Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
376/13.0TTCSC.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
REFORMA POR VELHICE
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Existe uma diferença essencial entre o contrato de trabalho que cessa por caducidade com a reforma do trabalhador por velhice, nos termos da alínea c) do artigo 343º do Código do Trabalho, e o contrato de trabalho em que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem ter havido a sua reforma, pois neste caso não se opera a caducidade do contrato de trabalho.
2. Assim, na data em que a trabalhadora perfez 70 anos de idade, o contrato de trabalho não cessou por caducidade, antes se converteu ope legis, num contrato de trabalho a termo resolutivo, ao abrigo do n.º1 do artigo 348º do CT, pelo prazo de seis meses renováveis, por força do disposto no n.º3 do mesmo artigo 348º do CT.
3. Face à subsistência do vínculo laboral, não obstante a sua conversão a termo, a carta que a ré enviou à autora na qual lhe comunicou a denúncia do contrato, consubstancia um despedimento ilícito, na medida que a ré emitiu uma declaração negocial exprimindo a sua vontade de fazer cessar a relação laboral, antes do termo do contrato, sem motivo justificativo e sem a precedência do respectivo procedimento disciplinar, omissão que conduz à ilicitude do despedimento, por força do disposto nas b) e c) do artigo 381º do Código do Trabalho.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I-RELATÓRIO:


A autora, AA, residente na Rua (…), n.º (…) – Bloco (…),(…), Carcavelos moveu acção contra: BB, com sede na Rua (…), Carcavelos.

Alega que foi admitida na ré em 27/02/2005, por contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções inerentes à categoria de empregado de serviços gerais, mediante a retribuição mensal de € 475,00, que passou a ser de € 500,00 desde 30/12/12; em Fevereiro de 2013 a ré comunicou-lhe a denúncia, por caducidade, do referido contrato de trabalho, em virtude de ter atingido os 70 anos de idade, o que consubstancia um despedimento ilícito uma vez que a autora não requereu nem lhe foi concedida a reforma.

Conclui pedindo que a presente acção seja julgada procedente e consequentemente: i) ser declarada a conversão do contrato de trabalho existente em contrato a termo, com início em 05/03/2013; ii) Ser considerado que a A. foi ilicitamente despedida; iii) Ser a R condenada no pagamento da indemnização por despedimento, no montante de € 3.750,00; iv) ser a R condenada a pagar juros de mora à taxa de 4% até efectivo pagamento.

Na contestação a ré sustenta que denunciou validamente o contrato de trabalho em apreço e conclui pela improcedência da acção.
 
Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

Destarte, julga-se procedente a presente acção e, consequentemente:

a) declara-se ilícito o despedimento de que a autora AA foi alvo;
b) condena-se a ré BB., a pagar à autora a quantia de € 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros) a título de indemnização nos termos do artigo nos termos do artigo 393.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.

A Ré, inconformada, interpôs recurso tendo apresentado as seguintes
Conclusões:

(…)

Nas contra-alegações a autora pugnou pela confirmação do decidido.

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da conformação do decidido.

Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir:

          Fundamentos de facto:

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. A ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social.  

2. A autora nasceu em 5 de Março de 1943.

3. A autora foi admitida ao serviço da ré mediante a celebração, em 27 de Fevereiro de 2005, do denominado “Contrato Individual de Trabalho a Termo Certo” cuja cópia faz fls. 15 e 16 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. Para, a partir de 1 de Março de 2005, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar, no lar que a ré possui na sua sede, as funções de empregada de serviços gerais, competindo-lhe a limpeza das instalações, auxílio às utentes, ajudar na cozinha ou refeitório.

5. O acordo foi celebrado pelo período de 6 meses, tendo após as sucessivas renovações passado a contrato sem termo.

6. Mais recentemente auferia a retribuição mensal de € 500,00.

7. A ré enviou à autora a comunicação cuja cópia faz fls. 20 dos autos e aqui se dá por reproduzida, comunicando-lhe a denúncia do contrato de trabalho, com efeitos em 5 de Março de 2013, por atingir nessa data os 70 anos de idade.

8. A ré emitiu e entregou à autora o certificado de trabalho cuja cópia faz fls. 21 dos autos.

9. A autora deixou de exercer funções para a ré a partir de 5 de Março de 2013.

10. A autora recebeu a comunicação supra referida em 7 no dia 13/02/2013.

11. A ré pagou à autora, no dia 04/03/2013, o valor líquido de € 1.142,21, a título de créditos emergentes da cessação do contrato.

