Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16847/19.1T8LSB.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: ELEVADORES
CONTRATO DE MANUTENÇÃO DE ELEVADORES
CLÁUSULA PENAL
DESPROPORCIONALIDADE
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - É nula, por se revelar desproporcional aos danos a ressarcir, em face do quadro negocial padronizado (e por isso, violar o artigo 19º, al. c) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro) a cláusula penal inscrita em contrato de adesão de manutenção de elevadores em que se estipula:“Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da Recorrente, em caso de extinção antecipada do presente Contrato pelo CLIENTE, a Recorrente terá direito a uma indemnização, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para Contratos com duração até 5 anos, no valor de 50% das prestações do preço para Contratos com duração superior a 5 anos”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
A instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B, peticionando que o Réu seja condenado a pagar à Autora a quantia de €59.026,72, acrescida dos juros vencidos até 14/08/2018, no valor de €6.201,76, e dos vincendos, desde 14/08/2018 até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese útil: o Réu celebrou com a Autora dois contratos de manutenção de elevadores; a Autora cumpriu com os serviços contratados; o Réu resolveu os contratos, sem que a Autora reconheça justa causa para a quebra intempestiva dos contratos; e, o Réu não pagou facturas que a Autora emitiu na sequência daquela resolução.
O Réu defendeu a improcedência da acção, alegando, em síntese útil: a cláusula indemnizatória inserta nos contratos e ao abrigo da qual a Autora emitiu as facturas é proibida por desproporcional e, consequentemente, nula; a Autora não cumpriu as suas obrigações contratuais de manutenção dos elevadores, sendo que, entre outros vícios denunciados pelo Réu, houve vícios que determinaram a reprovação e encerramento de um dos elevadores.
Termina, peticionando que seja declarada a nulidade das cláusulas 5.7.4. dos mencionados contratos e julgada procedente a excepção peremptória impeditiva, absolvendo-se o Réu; ou, se assim se não entender, seja julgada válida e eficaz a resolução contratual promovida pelo Réu, sendo este absolvido do pedido; e que seja julgado procedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé em multa e indemnização a pagar ao Réu em montante nunca inferior a €3.000,00, bem como as despesas suportadas e consequentes do processo.
A Autora respondeu à contestação, defendendo a validade das mencionadas cláusulas contratuais.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Efectuada a audiência final, foi proferida sentença, julgando improcedente a acção e condenando a Autora, como litigante de má fé, a pagar ao Réu indemnização no montante de €3.000,00 e a reembolsá-lo das despesas tidas a título de honorários dos mandatários nesta acção, bem como no pagamento de multa no valor de 5 UCs.
Inconformada com tal sentença, veio a Autora dela interpor recurso de apelação, no qual formula as seguintes Conclusões (respeitando-se, na transcrição que segue, a numeração tal como consta das alegações):
“94. Tendo presente tudo o quanto antecede, formula a A. as suas Conclusões, como segue:
95. Foi declarada em sentença recorrida a nulidade da cláusula 5.7.4. dos contratos de manutenção de elevadores junto aos autos com a Petição inicial, por a considerar desproporcionada aos danos a ressarcir.
96. Entendeu o Julgador “a quo” absolver o R. da sanção contratual que lhe foi faturada por saída intempestiva e injustificada do Contrato, condenando ainda a A. como litigante de má fé do autos.
97. A matéria de facto dado como provada foi transcrita supra nos pontos 1. A 46.
98. De douta sentença ora recorrida consta que: “… A INVOCADA CLÁUSULA PENAL (CLAUSULA 5.7.4 DOS CONTRATOS) SE MOSTRA COMPLETAMENTE DESPROPORCIONAL E CONTRÁRIA AOS DITAMES DA BOA FÉ CONTRATUAL. Lamentavelmente incorre tal decisão em manifesto lapso.
99. Desde logo, usa a sentença aqui recorrida como argumento o teor de sentença proferida em ação inibitória com o n.º 652/16.0T8SNT, conforme: “, VEJA-SE A DECISÃO PROFERIDA A 30.10.2017, PELO TRIBUNAL JUDICIAL DO COMARCA DE LISBOA OESTE, EM ACÇÃO INIBITÓRIA, NO PROCESSO COM O Nº 652/16.0T8SNT, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.DGSI.PT/JDGPJ.NSF/, A QUAL VEIO A SER CONFIRMADA PELO STJ. A FUNDAMENTAÇÃO EXPENDIDA NA SENTENÇA QUE DECIDIU AQUELA ACÇÃO INIBITÓRIA É DE APLICAR AO CASO DOS AUTOS. ENTRE OUTRAS CLÁUSULAS, A SENTENÇA PRONUNCIOU-SE SOBRE A VALIDADE DA CLÁUSULA PENAL”.
100. Ora, o que lamentavelmente a sentença a quo desconsidera é que tal decisão, transitada em julgado em 2020, determinou a inaplicabilidade de tal clausulado para futuro.
101. Senão vejamos: “CONDENO A RÉ A ABSTER-SE DE SE PREVALECER E UTILIZAR AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS COM OS NÚMEROS 5.5.2, 5.7.4, 5.6, 5.9 E O SEGMENTO FINAL DA CLÁUSULA 5.1.2 (“FICANDO O CLIENTE OBRIGADO AO PAGAMENTO DA TOTALIDADE DAS PRESTAÇÕES DO PREÇO PREVISTAS ATÉ FINAL DO PRAZO CONTRATADO”) DO CONTRATO A MANUTENÇÃO OM, NOS CONTRATOS QUE, DE FUTURO, VENHA A CELEBRAR COM OS SEUS CLIENTES, ABSOLVENDO-A QUANTO AO DEMAIS PETICIONADO.”
102. Como tal mal se compreende como pode ter decisão ser fundamento para determinação da invalidade da cláusula 5.7.4. e muito menos para efeitos de condenação da A. como litigante de má fé.
103. Os presentes autos foram instaurados em Agosto de 2019, antes da decisão do Supremo Tribunal de Justiça referida ter sido proferida (datada de 19.09.2019) e muito menos ter transitado em julgado (12.06.2020)…
104. Mas mais ainda, olvida a decisor a quo que no mesmo processo declarativo, que carreia em sentença proferida, olvida que em sede de Acórdão do Tribunal da Relação, essa mesma cláusula 5.7.4. foi declarada valida e eficaz.
105. Esse aresto sim, datado de 11/09/2018, o último proferido e conhecido aquando da instauração dos presentes autos de processo declarativo…
106. Aliás, como acontece em inúmeras outras decisões judiciais.
107. Mas vejamos então: “…Acrescente-se que, a nosso ver, não devem merecer acolhimento os habituais argumentos de que a Ré afinal ainda sai beneficiada por deixar de suportar gastos futuros com o cumprimento do contrato abrupta e injustificadamente interrompido pelo seu cliente, contra a sua vontade e contra os ditames gerais que presidem à boa fé no cumprimento dos negócios jurídicos, e de que, afortunadamente, acaba, através do funcionamento da cláusula penal, por receber imediatamente a totalidade do montante indemnizatório em causa. Este último argumento não resiste à constatação de que nos encontramos perante a figura de uma verdadeira e própria cláusula penal. Logo, a verba fixada a este título só pode mesmo ser exigida imediatamente e de uma só vez, como é lógico. Não se trata de qualquer privilégio ou benefício extravagante. Em qualquer caso comum e vulgar de funcionamento de cláusula penal é o que sucede, sem que tal circunstância possa causar a menor estranheza ao jurista com ela minimamente familiarizado. Quanto ao primeiro argumento: o facto de a Ré passar a não ter de prestar assistência técnica em favor do incumpridor contratual é o resultado directo e imediato do incumprimento exclusivamente imputável a este e não desejado por aquela. Não pode ser visto, sob qualquer perspectiva, e em termos logicamente contraditórios, como um surpreendente benefício para o contraente interessado no cumprimento do prazo contratualmente definido. Trata-se, antes e simplesmente, de uma frustração de um ganho projectado e legitimamente acalentado pela parte que se dispõe a respeitar, como deve, escrupulosamente, os termos contratuais. E nessa medida, esse mesmo prejuízo (dano contratual negativo) é igualmente protegido pelo âmbito da própria cláusula penal previamente definida, sem que contribua para a tornar inadequada ou indigna da tutela jurídica que normalmente se associa a qualquer cláusula desta mesma natureza. Por tudo isto, concluímos pela validade destas cláusulas contratuais.”
108. E um outro exemplo se aponta, por sentença proferida na Segunda Unidade Orgânica, por decisão de 9/10/2021 (Proc. 2026/16.3BELSB – A vs. FBAUL), em já a Acção Inibitória tinha transitado, o Julgador “a quo”, não teve ali dúvidas em condenar a ali Ré na mesma sanção, e “in totum”, assim, e para este Julgador “a quo”, a sanção não era desproporcional e era válida. Cá está um entendimento diferente (como há muitos mais, felizmente).
109. Carece de qualquer fundamento, como se vê, a afirmação patente em sentença proferida de que: “A AUTORA NÃO PODIA DESCONHECER A FALTA DE FUNDAMENTO DA SUA PRETENSÃO, TENDO EM CONTA QUE AS CLÁUSULAS EM QUE BASEIA A SUA PRETENSÃO JÁ ANTERIORMENTE FORAM DECLARADAS NULAS.”
110. Ou, conforme consta em sentença proferida, de que não foi produzida prova sobre a negociação dos contratos de 2013: “NÃO FOI PRODUZIDA PROVA SOBRE AS CONDIÇÕES CONCRETAS EM QUE FORAM NEGOCIADOS OS CONTRATOS REFERIDOS EM 10, DESIGNADAMENTE NO QUE TOCA À CLAREZA DO CONTEÚDOS DAS CLÁUSULAS. NOTE-SE QUE OS CONTRATOS SE SUCEDEM A OUTRO, CELEBRADO ENTRE AUTORA E RÉU, E DATADO DE 2009.”
111. Mal o tribunal a quo quanto à decisão sobre a matéria de facto produzida, o que urge retificar…
112. O artigo 1.º do decreto-lei n.º 446/85, de 25 de outubro faz depender a aplicação deste regime à circunstância de determinada cláusula ter sido previamente elaborada por um dos contraentes e de o seu conteúdo não poder ser influenciado pelo outro contraente.
113. Estamos, pois, nos casos em que a liberdade contratual de um dos contraentes é reduzida à liberdade de celebração, sendo-lhe coarctada a liberdade de estipulação do teor do clausulado do contrato.
114. Assim, não é possível concluir, sem mais, que um contrato com um clausulado previamente elaborado por um dos contraentes é um contrato de adesão. Pelo contrário!
