Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3919/2005-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
ALIMENTOS
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1 – Através do DL n.º 272/2002, de 13/10, o legislador procedeu à transferência de competências para as conservatórias do registo civil, nomeadamente, em matérias respeitantes à atribuição de alimentos a filhos maiores, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado.
2 – A competência, em razão do território, das conservatórias do registo civil, nas acções de alimentos a filhos maiores, não se afere pela residência do requerente mas pela residência do requerido.
3 – Para que o processo seja remetido pelo conservador ao tribunal competente, não basta ter havido oposição do requerido. É necessária a constatação dessa impossibilidade, o que pressupõe a realização da tentativa de conciliação. E deverá, nesse caso, ser remetido, mas só depois de devidamente instruído.
4 – Os tribunais de família são competentes para conhecer das acções para fixação dos alimentos devidos aos filhos maiores, por um lado, no caso de pedido de alimentos formulado em cumulação com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou quando constituam incidentes ou dependência de acção pendente. Por outro, para a fase final da acção, quando tiver havido oposição do requerido e se constatar a impossibilidade de acordo.
E, finalmente, quando, por qualquer outro motivo legal, a lei excluir das conservatórias do registo civil a mencionada competência.
Decisão Texto Integral: 1.
N. demandou, no Tribunal Judicial de Oeiras, 4º Juízo, J., alegando que este é seu pai e que, embora maior, carece de alimentos porque se encontra a estudar, requerendo a condenação daquele a prestar-lhe mensalmente alimentos.

O réu contestou, alegando que o filho se encontra em condições de prover a sua subsistência, enquanto ele não tem meios para poder pagar a pensão peticionada.

O Exc. Juiz, atenta a natureza da presente acção, considerou competente para a sua tramitação o Tribunal de Menores e de Família de Cascais, (TFMC), cuja área de competência abrange os círculos judiciais de Oeiras e de Cascais.
Assim, excepcionando a incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria, absolveu o réu da instância.

Inconformado, agravou o autor, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Atento o pedido formulado na petição inicial, sempre se revela competente o Tribunal Comum, por ser este o competente para o julgamento das acções a que se reporta o artigo 1880º do CC.
2ª – Sendo competente o Tribunal de Oeiras para apreciação dos presentes autos, por força do disposto no artigo 94º da LOFTJ.

Não houve contra – alegações.

Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do agravante (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 e 4 do CPC), interessa saber se o Tribunal Judicial de Oeiras será o competente, em razão da matéria, para decidir esta acção.
2.
Através do DL n.º 272/2002, de 13/10, o legislador procedeu à transferência de competências para as conservatórias do registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, designadamente a atribuição de alimentos a filhos maiores, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado.
Assim, os conservadores do registo civil têm, em regra, jurisdição abrangente de condenação dos pais a pagar aos filhos maiores prestação de alimentos (artigo 5º, n.º 1, al. a) do citado DL).
Excepciona a lei da mencionada regra, em tanto quanto releva na economia da decisão a proferir nesta sede, as acções com pedidos de alimentos formulados por filhos maiores cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou quando constituam incidentes ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil (artigo 5º, n.º 2 do citado DL).
A competência, em razão do território, das conservatórias do registo civil, para conhecer, além do mais, pelo menos numa primeira fase, das acções de alimentos do tipo da que está em causa, não se afere pela residência do requerente mas pela residência do requerido (cfr. artigo 6º, n.º 1, al. a) do citado DL).
Se, depois de apresentado o requerimento pelo requerente, o requerido deduzir oposição, o conservador marcará tentativa de conciliação, condição sine qua non para poder constar da impossibilidade de acordo.
Constatando essa impossibilidade, cumpre-lhe instruir o processo, remetendo-o, de seguida, ao tribunal judicial de 1ª instância competente em razão da matéria da circunscrição a que pertence a conservatória (cfr. artigos 7º e 8º do mesmo DL).
Assim, para que o processo seja remetido pelo conservador ao tribunal competente, não basta, portanto, ter havido oposição do requerido. É necessária a constatação dessa impossibilidade, o que pressupõe a realização da tentativa de conciliação. E deverá, nesse caso, ser remetido, mas só depois de devidamente instruído.

Por sua vez, os artigos 81º e 82º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, republicada por força das alterações introduzidas pela Lei 105/2003, de 10 de Dezembro, que delimitam a competência dos tribunais de família, determinam ser da sua competência a fixação dos alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880º do Código Civil.
Logo, conjugando estes preceitos com os supra – referidos, que estabelecem a competência dos conservadores do registo civil, conclui-se que os tribunais de família são competentes para conhecer das acções para fixação dos alimentos devidos aos filhos maiores, por um lado, no caso de pedidos de alimentos formulados em cumulação com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou quando constituam incidentes ou dependência de acção pendente.
E, por outro, para a fase final da acção, quando tiver havido oposição do requerido e se constatar a impossibilidade de acordo.
E, finalmente, quando, por qualquer outro motivo legal, a lei excluir das conservatórias do registo civil a mencionada competência.
Assim, embora o Tribunal Judicial de Oeiras não tenha competência para a decisão desta matéria, não se pode concluir que a competência seja ou venha a ser do Tribunal de Família e de Menores de Cascais, não obstante o disposto no artigo 82º, n.º 1, al. e), da Lei 3/99, mantendo-se a residência do requerido.
Ora a falta de competência do tribunal em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual deve ser oficiosamente conhecida em qualquer estado do processo e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar (artigos 101º, 102º, n.º 1 e 2, 103º, 105º, n.º 1 do CPC).
Deste modo, por ser competente, pelo menos por ora, para a apreciação da presente causa, a Conservatória do Registo Civil da área da residência do requerido, e se verificar, assim, a excepção de incompetência do Tribunal a quo, confirma-se a parte do despacho recorrido em que o Exc. Juiz, declarando-se incompetente, absolveu o réu de instância.
3.
Pelo exposto, concedendo parcial provimento ao agravo, confirma-se o segmento do despacho recorrido, que considerando o Tribunal Judicial de Oeiras incompetente, em razão da matéria, absolveu o réu da instância.

Custas pelo agravante.

Lisboa, 05/05/2005

Granja da Fonseca
Alvito de Sousa
Pereira Rodrigues