Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
640/10.0TTFUN-A.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Declarada procedente a excepção da impugnação pauliana e, em consequência os contratos de compra e venda e de cessão de créditos celebrados pela executada ineficazes em relação ao embargado, devendo as embargantes restituir ao património da executada os bens e os créditos que constituem objecto dos referidos negócios, não há, ainda assim, titulo executivo que permita a prossecução da execução contra as embargantes para pagamento integral dos créditos do exequente independentemente do âmbito e dos limites da penhora.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Exequente e recorrente: AAA

Ré (adiante designados por R.): BBB, Lda.

O exequente propôs contra BBB, Lda e contra CCC, Lda, execução de decisão judicial de 5.11.14, desta Relação de Lisboa, que, apreciando decisão do Tribunal do Trabalho do Funchal proferida em embargos de terceiro (os quais foram julgados parcialmente procedentes pelo Tribunal a quo, que determinou o levantamento da penhora que incidia sobre três bens, prosseguindo a execução quanto aos demais), julgou “procedente a excepção da impugnação pauliana e, em consequência” considerou “os contratos de compra e venda e de contrato de créditos atrás referidos ineficazes em relação ao embargado, devendo por isso as embargantes BBB, Lda e CCC, Lda, restituir ao património da executada os bens e os créditos que constituem objecto dos referidos negócios”, além de condenar em multa e indemnização outro embargante, confirmando enfim no demais a sentença recorrida.

*

O Tribunal a quo proferiu então o seguinte despacho:

“Na presente execução, veio o Exequente, a fls. 188 p.p., apresentar articulado superveniente, requerendo:

1. O prosseguimento da presente execução, em litisconsórcio passivo, contra:

a) “BBB, Lda”, … com sede no ( …);

e

b) “CCC, Lda., … com sede no (…).

2. A execução directa do património das referidas executadas que respondem pela totalidade da quantia exequenda, incluindo juros, despesas e demais encargos com o processo, uma vez que o valor do património que receberam da devedora originária ultrapassa, em larga medida, a quantia exequenda ainda em dívida (nos termos do n.º 1 do artigo 616.º do CC).

Decidindo:

Antes de mais, anote-se que a tramitação do processo executivo não comporta articulados, nem iniciais, nem supervenientes.

No entanto, não obstante a designação que o exequente lhe deu, nada obsta a que seja apreciado como simples requerimento.

E apreciando, dir-se-á que toda a execução por quantia certa tem por base um título executivo donde conste o montante do crédito exequendo e a identificação do devedor, no caso o acórdão do Tribunal da Relação.

No entanto, do acórdão exequendo, para o que ora interessa, consta: “Considerar os contratos de compra e venda e de contrato de créditos atras referidos ineficazes em relação ao embargado, devendo por via disso as Embargantes restituir ao património da Executada os bens e os créditos que constituem objecto dos referidos negócios”.

Donde se constata que a pretensão do requerente Exequente carece de título, na parte em que se requer o prosseguimento da execução contra as Embargadas e pela totalidade ou parte da quantia exequenda.

O que inquestionavelmente se depreende do referido acórdão é que, tendo o mesmo recaído sobre o objecto do recurso da sentença que ordenou o levantamento da penhora sobre os bens penhorados às Embargantes, que foram objecto de embargos de terceiro (quer na parte em que os embargos foram julgados improcedentes, quer na parte em que fora objecto de recurso).

Na verdade, a penhora que deu causa aos embargos constitui o âmbito e os limites do litígio.

Por isso, o requerimento em apreço apenas merece deferimento na parte e que a execução deve prosseguir quanto aos bens penhorados, nomeadamente os pertencentes às embargantes, o que ora se determina.

Todavia, não obstante o prosseguimento da execução, não serão dados pagamentos do produto da venda dos bens penhorados enquanto não transitar em julgado o acórdão do Tribunal da Relação. (…)”

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Inconformado, o exequente recorreu desta decisão, concluindo:

1. A sentença/acórdão constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (1.ª parte do artigo 621.º do CPC).

2. Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CPC, é o título que determina o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção, o objecto e a legitimidade das partes.

3. A sentença ou acórdão condenatório que julga procedente a excepção de impugnação pauliana constitui título executivo contra o terceiro adquirente.

4. O acórdão do TRL dado à execução já transitou em julgado.

5. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 205.º da CRP e do n.º 2 do artigo 24.º da LOSJ, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, maxime, para quem as mesmas são dirigidas.

6. Por força do princípio da hierarquia, as decisões dos tribunais superiores prevalecem sobre as decisões dos tribunais inferiores (artigo 210.º da CRP e artigo 42.º da LOSJ).

7. Se assim não fosse, o recurso anteriormente interposto e a decisão sobre o incidente não teriam qualquer sentido e, aliás, o tribunal superior teria negado provimento ao mesmo.

8. A decisão do TRL foi clara e inequívoca no sentido de julgar procedente a excepção de impugnação pauliana, fixando as respectivas consequências, designadamente a obrigação de os terceiros adquirentes restituírem ao património da devedora os bens e os créditos que constituem objecto dos negócios declarados ineficazes em relação ao exequente, aqui recorrente.

9. O acórdão do TRL que “julga procedente a excepção da impugnação pauliana e, em consequência, considerar os contratos de compra e venda e de cessão de créditos atrás referidos ineficazes em relação ao embargado, devendo por via disso as embargantes BBB Lda, e CCC, Lda, restituir ao património da executada os bens e os créditos que constituem objecto dos referidos negócios”, em conjugação com os demais elementos existentes no processo executivo pendente, é título suficiente e bastante para o prosseguimento da execução, em cumulação sucessiva, contra os terceiros adquirentes nele identificados.

10. Os terceiros adquirentes “BBB, Lda” e “CCC, Lda” respondem pela totalidade da quantia exequenda, uma vez que o valor do património que receberam da devedora originária ultrapassa, em larga medida, a quantia exequenda, que é no montante de € 37.008,48.

11. Estão preenchidos todos os pressupostos que a lei exige para a cumulação sucessiva, em litisconsórcio passivo, de execuções.

12. A decisão recorrida é, pois, ilegal.

13. Normas jurídicas que o recorrente considera que foram violadas:

 Do CPC: artigo 2.º, artigo 10.º, n.º 5, artigo 53.º, n.º 1, artigo 54.º, n.º 2 (por analogia), artigo 619.º, n.º 1, artigo 621.º, artigo 703.º, n.º 1, alínea a), artigo 709.º, n.º 1, artigo 710.º e artigo 711.º, n.º 1;

 Do CC: artigo 601.º, artigo 616.º, n.º 1 e artigo 818.º;

 Da CRP: artigo 205.º, n.º 2 e artigo 210.º;

 Da LOSJ: artigo 24.º, n.º 2 e artigo 42.º.

14. As normas violadas devem ser interpretadas no sentido de que acórdão do TRL dado à execução constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. Esse acórdão, tendo julgado procedente a excepção de impugnação pauliana, constitui título executivo suficiente e bastante contra os terceiros adquirentes, nele identificados, e que, estando pendente acção executiva, o exequente pode requerer a intervenção principal desses terceiros para assegurar os efeitos da procedência da impugnação e poder prosseguir a execução, em cumulação sucessiva e em litisconsórcio passivo, contra estes.

Remata pedindo que seja “a decisão de 1.ª instância, alterada por outra que, nos termos do n.º 1 do artigo 616.º do CC, ordene o prosseguimento da execução, em litisconsórcio passivo, contra: a) “BBB, Lda”; (… e) b) “CCC, Lda” (…)”.

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Não houve contra-alegações.

Após a admissão do recurso o Mmº Juiz proferiu despacho declarando extinta a execução por inutilidade e impossibilidade legal superveniente da lide, em face da insolvência judicial da Executada, transitada em julgado.

Notificado para esclarecer se mantém o interesse no recurso, atenta a insolvência da executada, o recorrente respondeu afirmativamente, alegando pretender obter título executivo contra terceiros adquirentes de bens da insolvente, aproveitando o mesmo processo, através da cumulação de execuções.

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O DM do MºPº pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

O recorrente respondeu ao parecer.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se pode a execução prosseguir contra outros executados e bens.

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Factos a considerar: os descritos no relatório.