115. O R. dos autos não se reconduz ao particular incauto que o diploma das cláusulas contratuais gerais pretendeu salvaguardar, nem tal o mesmo alegou nos autos.
116. E se é certo que o contrato em causa consta de um pré-impresso proposto pela A., tal circunstância não o faz reconduzir ao regime das cláusulas contratuais gerais.
117. Assim, sendo possível ao r – querendo – alterar, adaptar, derrogar e aceitar parcialmente as “condições gerais” do contrato,
118. Nenhuma das cláusulas constantes dos contratos celebrados, repete-se, era desconhecida do R.
119. Ademais, e quanto à declarada nulidade da Cláusula do contrato 5.7.4.:
120. Desde logo, por Acórdão datado de 20.12.2017, do Supremo Tribunal de Justiça, debruçando-se sobre um contrato de manutenção completa, decidiu-se:
“Por sua vez, a cláusula 7.4. estabelece uma cláusula penal, em caso de denuncia antecipada do contrato.
Face ao valor concreto do pedido, a título de clausula penal, é manifesto que a clausula 7.4. do contrato acaba por não se mostrar desproporcionada, tendo em consideração a razão de ser da fixação do prazo para a denuncia do contrato, já anteriormente explicitada. Com esta perspectiva, é manifesto que tal cláusula, não se revelando demasiado elevada ou excessivamente onerosa, podia ser utilizada, sem ofensa do disposto na alínea m) do n.º 1 do art. 22º do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais previsto no referido DL n.º 446/85.
O acórdão recorrido, perspetivando a questão apenas à luz do disposto no art. 812º n.º 1 do CC (afastada a natureza do contrato de adesão), concluiu também no sentido da cláusula não ser desproporcionada, condenando no seu pagamento, nomeadamente pelo valor peticionado.”
121. Desde logo para verificar se tal decisão se reporta a contratos de manutenção simples, e não, como o contrato dos autos, a manutenção completa.
122. É que quanto ao Contrato de Manutenção Completa as decisões, em todos os Tribunais, são tudo menos pacíficas.
123. Se, de facto, quanto ao “Contrato de Manutenção Simples”, a corrente dominante ia no sentido do desfecho referido; aqui, no “Contrato de Manutenção Completa”, bastas vezes, tem sido dada a razão à A, considerando as cláusulas válidas e as sanções devidas…
124. E na verdade ainda que as cláusulas propostas pela aqui A. aos seus Clientes são explicadas, negociadas, e/ou, alteradas e derrogadas se aceites (se o não forem, não há, naturalmente, contrato), passando para as “Condições Particulares” (não cabendo aí, nesse espaço, ficam em “adenda”), e passam a valer enquanto tal,
125. O que significa, que, para os efeitos do art. 1º do DL 446/85, de 25 de Outubro, não só há “prévia negociação individual”, como os destinatários (os clientes da A ), não se limitam a subscrever, como não se limitam a aceitar, podendo mesmo influenciar o seu conteúdo, afastando-o assim, indelevelmente, da esfera dos contratos de adesão, “tout court”, com as legais consequências.
126. Vejamos desde logo o depoimento da testemunha JG, arrolada nos autos pela A:, como Delegado de Serviço a Clientes na A,, desde logo ao minuto 06.23:
“(06.23M) TESTEMUNHA: UMA BASE! NÃO É… EXATAMENTE… TEM UMA BASE; MAS QUER DIZER, UMA BASE E UMA BASE TUDO O RESTO PODE SER… E QUANDO EU DIGO TUDO O RESTO, PODE SER SITUAÇÕES TÃO CORRENTES COMO OS TEMPOS DE RESPOSTA, AS DURAÇÕES DOS CONTRATOS, AS RESCISÕES, ETC ETC ISSO DE FORMA CORRENTE E DE FORMA BASTANTE COMUM, É NEGOCIADO CASO A CASO COM O CLIENTE E É REFLETIDO NO CONTRATO; MAS PODE SER TUDO E MAIS ALGUMA COISA; CHEGAMOS A TER CLIENTES ONDE NO CONTRATO ESTÁ ESTABELECIDO A VESTIMENTA QUE O TÉCNICO QUE FAZ A MANUTENÇÃO DEVE… DEVE UTILIZAR USAR… SIM, PORQUE ELES NÃO QUEREM VER PESSOAS DE FATO MACACO ENTRAR PELO HOTEL ADENTRO POR EXEMPLO…
(14.19M) ADVOGADA: ESSAS CLÁUSULAS E A FORMA GENÉRICA… ESSAS OBRIGAÇÕES ESTÃO CONTRATUALMENTE, LEGALMENTE TIPIFICADAS NO DECRETO-LEI QUE REGE A ATIVIDADE; E PORTANTO O CONTATO QUANDO VISA DETERMINADAS OBRIGAÇÕES, EM CONCRETO NESTE OM QUE TEMOS AQUI, NESTES 2 CONTRATOS, SÃO OBRIGAÇÕES LEGAIS QUE AS PARTES, A A, NATURALMENTE NÃO ACEITA DE ALGUMA FORMA, CONTORNAR, QUANDO REFERIU HÁ POUCO A POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO. HÁ COISAS QUE NÃO SÃO PASSÍVEIS DE NEGOCIAÇÃO, …
TESTEMUNHA: SEMPRE PARA MAIS. SEMPRE PARA MAIS, NO SENTIDO DE MELHOR SERVIÇO, OU SEJA, DE RESPONDER MELHOR ÀS NECESSIDADES DO CLIENTE.
ADVOGADA: OU SEJA, AS CLÁUSULAS PARA ALÉM DAS PARTICULARES, EM TERMOS DAS CLÁUSULAS GERAIS, QUE HÁ POUCO REFERIU, É POSSÍVEL NEGOCIAR COM A A TODAS ESSAS CLÁUSULAS QUE NÃO ENTREM EM CONTRADIÇÃO COM O DECRETO-LEI. TODAS ESSAS A A TEM A PORTA ABERTA PARA AS ALTERAR, DERROGAR, SUBSTITUIR?
TESTEMUNHAS: SIM, DESDE QUE PARA CIMA. POR EXEMPLO, EU TENHO OBRIGAÇÃO LEGAL DE FAZER 12 VISITAS ANUAIS, 1 VISITA MENSAL. É ACEITÁVEL EU NEGOCIAR COM O CLIENTE, O CLIENTE PODE DIZER EU QUERO QUE VOCÊS VENHAM CÁ UMA VEZ POR MÊS, UMA DE UMA VEZ POR MÊS, E EU É ACEITÁVEL NEGOCIAR COM O CLIENTE UM MAIOR NÚMERO DE VISITAS E ESCREVER ISSO NO CONTRATO E FICAR ACORDADO ENTRE NÓS. O CLIENTE PEDIR-ME PARA IR MENOS VEZES JÁ NÃO, PORQUE EU TENHO OBRIGAÇÃO DE IR 12. É ESTE TIPO DE FLEXIBILIDADE…QUE EXISTE.
ADVOGADA: FLEXIBILIDADE… RELATIVAMENTE ÀS CLÁUSULAS QUE NATURALMENTE E CERTAMENTE SABERÁ, QUE DÃO AZO A MAIS LITÍGIOS, NÃO É… PORTANTO É EFETIVAMENTE O CASO QUE ESTÁ AQUI… HÁ DETERMINADAS CLÁUSULAS NAS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS QUE PREVÊEM DETERMINADAS VALORES DE PENALIZAÇÃO: SE O CLIENTE INCUMPRE, SE O CLIENTE SAI DE CARTEIRA
TESTEMUNHA: SIM.
ADVOGADA: TAMBÉM AÍ, NESSAS CLÁUSULAS DE PENALIZAÇÃO SÃO PASSÍVEIS DE SEREM NEGOCIADAS?
TESTEMUNHA. SIM. SIM. TAMBÉM ESSAS CLÁUSULAS DE PENALIZAÇÃO SÃO PASSÍVEIS DE SEREM NEGOCIADAS E SÃO-NO ATÉ FREQUENTEMENTE.
ADVOGADA: O QUE LHE IA PERGUNTAR, ISTO É UM PRINCÍPIO, MAS QUE NA PRÁTICA NÃO SE VERIFICA, OU O MAIS OU MENOS VERIFICAÇÕES, NA PRÁTICA JÁ OCORREU MEXER NESTE CLAUSULADO?
TESTEMUNHAS: SIM SIM.
ADVOGADA: (…) PARA O QUE NOS INTERESSA AQUI ESTAMOS A FALAR DA CLÁUSULA 5.7.4., NÃO SEI SE TEM…
TESTEMUNHA: NÃO TENHO DE CABEÇA. MAS IMAGINO QUE ESTEJA DENTRO DO CONTEXTO DO QUE ME ESTÁ A DIZER. PORTANTO, PARA…
ADVOGADA: QUANDO O CLIENTE SAI DE CARTEIRA ANTES DO PRAZO DO CONTRATO QUE TEM EM VIGOR…
TESTEMUNHA: SIM. SÃO CLÁUSULAS FACILMENTE NEGOCIÁVEIS E ATÉ COM ALGUMA FREQUÊNCIA…
ADVOGADA: MAS O QUE É QUE NEGOCIAM? A PERCENTAGEM? O VALOR DA INDEMNIZAÇÃO?
TESTEMUNHA; NEGOCIAMOS A PERCENTAGEM. NEGOCIAMOS TUDO, RENEGOCIAMOS O PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DA RESCISÃO NORMALMENTE SERÁ 90 DIAS PODEMOS NEGOCIÁ-LO COM UM PRAZO SUPERIOR OU INFERIOR, OK? NEGOCIAMOS A PERCENTAGEM… A FORMA COMO É CONSTRUÍDA A PENALIZAÇÃO, PODEMOS INCLUSIVE LIMITÁ-LA E ISSO ACONTECE CLIENTES QUE DIZEM: NÃO, MESMO ISTO É FREQUENTE… VAMOS VER, MESMO QUE O CONTRATO SEJA DE 10 ANOS, EU NO SEGUNDO ANO CANCELO, CANCELO EM FEVEREIRO, SÓ PAGO ATÉ FINAL DAQUELE ANO. POR EXEMPLO. ISTO É… É UMA NEGOCIAÇÃO QUE POR VEZES ACONTECE E É UMA FORMA QUE OS CLIENTES ENCONTRAM DE LIMITAR A INDEMNIZAÇÃO E QUE NÓS ACEITAMOS. NOS CASOS EM QUE ACEITAMOS.
