação retroactiva da lei penal / contra-ordenacional desfavorável ao arguido, proporcionalidade e garantias de defesa do arguido.
37. De igual modo, os n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, interpretados e aplicados no sentido de que a suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional ali prevista é aplicável a processos contra-ordenacionais pendentes aquando da entrada em vigor desta Lei,em que estejamem causa ou discussão alegadosfactos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 17 de Setembro de 2017, são inconstitucionais, por violação das garantias do direito de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.os 1 e 10, da CRP, os princípios da confiança e segurança jurídicas ínsitos ao Estado-de-Direito consagrado no artigo 2.º da CRP e, ainda, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP.
38. EM QUARTO LUGAR, a Decisão Reclamada vai contra aquela que é orientação unânime na doutrina e jurisprudência portuguesa no sentido de que as regras sobre a prescrição estão sujeitas ao princípio da não retroactividade de lei posterior desfavorável.
39. Por um lado, a aplicação do artigo 166.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, levada a cabo pelo Tribunalda Relação de Lisboa contraria a melhor doutrina portuguesa que defende:
a) que as normas sobre as causas e os prazos de suspensão da prescrição têm natureza processual material ou substantiva;
b) que o princípio da não retroactividade da lei desfavorável consagrado no n.º 4 do artigo 29.º, da CRP, no n.º 1 do artigo 3.º do RGCO e no n.º 1 do artigo 2.º do Código Penal é igualmente aplicável às normas processuais materiais, como as normas relativas aos prazos de prescrição.
c) que as alterações que alargam os prazos de suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, na medida em que estão em causa normas de natureza material, apenas se poderão aplicar a contra-ordenações praticadas posteriormente ao momento da sua entrada em vigor.
40. Por outro lado, o entendimento segundo o qual o regime da prescrição e, em particular, da suspensão da prescrição, deve respeitar os princípios constitucionais da legalidade e da proibição da aplicação retroactiva de lei posterior desfavorável ao arguido também é secundado pela jurisprudência constante dos tribunais superiores portugueses, inclusivamente por arestos do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência e acórdãos do Tribunal Constitucional.
41.  A este propósito, veja-se, nomeadamente: o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008; os Assentos de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2000, de 16 de Novembro de 2000 e n.º 11/2005, de 3 de Novembro de 2005; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2003 e de 12 de Novembro de 2008, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Março de 1993 e de 29 de Setembro de 2004; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 1996; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Maio de 2004.
42. EM QUINTO LUGAR, o que vai exposto não é, de forma alguma, afastado pelos Acórdãos n.os 500/2021 e 660/2021, citados na Decisão Reclamada aparentemente em abono da decisão de aplicação do prazo mais logo de suspensão do procedimento contra-ordenacional e a não violação do princípio da proibição da aplicação retroactiva de lei penal.
43.  Desde logo, note-se que, ao contrario do que lhe competia, a Decisão Reclamada não procedeu a qualquer ponderação dos interesses e direitos em causa, limitando-se a aplicar a lei nova tout court, assente num argumento de maioria de razão atenta à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre um regime excepcional e transitório.
44. Em qualquer caso, não há qualquer correspondência ou paralelismo entre a aplicação retroactiva das causas de suspensão e do alargamento do prazo máximo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, adoptadas no regime excepcional aprovado no quadro das medidas da pandemia Covid-19, referida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.os 500/2021 e 660/2021 e a aplicação retroactiva das normas aqui em discussão, i.e., o artigo 166.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto.
45. Ao contrário do que foidecidido naqueles arestos, o n.os 3 e 4 do artigo 166.ºda Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto configuram uma alteração geral, normal e definitiva ao regime de suspensão da prescrição contra-ordenacional, aplicável a todos os ilícitos previstos naquela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, pelo que não são transitórios, nem se destinam a vigorar durante um determinado período, nem constituem legislação para fazer face a uma situação excepcional.
46. Os novos prazos de suspensão da prescrição previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto não correspondem a uma suspensão forçada, pelo que o raciocínio dos aludidos Acórdãos não é transponível para estas causas de suspensão.
47. EM FACE DE TODO O EXPOSTO, é forçoso concluir que a aplicação do regime previsto nos n.os 3 e 4 do 5 e 6 do artigo 166.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, configura um manifesto agravamento da situação do arguido, pelo que não poderia ter sido aplicado aos factos ocorridos antes da entrada em vigor dessa lei, como os factos imputados ao Recorrente nos presentes autos.
48. Por conseguinte, ao ter aplicado a Decisão Reclamada violou o princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei contra-ordenacional posterior desfavorável ao arguido, consagrado nos artigos 29.º, n.os 1 e 4, da CRP, 3.º do RGCO e 2.º do Código Penal, aplicáveis ex vi artigos 52.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e 32.º do RGCO,
49. pelo que a mesma deve ser revogada por esta conferência e substituída por Acórdão que ordenea baixa do processo e a sua remessa aoTribunal da Concorrência,Regulação e Supervisão, para redução da condenação do Recorrente e reajuste do cômputo da coima que lhe foi fixada em cúmulo jurídico, nomeadamente tendo em conta a prescrição do procedimento contra-ordenacional relativo à contra-ordenação em sede de reporte de relatório de prevenção de branqueamento de capitais (infracção prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag), consubstanciada na violação do artigo 2.º, n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de Maio), nos termos acima descritos.
50.  Subsidiariamente, caso assim não se entenda, requer-se a V. Exas. que o Tribunal da Relação de Lisboa proceda directamente ao ajuste da decisão condenatória e do cálculo da coima fixada em cúmulo jurídico, nomeadamente tendo em conta a prescrição do procedimento contra-ordenacional relativo à contra-ordenação em sede de reporte de relatório de prevenção de branqueamento de capitais (infracção prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag), consubstanciada na violação do artigo 2.º, n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de Maio), nos termos acima descritos.
Terminou, pedindo que seja dado provimento à presente reclamação, devendo a Decisão Reclamada ser revogada pela Conferência e substituída por Acórdão que ordene a baixa do processo e a sua remessa ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, para redução da condenação do Recorrente e reajuste do cômputo da coima que lhe foi fixada em cúmulo jurídico, nomeadamente tendo em conta a prescrição do procedimento contra-ordenacional relativo à contra-ordenação em sede de reporte de relatório de prevenção de branqueamento de capitais (infracção prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag), consubstanciada na violação do artigo 2.º, n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de Maio), nos termos acima descritos.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, requereu que o Tribunal da Relação de Lisboa proceda directamente ao ajuste da decisão condenatória e do cálculo da coima fixada em cúmulo jurídico, nomeadamente tendo em conta a prescrição do procedimento contra-ordenacional relativo à contra-ordenação em sede de reporte de relatório de prevenção de branqueamento de capitais (infracção prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag), consubstanciada na violação do artigo 2.º, n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de Maio), nos termos acima descritos.
*
A Exma Procuradora Geral Adjunta respondeu à reclamação, formulando a seguinte síntese conclusiva
1. Sustenta o arguido não ser aplicável à contraordenação prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag), da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, consubstanciada na violação do artigo 2.º, n.º 1, do Aviso n.º 9/2012 do Banco de Portugal, datado de 17 de maio, por que foi condenado, o regime de suspensão da prescrição contemplado no art. 166.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 83/2017, de 18/08, e que, por isso, o respetivo procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito, desde 04/12/2021,por forçada aplicação dos arts. 49.º da Lei 25/2008 e 27.º e 27.º-A, ambos do RGCO.
2. Fundamenta o arguido a sua pretensão na inaplicabilidade da Lei 83/2017 a contra-ordenações cometidas anteriormente à sua entrada em vigor, como entende ser o caso, uma vez que a contraordenação em causa foi praticada em 27/06/2013.
3. Sustentando mesmo a inconstitucionalidade da interpretação que levou à aplicação da Lei n.º 83/2017, no despacho de 21/12/2021, por violar o princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei contra-ordenacional posterior desfavorável ao arguido, consagrado nos artigos 29.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, 3.º do RGCO e 2.º do Código Penal, aplicáveis ex vi dos artigos 52.º da Lei n.º 25/2008, e 32.º do RGCO.
4. Perfilhamos a posição sustentada no despacho de 21/12/2021.
5. A Lei n.º 25/2008 foi revogada pela Lei n.º 83/2017.
6. A norma revogatória, contemplada no art. 190.º, da citada Lei, nada exceciona quanto à prescrição do procedimento criminal.
7. A Lei 83/2017 apenas faz referência à aplicabilidade da Lei 25/2008, no art. 188.º, n.º 4, que nada tem a ver com o que está em causa.
8. O prazo de prescrição do procedimento criminal é o mesmo que a Lei 25/2008 contemplava [art. 49.º, n.º 1], sendo igualmente o mesmo que o RGCO contempla no art. 27.º, al. a), do RGCO.
9. A divergência apenas se coloca quanto ao prazos de suspensão do procedimento criminal e, quanto a estes, a Lei n.º 83/2017 quis salvaguardar que a prescrição ocorresse devido à morosidade da tramitação dos processos em determinadas situações, onde se insere a dos autos, e evitar que ficassem sem punição contraordenações muito graves ou de grande danosidade social, como bem se fundamenta no despacho de 21/12/2021.
10. Com efeito, o prazo de seis meses de suspensão contemplado no art. 27.º-A, n.º 1, al. c) e n.º 2, do RGCO, foi alterado para 30 meses e 5 anos conforme se verifiquem as situações do art. 166.º, n.ºs 4 (infração punível com coima até € 1.000.000,00) e 5 (recurso para o Tribunal Constitucional), da Lei n.º 83/2017.
11. Quando foi admitido o recurso de impugnação judicial da decisão do BancodePortugal, que condenou o arguido pela prática da contraordenação em causa, o regime jurídico em vigor no momento era o da Lei n.º 83/2017.
12. Como se afirma no despacho de 21/12/2021, “Apesar de a referida Lei nº 83/2017 ter ampliado o prazo de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional relativo às infracções previstas na Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais, pelas quais o recorrente foi condenado, na referida data da prolação do despacho de admissão do recurso de impugnação judicial (19.09.2017), ainda não havia decorrido o prazo de prescrição dos 7 anos e meio e, não estando extinto, nada impede a aplicação do novo prazo de suspensão de 5 anos (a que acrescerá mais 5 anos por força da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional).
Àquele prazo de suspensão da prescrição, que foi alargado de 6 meses para 5 anos e que se iniciou com a notificação do despacho proferido a 19.09.2017 (face à moldura da coima aplicável à contraordenação em questão- superior a 1 000 000 euros), acrescerá mais 5 anos de suspensão por ter havido recurso para o Tribunal Constitucional, assim como acrescerão também as suspensões de contagem do prazo de prescrição decorrentes da pandemia por Covid-19 já aludidas no Acórdão proferido em 28.09.20121 (que perfaziam um período global de suspensão de 160 dias).
Assim decidindo, tem de se concluir que a prescrição do ilícito contraordenacional pelo qual o recorrente foi condenado e que é objecto deste requerimento (ou qualquer dos ilícitos em causa nos presentes autos) não ocorreu em 4.12.2021 e, está ainda muito longe de ocorrer.”
13. Como bem se fundamenta neste despacho, que nos eximimos de reproduzir devido à sua extensão, não se verifica qualquer violação de constitucionalidade, desde logo a invocada pelo arguido.
Em face do exposto,
Subscrevemos a fundamentação em que se alicerça o despacho de 21/12/2021 e entendemos que a Conferência deve manter o ali decidido.
*
Foram cumpridos os vistos.
*            
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão do requerimento da prescrição são os que resultam do relatório que antecede.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A questão a decidir reporta-se em exclusivo à prescrição do procedimento contraordenacional suscitada pelo Recorrente no requerimento Refª Citius 40661742.
No requerimento em apreço sustenta o Recorrente que o prazo máximo de prescrição em causa, no que à concreta contraordenação a que o requerimento se refere, nunca poderá ultrapassar os 8 anos, já contando com as sucessivas causas de interrupção e suspensão, mesmo com a aplicação da suspensão da prescrição prevista no regime excepcional aprovado no quadro das medidas da pandemia Covid-19 (sem conceder), por força da conjugação do art. 49º nº 1 da Lei nº 25/2008 com os artigos 27º-A nº 2 e 28º do RGCO.
Concluiu que, independentemente do mérito da condenação (que não concede) está em causa um suposto comportamento imputado ao recorrente datado de 27 de Junho de 2013, pelo que o prazo de prescrição iniciou-se em 27 de Junho de 2013 e terminaria dentro de oito anos ( que já inclui metade do prazo de prescrição ordinário e os 6 meses previstos no art. 27º-A do RGCO), isto é, em 27 de Junho de 2021, no entanto, mesmo acrescentando-se os 160 dias de suspensão (sem conceder) a prescrição da aludida contraordenação ocorreu entretanto em 4 de Dezembro de 2021.
Não se mostra controvertida a data do início do prazo de prescrição da contraordenação objecto do requerimento em apreço- 27 de Junho de 2013-, e quanto à questão da aplicabilidade dos prazos de suspensão decorrentes da Lei nº 1-A/2020, já foi proferida decisão pelo Acórdão de 28.09.2021 (sendo esta uma das questões do recurso em curso no Tribunal Constitucional), pelo que, no seguimento do então decidido, o prazo de prescrição quanto à contraordenação prevista e punida pelo artigo 53.º, alínea ag) da Lei nº 25/2008,  iniciou-se a 27 de Junho de 2013 e, nos termos da conjugação do art. 49º nº 1 da lei nº 25/2008 com os arts. 27º-A nº 2 e 28º do RGCO, a prescrição teria lugar decorrido o prazo normal (cinco anos), acrescido de metade (sete anos e meio) e ressalvado o tempo de suspensão consagrado no art. 27º -A nº 1 al. c) e nº 2 do RGCO(seis meses), o que perfaria oito anos, a que acresceriam os 160 dias de suspensão da prescrição decorrentes da legislação mencionada no Acórdão relativa à pandemia causada pelo Covid-19.
Assim seria, não fosse dar-se o caso de já não estarmos perante um prazo de seis meses de suspensão da prescrição previsto no art. 27º-A nº 1 al. c) e nº 2 do RGCO, porquanto existe disposição específica distinta quanto à duração desse prazo de suspensão da prescrição consagrado na actual Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, cujo regime não recorre subsidiariamente ao RGCO.
Senão vejamos.
O aqui Recorrente foi condenado por decisão proferida pelo Banco de Portugal, pela prática, entre outras, da contraordenação objecto deste requerimento, prevista na alínea ag) do artigo 53.º e punida pelo artigo 5.º do Aviso n.º 9/2012 e pela subalínea ii), da alínea a), do artigo 54.º, da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho.
Isto é, o recorrente foi condenado pela prática de ilícitos de mera ordenação social consagrados na Lei nº 25/2008 de 5 de Junho que estabelecia medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo.
Segundo o art. 49º da Lei nº 25/2008 de 5 de Junho- regime jurídico em vigor à data da prática do facto ilícito contraordenacional e pelo qual o recorrente foi condenado-, o procedimento relativo às contraordenações nele previstas, prescrevia no prazo de cinco anos a contar da data da sua prática, aplicando-se como direito subsidiário o RGCO, por força do disposto no art. 52º da referida Lei.
Inconformado com a referida decisão proferida pelo Banco de Portugal, o aqui recorrente dela interpôs recurso de impugnação judicial, tendo sido proferido despacho de recebimento desse recurso pelo TCRS em 19.09.2017.
Foi precisamente a partir da notificação daquele despacho- despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima- que se iniciou o prazo de suspensão da prescrição do procedimento relativo às contraordenações consagradas na Lei de Branqueamento de Capitais, até então previsto no art. 27º-A nº 1 al. c) do RGCO.
Não obstante, no momento em que se iniciou o referido prazo de suspensão da prescrição- com a notificação da prática do acto judicial consubstanciado no despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa ( 19.09.2017), que até aí era de 6 meses nos termos do art. 27º-A nº 1 al. c) e nº 2 do RGCO - já estava em vigor a nova Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo- Lei nº 83/2017 de 18/8.
Embora a actual Lei nº 83/2017 tenha revogado a Lei nº 25/2008 de 5/6, foi mantida a punição dos ilícitos da mesma natureza pelos quais o Recorrente foi condenado, tendo a alteração legislativa sido necessária de forma a cumprir as determinações comunitárias que impunham a transposição das Diretivas 2015/849/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015 e, 2016/2258/EU, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016.
Isto é, os ilícitos contraordenacionais que outrora estavam previstos na Lei do Branqueamento de Capitais nº 25/2008 de 5/6 continuaram a ser punidos pela Lei nº 83/2017 de 18/8, que a substituiu, assim permanecendo os objectivos do legislador de consagrar medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
E, em função dos relevantes interesses de ordem pública que estão subjacentes à punição daquele tipo de ilícios contraordenacionais, o legislador entendeu por bem alargar o prazo de suspensão da prescrição desse tipo de ilícitos, quando entram na fase judicial propriamente dita, certamente perante a evidência de que o prazo de 6 meses era manifestamente desajustado à realidade vivenciada, dada a dimensão e complexidade de apreciação jurisdicional destes ilícitos, prolongando o prazo de suspensão que até aí era de 6 meses para 30 meses ou 5 anos, consoante as infrações sejam puníveis com coima até 1 000 000 (euro) ou superior a 1 000 000 (euro) respectivamente.
Valem aqui, com bastante pertinência, as considerações efectuadas na sentença recorrida quanto aos interesses subjacentes à punição dos referidos ilícitos, secundadas no Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa em 28.09.2021, nos seguintes termos:
o bem jurídico tutelado identificado na sentença foi a garantia dos cidadãos na efectiva regulação e supervisão do mercado bancário e financeiro (interesse relevante que pode acarretar graves e consideráveis consequências para o Estado, para mais quando inserido numa união económica e monetária). Efectivamente, está em causa a adopção, no caso pelas instituições financeiras, de medidas preventivas de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, e o cumprimento do dever legal de as implementar e de reportar à autoridade de supervisão a quem cabe fiscalizar o seu cumprimento.”
Segundo o art. 166º da lei nº 83/2017 de 18/8- lei em vigor à data da prolação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa e que admitiu o recurso de impugnação judicial interposto pelo aqui recorrente-, sob a epígrafe “Prescrição”, prevê-se o seguinte:
1 - O procedimento relativo às contraordenações previstas na presente lei prescreve no prazo de cinco anos.
2 - Nos casos em que tenha havido ocultação dos factos que são objeto do processo de contraordenação, o prazo de prescrição suspende-se até ao conhecimento desses factos por parte da entidade com competência instrutória do procedimento contraordenacional.
3 - Sem prejuízo das outras causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas na lei, a prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se também a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso.
4 - A suspensão prevista nos números anteriores não pode ultrapassar:
 a) 30 meses, quando as infrações sejam puníveis com coima até 1 000 000 (euro);
 b) Cinco anos, quando as infrações sejam puníveis com coima superior a 1 000 000 (euro).
 5 - O prazo referido no número anterior é elevado para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - O prazo de prescrição das coimas e sanções acessórias é de cinco anos, a contar do dia em que a decisão administrativa se torne definitiva ou do dia em que a decisão judicial transite em julgado.
Na Lei nº 83/2017 de 18/8 o prazo de prescrição dos ilícitos contraordenacionais relativos a infrações à Lei de Branqueamento de Capitais manteve-se o mesmo que prescrevia o art. 49º da Lei nº 25/2008- 5 anos-, as causas de suspensão e interrupção da prescrição mantiveram-se as mesmas, apenas tendo sido alargado o prazo de suspensão do procedimento por contraordenação dessa natureza que  se inicia a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso.
Ora, afigura-se-nos que, ponderando os interesses públicos subjacentes à publicação da nova Lei de Branqueamento de Capitais-Lei nº 83/2017- lei em vigor à data em que foi praticado o acto judicial que determina a suspensão do procedimento por contraordenação daquela natureza,  no que toca à prescrição desse tipo de ilícitos contraordenacionais pelos quais o aqui recorrente foi condenado, é de aplicar o prazo ampliado de suspensão de prescrição previsto no art. 166º nº 3, 4 al. b) e nº 5 da Lei nº 83/2017 de 18/8, que passou a ser de 5 anos no caso concreto, aos processos contraordenacionais pendentes, que deram entrada em tribunal após a sua publicação, nos casos em que ainda não havia decorrido o prazo de prescrição.
Independentemente da posição que se adopte na controvérsia doutrinal e jurisprudencial sobre a natureza das normas que prescrevem o regime da prescrição- normas de natureza processual, substantiva ou mista- afigura-se-nos que no caso concreto, não tendo a nova Lei criado um novo prazo de prescrição, nem tendo criado uma nova causa de suspensão da prescrição (mantendo-se inalterado quer o prazo de prescrição de 5 anos, quer a causa da suspensão da prescrição decorrente da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima), tendo-se limitado a aumentar a duração do prazo dessa suspensão, a lei aplicável deverá ser a da data da prática do acto que determina essa causa de suspensão, solução processual adequada à regra tempus regit actum (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto processual em causa).
E, não se diga que a aplicação imediata daquela nova lei agrava de forma sensível a posição processual do arguido, porquanto não se trata de uma norma que contende com a posição processual ou com direitos de defesa do arguido, como poderia sustentar-se no caso de se alargar um prazo prescricional ou criar factos interruptivos ou suspensivos da prescrição não previstos na lei anterior (situações mencionadas por Pedro Caeiro, como obstáculo à aplicação imediata da lei nova quanto à problemática da prescrição )[1], situações que de forma evidente não se verificam no caso da aplicação imediata do art. 166º da Lei nº 83/2017 de 18/8.
Neste conspecto, mesmo nos casos em que a lei nova consagra uma nova causa de suspensão da prescrição, como é o caso da aplicação da nova causa de suspensão do prazo da prescrição introduzida pela lei nº 1-A/2020 nos processos de contraordenação pendentes (apesar da data da prática do facto ilícito ser anterior), tem sido entendimento sufragado, de forma reiterada e consistente, pelo Tribunal Constitucional, nos Acórdãos mais recentes, que a mesma é imediatamente aplicável.
Senão vejamos.
No Acórdão do TC nº 500/2021 ficou decidido, “não julgar inconstitucional o artigo 7º nº 3 e 4 da lei nº 1-A/2020 de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respectiva vigência”.
Dele se extraem, com  especial relevo para o caso em apreço, os seguintes entendimentos, por nós inteiramente sufragados, que pela clareza da exposição passamos a citar:
“Em suma: para além de absolutamente congruente com o mais amplo critério seguido na jurisprudência do TEDH e do TJUE, a norma extraída dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não se encontra abrangida, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes. 
(…) A circunstância de a interpretação sindicada se cingir aos procedimentos contraordenacionais pendentes por factos anteriores ao início da vigência da Lei n.º 1-A/2020 apenas serve para tornar mais evidente a conclusão que acima se alcançou. Com efeito, apesar de o direito das contraordenações, enquanto direito sancionatório público, ser influenciado ou “matizado” pelos princípios constitucionais do direito penal, a autonomia material do ilícito de mera ordenação social em relação ao ilícito penal obsta a que tais princípios possam ser transpostos deste para aquele de forma automática ou imponderada ou que possam aí valer com a mesma exata extensão ou com o mesmo grau de intensidade  (cf. Acórdão n.º 76/2016; no mesmo sentido, a propósito da liberdade de conformação do legislador na modelação do instituto da prescrição, v.  Acórdão n.º 297/2016). No que diz respeito à proibição constitucional da retroatividade in pejus, isso significa que ela se estenderá ao direito contraordenacional somente enquanto manifestação nuclear da função de garantia do princípio legalidade, exigida pela ideia de Estado de Direito e oponível ao arbítrio ex post facto.
Resta concluir, assim, que, ao proibir que qualquer cidadão seja «sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão» ou sofra pena que não esteja expressamente cominada «em lei anterior» ou mais grave do que a prevista «no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos», o artigo 29.º da Constituição, respetivamente nos seus n.ºs 1, 3 e 4, não se opõe à aplicação de uma causa de suspensão da prescrição com a função e o recorte daquela que foi prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2000, a procedimentos contraordenacionais pendentes por factos praticados antes do início da respetiva vigência.”
Também no Acórdão do TC nº 660/2021 ficou decidido “Não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 7º, nºs 3 e 4 da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, no sentido de que a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, se encontram já em curso.”
Também com relevo para o caso concreto, dele pode ler-se o seguinte:
“Na doutrina nacional, é quase transversal o entendimento de que às regras referentes ao regime da prescrição do procedimento criminal são aplicáveis as garantias previstas no artigo 29.º da CRP, no tocante à retroatividade da lei penal. Ou seja, às normas relativas a prazos de prescrição, causas de interrupção ou de suspensão, e efeitos da prescrição são aplicáveis as regras vigentes à data da prática da conduta (tempus delicti), proibindo-se a aplicação retroativa das que sejam menos favoráveis ao agente e impondo-se a aplicação retroativa dos regimes mais favoráveis.
Por seu turno, a jurisprudência constitucional tem trilhado um caminho, que, ainda que não seja diametralmente oposto, reconhecendo a natureza substantiva da figura da prescrição do procedimento e da pena, evidencia modos diferenciados de ponderação do escopo de aplicação do princípio da legalidade e, em particular, da proibição da irretroatividade da lei penal in malam partem.
(…)é reconhecido na jurisprudência constitucional que inexiste suporte explícito na Lei Fundamental que consagre a regra da imprescritibilidade do procedimento criminal e que são valores como a certeza e a paz jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de direito democrático, que reclamam que o instituto da prescrição, em sede criminal, seja ponderado e perspetivado como valor constitucional (cfr. Acórdãos 483/2002 e 629/2005).
Igualmente nesta senda, tem sido afirmado que o princípio da proibição da imprescritibilidade das penas ou das sanções equiparáveis não ancora um direito subjetivo do arguido à prescrição (cfr. Acórdãos n.º 483/2002 e 366/2018), sendo lícito ao legislador estabelecer causas de suspensão e de interrupção da prescrição, ou prever limites máximos temporais a causas de suspensão, desde que isso não implique, em concreto, a ineficácia do instituto de que o arguido possa vir a beneficiar.
Como tem sido evidenciado pela jurisprudência constitucional acima elencada, para além de não existir um direito subjetivo à prescrição do procedimento criminal, é também legítimo que o legislador contemple causas de suspensão em diplomas especiais, desde que sejam suficientemente precisas e emitidas pela Assembleia da República, o que se verifica neste caso (cfr. Acórdão n.º 449/2002).
Assim, consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (v., de novo, o Acórdão n.º 500/2021).
Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento – como no caso da suspensão motivada pela pandemia –, a lei superveniente não torna punível um facto não punível: ela limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de uma emergência sanitária, mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. O direito de defesa não resulta, de modo algum, comprometido e o Estado não abusa do poder punitivo, nem frustra aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal: como mostra a própria disciplina da prescrição do crime (…) o momento em que se cumpre a prescrição é, na verdade, variável e em boa medida imprevisível antes da prática do facto, quando o agente nem sequer sabe se alguma vez será alvo de um procedimento criminal (cfr. “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 30, n.º 20, maio-agosto 2020, Gestlegal, pág. 312 e 313).
