Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0052716
Nº Convencional: JTRL00024826
Relator: NARCISO MACHADO
Descritores: RECURSO
PRAZO
ALEGAÇÕES
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
LEGALIDADE
TRIBUNAL COMPETENTE
VISTORIA AD PERPETUAM REI MEMORIAM
Nº do Documento: RL199811260052716
Data do Acordão: 11/26/1998
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS. DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL.
Legislação Nacional: CPP95 ART698 N2 N3 N4.
Sumário: I - Os prazos para alegações, no regime vigente de recursos, que promana do artigo 698º do C.P.Civil é o seguinte:
a) - Na previsão do nº 2, o único recorrente, depois de notificado do despacho que admitiu o recurso, dispõe de 30 dias para apresentar as suas alegações.
Se o fizer, então o recorrido deverá ser notificado das alegações do recorrente para, querendo, a elas responder no prazo de 30 dias.
b) - Na previsão do nº 3, o juiz fixará, no despacho de recebimento dos recursos, a ordem de procedência, determinando que a notificação do 2º recorrente se faça diferidamente, no momento em que lhes seja notificada a apresentação da alegação do 1º recorrente.
Então, o 1º recorrente alegará no prazo de 30 dias contados da notificação do despacho que recebeu o recurso; o 2º apelante (recorrente) alegará no prazo de 30 dias após a notificação (diferida) do despacho que lhe recebeu o recurso, devendo, na sua minuta única, alegar e responder à alegação do 1º recorrente; este disporá ainda de 20 dias, contados da notificação da alegação do 2º recorrente, para responder à impugnação que este haja feito da parte da sentença favorável ao 1º recorrente.
c) - Na previsão do nº 4 as alegações de cada grupo de recorrentes têm de ser apresentadas no mesmo prazo de 30 dias, incumbindo à secretaria facultar, em termos igualitários, aos diferentes interessados, o exame e consulta do processo.
A restante tramitação é igual à do nº 3 (supra, b)).
II - A declaração de utilidade pública, facto constitutivo da relação jurídica de expropriação, quando resultante de despacho ministerial é um acto administrativo que está sujeito a recurso contencioso, pelo que são os tribunais administrativos os competentes para conhecer de eventuais ilegalidades do acto de declaração de utilidade pública.
III - Atendendo a que o poder de expropriação está sujeito, por força da Lei, a determinados limites, a falta de alguns desses limites ou requisitos essenciais que balizam a expropriação constitui aquilo a que a doutrina denomina via de facto.
IV - A ilegalidade constituída da via de facto tanto pode encontrar-se no acto administrativo executado, como no próprio acto material da execução.
V - A vistoria ad perpetuam rei memoriam destina-se apenas a fixar os elementos de facto susceptíveis de desaparecerem e cujo conhecimento seja de interesse ao julgamento do processo; por isso se esses elementos ultrapassarem o objecto da expropriação não podem servir de fundamento para uma apropriação indevida de maior área do terreno.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
No Círculo Judicial de Almada, (A) e (B) intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), na qual pedem a condenação deste:
A) Por via principal:
- A abster-se de praticar quaisquer actos, incluindo actos administrativos, que ofendam o direito de propriedade dos AA. sobre os terrenos onde se situavam os prédios urbanos que pertenceram à Quinta (W), actualmente descritos na Conservatória do Reg. Predial do Seixal sob. os nºs 03767, 03770, 03771, 03772, 03773 e 03774, freguesia de Arrentela.
- Indemnizar os AA. dos prejuízos causados pela inclusão dos seus terrenos nas plantas de loteamento urbano, a liquidar em execução de sentença.
B) Subsidiariamente:
- Reconhecer aos AA. o direito de propriedade sobre os lotes 15 e 17, com a área de 170 m2 cada um, que hão-de ser desanexados do prédio rústico descrito sob o nº 01258/200188, freguesia da Arrentela, por os deter ilegitimamente.
- Restituir aos AA. o terreno no estado de conservação em que se encontrava antes das obras e totalmente desocupado.
- Indemnizar os AA. de todos os prejuízos que foram ou venham a ser causados pela ocupação, a liquidar em execução de sentença.
- Ordenar-se o cancelamento do registo das inscrições de aquisição a favor do IGAPHE que venham a ser transcritas para as descrições próprias dos lotes 15 e 17.
Alegam, para o efeito, que os antecessores dos AA., (C) e (D), eram donos e possuidores em comunhão e partes iguais de um prédio misto, denominado Quinta (K) ou (W), sito no lugar e freguesia de Arrentela, descrito na Conservatória do
Reg. Predial do Seixal sob o nº 409 e inscrito na matriz sob o art. 5 da anterior matriz rústica e na urbana sob os arts. 824, 825, 823, 828, 826, 837, 838, 841, 842, 843, 844, 845, 846, 847 e 848.
Por sentença de 31/07/86, foi adjudicada ao então Fundo de Fomento da Habitação, a propriedade e a posse de metade indivisa da parte rústica do prédio misto denominado Quinta (W) ou Quinta (K), com a área total de 114.065,95 m2.
Por sentença de 17/03/88, foi adjudicada ao IGAPHE a propriedade sobre metade indivisa do prédio designado por Quinta (K) ou (W), sito na freguesia de Arrentela, concelho do Seixal, inscrito na matriz rústica sob o art. 2 e descrito na Conservatória sob o nº 409.
A parte rústica expropriada, ou seja, a "parcela de terreno, sita na Quinta (K) ou (W), composta de terreno com a área de 114.065,90 m2 veio a ser descrita autonomamente na Conservatória do Reg. Predial do Seixal sob o nº 012558/2000188, por desanexação da descrição nº 409 e encontra-se registada a favor do IGAPHE pelas inscrições G-6 e G-7.
A parte urbana não expropriada, ou seja, os prédios inscritos na matriz urbana sob os arts. 823, 824, 825, 826,828, 837, 838, 841, 842, 843, 844, 845, 846, 847 e 848 adquiriram-na os AA., metade por partilha da Herança de (C) e a outra metade por compra.
Contudo, o IGAPHE, em planta enviada à Câmara Municipal do Seixal, veio a considerar abrangida pela expropriação a área onde existiam os edifícios inscritos na matriz urbana sob os arts. 841, 844, 845, 847 e 848, apesar de nenhuma parcela urbana da Quinta (W) ter sido objecto de expropriação, o que tem impedido os AA. de prosseguirem as diligências de urbanização, com prejuízos sérios para si.
O Réu contestou, impugnando os factos alegados pelos AA. e alegando que ocupa terrenos a si pertencentes, sem causar prejuízo seja a quem for.
Efectuado o julgamento foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção, condenando o IGAPHE a reconhecer os AA. como proprietários dos terrenos onde se situavam os prédios urbanos que pertenceram à Quinta (W), inscritos na matriz cadastral da freguesia de Arrentela, sob os arts. 841 e 844 e descritos na Conservatória do Reg. Predial do Seixal sob os nºs 03767 e 03770 e, ainda, a indemnizar os AA. dos prejuízos causados pela inclusão desses terrenos nas plantas de loteamento urbano, a liquidar em execução de sentença, bem como ordenar o cancelamento dos registos existentes em contradição com o decidido.
Inconformados com a decisão, dela apelaram o R. e os AA., os quais nas suas alegações, concluem do seguinte modo:
O R. IGAPHE conclui assim:
I - O tribunal de 1ª instância deu como assente que os terrenos inscritos na matriz cadastral da freguesia de Arrentela sob os arts. 841 e 844 e descritos na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob os nºs 03767 e 03770, respectivamente, localizam-se fora da área expropriada pelo ex-Fundo de Fomento da Habitação.
II - O arruamento M e os lotes 15 e 17 estão dentro da área expropriada, pelo que, sob pena de se violentar a mais elementar lógica, não se sobrepõem aos terrenos referidos na conclusão anterior.
III - Aliás, sem prejuízo das conclusões precedentes, competia aos AA. recorridos a prova de que a implantação do arruamento M e dos lotes 15 e 17 colidia com aqueles terrenos (os identificados na conclusão I), o que manifestamente não aconteceu.
IV - Face ao exposto, não se pode condenar o IGAPHE "a indemnizar os autores dos prejuízos causados pela inclusão desses terrenos nas plantas de loteamento urbano, a liquidar em execução de sentença", pois o pedido correspondente tem necessariamente de improceder.
V - Decidindo de forma diversa a sentença recorrida violou, entre outros, os arts. 342º, nº 1 e 1305º, ambos do CC e 515º do CPC.
- Por sua vez, os AA. concluem do seguinte modo:
A) - A sentença recorrida violou os arts. 371º e 373º do CC. ao não reconhecer aos documentos autênticos constantes dos autos força probatória plena.
B) - Ofendeu o acórdão da comarca igualmente o caso julgado das Sentenças de Adjudicação (provadas nos autos por documentos autênticos) em violação dos arts. 671º/1 e 697º/1 ambos do CC.
C) - O Tribunal "a quo" ao qualificar os prédios "sub judice" fez uma aplicação deficiente e errada do art. 204º/2 do CC.
D) - O aresto recorrido desrespeita indiscutivelmente as leis reguladoras das expropriações (Decs. Leis nºs 7/76, de 27/01, 845/76, de 11/12 e 438/91, de 9/11), pois cauciona um verdadeiro esbulho por "via de facto" dos arts. matriciais urbanos 485, 486, 487 e 488 propriedade dos apelantes, pelo
Instituto expropriante.
Nas suas contra-alegações, os 2ºs apelantes ((A) e (B)) impugnam a 1ª apelação opinando que deve ser julgada integralmente improcedente, concluindo como na 1ª apelação pela integral procedência da acção proposta contra o IGAPHE.
- Também o IGAPHE (1º apelante) apresentou as suas contra-alegações (fIs. 266 e 267), mas o Tribunal "a quo", por despacho de fIs. 294, julgando extemporânea tal resposta, não admitiu a sua junção, ordenando o seu desentranhamento.
Inconformado com esta decisão, dela agravou o IGAPHE que nas suas alegações, conclui do seguinte modo:
I - No CPC revisto (reforma de 1995/96), aplicável ao caso "sub judice", o regime regra da apresentação das alegações baliza-se, quanto ao recorrente, pelo decurso de 30 dias, contados a partir da notificação do despacho de admissão do recurso, e, quanto ao recorrido, pelo esgotamento de idêntico prazo de 30 dias, contado a partir da notificação da alegação do recorrente.
II - Mesmo que só uma das partes tenha interposto recurso, o tribunal tem de aguardar 60 dias: simplificadamente, esta fase processual da produção das alegações fecha-se em 60 dias (30+30).
III - lsto é tanto assim que o nº 4 do art. 698º do CPC impõe que havendo vários recorrentes ou vários recorridos, ainda que representados por advogados diferentes, o prazo das respectivas alegações é único, ou seja, 30 dias para o conjunto dos recorrentes e 30 dias para o conjunto dos recorridos.
IV - No caso vertente, ambas as partes (os AA., e o R. IGAPHE) apelaram, tendo o requerimento de interposição do IGAPHE dado entrada primeiro no Tribunal (fls.244).
V - O despacho de recebimento dos recursos de apelação (cf. fls. 247) foi notificado em simultâneo aos AA. e R. aqui agravante, que apresentaram as respectivas alegações, em simultâneo, dentro do prazo de 30 dias.
VI - Logicamente, os apelantes-apelados tinham de responder, em simultâneo, nos trinta dias subsequentes à notificação da alegação da parte contrária.
VIl - As partes contra-alegaram em simultâneo.
VIII - De acordo com as conclusões anteriores, o prazo do IGAPHE para responder à alegação dos AA. terminou a 2 de Março de 1998, tendo a competente alegação-resposta do aqui agravado dado entrada no tribunal a 2 de Março de 1998.
IX - O despacho agravado conduz à conclusão aberrante do recorrido ter um prazo menor para apresentar a sua resposta (20 dias em vez de 30 dias), só pelo simples facto de também ser recorrente, fechando-se o ciclo da produção das alegações em 50 dias (30+20), o que é a todas as luzes contrariado pelo nº 2 do art. 698º do CPC.
X - A disciplina do nº 3 do art. 698º, não tem cabimento no sistema vigente, tudo indicando ser um lapso do legislador.
XI - Caso não se perfilhe o entendimento da conclusão anterior, então a concatenação das normas dos nºs 2 e 3 do art. 698º do CPC, tem de ser feita nos moldes expressos em 3 desta alegação, o que alarga inexoravelmente o ciclo da produção das alegações, no caso vertente, para 80 dias (30+30+20).
XII - Assim, pelo menos até mais 20 dias depois de 2 de Março de 1998, o agravante podia apresentar, no recurso de apelação, a sua alegação-resposta.
XIII - Seja qual for o entendimento sobre a problemática em causa, a alegação-resposta na apelação apresentada pelo lGAPHE foi tempestiva, pelo que deve manter-se nos autos, com todas as consequências.
XIV - Decidindo de forma diversa, o despacho agravado violou, entre outros, os arts. 3º-A e 698º, nºs 2 e 3 do CPC.
Nas suas contra-alegações, os AA. pugnam pela manutenção do despacho recorrido.
Colhidos os vistos Iegais, cumpre decidir:
Factos dados como provados na 1ª instância:
Os antecessores dos AA., (C) e (D), eram donos e possuidores em comunhão e partes iguais de um prédio misto denominado Quinta (K) ou do (W), sito no lugar e freguesia de Arrentela, desta comarca, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o nº 409, a fIs. 12, do livro B-2, inscrito na matriz sob o art. 5 da anterior matriz rústica e na urbana sob os arts. 824, 825, 826, 828, 826, 837, 838, 841, 842, 843, 844, 845, 846, 847 e 848.
A parte rústica da propriedade era composta por pomar, vinha, olival, pinhal, sobreiral, mato, terras de semeadura, casas destinadas a arrecadação, abegoaria, palheiro e outras dependências.
Teor de fIs. 8 a 20; 21 a 36 e 37 a 41 dos autos.
Por despacho de 18 de Maio de 1976, do Ministério da Habitação Urbanismo e Construção, foi declarada a utilidade Pública do prédio rústico denominado Quinta (K) ou Quinta (W), inscrita na matriz predial rústica da freguesia da Arrentela, art. 5, pertencente a (D), casada com (F), e (C), tendo sido autorizado o Fundo de Fomento da Habitação a tomar posse administrativa do referido prédio.
Por sentença de 31/07/86 deste tribunal, em que era expropriada a comproprietária (D), foi adjudicado ao então Fundo de Fomento da Habitação, antecessor do IGAPHE, a propriedade e a posse de metade indivisa da parte rústica do prédio misto denominado Quinta (W) ou Quinta (K), com a área total de 114.065,90 m2, a confrontar do Norte com Quinta (Y) e (P), do Sul com Praça (M), Beco (N) e caminho público, do Nascente com caminho público e do Poente com Avenida (R), (E) e Praça (M), descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o nº 409, do livro B-2 e inscrito na matriz sob o art. 2, da Secção D.
Por sentença de 17/03/88, também deste tribunal, em que eram expropriados os herdeiros de (C), foi adjudicado ao IGAPHE a propriedade sobre (a outra) metade indivisa do prédio designado por Quinta (K) ou do (W), sito na freguesia de Arrentela, concelho do Seixal, inscrito na matriz cadastral rústica sob o art. 2, da Secção D e descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o nº 409, do B-2, a confrontar do Sul com Rua Pública e outros, do Norte com Rua, do Nascente Estrada Pública e outros.
Teor de fls. 43 a 54.
A aquisição do direito real de propriedade sobre o prédio referido em F, e G, da especificação, encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial do Seixal a favor da Ré, sendo 1/2 desde 20/01/88 e outro 1/2 desde 18/12/89.
Teor de fls. 59 a 85; 85 a 125; 126 a 127, 128; 129 a 131 e 148 e 149; 132 a 136.
O R. definiu um segundo loteamento para construção urbana no prédio rústico com a área de 114.065,90 m2, sito na Quinta (W) e onde era a parcela 12, com o símbolo URB, do art. 2, da Secção A, o Réu decidiu implantar os lotes 15 e 17 com as áreas de 170 m2 cada.
A Câmara Municipal do Seixal elaborou a planta referida em N, da Especificação.
No início de 1990, a Câmara Municipal do Seixal suspendeu as negociações do estudo urbanístico invocando que o R. reivindicava a propriedade dos terrenos onde existiam os edifícios demolidos para incluir no seu loteamento urbano.
E a partir daí não mais reatou as negociações com os AA. nem deu andamento a qualquer cláusula do protocolo.
O local onde estavam implantados os edifícios inscritos na matriz sob os arts. 845, 846, 847 e 848 e descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nº 03771, 03772, 03773 e 03774 localiza-se na área expropriada pelo ex-Fundo de Fomento da Habitação e os inscritos na matriz sob os arts. 841 e 844 e descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nº 03767 e 03770 localizam-se fora dessa área.
Estes os factos dados por assentes pelo Tribunal "a quo", e, perante eles e as conclusões das alegações dos recursos, há agora que analisar o objecto dos mesmos.
Antes, porém, importa referir ser tecnicamente incorrecto dar como reproduzido na especificação o teor de documentos, como se verifica nos presentes autos.
Nos termos do art. 511º nºs 1 e 2 do CPC o que deve ser levado à especificação e questionário é a matéria de facto articulada pelas partes e que interessa à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Na especificação devem ser mencionados factos provados e não o teor dos documentos juntos pelas partes e que se destinam a provar esses factos
Assim, uma vez que isso não foi feito nem na especificação nem no relatório da sentença recorrida, ao abrigo do nº 3 do art. 659º do CPC., impõe-se agora o registo dos factos essenciais para a boa decisão da causa e constantes dos arts.3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10º e 11º da petição inicial, os quais se consideram assentes,
quer em consequência de confissão, quer em face dos documentos juntos aos autos.
Esses factos são os seguintes:
- A parte urbana destinada a habitação, comércio e industria era composta por três núcleos, todos situados no terreno das confrontações sul e poente (doc. nº 2).
- Deste prédio foram desanexadas várias parcelas de terreno nos anos 1963 a 1985, conforme resulta dos averbamentos nºs 7, 8 e 10 a 43 à descrição predial nº 409 (doc. nº 2)
- No cadastro geométrico da propriedade, que entrou em vigor no Concelho, em 24 de Maio de 1976, o prédio passou a estar inscrito na matriz sob o art. 2 da Secção D (docs. 3 e 4).
- Sobre este prédio incidiu uma expropriação por Declaração publicada no DR., II Série, nº 129, de 2 de Junho de 1976, que declarou "a utilidade pública urgente do prédio rústico denominado Quinta (K) ou do (W), inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Arrentela sob o art. 5 (doc. nº 5).
- A parte rústica veio a ser descrita autonomamente na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01258/200188, por desanexação da descrição nº 409 do livro B-2 e encontra-se registada a favor do IGAPHE pelas inscrições G-6 e
G-7 (doc. nº 8).
- Os prédios inscritos na matriz urbana sob os arts. 823, 824, 825, 826, 828, 837, 838, 841, 843, 844, 845, 846, 847, e 848 adquiriram-na os AA., metade por partilha da herança de (C) e a outra metade por compra (docs. 9 e 10).
- Em consequência da partilha, os edifícios que constituíam a parte urbana da quinta, também por desanexação da descrição nº 409 do B-2 foram autonomamente descritos sob os nºs 03762/920813 a 03774/9200813 e registados a favor dos
AA. pelas inscrições G-4 e G-5 (doc. nº 11).
Descrita, assim, toda a matéria dada como provada, essencial para a decisão da causa, importa agora entrar na análise das questões, suscitadas pelos recorrentes, nas respectivas alegações, começando-se pela análise do agravo, uma vez que a eventual procedência do mesmo possibilitará o Tribunal de
Recurso a tomar conhecimento das alegações cujo desentranhamento foi ordenado na 1ª instância.
O agravo foi interposto pelo IGAPHE do despacho de fls.294 que não admitiu a junção aos autos das alegações de fls. 288 a 293.
Conforme resulta dos autos, da sentença de fls. 233-240 interpuseram recurso o Réu (fls. 244) e os AA. (fls. 245).
Por despacho de fls. 247 foram admitidos ambos os recursos, qualificados como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, despacho este que foi notificado, simultaneamente, a ambas as partes, por carta registada, em 10/12/97 (fls. 247 e 247 v.).
Os AA. apresentaram as suas alegações em 19/01/98 e o Réu em 22/01/98 (fls.251 e 268).
Por carta registada de 27/01/98, ambos os apelantes são simultaneamente notificados das alegações da parte contrária (fls. 276).
Na sequência de tal notificação, a 11/02/98, os AA. apresentaram a sua resposta às alegações do Réu (fls. 281).
E o Réu IGAPHE entregou a sua resposta às alegações dos AA., em 2 de Março de 1998 (fls. 288).
Atenta a data em que foi apresentada a resposta do Réu IGAPHE, o Tribunal "a quo" considerou-a extemporânea, ao abrigo do art. 698º nº3 do CPC, ordenando o seu desentranhamento e a sua remessa ao apresentante.
Defende o agravante que o seu prazo para responder à alegação dos AA. terminou a 2 de Março de 1998, precisamente na data em que apresentou a sua resposta.
Alega que no CPC revisto, aplicável ao caso, "o regime regra da apresentação das alegações baliza-se, quanto ao recorrente, pelo decurso de 30 dias contados a partir da notificação do despacho de admissão do recurso, e, quanto ao recorrido, pelo esgotamento de idêntico prazo de 30 dias, contado a partir da notificação da alegação do recorrente.
Mesmo que só uma das partes tenha interposto recurso, o tribunal tem de aguardar 60 dias, simplificadamente, esta fase processual da produção das alegações fecha-se em 60 dias (30+30).
O despacho recorrido conduz à conclusão aberrante do recorrido ter, um prazo menor para apresentar a sua resposta (20 dias em vez de 30 dias), só pelo simples facto de também ser recorrente, fechando-se o ciclo da produção das alegações em 50 dias (30+20), o que é a todas as Iuzes contrariado pelo nº 2 do art. 698º do CPC.
A disciplina do nº 3 do art. 698º, não tem cabimento no sistema vigente, tudo indicando ser lapso do legislador.
Caso não se perfilhe este entendimento, então a concatenação das normas dos nºs. 2 e 3 do art. 698º do CPC tem de ser feita de acordo com a fixação de quem é 1º e 2º apelante, o que alarga inexoravelmente o ciclo da produção das alegações, no caso vertente, para 80 dias (30+30+20).
Como se vê desta alegação, o agravante lança para discussão duas interpretações do art. 698º do CPC, com vista a obter a revogação do despacho recorrido.
Uma defende que a referência que faz o nº 3 do art. 698º do CPC a "primeiro" e "segundo" apelante, impõe que, se tiverem recorrido ambas as partes, o juiz tenha que determinar quem é o primeiro e segundo apelante, tal como acontecia no regime anterior.
Deste modo, o ciclo da produção das alegações e resposta será de 80 dias (30+30+20).
A outra interpretação defende que o prazo de 20 dias estipulado no nº 3 do art. 698º do CPC é resultado de mero lapso do legislador, uma vez que está em total desacordo com a norma do nº 2 que concede o prazo de 30 dias para a resposta, no caso de haver apenas um recorrente, não se justificando redução do prazo da resposta para 20 dias, se tiverem apelado ambas as partes.
Assim, socorrendo-se de uma interpretação revogatória, o agravante defende existência de um prazo de 30 dias para a resposta às alegações, quer se trate apenas de um recorrente, quer tenham apelado ambas as partes.
Desde já se refere que o agravante apenas tem razão, no que diz respeito à primeira questão suscitada, no sentido de se tornar necessário dizer, no despacho de admissão do recurso, quem é o 1º e 2º apelantes, desencadeando-se, a partir daí, o ciclo produtivo das alegações e respectivas respostas.
Antes, porém, de entrarmos na análise destas questões e uma vez que foi suscitada pelas partes também a determinação da lei aplicável, importa referir que ao caso que nos ocupa se aplica o art. 698º do CPC, no regime constante dos DL nºs. 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9.
Na verdade, nos termos do art. 25º do DL 329-A/95, são aplicáveis integralmente as disposições da lei nova a todos os recursos interpostos de decisões proferidas, mesmo nas causas pendentes, a partir de 1 de Janeiro de 1997, salvo no que se refere ao regime do recurso "per saltum" para o STJ (art. 725º) e da limitação do direito ao recurso, em sede de agravo em 2ª instância (art. 754º nº2 do CPC).
Posto isto, analisemos as duas questões suscitadas pelo agravante, começando pelo prazo de 20 dias.
Dispõe o nº 2 do citado art. 698º do CPC que "o recorrente alega por escrito no prazo de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante".
E o nº 3 da mesma norma legal estipula que "se tiverem apelado ambas as partes, o primeiro apelante tem ainda, depois de notificado da apresentação da alegação do segundo, direito a produzir nova alegação, no prazo de 20 dias, mas somente para impugnar os fundamentos da segunda apelação"
Por sua vez, o nº 4 estabelece que "havendo vários recorrentes ou vários recorridos, ainda que representados por advogados diferentes, o prazo das respectivas alegações é único, incumbindo à secretaria providenciar para que todos possam proceder ao exame do processo durante o prazo de que beneficiam".
Alega o agravante que "a disciplina do nº 3 do art. 698º do CPC não tem cabimento no sistema vigente, tudo indicando ser um lapso do legislador" (conclusão X) e que se trata de "corpo estranho" introduzido, por lapso do legislador, na reforma de 1995/96, conforme se visa do nº 2 do art. 698º do CPC. (fls.303). Assim, o prazo da resposta referido nesse nº 3 terá de ser 30 dias.
O agravante não tem qualquer razão, fazendo uma incorrecta interpretação da lei que se impõe esclarecer.
Como é sabido, o texto da lei é a base do qual se parte e sobre o qual repousa toda a actividade do intérprete.
É por isso que o CC proíbe ao intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9º do CC).
Mas, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
Na interpretação da lei, o intérprete pode socorrer-se também de vários elementos extra-Iiterais, entre os quais se salientam: o fim da lei, os seus antecedentes históricos e o respectivo enquadramento sistemático.
Ora, o agravante ao invocar o "lapso do legislador" e ao considerar o nº 2 do art. 698º do CPC como um "corpo estranho" na reforma processual de 1995/1996, lança mão de uma interpretação revogatória que o caso "sub judice" não consente, por não existir contradição entre os nºs 2 e 3.
Efectivamente, na hermenêutica jurídica existe a figura da interpretação revogatória (ou abrogatória, cf. Manuel de Andrade - Interpretação e Aplicação das Leis - 151) que poderá, eventualmente, surgir nas relações entre o elemento literal e os elementos extra-Iiterais.
Assim, a consideração dos elementos extra-Iiterais poderão conduzir ao reconhecimento de que o sentido derivado do elemento textual deve ser, não apenas, restringido (interpretação restritiva) mas eliminado.
É o que pode acontecer quando, factores de ordem sistemática (v.g., a existência de um texto contemporâneo do que se interpreta, mas de sentido contrário a ele) leve o intérprete a reconhecer que o texto aparentemente em vigor não o está na realidade.
Neste caso, o interprete poderá concluir que a norma materializada no texto, deverá ser não apenas restringido mas reconhecido como não existente (cf. Prof. J. Dias Marques Introdução ao Estudo do Direito - Lições, 1968 - 115).
Também, em matéria de interpretação das leis não é possível colocar um problema análogo aos das declarações não sérias de que trata o art. 245º do CC. (declarações em que o alcance do texto é totalmente eliminado em razão do condicionalismo não textual em que a declaração é produzida), nem, como faz o
agravante, invocar a existência de "lapso" legislativo para eliminar o nº 3 do art. 698º do CPC.
A exegese do agravante também não cabe dentro duma interpretação correctiva (tanto na sua forma restritiva como extensiva), a qual se verifica quando o texto, entendido no seu sentido literal, esteja em contradição, total ou parcial, com um outro texto da lei.
Nos termos desta figura jurídica, entre duas interpretações igualmente possíveis, uma das quais conduz ao conflito e a outra à harmonização dos textos considerados, será esta última que deve preferir-se (correcção em função do elemento sistemático).
Quanto ao "lapso" do legislador, invocado pelo agravante à ainda que salientar que os erros conceituais de redacção ou coordenação, isto é, erros na manipulação de vontade, cometidos na elaboração das leis fazem parte da lei e tem força vinculante.
"O Juiz não pode remediá-Ios, excepto no caso único de a rectificação poder deduzir-se por interpretação do próprio conteúdo do texto ou da sua conexão com outras normas.
Em qualquer caso a correcção só é possível por via legislativa" (cf. Manuel de Andrade - Op. cit. 118).
Para a solução do caso que nos ocupa, importa ter presente que o intérprete tem de presumir que o legislador procedeu de uma forma coerente e quer não só o conteúdo da lei, como ainda tudo quanto constitua uma consequência logicamente necessária desse mesmo conteúdo.
Já vimos que o legislador de 1995, ampliou para 30 dias o prazo de produção de alegações, apenas se iniciando o prazo para contra-alegar com a notificação, de que foi apresentada a alegação do apelante.
O sistema de prazos sucessivos para cada um dos recorrentes e recorridos, existente no regime anterior, foi abandonado pelo legislador, com vista à prossecução de maior celeridade processual, sendo que com o mesmo objectivo se terá de considerar o prazo dos 20 dias do nº 3º, bem como o prazo único a que se refere o nº 4 do art. 698º do CPC.
Por outro lado, a diferença de prazo de 30 dias para a resposta, no caso de haver apenas um recorrente e 20 para a hipótese de terem apelado A e R, justifica-se também pelo facto de ambas as partes, neste caso, terem um conhecimento já mais aprofundado das questões apreciadas na sentença, uma vez que ambos são recorrentes e, consequentemente, ambos produzem alegações.
Ao recorrerem, os apelantes têm de estudar mais aprofundadamente o processo para apresentarem as suas alegações, de tal modo que para responderem não necessitam já dos 30 dias.
Por isso, entendeu o legislador que se justificava a redução do prazo para os 20 dias, se ambas as partes tiverem apelado.
Considerando este objectivo e ainda a celeridade processual que presidiu à feitura da norma dos nºs. 2 e 3 do art. 698º do CPC, afastando-se a interpretação abrogatória, defendida pelo agravante.
Como muito bem refere o Prof. Oliveira Ascensão (O Direito - Introdução e Teoria Geral - 4ª Ed., 1987, pág. 357). "Se o legislador pôs simultaneamente em vigor duas regras, a valoração do interprete não se pode substituir à do legislador, preferindo uma, ou considerando as duas liquidadas. Tem de admitir a coexistência de regras que exprimem valorações diversas, porque não pode antepôr um critério próprio ao critério da ordem jurídica objectiva".
Por isso, o sentido da norma do nº 3, relativamente ao prazo de 20 dias, tal como resulta da consideração de todos os elementos disponíveis (extra-literais e literal), é perfeitamente conforme às palavras da lei, não tendo cabimento a interpretação que dela faz o agravante, ao pretender eliminar o prazo de 20 dias.
Vejamos agora a segunda interpretação, relativa ao início da contagem dos prazos e ciclo produtivo das alegações e respostas.
Conforme ficou já explicado, o sistema actual é bem diferente do anterior estabelecendo prazos fixos e abandonando o regime de prazos sucessivos para cada um dos recorrentes e dos recorridos alegar, conforme estipulava o anterior nº 2 do art. 705º do CPC pretendendo-se, no dizer do preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12, evitar demoras injustificadas no caso de pluralidade significativa de recorrentes e recorridos.
O legislador da reforma de 1995, no nº 3 do art. 698º do CPC, manteve a norma do anterior nº 4 do art. 705º, mas com a redução do prazo para 20 dias, eliminando a regra do anterior nº 2 do art. 705º, relativo aos prazos sucessivos, ao estabelecer no nº 4 que "havendo vários recorrentes ou recorridos, ainda que representados por advogados diferentes, o prazo das respectivas alegações é único.
No quadro legal anterior, se ambas as partes recorressem, o 1º apelante dispunha em primeiro lugar do prazo para alegações; terminado este, seguia-se o prazo para alegação do 2º apelante que na sua minuta devia não só impugnar a sentença, como também responder à impugnação do 1º apelante.
Por fim, o 1º apelante tinha o direito de responder aos fundamentos da 2ª apelação.
Conforme se vê da conjugação dos nºs. 2 e 3 do actual art. 698º do CPC, e nomeadamente pela referência feita a "primeiro apelante" e "segundo apelante, o legislador manteve o sistema anterior, apenas com uma diferença: o prazo para os recorridos conta-se da notificação da apresentação da alegação dos recorrentes.
Impõe-se, portanto, também no actual regime, determinar quem é o primeiro e segundo apelantes, isto é, saber quem apresentou em primeiro lugar na secretaria do tribunal o respectivo requerimento de recurso, tarefa que caberá ao juiz através do seu despacho de recebimento de recurso. Determinada a ordem dos recorrentes, alega em 1º lugar o primeiro apelante, no prazo de 30 dias, contados da notificação, do despacho de recebimento de recurso. Após a notificação desta alegação ao segundo apelante, alega este, no prazo de 30 dias, que cumulará as suas alegações com a resposta às alegações do primeiro recorrente.
O primeiro apelante tem ainda prazo de 20 dias, contados da notificação da alegação do segundo recorrente, para responder às alegações deste (cf. Armindo Ribeiro Mendes - Os Recursos no Processo Civil Revisto - 70).
Deste modo, o ciclo da produção das alegações e respostas será de 80 dias (30+30+20).
Esta tramitação processual, adequando-se perfeitamente às exigências das acções, não permite a aplicação do princípio da adequação processual, consagrado na norma do art. 265º-A do CPC., tal como parecem defender os apelados ao invocarem a simultaneidade de prazos, uma vez que o legislador quis manter o regime de condensação das alegações que se encontrava previsto no art. 705º nº 4 do CPC de 1961.
Assim sendo, da análise do actual art. 698º do CPC., resulta o seguinte regime:
Enquanto o nº 2 prevê a situação em que apenas uma das partes tenha recorrido e alegado, o nº 3 prevê os casos em que ambas as partes tenham recorrido e alegado, sendo que o nº 4 prevê a existência de vários recorrentes ou vários recorridos, ainda que representados por advogados diferentes.
Na 1ª hipótese (previsão do nº 2), o único recorrente, depois de notificado do despacho do recurso, dispõe de 30 dias para apresentar as suas alegações.
Se o fizer, então o recorrido deverá ser notificado das alegações do recorrente para, querendo, a elas responder no prazo de 30 dias.
Na 2ª hipótese, isto é, no caso de ambas as partes terem recorrido (previsão do nº 3), o juiz no despacho de recebimento dos recursos fixará quem é o 1º e 2º recorrentes e determinará que a notificação do despacho de admissão do recurso interposto pelo segundo recorrente se faça diferidamente, no momento em que lhe seja notificada a apresentação da alegação do primeiro apelante ou recorrente.
Então, o 1º apelante alegará no prazo de 30 dias contados da notificação do despacho de recebimento do recurso.
Por isso, entendeu o legislador que se justificava a redução do prazo para os 20 dias, se ambas as partes tiverem apelado.
Considerando este objectivo e ainda a celeridade processual que presidiu à feitura da norma é de concluir pela conciliação das normas dos nºs. 2 e 3 do art. 698º do CPC, afastando-se a interpretação obrigatória, defendida pelo agravante.
Como muito bem refere o Prof. Oliveira Ascensão (O Direito - Introdução e Teoria Geral - 4ª Ed., 1987, pág. 357) "Se o legislador pôs simultaneamente em vigor duas regras, a valoração do interprete não se pode substituir à do legislador, preferindo uma, ou considerando as duas liquidadas. Tem de admitir a coexistência de regras que exprimem valorações diversas, porque não pode antepôr um critério próprio ao critério da ordem jurídica objectiva".
Por isso, o sentido da norma do nº 3, relativamente ao prazo de 20 dias, tal como resulta da consideração de todos os elementos disponíveis (extra-literais e literal), é perfeitamente conforme às palavras da Lei, não tendo cabimento a interpretação que dela faz o agravante, ao pretender eliminar o prazo de 20 dias.
Vejamos agora a segunda interpretação, relativa ao início da contagem dos prazos e ciclo produtivo das alegações e respostas.
Conforme já ficou explicado, o sistema actual é bem diferente do anterior, estabelecendo prazos fixos e abandonando o regime dos prazos sucessivos para cada um dos recorrentes e dos recorridos alegar, conforme estipulava o anterior nº 2 do art. 705º do CPC pretendendo-se, no dizer do Preambulo do DL 329-A/95, de 12/12, evitar demoras injustificadas no caso de pluralidade significativa de recorrentes e recorridos.
O legislador da reforma de 1995, no nº 3 do art. 698º do CPC, manteve a norma do anterior nº 4 do art. 705º, mas com a redução do prazo para 20 dias, eliminando a regra do anterior nº 2 do art. 705º, relativo aos prazos sucessivos, ao estabelecer no nº 4 que "havendo vários recorrentes ou vários recorridos, ainda que representados por advogados diferentes, o prazo das respectivas alegações é único".
No quadro legal anterior, se ambas as partes recorressem, o 1º apelante dispunha em primeiro lugar do prazo para alegações; terminado este, seguia-se o prazo para alegação do 2º
apelante que na sua minuta devia não só impugnar a sentença, como também responder à impugnação do 1º apelante.
Por fim, o 1º apelante tinha o direito de responder aos fundamentos da 2ª apelação.
Conforme se vê da conjugação dos nºs. 2 e 3 do actual art. 698º do CPC, e nomeadamente pela referência feita a "primeiro apelante" e "segundo" apelante, o legislador manteve o sistema anterior, apenas com uma diferença: os prazos para os recorridos conta-se da notificação da apresentação da alegação dos recorrentes.
Impõe-se, portanto, também no actual regime, determinar quem é o primeiro e segundo apelantes, isto é, saber quem apresentou em primeiro lugar na secretaria do tribunal o respectivo requerimento de recurso, tarefa que caberá ao juiz através do seu despacho de recebimento de recurso.
Determinada a ordem dos recorrentes, alega em 1º lugar o primeiro apelante, no prazo de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento de recurso. Após a notificação desta alegação ao segundo apelante, alega este, no prazo de 30 dias, que cumulará as suas alegações com a resposta às alegações do primeiro recorrente.
O primeiro apelante tem ainda o prazo de 20 dias, contados da notificação da alegação do segundo recorrente, para responder às alegações deste (cf. Armindo Ribeiro Mendes - Os Recursos do Processo Civil Revisto - 70).
Deste modo, o ciclo da produção das alegações e respostas será de 80 dias (30+30+20).
Esta tramitação processual, adequando-se perfeitamente às exigências das acções, não permite a aplicação do principio da adequação processual, consagrado na norma do art. 265º/A do CPC, tal como parecem defender os apelados ao invocarem a simultaneidade de prazos, uma vez que o legislador quis manter o regime de condensação das alegações que se encontrava previsto no art. 705º, nº 4 do CPC de 1961.
Assim sendo, da análise do actual art. 698º do CPC, resulta o seguinte regime:
Enquanto o nº 2 prevê a situação em que apenas uma das partes tenha recorrido e alegado, o nº 3 prevê os casos em que ambas as partes tenham recorrido e alegado, sendo que o nº 4 prevê a existência de vários recorrentes ou vários recorridos, ainda que representados por advogados diferentes.
Na 1ª hipótese (previsão do nº 2), o único recorrente, depois de notificado do despacho de recurso, dispõe de 30 dias para apresentar as suas alegações.
Se o fizer, então o recorrido deverá ser notificado das alegações do recorrente para, querendo, a elas responder no prazo de 30 dias.
Na 2ª hipótese, isto é, no caso de ambas as partes terem recorrido (previsão do nº 3), o juiz no despacho de recebimento dos recursos fixará quem é o 1º e 2º recorrentes e determinará que a notificação do despacho de admissão do recurso interposto pelo segundo recorrente se faça diferidamente, no momento em que lhe seja notificada a apresentação da alegação do primeiro apelante ou recorrente.
Então, o 1º apelante alegará no prazo de 30 dias contados da notificação do despacho de recebimento do recurso.
O 2º apelante alegará no prazo de 30 dias após a notificação do despacho de recebimento do seu recurso (feita juntamente com a notificação da apresentação da alegação do 1º apelante). Na sua minuta, o 2º apelante deve não só impugnar a sentença naquilo que Ihe foi desfavorável, mas também
responder à impugnação que o 1º apelante haja dirigido contra a parte da sentença favorável a si, cumulando, deste modo, as alegações com a resposta (regime de condensação).
O 1º apelante tem o prazo de 20 dias, contados da notificação da alegação do 2º recorrente, ou melhor, a partir da peça única do 2º recorrente (alegação e contra-alegação) para responder à impugnação que este haja dirigido contra a parte da sentença favorável a si, 1º apelante.
Na previsão do nº 4, havendo pluralidade de recorrentes ou recorridos, ainda que representados por advogados diferentes, o prazo das respectivas alegações é único (eliminando-se os prazos sucessivos do anterior CPC), ou seja, as alegações de cada grupo de litigantes têm de ser apresentadas no mesmo prazo de 30 dias, incumbindo à secretaria facultar, em termos igualitários, aos diferentes interessados o exame e consulta do processo.
A restante tramitação é igual à do nº 3, a efectuar nos termos acima referidos.
Feita a devida interpretação da norma do art. 698º do CPC, voltemos agora ao caso "sub judice".
Conforme resulta dos autos e atento o regime do uso da telecópia (art. 4º do DL 28/92, de 27/02) o 1º apelante é o IGAPHE.
Porém, embora o despacho que admitiu as apelações dos AA. e R. (fls. 247) não faça qualquer alusão a quem considera primeiro e segundo recorrentes, o certo é também que nenhuma das partes reagiu, em tempo útil, contra o mesmo.