ADVOGADA: RELATIVAMENTE A ESTE TIPO DE CONTRATOS DE MANUTENÇÃO COMPLETA, PORTANTO, TODO ESTE ENQUADRAMENTO E ATÉ ESTE TIPO DE SERVIÇO QUE É OBRIGAÇÃO DA EMA PRESTAR A UM CLIENTE DESTES DETERMINA, IMAGINO EU, QUE ESTES CONTRATOS SEJAM EM TERMOS TEMPORAIS, POR VIA DE REGRA MAIS ALARGADOS, MAIS CAROS PARA O CLIENTE, TAMBÉM EM TERMOS DA PRESTAÇÃO MENSAL…
TESTEMUNHA: MAIS MAIS CAROS PARA O CLIENTE MAS ESTAMOS PERFEITAMENTE CONVICTOS QUE QUE CONTINUA A SER O MELHOR NEGÓCIO PARA O CLIENTE. PORQUE VAMOS VER… COMO EU DISSE HÁ POUCO… SE TIVERMOS CONTRATO DE MANUTENÇÃO SIMPLES, PARTILHAVA A RESPONSABILIDADE CONNOSCO, SE PEGARMOS NUM CLIENTE QUE DURANTE O SEU CONTRATO DE MANUTENÇÃO SIMPLES NÃO MUDE UM PARAFUSO DO ELEVADOR, NÃO SE PREOCUPE COM O ELEVADOR, DE CERTEZA QUE ELE VAI TER UMA POUPANÇA COMPARADO COM CONTRATO DE MANUTENÇÃO COMPLETA. AGORA SE PEGARMOS NUM CLIENTE NUM CONTRATO DE MANUTENÇÃO SIMPLES QUE SE PREOCUPA COM FUNCIONAMENTO ELEVADOR, QUE VAI ADJUDICANDO AS REPARAÇÕES NECESSÁRIAS ETC ETC; O GASTO DESSE CLIENTE É SUPERIOR DO QUE NUM CONTRATO DE MANUTENÇÃO COMPLETA.
(17.45,M) TESTEMUNHA: EU NÃO QUERO CLAUSULA DE RESCISÃO. ENTÃO, POR EXEMPLO, EU QUERO RESPONDER DE FORMA MAIS… ESTOU-ME A TENTAR LEMBRAR.. SIM… PASSÍVEL SIM, EU GOSTAVA ERA DE LHE RESPONDER TENDO PELO MENOS NA MINHA CABEÇA UM EXEMPLO ONDE TIVESSE ACONTECIDO, E É ISSO QUE EU ESTOU A TENTAR FAZER E ISSO SEM QUERER GARANTIR ACHO QUE SIM, QUE COM UMA ENTIDADE SEMI PÚBLICA QUE TIVE UMA SITUAÇÃO DESSAS AINDA NO INÍCIO DESTE ANO. COM UMA FUNDAÇÃO E QUE SIM QUE A CLÁUSULA… NÃO EXISTIA CLÁUSULA DE RESCISÃO, NÃO SE APLICAVA CLÁUSULA DE RESCISÃO. MAS ACHO QUE LÁ ESTÁ, ERA UMA SITUAÇÃO MISTA: SÓ NÃO PODERIAM… SÓ PODERIAM RESCINDIR SEM SEM QUALQUER PENALIZAÇÃO DURANTE O PRIMEIRO ANO DE VIGÊNCIA DO CONTRATO OK PRONTO. DE RESTO NÃO VEJO PORQUE É QUE NÃO SEJA POSSÍVEL SENHOR DOUTOR, OU SEJA SÓ NÃO ME RECORDO DE NENHUM CASO EM QUE EU TENHO FEITO, MAS NÃO VEJO PORQUE É QUE NÃO SEJA POSSÍVEL.
ADVOGADA: QUANDO SE NEGOCIEIA E SE FALA COM UM CLIENTE… E SE SABE SENHOR JG, ESTAS CLÁUSULAS ESTÃO AQUI PARA TRÁS… ISTO… O CLIENTE OLHA, ATENÇÃO, VOCÊS TÊM AQUI, SE ASSINAREM ESTE CONTRATO, O PRAZO PARA EXTINGUIR O CONTRATO É DE 90 DIAS DE ANTECEDÊNCIA, SE PUSEREM AQUI PESSOAS ESTRANHAS AQUI A A MEXER NOS ELEVADORES, TÊM UMA INDEMNIZAÇÃO… OU SEJA, COMEÇANDO NO INÍCIO DO CONTRATO E INDO POR AÍ FORA NESTAS VÁRIAS PÁGINAS, ISTO É COMUNICADO AO CLIENTE, ISTO É FALADO COM O CLIENTE DE FORMA MAIS OU MENOS RIGOROSA, OU DE ALGUMA FORMA É DADO A CONHECER AO CLIENTE, O DOCUMENTO QUE VAI SER ASSINADO É ESTE E QUE PODE NEGOCIAR, PODE ALTERAR O QUE ESTA AQUI… COMO É QUE ISSO SE PROCESSA?
TESTEMUNHA: É O VERDADEIRO SENTIDO DE NEGOCIAÇÃO. NÃO HÁ, TANTO QUANTO SEJA DO MEU CONHECIMENTO UM TÉCNICO COMERCIAL NA A QUE VENDA, E VENDER AQUI É UMA FACILIDADE DE EXPRESSÃO, CONTRATOS DEIXANDO LÁ OS CONTRATOS NO CLIENTE, ESPERANDO QUE O CLIENTE ASSINE E OS VÁ SÓ LÁ RECOLHER. OU SEJA, OS CONTRATOS SÃO EXPLICADOS, O CLIENTE DIZ COM O QUE É QUE CONCORDA E COM O QUE NÃO CONCORDA, QUANDO SE HÁ COISAS QUE NÃO CONCORDA E QUE SÃO EXEQUÍVEIS, REFLETIMOS JUSTAMENTE NESSE ESPAÇO, OU SEJA, AÍ PROVAVELMENTE O QUE TERÁ ACONTECIDO FOI QUE O CLIENTE, VAMOS IMAGINAR, ISTO É IMAGINAR PORQUE, COMO É ÓBVIO EU NÃO ME LEMBRO DA SITUAÇÃO, O CLIENTE TERÁ DITO AO TÉCNICO COMERCIAL: AHHH MAS O VALOR ESTÁ CARO E O TÉCNICO COMERCIAL TERÁ DITO: MAS EU FAÇO UM DESCONTO 5% PELO DÉBITO DIRETO, E ENTÃO ESTÁ ESCRITO UM DESCONTO 5% PELO DÉBITO DIRETO. O CLIENTE TERÁ DITO QUE RELATIVAMENTE A ESSAS CLÁUSULAS, QUE COMO É ÓBVIO DE COR NÃO SEI QUAIS SÃO, NÃO CONCORDAVA COM ELAS E O TÉCNICO COMERCIAL TER-LHE-Á DITO: ENTÃO TIRAMOS ESSAS CLÁUSULAS DO CONTRATO. PORTANTO É UMA NEGOCIAÇÃO! NÃO NÃO … VEJO OUTRA MANEIRA!
ADVOGADA: O QUE ENTENDE EM RELAÇÃO A ESTE É QUE SE A 5.7.4. NÃO FOI VERSADA NESTE CAMPO NÃO É POR FALTA DE ESPAÇO, NÃO É? PORQUE ISTO REALMENTE FOI ATÉ AQUI AO FIM…SE O CLIENTE QUISESSE NEGOCIAR MAIS CLÁUSULAS QUE NÃO CABERIAM AQUI, INVIABILIZAVA ESSA…
TESTEMUNHA: DOUTORA, EU TENHO… OS CONTRATOS TÊM SEIS PÁGINAS, SE EU NÃO ME ENGANO, EU TENHO ADENDAS A CONTRATOS COM 10 PÁGINAS OU MAIS, OU SEJA, SE NÃO CABE ESCREVE-SE OUTRO LADO!
127. Não nos podemos esquecer que aqui, no “Contrato OM”, estamos na Manutenção Completa, e o grau de exigência é absolutamente maior para com a EMA. De facto,
128. Estamos, aqui, no âmbito do DL 320/2002, de 28 de Dezembro, que, no seu Anexo II descreve os “serviços constantes do contrato de manutenção”.
129. Ou seja, a A do “minuto zero” (assinatura do Contrato) ao “minuto final” (no seu termo sem vicissitudes), obriga-se a aplicar no seu cliente – na sua instalação, no(s) seu(s) elevador(es) - e a custo zero para ele, todos estes componentes, que, obviamente, custam uns milhares de euros e representam um evidente investimento, que tem de ter o seu retorno.
130. Se a cláusula 5. 7 .4 em questão não existisse, o cliente podia sair a todo o tempo, sem permitir acautelar à A o retorno do investimento que, indiscutivelmente, foi fazendo na instalação propriedade do cliente e ao longo dos anos…
131. Atente-se, que, não é por acaso que o contrato de “Manutenção Completa” têm de ter no mínimo 5 anos (como decorre do Anexo II do DL 320/2003 já transcrito),
132. Além do mais, tendo em conta a dimensão empresarial da A, as partes acordaram em previamente estipular a indemnização devida pelo Cliente em caso de termo antecipado do Contrato.
133. Nessa perspetiva, a sanção contratual faturada tem razão de ser, desempenhando uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.
134. Com efeito, a cláusula penal pode ser reduzida pelo Tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, conforme disposto no artigo 812°, n° 1, do Cód. Civil.
135. Ora, “in casu”, importa considerar a justificação para esta cláusula penal, referida nos termos da própria cláusula e respeitantes à própria estrutura empresarial da A., o que, de resto, é consentâneo com as particulares características e particular especificidade deste ramo de actividade comercial, relacionada com a segurança do transporte quotidiano de pessoas, com o inerente desgaste do material utilizado, apertadas regras de responsabilização, licenciamento e fiscalização dos elevadores a entidades que asseguram a sua manutenção. não se olvidará também que este tipo de contrato é obrigatório por lei.
136. Em suma, a A. dimensiona, assim, pois, a sua estrutura empresarial em ordem a atender cada cliente de acordo com a natureza, âmbito de duração dos serviços contratados.
137. A referida cláusula dá assim cobertura compensatória aos prejuízos sofridos (inevitavelmente) em consequência do não cumprimento do contrato, seja em vista dos investimentos e alocação de pessoal e meios realizados em vista de um contrato de duração longa, seja ainda em vista da legítima e fundada expectativa da A. na manutenção desse contrato pelo período acordado e consequente lucro expectável.
138. Assim, se é evidente a relativa dureza da sanção, também não é menos certo que a duração do contrato — querida por ambas as partes — e as especiais exigências que tal duração implica para a a. (como para qualquer outra sociedade no mesmo ramo de atividade) exigem alguma especial proteção da a., salvaguardando o seu investimento e, simultaneamente, constituindo um sério incentivo à manutenção da relação contratual salvo motivo ponderoso e atendível.