(…) A construção perfilhada pelo TJUE, nos dois arestos da Saga Taricco, posiciona-se na mesma linha jurisprudencial do TEDH, no sentido de a proibição da retroatividade em matéria de prescrição poder ter por referência o terminus do prazo de prescrição, previsto na lei em vigor à data da prática dos factos, uma vez que o artigo 7.º da CEDH não impede a aplicação imediata aos procedimentos em curso das leis que estendem prazos de prescrição, quando os factos imputados ainda não tenham prescrito e quando essa extensão não seja arbitrária (cfr. Acórdão de 22 de junho de 2000, proferido no Caso Coëme and Others v. Belgium; Acórdão de 8 de dezembro de 2009, proferido no Caso Cesare Preveti v. l’Italie; ponto 22 do Acórdão n.º 500/2021; e  Gatta, Gian Luigi, Ob. Cit. pág. 316).
Muito embora a apreciação da conformidade constitucional da aplicação da causa de suspensão da prescrição prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 aos procedimentos em curso se tenha feito por referência à sua natureza criminal, os argumentos que sustentam o presente juízo de não inconstitucionalidade são replicáveis para os procedimentos de natureza contraordenacional. Com efeito, e não obstante a jurisprudência do Tribunal se encontrar estabilizada no sentido de os princípios constitucionais com relevo em matéria penal não serem transponíveis, com a mesma extensão e intensidade, para o domínio contraordenacional (cfr. entre outros Acórdãos n.ºs 344/93, 278/99, 160/04, 537/2011, 85/2012, 76/2016, 297/2016 e 175/2021), é para nós claro, na senda do decidido no Acórdão n.º 500/2021, que, “no que diz respeito à proibição constitucional da retroatividade in pejus, isso significa que ela se estenderá ao direito contraordenacional somente enquanto manifestação nuclear da função de garantia do princípio da legalidade, exigida pela ideia de Estado de Direito e oponível ao arbítrio ex post facto”.
Assim, pelos fundamentos e considerações jurídicas acima expendidas, concluímos que a interpretação extraída do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, no sentido de ser aplicável a causa de suspensão da prescrição do procedimento aí prevista aos procedimentos contraordenacionais pendentes aquando da entrada em vigor daquele diploma, não viola o princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal in malam partem, consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.”
De facto, se o Tribunal Constitucional considera conforme à Constituição da República Portuguesa a aplicação da lei nova, que cria uma nova causa de suspensão da prescrição, aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respectiva vigência, aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, se encontravam já em curso, cremos que, por maioria de razão, será de admitir, à luz da Lei Fundamental, a aplicação de uma nova lei que não introduz uma nova causa de suspensão mas que se limita a prolongar o prazo da suspensão da prescrição já anteriormente prevista, quando, como é o caso, o prazo de prescrição ainda não havia terminado.
A ampliação do prazo de suspensão da prescrição decorrente da aplicação da Lei nº 83/2017 de 18/8 nem sequer se confunde com a problemática da aplicação de uma nova lei que alargue um prazo de prescrição anterior, porquanto o prazo de prescrição mantém-se nos 5 anos (tal qual era no anterior art. 49º da Lei nº 25/2008).
Trata-se da introdução de uma alteração na contagem do prazo de suspensão da prescrição em curso, não da criação de um novo prazo de prescrição.
Nem sequer se deve falar de retroactividade de lei penal desfavorável quando se está a aplicar um prolongamento do prazo de suspensão da prescrição a um prazo que ainda está a decorrer, que não se havia esgotado à luz da lei anterior.
Salienta-se que o art. 27º -A do RGCO já antecipava a possibilidade de a prescrição do procedimento por contraordenação se suspender em casos especialmente previstos em lei especial, que surja entretanto, na pendência de um processo dessa natureza, que regule de forma diferente essa suspensão.
Nem é tutelável juridicamente a mera expectativa do arguido de que o prazo de suspensão da prescrição não possa ser alterado (inclusive ampliado) no decurso do processo de contraordenação que lhe foi instaurado, porquanto não lhe assiste nenhum direito à prescrição, não sendo violado o princípio da confiança e segurança jurídicas ínsitos ao Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2º da CRP.
Já mesmo anteriormente, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 449/2002, havia ficado decidido que, para além de não existir um direito subjectivo à prescrição do procedimento criminal, é também legítimo que o legislador contemple causas de suspensão em diplomas especiais, desde que sejam suficientemente precisas e emitidas pela AR.
O Recorrente foi condenado pela lei em vigor à data da prática dos factos- Lei nº 25/2008- a coima foi calculada por aplicação do referido diploma legal, o prazo de prescrição da contraordenação pela qual foi condenado é o prazo de 5 anos então previsto, tendo sido observado o princípio da legalidade, apenas se entende que nada obsta que lhe seja aplicável o prazo de suspensão da prescrição de 5 anos, previsto no art. 166º nº 3 e 4 al. b) da Lei nº 83/2017 de 18/8, que até então estava previsto no art. 27º nº 1 al. c) do RGCO como sendo de 6 meses.
O entendimento que o Tribunal Constitucional perfilhou sobre a vigência no tempo das leis que estabeleceram novas causas de suspensão (por força da pandemia por Covid-19) é inteiramente transponível para a presente problemática da aplicabilidade imediata do prazo de suspensão da prescrição previsto no art. 166º da Lei nº 83/2017 aos procedimentos contraordenacionais pendentes por factos cometidos antes do início da sua vigência, tendo afastado as arguições de inconstitucionalidade da mesma natureza das aqui suscitadas pelo Recorrente.
Tal como entende Frederico de Lacerda da Costa Pinto,[2] “o regime adoptado incide sobre a suspensão do prazo de prescrição em curso e a sua contagem futura, constitui um caso de retroconexão ( criação de um regime para o presente e o futuro a partir de um facto pressuposto anterior) e não está abrangido pela proibição de retroatividade da lei penal nem pelo princípio da aplicação da lei penal mais favorável ao arguido em caso de sucessão de leis penais no tempo- regimes estes que se reportam ao facto, à sua imputação e à pena, mas não ao regime processual de suspensão da prescrição.”