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De Direito

No âmbito do acórdão desta Relação de Lisboa aludido no relatório aos embargos de terceiro opôs o ora recorrente aos embargos que todos os bens pertenciam à executada, e excecionou também a impugnação pauliana.

E foi precisamente a pauliana que relevou para a decisão, na parte que importa aos autos, como o Tribunal ad quem fez constar na própria parte decisória.

Dispõe o art.º 610 do Código Civil, sob a epígrafe “requisitos gerais”, que “Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.

Qual o efeito da impugnação em relação ao credor e a terceiros? Rege quanto ao primeiro o art.º 616:

1. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

2. O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor.

3. O adquirente de boa fé responde só na medida do seu enriquecimento.

4. Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido”.

O art.º 617.º, sobre as “relações entre devedor e terceiro” dispõe que:

1. Julgada procedente a impugnação, se o acto impugnado for de natureza gratuita, o devedor só é responsável perante o adquirente nos termos do disposto em matéria de doações; sendo o acto oneroso, o adquirente tem somente o direito de exigir do devedor aquilo com que este se enriqueceu.

2. Os direitos que terceiro adquira contra o devedor não prejudicam a satisfação dos direitos do credor sobre os bens que são objecto da restituição”.

De aqui resulta que os bens em causa que voltaram a responder pela dívida da executada são aqueles a que se refere o acórdão, e que incluem a cessão da posição contratual que a executada fez à DDD, SA, no valor de € 72.891,53, e os créditos cedidos gratuitamente a esta sociedade, no montante de € 169.293,96 (cfr. n 45 a 47 da matéria de facto, na decisão revista, a fls. 11 do acórdão).

Considerou o Tribunal a quo que a pretensão do exequente carece de título na parte em que requer o prosseguimento da execução contra as embargadas e pela totalidade ou parte da quantia exequenda.

O ora recorrente insurge-se, entendendo que o acórdão e a sentença de 1ª instância constituem o título executivo.

Porém a conclusão do Tribunal a quo é incontornável. Na realidade apenas foi declarada a ineficácia dos contratos de compra e venda e do contrato de cessão de créditos em relação ao embargado, não resultando de aqui titulo executivo quanto às terceiras, que apenas ficaram obrigadas, então, a “restituir ao património da executada os bens e os créditos que constituem objecto dos referidos negócios”.

Isto é particularmente claro no que toca à BBB, Lda, que não recebeu créditos ou bens de valor avultado, apenas estando em causa objectos cujo valor a experiência não permite crer que se aproximem, nem de perto nem de longe, da quantia exequenda de € 37.008,48.

Ora, o recorrente pretende exactamente a prossecução da execução em litisconsórcio passivo contra estas duas sociedades (e, atenta a insolvência da executada, em substituição desta).

E que não tem título executivo é algo que acaba por admitir, quando, a propósito da insolvência da executada, afirma manter o “interesse no recurso, uma vez que se trata de obter título executivo contra terceiros adquirentes de bens da insolvente, aproveitando o mesmo processo, através da cumulação de execuções” (fls. 93).

Ou seja: provocar no âmbito da execução (e em sede de recurso) uma decisão que permita a prossecução dos autos ao tornar-se ela própria título executivo.

Isto basta para a improcedência do recurso.

Invoca o recorrente o disposto no art.º 616, nº 2, do CC, defendendo que, se o bem garante da obrigação desaparece, o adquirente de má fé terá de responder por ele.

Salvo o devido respeito não é disso que se trata aqui e agora, mas sim de saber se já há título executivo (com a amplitude do titulo que o recorrente pretende), podendo a execução prosseguir imediatamente e por todo o crédito do exequente contra as demais sociedades, as quais substituem em litisconsórcio passivo a executada.

A resposta, inequívoca, é não, não há título executivo pela totalidade da quantia exequenda e não é nesta mesma execução, e menos ainda em sede de recurso, que cabe criá-lo. Como diz a decisão recorrida, “a penhora que deu causa aos embargos constitui o âmbito e os limites do litígio”, não podendo ser ultrapassados os seus limites.

Destarte, entende-se que o despacho não fez agravo ao recorrente e não merece censura.

Pelo que improcede o recurso.

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DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente, e confirma a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo recorrente.

Lisboa, 31 de maio de 2017

Sérgio Almeida

Celina Nóbrega

Paula Santos