139. Ponderando tudo isto, cremos mostrar-se justificado no quadro negocial padronizado o critério indemnizatório fixado na clausula 5.7.4, não havendo elementos para concluir que a indemnização é desproporcionada aos danos ou manifestamente excessiva no sentido de atentatória da boa fé.
140. Ora, nestes moldes, reitera-se, carece de fundamento a condenação da A. nos autos como litigante de má fé.
141. Os contratos dos autos datam do ano de 2013!
142. O presente processo judicial foi instaurado no ano de 2019.
143. É inadmissível como fundamento para a decisão proferida o acórdão dos autos 652/16.0T8SNT referido em sentença proferida (que seria do conhecimento da A.) datado de 19.09.2019, e transitado em julgamento em junho de 2020.
144. Olvidou o tribunal a aquo, na sua pesquisa, as decisões já aqui dadas a conhecer, que sobre o mesmo clausulado contratual – contratos de manutenção completa OM – condenaram nos exactos termos previstos na já referida cláusula 5.7.4..
145. Desde logo, como se sabe tem-se considerado a má-fé, de que trata o art. 452º do CPC, sob dois aspetos: a má-fé material e a má-fé instrumental.
146. Ora, “in casu”, a A., como se demonstrou ao longo dos autos, 147. Não só não litiga em má-fé material, pois:
- não deduz pedido cuja falta de fundamento se conhece;
- não altera conscientemente a verdade dos factos; e
- não omite factos essenciais,
148. Como não litiga em má-fé instrumental, pois:
- não faz um uso reprovável do processo para conseguir um fim ilegal;
- não faz um uso reprovável do processo para entorpecer a acção da justiça; e
- não faz um uso reprovável do processo para impedir a descoberta da verdade.
149. A decisão recorrida violou, na parte em que declarou nula a cl. “5.7.4” e absolveu o R. do seu pagamento, o disposto nos arts. 607º, 4 do cpc, 342º, 2 e 405º do cc e 1, 12º, 19º c) do dl 446/85, de 25 de outubro.
150. A decisão recorrida violou o disposto no art. 452º do CPC ao condenar a A. como litigante de má fé.”
O Réu contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.
Nestes termos, as questões a decidir neste recurso são:
- impugnação da decisão sobre matéria de facto;
- apreciação do mérito da sentença recorrida quanto à improcedência da acção e quanto à condenação da Autora como litigante de má-fé.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou como provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial, que tem como actividades, principais, o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores.
2. E tem a sua sede em Mem Martins, Sintra.
3. A Autora constitui “stocks” de algumas peças para dispor de algumas peças de substituição de instalações cuja manutenção contrata.
4. A Autora tem Central de Atendimento permanente, “A-Line”, 24h sobre 24h, e tem na rua os Técnicos que, a todo o tempo, respondem a avarias.
5. A Autora suporta os custos relativos a cada rota e afecta um técnico específico para a conservação mensal e um supervisor para as auditorias regulares a cada instalação.
6. A Autora suporta as deslocações dos seus representantes às inspecções periódicas;
7. A Autora suporta os custos dos seus comerciais e os respectivos à apresentação de orçamentos, quando necessários.
8. Com data de 27.04.2009, o Réu celebrou com a Autora um Contrato de Conservação de Elevadores, denominado “contrato A Manutenção OM”, com início a 1.5.2009 e termo a 30.4.2014.
9. Nos termos desse Contrato, a Autora obrigava-se a conservar, durante 6 (seis) anos, renováveis por iguais períodos, os seis elevadores instalados no Edifício do Réu, obrigando-se o Réu ao pagamento do valor mensal de €840,00€ (+IVA), valor que sofreu actualizações anuais de preços.
10. Com data de 30.07.2013, o Réu celebrou com a Autora dois Contratos de Conservação de Elevadores, denominados “Contrato A Manutenção OM”, que tomaram as designações SX2085/6/7/8 e 2 SX2089/90.
11. Estes dois com facturação trimestral e com termo inicial a 1.1.2013 e final a 31.12.2017.
12. Nos termos dos Contratos referidos em 10., a Autora obrigava-se a conservar, durante 5 (cinco) anos, renováveis por iguais períodos, os seis elevadores instalado no Edifício do Réu.
13. E os serviços contratados tinham o valor inicial de € 600,00 (+IVA) para a instalação SX2085/6/7/8, e o valor inicial de €180,00 (+IVA), para a instalação SX2089/90.
14. A Autora assegurou as visitas mensais a todos os elevadores do Réu.
15. Os contratos referidos em 10 foram negociados com a administração do Réu.
16. E todas folhas que os constituem foram rubricadas pelo administrador do Réu.
17. Os contratos referidos em 10 constam de um pré-impresso proposto pela Autora.
18. As “condições gerais” são elaboradas antecipadamente à proposta negocial e dirigidas à generalidade dos clientes da Autora.
19. A clausula 5.6. dos contratos referidos em 10 com a epígrafe "Incumprimento imputável à A" tem o seguinte teor: "Na situação de eventual incumprimento imputável à A, é expressamente aceite que a A apenas responderá até à concorrência do valor de 3 meses de facturação A do Contrato, como máximo de indemnização a pagar ao CLIENTE"
20. A clausula 5.7.3. dos contratos referidos em 10 tem o seguinte teor: "O Contrato considera-se tacitamente prorrogado por períodos iguais, como definidos nas Condições Contratuais Específicas, desde que não seja denunciado por qualquer dos contratantes, através do envio de carta registada que deverá ser recebida com, pelo menos, noventa dias de antecedência do termo do prazo que então estiver em curso. Para Contratos com duração de 20 anos, a renovação será feita após modernização do(s) elevador(es). Esta modernização será proposta pela A e o seu preço não está incluído neste Contrato".
21. A cláusula 5.7.4 dos contratos referidos em 10 tem o seguinte teor: "Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da A, em caso de extinção antecipada do presente Contrato pelo CLIENTE, a A terá direito a uma indemnização, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para Contratos com duração até 5 anos, no valor de 50% das prestações do preço para Contratos com duração superior a 5 anos."
22. Nas condições constantes do documento referido em 17., há cláusulas que podem ser objecto de negociação entre as partes, mediante inscrição nas “condições particulares”.
23. O espaço reservado às “condições particulares” encontra-se nas “condições específicas”, que representam aquilo que em cada contrato varia - o preço e o início e o termo do contrato.
24. No ano de 2016, foi entregue aos responsáveis comerciais da Autora uma lista com os defeitos detectados nos elevadores do edifício do Réu.
25. Alguns vícios aí reportados mantiveram-se e, em alguns casos, agravaram-se.
26. Em meados do ano de 2017, em data não concretamente definida, mas seguramente antes de Setembro de 2017, o Réu comunicou à Autora o seu desagrado com o serviço prestado por esta.
27. A 08/09/2017 o técnico comercial da Autora, JM, enviou ao Réu um mail.
28. Apresentando ao Réu uma proposta de contrato para todos os equipamentos, com revisão do preço contratado e prazos contratuais
29. Os diversos "constrangimentos" no funcionamento das instalações foram comunicados à Autora sempre que se verificavam.
30. Em reunião havida a 18/10/2017 com JM, o Réu reforçou a necessidade de serem corrigidas as deficiências anteriormente comunicadas.
31. O Réu solicitava os serviços de assistência para acudir a problemas de funcionamento dos equipamentos.
32. Aqueles problemas provocavam limitações na utilização dos equipamentos, causando receio junto dos condóminos dados os ruídos e os problemas de funcionamento detectados, circunstâncias e preocupações que foram sendo transmitidas à Autora.
33. O Réu manifestou a sua preocupação pelo facto das verificações periódicas dos elevadores consistirem muitas vezes em poucos minutos.
34. Por imposição legal os equipamentos foram submetidos a uma inspecção periódica.
35. Facto que era do conhecimento da Autora.
36. A inspecção aos elevadores teve lugar no dia 26/10/2017 e foi levada a cabo pela “Elevar – Associação Inspectora de Elevadores”.
37. Na inspecção foram detectadas anomalias, algumas das definidas como "Situações de médio risco para a segurança de pessoas e bens cuja resolução deve ser verificada num prazo que não deverá ultrapassar os 180 dias" e que conduziram à reprovação e encerramento de um elevador.
38. A necessidade e urgência na correcção das mencionadas anomalias foi novamente reforçada nas reuniões de 22/10/2017 com o Sr. JM e no dia 02/11/2017 com o Sr. AC, tendo a ambos sido novamente entregue a listagem com as deficiências apontadas aos equipamentos
39. Nas referidas reuniões, tanto o Sr. JM com o Sr. AC, asseguraram que as anomalias reportadas seriam corrigidas.
40. A 30/11/2017, o Réu expediu para a Autora uma carta nos termos da qual solicitou “(…) que, no prazo máximo de 10 (dez) dias, procedam às correcção das anomalias identificadas na listagem anexa, bem como aquelas que resultam dos relatórios de inspecção nºs. 21991 e 21992.
Findo o identificado prazo sem que as reparações das anomalias estejam concluídas, consideraremos definitivamente incumpridos os contratos de manutenção de elevadores em curso.”
41. A tal missiva foi dada resposta por parte da Autora no dia 07.12.2017.
42. O Réu, representado pela sua Administração, enviou à Autora uma carta, datada de 29.12.2017, com o “Assunto: Cessação dos contratos de manutenção completa dos elevadores” no qual além do mais fez constar "Pelo exposto, encarrega-nos a N/ Constituinte de comunicar a V/ Exas cessação dos contratos de Manutenção Completa de Elevadores com os n.ºs SX2085/6/7/8 e SX2089/90 na data do termo contratual, i.e., com efeitos a 31/12/2017, considerando-se cessados todos os efeitos decorrentes do contrato em vigor a partir daquela data, estando a A Elevadores, Lda., dispensada de deslocar-se ao edifício”, documento cuja cópia constitui o documento nº 4 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
43. A Autora respondeu por carta datada de 11.1.2018, na qual além do mais fez constar: "Consideramos não existir justa causa para a rescisão contratual, razão pela qual emitiremos a devida factura de rescisão", carta cuja cópia constitui o documento 5 junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido.
44. Em carta datada de 14.2.2018 enviada à Autora, e reportando-se à carta datada de 29.12.2018, o Réu afirma proceder à devolução das facturas nº RCC18900047 de 11.1.2028 no valor de € 59.026,72 e FCC18013953 de 1.1.2018 no valor de € 2.951,34, nela fazendo constar "o Condomínio do Edifício B, Lisboa não se reconhece devedor das quantias aí tituladas.".
45. Na factura RCC18501047 emitida a 11.1.2018, a Autora fez constar “FACTURA DE RESCISÃO DE CONTRATO REFERENTE AOS MESES DE 1/2018 A 12/2022 NOS TERMOS DA CLÁUSULA CONTRATUAL N. 5.7.4 Denuncia antecipada do contrato"
46. A Autora, por carta datada de 04.04.2018 respondeu ao Réu, reenviando as facturas.
*
Na sentença recorrida foram julgados não provados os factos da seguinte forma:
“a) Na carta de 7.12.2017 a autora tenha feito constar “informação dos agendamentos necessários para a realização das intervenções solicitadas pelo R.”
Explicitando: a autora refere na referida carta agendamentos de algumas reparações mas, nem dos documentos juntos, nem da prova produzida em julgamento, decorre que os agendamentos digam respeito a todas as anomalias apontadas pelo condomínio. E tanto assim é que, pelo menos em parte das anomalias apontadas, a autora faz menção expressa na carta de ir proceder a “orçamentação”.
b) Em meados do ano de 2017, seguramente antes de Setembro de 2017, o Réu tenha comunicado à Autora a intenção de não renovar os contratos de manutenção.
Explicando: o que resultou da prova foi que a ré deu conta à autora de avarias frequentes nos elevadores, avarias que no entender do réu não estavam a ser convenientemente reparadas uma vez que se mostravam frequentes e algumas (como é o caso dos “barulhos”, das portas e dos desníveis de patamar) se mostravam reiteradas. Esse descontentamento foi sendo, de forma evidente, comunicado à autora, até por via das sucessivas interpelações para que fossem resolvidos as avarias e problema dos elevadores, mas não ficou demonstrado que a ré tenha manifestado claramente, em Setembro de 2017 ou antes dessa data, a sua intenção de não renovar os contratos de manutenção.
Pese embora o réu tenha começado, talvez em Setembro de 2017, a encetar diligências no sentido de encontrar uma outra empresa para lhe prestar os serviços que lhe eram prestados pela autora a partir da data da cessação do contrato, o réu não estava na disposição de fazer cessar o contrato com a autora sem antes se assegurar da sua substituição.—
c) Que o mail de 08/09/2017 tenha sido enviado pelos “os técnicos comerciais da Autora” (foi enviado apenas por JM) em consequência da declaração de intenção da ré de fazer cessar o contrato, tentando manter a manutenção dos elevadores do réu, com “novas e mais favoráveis condições” ou que “nesse sentido”, tenham sido mantidas “diversas reuniões presenciais”, contactos telefónicos e “trocados e- mails”, com os “responsáveis comerciais da Autora”.
Explicando: o que no mail se refere é uma proposta de alteração de preço, sendo que não se descortina do mesmo se essa proposta resultou de qualquer queixa do réu relativamente aos montantes que suportava ou se, diferentemente, resultou de uma eventual declaração relativamente à cessação do contrato; acrescenta-se que as testemunhas da ré também não foram precisas relativamente a essa declaração.-
d) Que os problemas de funcionamento dos equipamentos, não fossem ou fossem “cabalmente debelados”.
Explicando, a expressão "cabalmente" tem carácter conclusivo necessitando para a sua demonstração do elenco das deficiências e reparações efectuadas e das razões pelas quais as soluções não sanaram (ou sanaram) “cabalmente” o problema. Resultou demonstrado a existência de avarias "frequentes" (sem apuro de datas concretas) nos elevadores (seis elevadores, no total dos contratos), mas desconhece-se por que razão eram "frequentes",
e) Nas situações de emergência em que a Autora foi solicitada, os tempos de resposta tenham sido “sistematicamente inadequados” face à situação a que importava dar resposta.
Explicando "sistematicamente inadequados" é expressão conclusiva que carece de integração factual, factos estes que poderiam ser mais um dos factores de avaliação de "justa causa" de rescisão, tal como a "frequência" das avarias.
f) Nas reuniões em Outubro e Novembro de 2017, o Sr. JM com o Sr. AC, tenham reconhecido a “falha” da autora.
g) A autora não tenha desenvolvido qualquer acção destinada à correcção dos problemas apontados na lista de defeitos elaborada pelo Réu e os patentes nos relatórios de inspecção.
h) Tenha sido tendo em conta “a dimensão empresarial da A. – 25.000 clientes, 590 funcionários e correspondente pagamento de salários, subsídios de férias, de natal e de deslocação, refeições, telemóveis, comunicações, a todos os seus funcionários, formação permanente dos seus técnicos, 420 viaturas” que tenha sido acordado pela autora e réu estipular a indemnização a que se refere a cláusula 5.7.4.
i) Que a autora tenha 16 delegações no Continente e Ilhas.
j) A autora tenha 590 funcionários no seu quadro, todos permanentes.
k) A autora suporte os encargos de todos os bens imóveis que ocupa.
l) A Autora suporte os encargos do seu alvará e da Apólice de Responsabilidade Civil.
m) A A. tenha 420 viaturas na sua frota, suportando custos - combustíveis, revisões, portagens, seguros, substituições;
n) A A. pague salários, subsídios de férias, de natal e de deslocação, refeições, telemóveis, comunicações a todos os seus empregados;
o) A A. suporte a formação permanente dos seus Técnicos, habilitando-os a assistir a todas as marcas de elevadores existentes no mercado (para além dos da sua marca), incluindo, ainda, escadas rolantes, passadeiras, monta-pratos e porta-autos.
Acrescenta-se ainda que não foi produzida prova sobre as condições concretas em que foram negociados os contratos referidos em 10, designadamente no que toca à clarezado conteúdos das cláusulas. Note-se que os contratos se sucedem a outro, celebrado entre autora e réu, e datado de 2009.
*
Não há outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa, revelando-se o mais alegado conclusivo ou matéria de direito.”

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da matéria de facto
Depreende-se das alegações de recurso [art. 41º das motivações e arts. 110º, 111º e 126º das conclusões] que a apelante discorda da matéria de facto que foi dada como provada e não provada pelo tribunal a quo.
Dispõe o art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resulta do art. 640º do Cód. Proc. Civil, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida.
Sumariando os ónus impostos pelo citado preceito, ensina António Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 165-166:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…)”.
No tocante à rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 168-169, formula a seguinte síntese conclusiva, aduzindo que tal rejeição “deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.):
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.”.
Designadamente quanto à exigência de especificação, nas conclusões do recurso, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, ensina, ainda, Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 165, nota 267, que: “São as conclusões que delimitam o objecto do recurso, segundo a regra geral que se extrair do art. 635.º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”; mais explicitando o mesmo autor, a p. 168, nota 274 da mesma obra, que: “Ainda que não tenha sido utilizada no art. 640.º uma enunciação paralela à que consta do n.º 2 do art. 639.º sobre os recursos em matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objecto do recurso.”.
Tem sido também este – as conclusões de recurso têm sempre de conter os concretos pontos de facto sobre que recai a impugnação efectuada, por razões de objectividade e de certeza - o entendimento jurisprudencial consolidado do Supremo Tribunal de Justiça. Cfr., neste sentido, por todos, os Acórdãos do STJ de 27/10/2016, relator Ribeiro Cardoso; de 12/07/2018, relator Ferreira Pinto; e de 03/11/2020, relatora Maria João Vaz Tomé, acessíveis em www.dgsi.pt; e, ainda, a diversa jurisprudência citada, a este propósito, por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, p. 771.
Não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 daquele diploma – cfr., neste sentido, na doutrina, Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 167 (“não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”); e, na jurisprudência, por todos, Acórdãos: do STJ de 27/10/2016, relator Ribeiro Cardoso; de 27/09/2018, relator Sousa Lameira; e de 03/10/2019, relatora Maria Rosa Tching; e do TRG de 19/06/2014, relator Manuel Bargado; de 18/12/2017, relator Pedro Damião e Cunha; e de 22/10/2020, relatora Maria João Matos – todos, acessíveis em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, compulsadas as conclusões das alegações de recurso, é manifesto que a apelante não dá cumprimento, sequer de forma minimamente suficiente, ao ónus estabelecido pela al. a) do nº 1 do art. 640º do Cód. Proc. Civil.
Na verdade, nas conclusões do recurso não é feita qualquer menção aos concretos pontos de facto – provados e/ou não provados – que a apelante pretende impugnar, não sendo aí indicados com clareza os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados pelo tribunal a quo e que pretende ver alterados em sede de recurso; ou seja, a apelante não especifica, nas conclusões recursórias, que concretos factos deviam ser considerados como provados e não o foram na decisão, e/ou que concretos factos foram dados como provados ou não provados na decisão e não o deveriam ter sido, em violação do disposto no art. 640º, nº 1, al. a) do Cód. Proc. Civil - o que, e desde logo, como se viu, implica a rejeição pura e simples da impugnação da decisão da matéria de facto.
Com efeito, veja-se que, nas Conclusões do recurso, a apelante apenas se refere à impugnação da matéria de facto nos arts. 110º [com o seguinte teor: “Ou, conforme consta em sentença proferida, de que não foi produzida prova sobre a negociação dos contratos de 2013: “Não foi produzida prova sobre as condições concretas em que foram negociados os contratos referidos em 10, designadamente no que toca à clareza do conteúdos das cláusulas. note-se que os contratos se sucedem a outro, celebrado entre autora e réu, e datado de 2009.”], 111º [com o seguinte teor: “Mal o tribunal a quo quanto à decisão sobre a matéria de facto produzida, o que urge retificar…”], 126º [onde reproduz, sem mais, trechos dispersos do depoimento de uma testemunha].
Ora, deste enunciado resulta, de forma cristalina, que nas conclusões do recurso não é feita qualquer menção aos concretos pontos de facto que a apelante considera incorretamente julgados pelo tribunal a quo e que pretende ver alterados em sede de recurso [factos provados que deveriam ser considerados não provados? factos não provados que deveriam ser considerados provados?], ficando por saber qual a pretensão da apelante quanto à factualidade que ficou provada/não provada.
Por outro lado, também não dá a apelante cumprimento aos ónus impostos pela al. b) do nº 1 do art. 640º do Cód. Proc. Civil.
Como se disse, a al. a) do nº 1 do preceito em referência exige que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e a al. c) da mesma norma exige que o recorrente indique a decisão que, a seu ver, deve ser proferida sobre cada um desses factos. Por conseguinte, quando na alínea b) do mesmo preceito se exige que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, tem sido entendimento também da jurisprudência (quanto à doutrina, cfr. o que acima já deixámos dito) que:
- “A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente.
Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.
É exactamente esse o sentido da expressão legal «quais os concretos meios probatórios de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida» (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: «Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida»!” - Acórdão do STJ de 15/09/2011, relator Álvaro Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt.
- “Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos.” - Acórdão do STJ de 09/02/2012, relator Abrantes Geraldes, acessível em www.dgsi.pt.
Resulta do entendimento jurisprudencial e doutrinal a que se vem aludindo que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar – sem mais – nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo. De igual modo, este ónus não se basta com a mera enunciação da existência de meios de prova em sentido oposto/diverso da versão dos factos tida como provada pelo tribunal a quo. Cabe ao apelante actuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente. Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal a quo, limitando-se a assinalar que existem meios de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo tribunal a quo; ou o apelante que sustenta apenas que o tribunal a quo faz uma incorreta valoração da prova produzida – Acórdão deste Tribunal e Secção de 12/09/2017, relator Luís Filipe Pires de Sousa, acessível em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, o tribunal a quo motivou a sua convicção sobre a matéria de facto (cfr. p. 12 a 28 da sentença recorrida), constatando-se de tal motivação que o tribunal a quo fez uma análise e ponderação de toda a prova produzida quanto aos factos pertinentes neste processo, o mesmo não fazendo a apelante na sua impugnação.
Na verdade, quando à matéria de facto, nas alegações de recurso, a apelante apenas transcreve determinados trechos do depoimento de uma testemunha (JG), sem, aí, proceder à análise crítica de tais trechos relativamente aos factos provados e não provados que pretenderia impugnar – e que, como vimos, nem sequer identifica.
Ora, transcrever, de forma genérica, trechos do depoimento de uma testemunha, sem nada invocar em concreto, como a apelante fez, não é fazer a sua análise crítica: esta pressupõe que a apelante construa um raciocínio lógico e fundamentado que leve a extrair uma conclusão baseada naquele depoimento, ou seja, o que é exigido à apelante é que proceda à análise daquele depoimento, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando a prova que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento.
Nada disto logra a apelante fazer quanto aos trechos do depoimento da testemunha transcritos a fls. 14.18/36-40 das alegações. Donde, não se mostra cumprido o mencionado ónus legal de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida pelo tribunal a quo.
Por todo o exposto, é evidente que a apelante não cumpriu os ónus impostos nas als. a) e b) do nº 1 do art. 640º do Cód. Proc. Civil quanto a toda a matéria de facto que impugna, o que, como resulta do que acima deixámos dito sobre esta questão, implica a rejeição do recurso da matéria de facto, prejudicando a apreciação por esta Relação da modificabilidade da decisão de facto. Desta forma, rejeita-se o recurso sobre a decisão da matéria de facto, com o que se mantém inalterada a factualidade fixada em 1ª instância, improcedendo a apelação nesta parte.
*
Do mérito da decisão
Está em causa neste recurso a validade da cláusula 5.7.4 dos dois contratos “A MANUTENÇÃO OM” celebrados entre a Autora e o Réu, com o seguinte teor: "Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da A, em caso de extinção antecipada do presente Contrato pelo CLIENTE, a A terá direito a uma indemnização, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para Contratos com duração até 5 anos, no valor de 50% das prestações do preço para Contratos com duração superior a 5 anos."
Ou seja, urge saber se esta cláusula deve ser considerada como cláusula proibida e, como tal, inválida (nula) à luz do disposto no art. 19º, al. c) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (doravante denominado RJCCG), onde se estabelece que “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…) c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;"
A sentença recorrida entendeu que:
“(…) a verdade é que a invocada cláusula penal (clausula 5.7.4 dos contratos) se mostra completamente desproporcional e contrária aos ditames da boa fé contratual.
Trata-se de uma cláusula meramente coerciva: mesmo que o cliente não queira os serviços da autora, terá sempre de cumprir por inteiro a sua obrigação de pagamento, não tendo a autora de prestar quaisquer serviços. A autora tem o benefício que teria se o contrato se mantivesse – o pagamento de remuneração - ficando "liberta" de qualquer obrigação – a prestação de serviços.
A autora não conseguiu fazer demonstrar a "conformação" da sua dimensão à expectativa de manutenção dos contratos a que se referem os autos – uma vez que não provou, por exemplo, a necessidade de contratação ou dispensa de trabalhadores, de aquisição ou venda de veículos, a aquisição ou perda de peças adquiridas, o pagamento ou não da formação de trabalhadores.
Resulta claro que a estrutura da autora, com todos os custos inerentes à sua actividade, não depende da manutenção dos contratos com o réu.
A cláusula penal encontra-se prevista no Código Civil, artº 810º nº 1 como sendo aquela em que as partes fixam por acordo o montante da indemnização exigível ao devedor que se encontre em mora ou incumprimento.
Além do definido no artº 810º do C.C., para a decisão destes autos há também que ter em conta o que determina o DL 446/85 de 25 de Outubro. Concretamente, o artº 1º: "1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. 2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar. 3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.
O artº 5º "1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. (…) 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais".
O artº 10º "As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam."
E o artº 12º. "As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos.".
Conjugado com o artº 19º: "São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…) c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir".
Resulta dos factos assentes que os contratos em causa nos autos são contratos tipo, elaborados pela autora, no âmbito dos quais a autora admite algumas negociações e a introdução de cláusulas particulares. Não obstante, a cláusula penal não foi objecto de negociação (e uma das testemunhas disse mesmo que nunca viu que a cláusula penal tivesse sido objecto de qualquer alteração).-
A autora não conseguiu demonstrar que comunicou, com clareza, aos representantes da ré todas as cláusulas insertas nos contratos, antes de procederem às assinaturas (como prescreve o artº 5º do DL referido).-
Como se disse supra, a cláusula penal que a autora pretende ver accionar reconduz a ré ao cumprimento do contrato – com o pagamento do montante correspondente ao cumprimento contratual -, sem que a ré preste qualquer tipo de contraprestação. Não logrando a autora demonstrar qualquer alteração na sua estrutura – seja por ex. a alteração de equipas, a alteração de rotas, aquisição de peças, contratação de funcionários -, que tenha qualquer relação com a manutenção ou não dos contratos em causa nos autos, qualquer necessidade de cobrir um risco ou custos, aquela cláusula mostra-se evidentemente desproporcionada ao dano a ressarcir.
Neste sentido, veja-se a decisão proferida a 30.10.2017, pelo Tribunal Judicial do Comarca de Lisboa Oeste, em acção inibitória, no processo com o nº 652/16.0T8SNT, disponível em http://www.dgsi.pt/jdgpj.nsf/, a qual veio a ser confirmada pelo STJ.
A fundamentação expendida na sentença que decidiu aquela acção inibitória é de aplicar ao caso dos autos. Entre outras cláusulas, a sentença pronunciou-se sobre a validade da cláusula penal, dando-se aqui por subscrita a fundamentação que consta (do ficheiro em formato PDF) de fls. 58 (3º §) "As cláusulas 5.5.2, 5.7.4 e 5.6 consagram critérios indemnizatórios. As duas primeiras preveem cláusulas penais indemnizatórias…" a fls. 60 (1º §) "…receberia de uma só vez a indemnização contratualmente prevista (sendo certo que no caso de contratos a 5 anos o incumprimento do contrato equivale ao seu cumprimento integral), o que é desproporcional e lesivo da boa fé.".
E sendo a cláusula penal (manifestamente) desproporcional, é proibida e, por consequência, nula (cfr. artºs. 10º, 19º, al.c) e 12º do DL 446/85 de 25.10), o que se declara.”.
Considerando a factualidade provada, concordamos inteiramente com este entendimento, razão pela qual aderimos ao mesmo, confirmando a decisão recorrida.
Não obstante, sempre acrescentaremos as seguintes notas adicionais face à argumentação recursória da apelante:
1º - sustenta a apelante que não é de aplicar aos contratos dos autos o regime das cláusulas contratuais gerais, por não estarmos perante contratos de adesão.
O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais encontra-se plasmado, como é sabido, no RJCCG, que define, no seu art. 1º, nº 1, as cláusulas contratuais gerais como as que são “elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”.
Como ensina Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 3ª Edição, 2008, p. 366/367, “as cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar”. “A noção básica pode ser decomposta em vários elementos esclarecedores. Assim:
- a generalidade: as cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; no primeiro caso, certos utilizadores propõem a uma generalidade de pessoas certos negócios, mediante a simples adesão; no segundo, certos utilizadores declaram aceitar apenas propostas que lhes sejam dirigidas nos moldes das cláusulas contratuais pré-elaboradas; podem, naturalmente, todos os intervenientes ser indeterminados, sobretudo quando as cláusulas sejam recomendadas por terceiros;
- a rigidez: as cláusulas contratuais gerais devem ser recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceite; os intervenientes não têm a possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo, nelas, alterações.”.
Como resulta da factualidade provada sob os nºs 17 e 18, os contratos dos autos constam de um documento pré-impresso proposto pela Autora e as “condições gerais” são elaboradas antecipadamente à proposta negocial e dirigidas à generalidade dos clientes da Autora. Resulta, por seu turno, da factualidade provada sob os nºs 22 e 23 que, nas condições constantes daqueles documentos pré-impressos há cláusulas que podem ser objecto de negociação entre as partes, mediante inscrição nas “condições particulares”, mas as alterações aceites respeitam apenas àquilo que em cada contrato varia: o preço e o início e o termo do contrato.
Ou seja, no caso dos autos, o conteúdo essencial dos contratos é constituído por cláusulas fixas, de formulário, pré-elaboradas pela Autora que as predispõe para a negociação por adesão, apenas existindo aspectos pontuais que resultam da negociação individual, mas que respeitam apenas àquilo que em cada contrato varia - o preço e o início e o termo do contrato.
Ora, como escreve Ana Prata, in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais", p. 152, em anotação ao art. 1º do RJCCG: “Quando se diz que as cláusulas contratuais gerais são pré-formuladas para adesão não se significa, como, a propósito dos artigos 2º e 7º se esclarece, que elas não possam, em alguns casos, ser parcialmente negociadas: isto é, não deixam de qualificar-se como tais os contratos em que uma ou outra cláusula foi negociada especificamente, nem o regime deste Decreto-Lei deixa de lhes ser aplicável.”