Pelos fundamentos acima melhor expostos, não se estando perante um caso de aplicação retroactiva de lei penal desfavorável e, tendo sido assegurados todos os direitos de audiência e de defesa ao aqui Recorrente, é de afastar qualquer interpretação inconstitucional, não havendo desconformidade aos princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º, 18º nº3, 4 e 6, 29º nº 4 e 32º nº 10 da CRP.
Assim sendo, na senda do que tem vindo a ser doutamente decidido pelo Tribunal Constitucional, não se vislumbram obstáculos constitucionais à aplicação imediata do prazo de suspensão da prescrição mais alargado do art. 166º nº 3, 4 al. b) e nº 5 da Lei nº 83/2017 de 18/8 ao procedimento contraordenacional em curso relativamente à contraordenação pela qual foi condenado o aqui recorrente e que é objecto deste requerimento (raciocínio que, diga-se desde já, é extensível às demais contraordenações em que foi condenado).
Esclarece-se que esta posição não é nova e secunda de muito perto o entendimento perfilhado por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa no recente Acórdão proferido no Proc. Nº 127/19.5YUSTR.L1, embora então a propósito do novo regime das contraordenações do RGICSF, mas cujos argumentos são extensíveis na sua generalidade ao caso em apreço, até porque o art. 209º do RGICSF na redação introduzida pelo DL nº 157/2014 de 24/10 é em tudo semelhante ao acima aludido art. 166º da Lei nº 83/2017 de 18/8, tendo sido igualmente ampliados os prazos de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, iniciados com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplique uma coima, de seis meses para 30 meses ou 5 anos consoante o valor da coima aplicável ali prevista.
Naquele douto Acórdão pode ler-se:
“O prazo de suspensão do procedimento contra-ordenacional a que já anteriormente fizemos referência e que encontrava previsão apenas no artigo 27ºA, n.º 1, al. c) do RGCO sofreu pois um alargamento para trinta meses ou cinco anos consoante os casos ali previstos.
(…)Ora, em face da jurisprudência citada e muito recente do Tribunal Constitucional em matéria de aplicação aos processos pendentes em matéria de causas e prazos de suspensão do procedimento contra-ordenacional decorrentes da legislação publicada por força da pandemia que tem assolado o mundo, e dos argumentos ali invocados, não encontramos razão que justifique a não aplicação do prazo mais longo de suspensão, desde logo atenta a natureza contra-ordenacional (e não criminal) das infracções em causa, e bem assim a circunstância de se tratar disso mesmo, de um alargamento do prazo de suspensão, e não de uma causa de interrupção, não inutilizando o tempo decorrido até à sua entrada em vigor, apenas se aplicando para o futuro desde a data da entrada em vigor do diploma que prevê tal alargamento.
Recordando excertos dos referidos Acórdãos do Tribunal Constitucional, ali se refere que na doutrina e jurisprudência alemãs e italianas se admite “claramente que uma lei nova alargue o prazo de prescrição em curso, desde que este não se tenha ainda esgotado. Assim, nos casos em que a lei nova amplia a duração do tempo necessário para que se verifique a prescrição, importará distinguir a hipótese «em que, à data da entrada em vigor da lei, já decorreu o tempo da prescrição do crime, da situação em que a prescrição ainda não está concluída. No primeiro caso, a aplicação retroativa da nova disciplina é inadmissível: decorrido o tempo necessário para que ocorra a prescrição, o agente deixa de poder ser punido e deverá poder confiar neste estado de coisas […]». Ao contrário, «qualquer ampliação do prazo que intervenha antes de verificada a prescrição de acordo com a lei vigente à data da prática do crime […] pode aplicar-se aos factos cometidos antes do início da sua entrada em vigor. Esta aplicação não atenta contra o princípio da irretroatividade: a ratio deste princípio é tutelar a expetativa do cidadão em saber previamente se e em qual medida poderá vir a ser punido, e não já fazê-lo saber por quanto tempo deverá permanecer escondido após o cometimento do facto até poder voltar tranquilamente à vida do dia a dia. É evidente que o autor do crime pode fazer cálculos desta natureza, mas o princípio da irretroatividade não está orientado para a proteção de semelhantes cálculos» (Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Milão, 2004, Giuffrè Editore, p. 59).” (o destacado é nosso)
Nos mesmos faz-se referência a que a construção exposta – cujo essencial acaba por reconduzir-se à ideia de que a retroatividade proibida em matéria de prescrição do procedimento criminal tem como marco temporal de referência, não o facto criminoso, mas o terminus do prazo prescricional fixado na lei em vigor à data da respetiva prática constituindo uma situação de retroatividade de segundo grau (artigo 12º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil), "retroatividade inautêntica" ou "retrospetividade", que só poderia ser julgada inconstitucional se ofendesse de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado, expectativas do agente do crime contemporâneas da prática do facto (artigo 2º e 29º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição), sendo que para apreciar da proporcionalidade de qualquer ofensa a direitos fundamentais importa sempre lançar mão dos critérios previstos no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 335º do Código Civil.
Ora, não se podendo inferir do princípio da confiança, que constitui corolário do Estado de direito democrático, a exata cognoscibilidade de todas as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal no momento da prática do facto consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (cf., de novo, o Acórdão n.º 500/2021).
Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, e FREDERICO COSTA PINTO a que já fizemos referência, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento da suspensão do mesmo prazo, a lei superveniente não torna punível um facto não punível – o legislador não altera, no preceito indicado, a sua valoração sobre o facto típico ou a imputação do mesmo - nem agrava a sanção respetiva: o legislador limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de crise financeira de efeitos devastadores da economia mundial, e dos rendimentos e poupanças dos contribuintes (que estiveram sujeitos a severas medidas de restrição), mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal.
Não estamos, pois, perante um caso de sucessão de leis penais no tempo, pelo que não estamos no âmbito do artigo 29º, n.º 4 da CRP ou do artigo 3º, n.º 1 do RGCO, mas antes no âmbito do disposto no artigo 5º do Código de Processo Penal e do artigo 32º da Constituição, pois o preceito não incide sobre o instituto da prescrição em si mesmo, antes apenas estabelece a suspensão da contagem de um prazo pré-existente e não inutiliza o que entretanto passou.”
E já vimos que tal interpretação tem acolhimento pleno quer no TEDH, quer no TJUE .
Foi a situação de crise financeira a que fizemos referência que evidenciou a necessidade e fundamentou a aprovação do pacote legislativo em que se insere a referida medida de alargamento do prazo de suspensão, por forma a evitar nova situação com as gravosas consequências da anterior.
A suspensão encontra-se legitimada por Lei de Autorização aprovada pela Assembleia da República e pelo artigo 27ºA, n.º 1 do RGCO (também pelo artigo 120º, n.º 1 do Código Penal), que prevê a possibilidade de existirem leis especiais sobre a matéria, o que torna o regime português mais amplo nesta matéria, que o alemão ou o italiano.
A medida é proporcional, adequada à realidade e aos objectivos do legislador, que pretendeu com a reforma do regime, prevenir crises com as consequências nefastas para os cidadãos, que advieram da mesma crise financeira que a motivou, traduz-se no acrescentar de um período mínimo de suspensão, plenamente justificado em face das consequências da referida crise, até nas estruturas das Instituições de Crédito, assegura o tratamento igual de todos os arguidos e respeita o princípio da confiança, pois o artigo 27ºA, n.º 1 salvaguarda a possibilidade de o legislador publicar diplomas relativos à suspensão da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.”
Perante os argumentos acima esgrimidos, os quais se secunda inteiramente e têm plena aplicabilidade ao caso dos autos, tem de se considerar adequada a aplicação, ao caso sub judice, do prazo de suspensão da prescrição estabelecido na Lei nº 83/2017 de 18/8, regime jurídico em vigor no momento em que foi admitido o recurso de impugnação judicial da decisão do Banco de Portugal que condenou o aqui recorrente pela prática da contraordenação em causa.
Apesar de a referida Lei nº 83/2017 ter ampliado o prazo de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional relativo às infracções previstas na Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais, pelas quais o recorrente foi condenado, na referida data da prolação do despacho de admissão do recurso de impugnação judicial (19.09.2017), ainda não havia decorrido o prazo de prescrição dos 7 anos e meio e, não estando extinto,  nada impede a aplicação do novo prazo de suspensão de 5 anos (a que acrescerá mais 5 anos por força da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional).
Àquele prazo de suspensão da prescrição, que foi alargado de 6 meses para 5 anos e que se iniciou com a notificação do despacho proferido a 19.09.2017 (face à moldura da coima aplicável à contraordenação em questão- superior a 1 000 000 euros), acrescerá mais 5 anos de suspensão por ter havido recurso para o Tribunal Constitucional, assim como acrescerão também as suspensões de contagem do prazo de prescrição decorrentes da pandemia por Covid-19 já aludidas no Acórdão proferido em 28.09.20121 (que perfaziam um período global de suspensão de 160 dias).
Salienta-se que a presente decisão não contraria as decisões anteriormente adoptadas por este Tribunal nos presentes autos, porquanto não se põe em causa a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 49º da Lei nº 25/2008 de 5/6, nem a aplicação das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no art. 27º A do RGCO, apenas e só se sufraga o entendimento de é de aplicar o prazo mais alargado dessa suspensão da prescrição introduzido pela Lei nº 83/2017 de 18/8.
Não estamos perante qualquer violação de caso julgado, porquanto nos anteriores Acórdãos proferidos nestes autos não se decidiu pela verificação da prescrição do procedimento contraordenacional, nem se disse qual era o prazo de suspensão da prescrição aplicável, apenas ficou escrito que à luz da Lei nº 25/2008 não havia ocorrido qualquer prescrição e que seriam aplicáveis as causas de suspensão da prescrição especialmente previstas na Lei nº 1-A/2020, decisão que aqui não é de todo contrariada. 
Assim decidindo, tem de se concluir que a prescrição do ilícito contraordenacional pelo qual o recorrente foi condenado, e que é objecto deste requerimento (ou qualquer dos ilícitos em causa nos presentes autos) não ocorreu em 4.12.2021 e, está ainda muito longe de ocorrer.
Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão da remessa dos autos à primeira instância para reformulação do cúmulo de coimas.
*
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a reclamação, confirmando a decisão singular oportunamente proferida, que se mantém, com a consequente improcedência do requerimento da prescrição do procedimento contraordenacional.
Notifique.

Lisboa, 27/1/2022
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
Eurico José Marques dos Reis (assina com declaração de voto que se segue)

DECLARAÇÃO DE VOTO
“ No que se reporta à invocação de prescrição suscitada no requerimento agora apreciado, tal como já antes aconteceu, subscrevo a posição assumida no presente acórdão, mas apenas por força do estatuído no n.º 3 do art.º 8º do Código Civil, e tendo em conta a posição jurisprudencial que vem sendo sucessivamente assumida pelo Colendo Tribunal Constitucional acerca da matéria em causa.”

[1] Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: Um “caso prático”, Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora
[2] Parecer sobre a Suspensão da contagem dos prazos de prescrição por força da legislação de emergência sanitária (Covid 19), 2021, junto ao Proc. Nº 353/2021 subjacente o Acórdão do TC nº 500/2021