          Fundamentos de direito:

Como resulta das conclusões do recurso interposto, a única questão a apreciar é a de saber se o contrato em causa cessou por caducidade e foi validamente denunciado pela ré, ou, pelo contrário, se a autora foi alvo de um despedimento ilícito.

O Tribunal recorrido entendeu que na data em que a autora perfez 70 anos de idade, o contrato de trabalho que mantinha com a Ré converteu-se, ope legis num contrato de trabalho a termo, pelo prazo de seis meses renováveis, por força do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 348º do Código do Trabalho, ex. vi do nº 3 do mesmo preceito.

A Ré/recorrente entende que a lei prevê um mesmo  regime de transição para o contrato do trabalhador que requereu a reforma por velhice e que permaneça ao seu serviço, bem como para a situação em que o trabalhador tenha atingido os 70 anos de idade e sem que tenha havido a sua reforma.

Vejamos então:

O artigo 348º do Código do Trabalho estipula a conversão do contrato de trabalho em contrato a termo, após a reforma por velhice ou idade de 70 anos, estabelecendo no seu n.º1 que se o trabalhador permanecer ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice, considera-se a termo esse contrato. O n.º2 regula as especificidades dessa contratação a termo e por último o n.º3 estipula que as mesmas normas são aplicáveis ao contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma deste.

Como se referiu, a Ré/recorrente entende que a lei prevê um mesmo regime de transição para o contrato do trabalhador que requereu a reforma por velhice e que permaneça ao seu serviço, como para a situação em que o trabalhador tenha atingido os 70 anos de idade sem que tenha ocorrido a sua reforma, regime esse que passaria também pela imediata conversão do contrato de trabalho a contrato a termo resolutivo.

Não se nos afigura, porém, que a recorrente tenha inteira razão, pois existe uma diferença essencial entre o contrato de trabalho que cessa por caducidade com a reforma do trabalhador por velhice, nos termos da al. c) do artigo 343º do Código do Trabalho, e o contrato de trabalho em que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que tenha ocorrido a sua reforma, porque neste caso não se opera a caducidade do contrato de trabalho.

Na verdade, o legislador não fez incluir nas causas de cessação do contrato por caducidade, referidas no artigo 343º do CT, o facto de o trabalhador atingir os 70 anos de idade, pelo que nesta situação o contrato não cessa por via da caducidade. A única previsão, para quando o trabalhador atinja os 70 anos de idade, é a que consta no n.º1 do artigo 348º do CT, do qual resulta que naquela data o contrato se converte num contrato de trabalho a termo resolutivo com as especificidades enunciadas no n.º2 do mesmo artigo, por força no seu n.º3. 

Assim, em 5 de Março de 2013 - data em que a autora perfez 70 anos de idade – o contrato de trabalho que a autora mantinha com a ré não cessou por caducidade, antes se converteu ope legis, num contrato de trabalho a termo resolutivo, ao abrigo dos n.º1 e 2 do art.º 348 do CT, pelo prazo de seis meses renováveis, por força do n.º 3 do mesmo artigo 348º do CT, pelo que só findos os primeiros 6 meses o contrato podia ter sido denunciado nos termos da c) do n.º2 do mesmo art.º348.

Deste modo, face à subsistência do vínculo laboral, não obstante a sua conversão a termo, concordamos com a sentença recorrida quando conclui que a carta que a ré enviou à autora, por esta recepcionada em 13 de Fevereiro de 2013, na qual lhe comunicou a denúncia do contrato, consubstancia um despedimento ilícito, na medida que a ré emitiu uma declaração negocial exprimindo a sua vontade de fazer cessar a relação laboral, na altura da conversão do contrato a termo por 6 meses, muito antes da data do seu termo, sem motivo justificativo e sem precedência do respectivo procedimento disciplinar, omissão que conduz à ilicitude do despedimento, por força do disposto nas b) e c) do artigo 381º do Código do Trabalho.

Decisão:
     
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se a sentença recorrida
Custas pela recorrente.



Lisboa, 23 de Setembro de 2015


Paula Sá Fernandes
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso


 
Decisão Texto Integral: