Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6710/2005-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: LETRA
CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. A citação feita para além do prazo de 5 dias referido no nº 2 do art. 323º do C.Civil, por se encontrarem a decorrer férias judiciais, deve ter-se por demorada por razões de organização judiciária e índole processual, e não por causa imputável ao requerente
II O momento relevante para se avaliar, face ao disposto no art. 17º da LULL, se o portador de uma letra, ao adquiri-la, procedeu ou não conscientemente em detrimento do devedor, é o do próprio aceite e subsequente endosso ao portador.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :



1. Amberpro - Propriedades, Lda, veio deduzir embargos a execução ordinária que, contra si movida, pelo Banco BPI, SA, corre termos no 2º Juízo Cível de Sintra, invocando a prescrição do título exequendo e, bem assim, imputando ao sacador a responsabilidade pelo pagamento do montante respectivo.
No despacho liminar, rejeitaram-se os embargos, ordenando-se o prosseguimento da execução.
Inconformada, desse despacho, interpôs a embargante o presente agravo, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
- A relação imediata entre o exequente, o sacador e o aceitante podia e devia ter sido discutida, justamente porque está em causa um comportamento enganoso do sacador, de que o recorrido tem perfeito conhecimento e que nada fez para impedir, como se deduz claramente da instauração da execução apenas contra a aceitante.
- Esta situação, que a embargante denunciou nos embargos, podia e devia ter sido quesitada e conhecida devida- mente pelo tribunal, que assim negou justiça à recorrente.
- O despacho recorrido impediu inclusivamente o chamamento do autor da tentativa de burla, o qual, a improceder o presente recurso, se vai escapar à justiça, concretizando o seu comportamento ilícito.
- Além de tudo o mais, o direito do recorrido deve ser declarado prescrito, por só ter tido lugar a distribuição depois de decorridos 3 anos sobre a data do vencimento do título.
- Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, o despacho recorrido julgado nulo, por não ter conhecido dos factos graves devidamente alegados nos embargos, sendo os autos devolvidos ao tribunal de comarca para o seu prosseguimento normal.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.1. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, acha-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente.
As questões a decidir reportam-se, pois, à apreciação da procedência das excepções invocadas como funda- mento dos embargos.

2.2. Dispõe o art. 323º, nº1, do C.Civil que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.
Sendo que, nos termos do nº2 desse preceito, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, se tem aquela por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Conforme vem, de há muito, a tal respeito, traduzindo jurisprudência pacífica :
“I - Para que a não citação no prazo de cinco dias após haver sido requerida seja imputável ao requerente, nos termos do nº 2 do art. 323º do C.Civil, é necessário um nexo de causalidade objectiva entre a conduta posterior deste e aquele resultado, que ocorre quando infrinja objectivamente a lei.
II - Não integra semelhante nexo a circunstância de a acção ser intentada em período de férias judiciais” - ac. STJ, de 7/2/91 (bases de dados da DGSI - SJ199102070800102).
“A citação feita para além do prazo de 5 dias referido no nº 2 do art. 323º do C.Civil, por se encontrarem a decorrer férias judiciais, quando referida, deve ter-se por demorada por razões quer da organização judiciária, quer de índole processual e não por causa imputável ao requerente” - ac.STJ, de 29/4/92 (SJ199204290817721).
“Sendo a acção instaurada 8 dias antes do termo final do prazo de prescrição, e no decurso das férias de Verão, não pode atribuir-se ao A. qualquer responsabilidade pela não citação da R. nos 5 dias seguintes à instauração da acção” - ac.STJ, de 3/12/98 (SJ199812030004322).
Assente, no caso que, vencida a letra exequenda em 30/8/2000, veio a presente acção a ser proposta em 15/7/2003, mostra-se, pois, interrompido o prazo prescricional estabelecido no art. 70º da LULL - não ocorrendo, consequentemente, a atinente excepção.

2.3. Estatui o art. 17º da LULL que as pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquiri-la, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
Assim, e como se decidiu em acórdão do STJ, de 30/9/2004 (SJ200409300025382), “no domínio das relações mediatas não pode o sacado-aceitante opor ao portador as excepções baseadas nas suas relações obrigacionais-creditícias com o sacador (relação material subjacente ou relação fundamental)”
Por outro lado, “o momento relevante para se avaliar, face ao disposto no art. 17º da LULL, se o portador de uma letra, ao adquiri-la, procedeu ou não conscientemente em detrimento do devedor, não é o momento em que o verdadeiro e real devedor a não paga no seu vencimento, mas sim o do próprio aceite e subsequente endosso ao portador (banco)” - ac.STJ, de 28/9/95 (SJ199509280869541).
Consequentemente, “não basta que o terceiro adquirente da letra a tenha adquirido conhecendo as excepções que o devedor podia opor ao portador precedente e o prejuízo consistente para o devedor na perda dessas excepções, sendo ainda necessário que a sua aquisição haja sido feita com violação da boa fé, em detrimento do devedor, para que não seja responsável pelo pagamento desse título cambiário o devedor” - ac.STJ, de 9/1/96 (SJ199601090881281).
Estando-se no domínio das relações mediatas, forçoso seria, na ausência de oportuna alegação de factos susceptíveis de integrar a existência de actuação dolosa, por parte do portador do título, igualmente nesta parte concluir pela improcedência das alegações da agravante.

3. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

.Lisboa, 6 de Outubro 2005



(Ferreira de Almeida - relator)

(Salazar Casanova - 1º adjunto)

(Silva Santos - 2º adjunto)