O que significa que um contrato de adesão não deixa de o ser pelo facto de ter havido negociação entre as partes, como, aliás, é bem explicitado no Acórdão do STJ de 14/12/2016, relator Fonseca Ramos (proc. nº 20054/10.0T2SNT), acessível em www.dgsi.pt:
“O facto de o contraente que propõe contratos cujas cláusulas são predispostas por si, consentir na negociação de algumas, não exclui que se trate de contrato de adesão:  o que importa é saber se o aderente pode negociar as que lhe aprouver, pois se, desde logo, a sua margem de negociação está balizada, condicionada, pelo predisponente, estamos perante um quadro impositivo em que as cláusulas individuais só são contempladas pela opção do predisponente. Além disso, sempre importará considerar o contrato como um todo, atendendo ao quadro negocial padronizado, onde certamente existem cláusulas mais importantes e outras não tanto, para saber quais as que consentem negociação individual.
Se o essencial que acautela a posição do predisponente que usa cláusulas pré-elaboradas não pode ser influenciado pela parte que se apresenta a contratar, não se pode considerar que o minus de margem de negociação que é conferido ao aderente/consumidor, só por si basta para colocar as partes num contexto de paridade no que concerne ao poder de influir em cláusulas que são fulcrais para os interesses económicos do predisponente e das quais não abrirá mão. Nesses casos o contrato não deixa de ser um contrato de adesão, aplicando-se-lhe o regime de cláusulas contratuais gerais.
Tudo vale por dizer que, constituindo o conteúdo essencial do contrato cláusulas fixas, de formulário, pré-elaboradas pela parte que as predispõe para a negociação por adesão, mesmo que não exista impossibilidade absoluta de negociação, ainda aí se está perante um contrato de adesão, que não é descaracterizado pelo quantum que nele possa ingressar para acolher interesses próprios do contraente.
No caso, tendo-se provado casos pontuais que resultam da negociação individual, mas que nem sequer estão contemplados no contrato-tipo, com expressa previsão pré-oferecida pelo proponente de negociabilidade, não se pode considerar que não existe contrato de adesão como pretende a recorrente.
Para se qualificar um contrato como de adesão releva, além do mais, que exista "unilateralidade da predisposição" e que em relação ao conteúdo negocial que contemple genérica e massivamente os interesses económicos do predisponente o potencial aderente nada possa negociar assistindo-lhe a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco, ou seja, se a negociação deferida ao aderente não versar sobre cláusulas que constituem o núcleo essencial do conteúdo contratual, não o içando do patamar inferior da sua débil força negocial para o igualar ao predisponente, terá que se considerar que se está perante contrato de adesão sujeito ao regime jurídico das ccg.
Se a negociação individualizada se faz por condescendência do predisponente, não constando no bloco normativo que elaborou, o direito do aderente poder influir no conteúdo contratual, não vale para um universo indeterminado de contratantes, não assumindo, sequer, relevo a possibilidade de influir na negociação de cláusulas que para o consumidor ou aderente não representam senão aspetos secundários do seu interesse."
Em suma, os contratos dos autos consubstanciam contratos de adesão, aos quais são aplicáveis as normas do RJCCG - tal como entendido pelo tribunal a quo, improcedendo a argumentação da apelante em sentido contrário.
2º - alega a apelante: “usa a sentença aqui recorrida como argumento o teor de sentença proferida em ação inibitória com o n.º 652/16.0T8SNT (…)”, desconsiderando “que tal decisão, transitada em julgado em 2020 (…), determinou a inaplicabilidade de tal clausulado para futuro”, não se compreendendo como pode tal “decisão ser fundamento para determinação da invalidade da cláusula 5.7.4.”, sendo que estes “autos foram instaurados em Agosto de 2019, antes da decisão do Supremo Tribunal de Justiça referida ter sido proferida (datada de 19.09.2019) e muito menos ter transitado em julgado (12.06.2020)”.
Porém, esta argumentação não procede, porquanto a sentença recorrida - como resulta de forma cristalina da respectiva transcrição acima exarada - apenas cita aquela decisão como exemplificativa do entendimento jurisprudencial propugnado – e argumentado – naquela sentença.
3º - sustenta a apelante que as cláusulas em causa foram livremente acordadas entre as partes.
Incumbindo àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado [art. 342º, nº 1 do Cód. Civil; e art. 1º, nº 3 do RCCG: “O ónus de prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”], resulta claro que, no caso, cabia à Autora, que invocou as cláusulas 5.7.4. dos contratos dos autos e que delas se queria prevalecer, alegar e demonstrar que tais cláusulas resultaram de negociação entre as partes e, por isso, às mesmas não seria de aplicar o RCCG.
Ora, como resulta dos factos provados, a Autora não logrou provar tal negociação.
Donde, a improcedência desta argumentação.
4º - defende a apelante que as cláusulas em causa não são desproporcionais, atendendo a que se trata de contratos de manutenção completa, que implica um investimento e um risco maior da sua parte, pelo que “é legítimo e razoável esperar, que um contraente que assegura as vantagens que a A oferece aos seus Clientes, tenha a salvaguarda de que os danos resultantes de uma abrupta, antecipada e injustificada resolução contratual, sejam previamente definidos e acordados entre as partes.”
Porém, não tem razão.
Na verdade, e como se explicita no Acórdão do STJ de 19/09/2019, relator Acácio das Neves (proc. nº 652/16.0T8SNT.L1.S1, consultável no PDF “com texto integral” acessível em https://www.dgsi.pt/jdgpj.nsf/f1d984c391da274c80257b820038a5b4/0b7489f44c1d7315802584a8003d16df?OpenDocument), a propósito de uma cláusula de teor muito similar à dos autos e perante argumentação na mesma linha que a ora em referência:
“Trata-se, todavia, de mais um argumento que, só por si, não pode justificar a desproporcionalidade das cláusulas penais em questão, relativamente aos danos que as mesmas visam acautelar.
Com efeito, tendo em conta a amplitude e diversidade do escopo social da ré, ora recorrida (vide nº 1 dos factos provados) - o que só por si aponta no sentido da existência de uma ampla e vasta clientela (e só assim se justifica a utilização do formulário de contrato em questão, denominado “Contrato A Manutenção OM”) - não se pode considerar que uma ou outra esporádica situação de incumprimento ou denúncia dos contratos possa ter reflexos de relevo na perspetiva do desperdício dos meios humanos e materiais contratados pela recorrida, implicando prejuízos que não possam ser evitados ou compensados.
Isto porque, para alem de nada se ter provado em contrário, não é razoável supor que tais situações se mostrem significativas dentro do universo de atuação da recorrida.
Neste aspeto estamos inteiramente de acordo com o recorrente quando este afirma (conclusão T) que “a cessação de uns poucos contratos de manutenção não pode ter um impacto tão negativo que uma boa gestão não possa acautelar”.
Também a propósito desta argumentação da apelante, convoca-se aqui o Acórdão do STJ de 09/11/2017, relatora Rosa Tching (proc. nº 26399/09.5T2SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), que se pronunciou, de forma deveras eloquente, sobre cláusula de teor muito similar à dos autos e perante argumentação na mesma linha que a ora em referência – e cujo entendimento aqui subscrevemos na íntegra:
“Assim e atendendo, para tanto, ao quadro negocial padronizado em que os contratos de manutenção celebrados entre a autora/recorrente e a ré/recorrida (constantes de fls. 30 a 85 dos autos) se inserem, verifica-se que o seu objecto consiste na prestação de «serviços de conservação, reparação e comunicação», envolvendo a inspeção, reparação e substituição de componentes, realização de testes de segurança, informação sobre alterações de regulamento e aconselhamento e formação sobre manobras de emergência.
E se é certo resultar dos factos dados como provados sob a alínea g) que a prossecução desta actividade implicava para a autora, a necessidade de “stockar” peças e de dar formação aos seus técnicos, o que a obrigou, certamente, a fazer algum investimento, a verdade é que não se vê que a denúncia antecipada de um contrato de manutenção completa de elevadores, com a consequente perda de um cliente, possa ter um impacto fortemente negativo na gestão do negócio da autora/recorrente, importando para a mesma a perda de utilidade de material ou equipamentos ou a necessidade de dispensa de pessoal.
Com efeito, importa salientar que a actividade da autora não se esgota neste tipo de actividade, pois que, conforme se vê dos factos dados dados como provados sob a alínea a), para além da manutenção de elevadores, a mesma tem ainda, como actividades principais, o fornecimento e a montagem de elevadores.
Por outro lado, há que reconhecer que a gestão do negócio da autora é feita em função de uma pluralidade de clientes/aderentes e não apenas em função de um só cliente, pelo que os custos associados à exploração deste ramo de negócio têm de levar em conta o universo contratual em que a atividade da autora se desenvolve e terão de ser vertidos nos preços praticados e não necessariamente em indemnização calculada antecipadamente por recurso ao mecanismo da cláusula penal.
Vale tudo isto por dizer que, apesar de se aceitar que a denúncia antecipada do contrato de manutenção completa de elevadores por parte da ré/recorrida implica, seguramente, um dano para a autora/recorrente, é indiscutível que esse dano não se traduz, em regra, num prejuízo equivalente a 25% do valor de todas as prestações devidas até final do contrato, tanto mais que existem gastos associados à contraprestação da predisponente que nunca serão realizados.
E sendo assim, dúvidas não restam que a aplicação da cláusula 5.7.4. conduzirá sempre a uma superioridade manifesta da indemnização em relação ao montante dos danos normalmente previsíveis.
Daí falecer o argumento avançado pela autora/recorrente de que é a “natureza”, o “âmbito” e a “duração dos serviços” contratos, que explicam a existência da sanção que a ré aceitou contratar; que a “décalage” relativa à diminuição das percentagens em função dos anos de vigência dos contratos (100%- 50%-25% ) explica-se pela circunstância de a autora se ir ressarcindo do seu investimento ao longo dos anos e que o período contratado de 20 anos não só é “razoável” como o foi em benefício do cliente, sobretudo com o decurso dos anos, a verdade é que nada disto ressalta do teor da cláusula 5.7.4.
Com efeito, mesmo atendendo ao tipo de contratos em causa – de prestações duradouras - , ou seja, à luz do “quadro negocial padronizado”, não se descortina, até pela forma tabelar, vaga e genérica como está redigida, que da parte inicial do texto da referida cláusula - «Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da AA», se possa extrair qualquer referência ao valor dos danos a ressarcir, em caso de denúncia do contrato ou às razões que levaram a empresa à fixação de um período ressarcitório tão amplo.
E tanto assim é, que, tal como se afirmou no acórdão recorrido, esta fórmula vale tanto para os contratos com a duração de 5 anos como para os de duração entre 5 e 10 anos e entre 10 e 20 anos, quando é pouco provável que a denúncia dum e doutros contratos cause o mesmo impacto na estrutura empresarial da autora, o que é bem revelador de que, até na sua própria dimensão temporal interna, esta cláusula não é proporcionada.
(…)
Significa tudo isto não se vislumbrar qualquer razão válida e razoável para aferir a indemnização prevista nesta cláusula pelo “valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” e pelo prazo de duração dos contratos, considerando-se devida, no caso de denúncia, a totalidade das prestações nos contratos até 5 anos, uma redução de 50% nos contratos entre 5 a 10 anos e de 25% nos contratos de 10 a 20 anos .
No fundo, a indemnização prevista nesta cláusula penal mais não é do que a resultante de uma operação aritmética, ou seja, multiplicar o número de prestações pelo número de meses em falta (para os contratos com a duração mínima de 5 anos) e descontar a este valor 50% ou 25% conforme o contrato tenha duração, respectivamente, entre 5 e 10 nos e entre 10 e 20 anos, o que tudo indicia, como se afirmou no Acórdão o STJ, de 05.05.2016[29] (revista nº 13161/14.2T2SNt.L1.S1) que esta cláusula penal indemnizatória «parece fundar-se num exclusivo interesse macroempresarial».
Donde, a improcedência da argumentação da apelante a este propósito.
Em suma, afigura-se-nos que as cláusulas – penais - em referência se revelam desproporcionais aos danos a ressarcir, em face do quadro negocial padronizado, por acentuarem, em favor da predisponente/Autora, indemnizações invariáveis sem atender à extensão dos danos, sendo, por isso, de julgá-las proibidas e, correspondentemente, nulas, por violação do art. 19º, al. c) do RJCCG, tal como concluiu o tribunal a quo.
Aliás, é esta a posição que se tem firmado de forma largamente maioritária na jurisprudência dos tribunais superiores quanto a cláusulas de igual ou muito similar teor às dos autos.
Neste sentido, podem consultar, entre muitos outros, os seguintes Acórdãos (todos, acessíveis em www.dgsi.pt):
- do Supremo Tribunal de Justiça:
. de 09/12/2014, relator Martins de Sousa (proc. nº 1004/12.6TJLSB.L1.S1);
. de 05/05/2016, Salazar Casanova (proc. nº 13161/14.2T2SNT.L1.S1);
. de 14/12/2016, relator Fonseca Ramos (proc. nº 20054/10.0T2SNT);
. de 09/11/2017, relatora Rosa Tching (proc. nº 26399/09.5T2SNT.L1.S1)
. de 19/09/2019, relator Acácio das Neves (proc. nº 652/16.0T8SNT.L1.S1, consultável no PDF “com texto integral” acessível em https://www.dgsi.pt/jdgpj.nsf/f1d984c391da274c80257b820038a5b4/0b7489f44c1d7315802584a8003d16df?OpenDocument);
- do TRL:
. de 27/05/2014, relatora Maria Adelaide Domingos (proc. nº 1004/12.6TJLSB.L1-1);
. de 05/02/2015, relator Jorge Leal (proc. nº 8/13.6TCFUN.L1-2);
. de 01/12/2015, relatora Dina Monteiro (proc. nº 688/13.2TBFUN.L1-7);
. de 09/12/2015, relator Ilídio Sacarrão Martins (proc. nº 8361/14.8T2SNT.L1-8);
. de 29/11/2016, relator Gouveia Barros (proc. nº 26399/09.5T2SNT.L1-7), e ampla jurisprudência aí citada neste sentido;
- do TRC:
. de 02/06/2015, Henrique Antunes (proc. nº 5202/12.4TBLRA.C1);
- do TRP:
. de 24/11/2015, relator Tomé Ramião (proc. nº 1069/13.3TBGDM.P1);
. de 11/04/2018, relatora Judite Pires (proc. nº 10146/16.8T8VNG.P1).
Por todo o exposto, resta concluir pela improcedência da apelação quanto à improcedência da acção, sendo de manter a sentença recorrida nessa parte.
*
A sentença recorrida condenou a Autora como litigante de má-fé em multa no valor de 5 UCs e no pagamento ao Réu de indemnização no valor de €3.000,00, bem como a reembolsá-lo das despesas tidas a título de honorários dos mandatários nesta acção, com a seguinte fundamentação:
“Vem o réu pedir a condenação da autora como litigante de má fé. Fá-lo ao abrigo do disposto no artº 542º nº 2 do C.P.C., invocando que a autora não podia desconhecer a falta de fundamento da sua pretensão, tendo em conta que as cláusulas em que baseia a sua pretensão já anteriormente foram declaradas nulas.
Em nosso entender, assiste razão ao réu.-
Na verdade, o acórdão supra mencionado foi proferido no âmbito de uma acção inibitória e dele a autora não pode deixar de ter conhecimento.
Para além desse, outros foram proferidos em sentido semelhante: por ex. Ac. da Relação do Porto de 14.12.2018 no processo 3180/15.7T8VNG, Ac. da Relação de Lisboa de 9.12.2015 no processo 8361/14.8T2SNT, Ac. da Relação de Lisboa de 29.11.2016 no processo 26399/09.5T2SNT.
Assim, é de concluir que a autora, não podendo ignorar aquelas decisões, tinha conhecimento da falta de fundamento da sua pretensão—
Por conseguinte verificam-se os pressupostos de que depende a condenação da parte como litigante de má fé nos termos do disposto no artº 542º nº 2 al. a) do C.P.C..”
Insurge-se a apelante contra este entendimento, invocando, no essencial: “os contratos dos autos datam do ano de 2013”; este “processo judicial foi instaurado no ano de 2019”; “é inadmissível como fundamento para a decisão proferida o acórdão dos autos 652/16.0T8SNT referido em sentença proferida (que seria do conhecimento da A.) datado de 19.09.2019, e transitado em julgamento em junho de 2020”; “olvidou o tribunal a quo, na sua pesquisa, as decisões já aqui dadas a conhecer, que sobre o mesmo clausulado contratual – contratos de manutenção completa OM – condenaram nos exactos termos previstos na já referida cláusula 5.7.4.”, pelo que, não litiga em má-fé material, nem instrumental.
O apelado pugnou pela manutenção da condenação da apelante como litigante de má fé.
Apreciemos.
Preceitua o art. 542º do Cód. Proc. Civil, no nº 1, que, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são: a) dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento, de facto ou de direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma; b) alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa; c) omissão grave do dever de cooperação; d) instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – nº 2 do mencionado art. 542º do Cód. Proc. Civil.
Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração”, Coimbra, 2019, p. 593: “não deve confundir-se a litigância de má fé com: a) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; b) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; c) a  discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (R 2-3-10, 6145/09).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a densificar a litigância de má fé, apontando-se, de forma exemplificativa e para o que aqui releva, os seguintes Acórdãos (todos, acessíveis em www.dgsi.pt):    
- “(…) a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” - Acórdão de 11/12/2003, relator Quirino Soares (proc. nº 03B3893);
- a defesa intransigente e reiterada pelo recorrente de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois, de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé - Acórdão de 02/02/2006, relator Araújo Barros (proc. nº 05B3425);
- a sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial - Acórdão de 04/12/2003, relator Salvador da Costa (proc. nº 03B3909);
- a defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542º, nºs 1 e 2 do CPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé - Acórdão de 13/01/2015, relator Fonseca Ramos (proc. nº 36/12.9TVLSB.L1.S1);
- a litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele - Acórdão de 18/02/2015, relator Silva Salazar (proc. nº 1120/11.1TBPFR.P1.S1);
- a condenação como litigante de má fé exige o dolo ou uma negligência grave, o que não se verifica quando estejamos perante a construção de uma tese errada - Acórdão de 11/12/2014, relator Távora Victor (proc. nº 728/09).
Como explicita Danielle Fidalgo, in “Litigância de Má Fé. Responsabilidade Processual por Violação dos Princípios da boa Fé e da Cooperação, no Ordenamento Jurídico Português”, 2012, p. 67-68: “Tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça que não integram o conceito de litigância de má-fé, a “falta de prova de factos (…) alegados, nem no decaimento de teses jurídicas” (ac. datado de 26/09/2007, proc. n.º 06S4612, relatado por Vasques Dinis); o decaimento da parte na ação (ac. datado de 27/11/2003, proc. n.º 03B3644, relatado por Quirino Soares); a falta de razão que a parte ignorava (ac. datado de 12/02/2004, proc. n.º 03B3735, relatado por Bettencourt de Faria); a “ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada” (ac. datado de 29/05/2003, proc. n.º 03B3893, relatado por Quirino Soares); a “mera sustentação de posições jurídicas, porventura desconformes com a correcta interpretação da lei” (ac. datado de 21-09-2006, proc. n.º 06B2772, relatado por Salvador da Costa); a “discordância na interpretação da lei aos factos e a insistência numa solução rejeitada na decisão recorrida” (ac. datado de 28/02/2002, proc. n.º 01S4429, relatado por Victor Mesquita); a “simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada pela outra parte” (ac. datado de 28/05/2009, proc. n.º 09B0681, relatado por Álvaro Rodrigues); (…).”
Na data da propositura desta acção (16/08/2019), na acção inibitória a que alude a sentença recorrida ainda não tinha sido proferido o acórdão do STJ (proferido apenas em 19/09/2019) e, por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que foi proferido em tal acção em 20/12/2018 não considerou como desproporcional (nem proibida e nula) uma cláusula com teor muito similar às dos autos.
Acresce que, pese embora a jurisprudência largamente maioritária propugne a proibição e, consequente nulidade, de cláusulas de teor semelhante às dos autos (como se viu), o certo é que, ao longo do tempo, tem-se registado um conjunto de decisões (inclusive, dos tribunais superiores) que defende o contrário.
Perante este circunstancialismo, afigura-se-nos que a conduta processual da Autora não consubstancia uma conduta integradora do conceito legal de má fé, definida no art. 542º, nº 2 do Cód. Proc. Civil e com o sentido doutrinal e jurisprudencial acima delineado.
Impõe-se, assim, revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Autora como litigante de má fé.
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As custas devidas por esta apelação são da responsabilidade da apelante e da apelada, na proporção dos respectivos decaimentos – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:
a) manter a decisão recorrida quanto à nulidade das clausulas 5.7.4 insertas nos contratos dos autos e quanto à improcedência da acção e absolvição do Réu do pedido;
b) revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou a Autora como litigante de má fé e a pagar ao Réu indemnização no valor de €3.000,00 (três mil euros), bem como a reembolsá-lo das despesas tidas a título de honorários dos mandatários nesta acção, e no pagamento de multa no valor de 5 (cinco) UCs, absolvendo-se a Autora deste pedido.

Custas pela apelante e pela apelada, na proporção dos respectivos decaimentos.
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Lisboa, 19 de Março de 2024
Cristina Silva Maximiano
José Capacete
Alexandra Rocha