Assim sendo, o referido despacho ter-se-á de considerar como definitivo e dele, tal como foi proferido, ter-se-á de retirar o ciclo produtivo das respectivas alegações.
O despacho que admitiu as apelações foi notificado, simultaneamente, a ambas as partes, por carta registada, em 10/12/97.
Os AA. apresentaram as suas alegações em 19/01/98 e o R. IGAPHE apresentou as suas em 22/01/98.
Por carta registada de 27/01/98, ambos os apelantes foram notificados simultaneamente das alegações da parte contrária.
Ora, sendo o IGAPHE notificado, por carta registada de 27/01/98, da apresentação das alegações dos AA. e tendo apresentado a sua resposta apenas em 2 de Março de 1998, portanto já ultrapassado o prazo de 20 dias fixado pelo nº 3 do art. 698º do CPC, o despacho recorrido não merece censura, reconhecendo-se embora que o mesmo emerge de um outro despacho tecnicamente incorrecto, mas contra o qual o agravante não reagiu oportunamente.
Assim sendo, improcedem as conclusões do agravante.
Quanto à apelação do Réu IGAPHE:
A questão a apreciar e decidir no âmbito deste recurso é determinar se o Réu IGAPHE deve ou não ser condenado a indemnizar os AA. dos prejuízos a liquidar em execução de sentença.
Entende o recorrente IGAPHE que o princípio de aquisição processual vazado no art. 515º do CPC, bem como o ónus da prova leva a concluir pela improcedência tal pedido.
Alega que "contendo-se a Rua M e os lotes 15 e 17 dentro da área expropriada e os edifícios descritos na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob os nºs. 037767 (inscrito na matriz sob o art. 841) e 03770 (inscrito na matriz sob o art. 844) fora da área expropriada (cf. resposta ao quesito 5º), é óbvio que o IGAPHE tem título justificativo - aquisição originária decorrente da expropriação - implantação dos lotes 15 e 17 e arruamento com a designação da letra M.
Mesmo que não se sufrague o expendido sobre as consequências do princípio da aquisição processual supra citado, o que só por razões de mera exposição se concede, então competia aos AA. - recorridos provarem que aqueles lotes e arruamentos estão sobre os terrenos inscritos na matriz sob os arts. 841 e 844, conforme preceitua o art. 342º, nº 1 do CC, o que manifestamente não fizeram.
Diga-se, desde já, que o apelante tem razão.
Conforme resulta da petição inicial um dos pedidos principais é no sentido de o Réu IGAPHE ser condenado a indemnizar os AA. dos prejuízos causados pela inclusão dos seus terrenos nas plantas do loteamento urbano, a liquidar em execução de sentença.
Como regra, a liquidação há-de fazer-se no processo declarativo, só podendo reservar-se para o processo de execução, quando não seja possível fazê-Io naquele processo.
O art. 471º do CPC diz-nos em que casos (excepcionais) é permitido formular pedidos genéricos.
Um desses casos poderá ocorrer quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito (nº 1 alínea b)).
Assim, se houve um facto danoso, que gerou responsabilidade civil, pode pedir-se em juízo a condenação em quantitativo a fixar mais tarde.
Também o tribunal, se não tiver elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, mesmo que se tenha formulado pedido específico, poderá condenar no que se liquidar em execução de sentença (art. 661º, nº 2 do CPC).
A procedência de tal pedido dependerá da alegação e prova de facto ilícito danoso.
É que, embora o lesado não tenha de indicar a importância exacta em que avalia os prejuízos, não está isento do ónus de alegar e provar os factos em que funda o seu direito de indemnização.
Porém, se a alegação ou a prova de que, de certo facto resultou
um dano um dano e do seu montante não puder ser feita com exactidão, o que ocorre muitas vezes, o tribunal poderá relegar para execução de sentença a sua liquidação.
No caso "sub judice", decidindo-se como se decidiu que os AA. são os proprietários dos terrenos onde se situavam os prédios urbanos que pertenceram à Quinta (W), inscritos na matriz da freguesia de Arrentela, sob os art. 841 e 844 e descritos na Conservatória do Registo Predial do Seixal, sob o nº 03767 e 03770 (por se localizarem fora da área expropriada) a procedência do pedido principal sob a alínea b), ou seja, a procedência do pedido de indemnização dos prejuízos a liquidar em execução de sentença, dependia da prova de que a implantação do arruamento M e dos lotes 15 e 17 colidia com os referidos terrenos ou que a suspensão dos estudos urbanísticos dos terrenos se deveu a actos praticados pelo IGAPHE, causadores de danos.
Nenhum destes factos se provou, sendo que tal prova competia aos AA., nos termos do art. 342º, nº 1 do CC.
Ora, a prova da existência de danos genéricos é pressuposto para o R. ser condenado na indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença.
É que numa acção de indemnização por perdas e danos, o verdadeiro objecto da acção consiste não só em determinar se o R. deve a indemnização, mas também, caso deva, apurar quanto deve. É só esta parte que poderá ser objecto de condenação no que se liquidar.
Assim sendo, e uma vez que aqueles factos não se encontram provados, é de concluir que o tribunal "a quo" não dispunha de elementos para, ao abrigo dos arts. 471º, nº 1 al. b) e nº 2 do art. 661º do CC, condenar o R. nesse pedido, pelo que a apelação do R. merece provimento.
Analisemos finalmente a apelação dos AA..
No âmbito deste recurso e, nos termos das conclusões formuladas pelos recorrentes, há que apreciar e decidir as seguintes questões:
- Se a sentença recorrida não reconheceu força probatória plena aos documentos autênticos constantes dos autos e se houve ofensa do caso julgado.
- Se houve erro na qualificação jurídica dos terrenos (prédios).
- Se a sentença recorrida desrespeita as leis reguladoras das expropriações, caucionando um verdadeiro esbulho por "via de facto".
Apreciemos, pois, todas as questões globalmente, uma vez que elas se encontram intimamente conexionadas entre si.
Para melhor compreensão das questões suscitadas pelos apelantes, nomeadamente do conteúdo do caso julgado das sentenças adjudicatórias dos bens expropriados, referenciados nos autos, importa analisar os trâmites do processo expropriativo.
Recorde-se antes de mais que, em matéria de expropriações, é aplicável a lei vigente à data da respectiva publicação da declaração de utilidade pública, como tendo vindo a ser decidido pela jurisprudência.
Ora, atendendo a que, no caso "sub judice" a publicação da declaração de utilidade pública ocorreu em 02/06/76 (antes da entrada em vigor do DL. 845/76, de 11/12), as normas aplicáveis são as resultantes do DL. 71/76, de 27/01, salvo as de carácter processual que são de aplicação imediata aos processos pendentes.
Dentro do procedimento da expropriação existe a intervenção da autoridade administrativa judicial.
A expropriação como processo de aquisição de bens, mediante uma indemnização, tem como acto essencial a declaração de utilidade pública que terá de obedecer a determinados pressupostos de legitimidade e está sujeito a uma forma especial de publicidade, pois é sempre publicado no DR (art. 20º do DL. 71/76, art. 14º do DL. 845/76 e 15º do DL 438/91, de 09/11).
Os actos que precedem a declaração de utilidade pública (requerimentos, projectos e outros actos de instrução) são actos preparatórios, sem autonomia funcional, o mesmo acontecendo com os actos posteriores destinados a encontrar um acordo quanto ao montante da indemnização, bem como os actos destinados à constituição e funcionamento da arbitragem (cf. Fernando Alves Correia - As Garantias do Particular na Expropriação Por Utilidade Pública - 177).
Esses actos destinam-se a dar execução ao acto de declaração de utilidade pública.
A declaração de utilidade pública, facto constitutivo da relação jurídica da expropriação, quando resultante de despacho ministerial é um acto administrativo que está sujeito a recurso contencioso.
Assim, os tribunais administrativos são os competentes para conhecer de eventuais ilegalidades do acto de declaração de utilidade pública.
Quer na sua forma amigável, quer na forma contenciosa, o processo de expropriação tem por finalidade a fixação da indemnização compensatória e a investidura do expropriante na propriedade dos bens expropriados.
A nossa Lei atribui o poder judicial para transferir a propriedade e a posse (esta se não tiver existido anteriormente autorização de posse administrativa) dos bens para a entidade beneficiária da expropriação (art. 24º do DL 71/76, art. 44º do DL 845/76 e art. 50º, nº 4 do DL 438/91).
Numa outra fase, não sendo possível o acordo sobre o montante global da indemnização ou sobre a forma do seu pagamento entre o expropriante e o expropriado, serão aqueles fixados por arbitragem, com recurso para os tribunais judiciais.
No caso de expropriação amigável a formalização do acordo faz-se por auto ou escritura, de cujo conteúdo consta o montante da indemnização acordada e a forma do seu pagamento (art. 36º do DL 71/76 e arts. 41º e 42º, nº 1 al. c) do DL 845/76 e art. 32º do DL 438/91).
Recebido no tribunal o duplicado ou a certidão com os documentos, o juiz adjudica a propriedade e posse dos prédios ao expropriante, a quem os mandará entregar livres de ónus ou encargos.
Do mesmo modo acontece nas expropriações litigiosas, caso haja acordo conforme resulta dos arts. 87º do DL 71/76, (e arts. 89º e 90º do DL 845/76 e art. 65º nº 2 e 3 do DL 438/91).
O legislador ao exigir a intervenção do juiz, do mesmo modo que o faz em qualquer processo comum, quis emprestar à transacção a autoridade própria de uma decisão judicial, com força de caso julgado (cf. Parecer do Prof. Galvão da Silva - CJ - 1994 - II - 5).
Mas, a sentença homologatória preferida, no âmbito do processo expropriativo, diz respeito ao montante indemnizatório e à forma de pagamento, uma vez que o objecto da expropriação, já se encontra definido no acto de declaração de utilidade pública que é um acto administrativo definitivo e executório.
Por isso, se tal acto não for impugnado em recurso contencioso é análogo à sentença judicial.
Deste modo, enquanto o caso julgado da sentença homologatória dos autos, se encontra limitado ao montante indemnizatório e forma de pagamento, o objecto da expropriação encontra-se definido pelo acto administrativo (definitivo e executório) de declaração de utilidade pública, tal como foi publicado no DR, acto esse com força obrigatória e coerciva.
Daí que a solução a dar ao caso que nos ocupa tenha de assentar, essencialmente, na interpretação da própria declaração de utilidade pública.
A interpretação de um acto administrativo pode ser feita pela própria Administração mediante um interpretativo, pelos tribunais e pela doutrina (cf. Marcelo Caetano - Manual de Direito Administrativo - 1968 - 445).
Analisemos então o texto da declaração de utilidade pública.
À data da publicação do acto declarativo de utilidade pública , (assim como actualmente) os prédios sujeitos a expropriação deviam ser, na medida do possível, identificados com os elementos constantes da descrição predial e inscrição matricial (art. 19º do DL 71/76).
Em caso de expropriação urgente, se essa identificação, de imediato não fosse possível, seria apresentada uma planta, indicando o terreno necessário para a realização da obra que dá causa à expropriação.
Assim, a certeza do objecto do acto administrativo devia envolver a sua suficiente determinação.
No caso dos autos, a declaração de utilidade pública urgente (DR II Série, nº 129, de 27/06/76) identifica deste modo o objecto da expropriação: Prédio rústico denominado "Quinta (K) ou do (W), inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Arrentela sob o art. 5, pertencente a (D), casada com (F), residente na Rua (Z), em Lisboa e (C), divorciado, residente na Rua (X), em Lisboa".
Na sequência desta declaração de utilidade pública, por sentença de 31/06/86, em que era expropriada a comproprietária (D), foi adjudicado ao então Fundo de Fomento de Habitação, antecessor do IGAPE, a propriedade e a posse de metade indivisa da parte rústica do prédio misto denominado Quinta (W) ou Quinta (K).
E por sentença de 17/03/88 em que eram expropriados os Herdeiros de (C) foi adjudicado ao IGAPHE a propriedade sobre (a outra), metade indivisa do prédio designado por Quinta (K) ou (W).
Face a esta matéria, como se pode apurar a intenção manifestada pelo órgão administrativo?
A interpretação das declarações, em primeira linha, assenta sobre as próprias palavras (interpretação literal das palavras por que foi expressa).
É de supor que quem faz uma declaração procura transmitir o seu pensamento através das palavras mais idóneas para o efeito.
Uma das regras de hermenêutica jurídica é de que o sentido das palavras se deve estabelecer, em princípio, com base no seu uso corrente, mas se se tratar de termos que possuam um significado técnico, será este sentido que deverá prevalecer
E averiguado o sentido gramatical da declaração, o intérprete, se possível, deverá considerar os demais elementos que servem de enquadramento à letra da declaração e interessam à determinação do seu sentido real, como, v.g. a natureza do acto, as circunstancias em que a vontade foi manifestada e o interesse público protegido pela lei (cf. Marcelo Caetano - opus cit.).
No caso que nos ocupa, para determinar o objecto da expropriação, interessa averiguar o sentido da expressão "prédio rústico" utilizada na declaração de utilidade pública.
Sendo o autor dessa declaração a Administração Pública maior razão existe para se pensar que utilizou as palavras mais idóneas para exprimir a sua vontade.
Por outro lado, tratando-se de matéria tão importante e melindrosa como são as expropriações, não podia o declarante deixar de utilizar o sentido técnico das palavras, de acordo com as noções que constam do art. 204º, nº 2 do CC.
Assim, quando a declaração de utilidade pública refere "prédio rústico" o seu autor quis expropriar apenas uma parte delimitada do solo da Quinta (W) e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, excluindo, em consequência, a parte urbana da Quinta, ou seja, os edifícios incorporados no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
Ora, à data em que foi publicada no DR a declaração de utilidade pública, a Quinta (W) já era um prédio misto, por isso, composto por uma parte rústica e outra urbana, que a entidade expropriante não podia ignorar, face ao teor das certidões constantes dos autos.
Aliás, foi essa a interpretação dada pelo Tribunal nos respectivos processos expropriativos.
Na verdade, na sentença exarada nos autos de expropriação nº 789/86 -2ª Secção, 2º Juízo do Tribunal do Seixal, foi adjudicada a propriedade e a posse de metade indivisa da parte rústica do prédio misto denominado Quinta (W) ou Quinta (K), com a área total de 114.065,90 m2... (fls.44).
E na sentença de 17/03/88 do mesmo tribunal foi adjudicada ao IGAPHE a propriedade sobre (a outra) metade indivisa do prédio designado por Quinta (K) ou do (W)... (fls. 49).
É de salientar que esta última sentença é homologatória do protocolo de acordo de fIs. 46 e 47, bem como do termo de transacção de fIs. 48. E nesse protocolo de acordo também se faz referência a "prédio rústico denominado Quinta (K) ou do (W)".
Assim, os elementos existentes nos autos, nomeadamente a sentença de adjudicação de 31/07/86, bem como o Protocolo de acordo de fIs. 46 e 47 entenderam a declaração de utilidade pública no sentido de a expropriação se limitar à parte rústica da Quinta do (W).
Entendem os apelantes que a expropriação "sub judice" recaiu tão só e apenas sobre a parte rústica (antigo art. matricial 5, actual matriz rústica art. 2, Secção D) da Quinta (K) ou do (W).
No entanto, alega, em manifesta contradição com a força probatória dos documentos autênticos juntos aos autos e contra o valor do caso julgado, o Tribunal "a quo" julgou também provado, na sequência da prova pericial realizada, que o local onde estavam implantados os edifícios inscritos na matriz (urbana) sob os arts. 845, 846, 847 e 848 e descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs 02771, 03772, 03773 e 03774 pertence à área expropriada.
Vejamos:
Encontra-se provado que a falada Quinta (K) ou do (W) era um prédio misto em que a parte rústica era composta por pomar, vinha, olival, pinhal, sobreiral, mato, terras de semeadura, casas destinadas a arrecadação, palheiro e outras dependências e a urbana destinada a habitação, comércio e indústria (cf. docs. nºs 1 e 2 juntos com a P.I.). Encontra-se também provado (alínea a) da Esp.) que este prédio misto, denominado Quinta (K) ou do (W) estava descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o nº 409, a fIs. 12, do livro B-2, inscrito na matriz sob o art. 5 da anterior matriz
rústica (actual matriz rústica art. 2, Secção D) e na urbana sob os arts. 824, 825, 823, 828, 826, 837, 838, 841, 842, 843, 844, 845, 846, 847 e 848.
Também segundo as certidões do Registo Predial, a parte rústica expropriada veio a ser descrita autonomamente na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o nº 01258/200188, por desanexação da descrição nº 409 do livro B-2 encontra-se registada a favor do IGAPHE pelas inscrições G-6 G-7, enquanto que a parte não expropriada, isto é, a parte urbana, correspondente aos arts. cadastrais urbanos 823, 824, 825, 826, 828, 837, 838, 841, 842, 843, 844, 845, 846, 847 e 848, por desanexação da descrição do B-2 foram autonomanente descritos na Conservatória sob os nºs. 03762/920813, 03763/920813, 03764/920813, 03765/920813, 03766/920813, 03767/920813, 03768/920813, 03770/920813, 03771/920813, 03772/920813, 03773/920813 e 03774/920813 (docs. nºs. 9, 10 e 11, juntos com a p.i.).
Do exposto, isto é, da declaração de utilidade pública, das sentenças de 31/07/86 e 17/03/88 e demais documentos juntos aos autos resulta que a expropriação apenas recaiu sobre a parte rústica da Quinta (K) ou do (W).
Existe, portanto, contradição entre esta matéria e a que consta da resposta ao quesito 5º no qual se considerou provado, com base na prova pericial, que "o local onde estavam implantados os edifícios inscritos na matriz sob os arts. 845, 846, 847 e 848 e descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs 03771, 03772, 03773 e 03774 se localiza na área expropriada pelo ex-Fundo de Fomento da Habitação e os inscritos na matriz sob os arts. 841 e 844 e descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs 03767 e 03770 se localizam fora dessa área".
De harmonia com o principio da prova livre, que se contrapõe ao principio da prova legal, as provas são valoradas livremente pelo julgador.
Daí o regime geral da imutabilidade das respostas aos quesitos por parte do Tribunal da Relação.
Na verdade, em regra, este Tribunal não pode alterar as respostas dadas na 1ª instância aos arts. do questionário, com excepção das hipóteses taxativamente contempladas no nº 1 do art. 712º do CPC.
O fundamento da alínea b) da citada norma legal verifica-se quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
É o caso de o tribunal "a quo", v.g., ter desprezado a força probatória de documento não impugnado nos termos legais.
Na verdade, "se estiver junto ao processo documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, tiver admitido facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, incumbe à relação fazer prevalecer a força do documento" (cf. A. Reis - CPC - anot. V - 472).
Nesta hipótese, se o Tribunal da Relação tem diante de si todo o material de conhecimento sobre o qual se formou o julgamento do Tribunal Colectivo, fica habilitado a exercer censura sobre a decisão da 1ª instância, apreciando a prova produzida e modificando, se for caso disso, as respostas.
Dada a realidade do caso que nos ocupa, o Tribunal da Relação tem o elemento de prova que serviu de base à resposta ao quesito 5º (prova pericial de fls. 178 e 194) e os restantes documentos juntos aos autos, nomeadamente a declaração de utilidade pública, as sentenças adjudicatórias transitadas que fundamentaram a matéria dada como provada, incluída logo na especificação.
São conhecidos os fundamentos do caso julgado (art. 667º do CPC) e os efeitos do acto administrativo definitivo e executório (acto de autoridade da Administração) que visam assegurar aos litigantes e às partes um mínimo de certeza do direito e de segurança jurídica indispensáveis a vida de colaboração intersubjectiva e ao comércio jurídico em geral.
Aqui não estamos em presença de caso julgado, como defendem os apelantes, porque, como vimos, a sentença homologatória faz apenas caso julgado quanto ao montante indemnizatório.
O que foi posta em causa foi a declaração de utilidade publica onde se encontra definido o objecto da expropriação.
Portanto, a questão não se reconduz à determinação dos limites do prédio expropriado, como se diz na sentença recorrida, porque na acção não estão em causa os limites do prédio rústico.
O que está em causa na acção é o reconhecimento ou não do direito de propriedade dos AA. sobre os terrenos onde se situavam os prédios urbanos que pertenceram à Quinta (W), actualmente descritos na Conservatória do Reg. Civil sob os nºs. 03767, 03770, 03771, 03772, 03773, e 03774.
O que equivale à questão de saber se o objecto da expropriação se limitou à parte rústica ou se abrangeu também a parte urbana do prédio em causa.
Ora, da declaração de utilidade pública e da sentença proferida nos autos de expropriação e dos restantes documentos, o objecto da expropriação encontra-se suficientemente definido, como sendo o prédio rústico designado Quinta (K) ou do (W), sito na freguesia de Arrentela, concelho do Seixal, inscrito na matriz cadastral rústica sob o art. 2, Secção D (anterior art. 5) e descrito na Conservatória do Reg. Predial do Seixal sob o nº 01258/200188, por desanexação da descrição nº 409 do Livro B-2 (docs. 6, 7 e 8, juntos com a P.I.).
Alegam os apelantes que no caso dos autos existe um verdadeiro esbulho por "via de facto".
Na verdade, atendendo a que o poder da expropriação está sujeito, por força da lei, a determinados limites, a falta de algum desses limites ou requisitos essenciais que balizam a expropriação, constitui aquilo que a doutrina denomina "via de facto".
E a ilegalidade constitutiva da "via de facto" tanto pode encontrar-se no acto administrativo executado, como no próprio acto material de execução.
No caso vertente, existindo embora o acto de declaração de utilidade pública perfeitamente regular, a actividade material de execução excede quantitativamente o âmbito coberto pelo referido acto.
Saliente-se que a vistoria "ad perpetuam rei memoriam" destina-se apenas a fixar os elementos de facto susceptíveis de desaparecerem e cujo conhecimento seja de interesse ao julgamento do processo. Por isso, se esses elementos ultrapassarem o objecto da expropriação, como parece ter acontecido no caso "sub judice" não podem servir de fundamento para uma apropriação indevida de maior área de terreno.
Aceitar o resultado da peritagem, tal como fez o Tribunal Colectivo, é caucionar efectivamente a "via de facto".
Por isso, o quesito 5º, para além de conter matéria conclusiva, a sua resposta está em manifesta contradição com a declaração de utilidade pública, pelo que ao abrigo do art. 712º, nº 1 alínea b) do CPC, decide-se em alterá-la para os seguintes termos: "provado o que consta das respostas dadas aos quesitos anteriores, bem como o que consta da matéria da especificação e documentos aí referidos".
Deste modo, merece provimento o recurso dos AA., por virtude de o Réu IGAPHE, não possuindo título justificativo, invocar indevidamente a propriedade de uma porção de terreno urbano, pertencente aos AA., correspondente ao local onde estavam implantados os edifícios inscritos na matriz cadastral urbana sob os arts. 841, 844, 845, 846, 847 e 848, da freguesia de Arrentela, Concelho do Seixal, descritos na Conservatória do Reg. Predial do Seixal sob os nºs 03767, 03770, 03771, 03772 e 03774.
Mas não merece provimento a apelação na parte em que os AA. pedem a condenação do R. a pagar-lhe os prejuízos a liquidar em execução de sentença, pelas razões já descritas na apreciação do recurso anterior, nomeadamente pelo facto de não terem provado que os lotes e arruamentos estão sobre os referidos terrenos, não sendo suficiente a prova feita de que "no início de 1990, a Câmara Municipal do Seixal suspendeu as negociações do estudo urbanístico, invocando que o R. reivindicava a propriedade dos terrenos onde existiam os edifícios para incluir no seu loteamento urbano".
O que os apelantes alegaram e, por isso, deviam provar era que "o IGAPHE, em planta enviada à Câmara Municipal do Seixal, veio a considerar abrangida pela expropriação a área onde existiam os edifícios inscritos na matriz sob os nºs 841, 844, 845, 847 e 848", ou seja, os AA. deviam provar que a implantação dos arruamentos e os lotes 15 e 17 colidia com os terrenos em causa, o que não aconteceu.
Nos termos expostos, acorda-se:
- Em negar provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido.
- Em conceder provimento à apelação do IGAPHE, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o apelante a indemnizar os AA. dos prejuízos a liquidar em execução de sentença, para, em sua substituição, absolver o R. IGAPHE deste pedido principal (sob a alínea b).
- Em conceder provimento à apelação dos AA., revogando-se a sentença recorrida, na parte respectiva, para em sua substituição condenar o R. IGAPHE a reconhecer também os AA. como proprietários dos terrenos onde se situavam os prédios urbanos que pertenceram à Quinta (W), inscritos na matriz cadastral da freguesia da Arrentela sob os nºs. 845, 846, 847 e 848 e descritos na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob os nºs. 03771, 03772, 03773 e 03774.
Ordena-se o cancelamento dos registos existentes em contradição com o decidido.
Custas a meias, em ambas as instâncias, por AA. e R., sendo que este delas está isento (art. 3º, nº 1, alínea a) do CCJ).
Lisboa 26 de Novembro de 1998
Narciso Machado
Martins Lopes
Marcos Rodrigues