Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4852/12.3TCLRS-A.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DE ASSEMBLEIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Não contendo a acta apresentada como título executivo qualquer deliberação da assembleia dos proprietários da AUGI concretizando as comparticipações do lote pertencente aos executados é manifesta a insuficiência desse título, impondo-se a extinção da execução.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:


I – Relatório:


Os executados R... e C... deduziram oposição à execução para pagamento de quantia certa instaurada por Administração Conjunta do Bairro ... pugnando pela sua extinção, por invalidade e insuficiência do título executivo.

Alegaram, em síntese:

- o mandatário da exequente estava impedido, nos termos da lei notarial, de certificar a fotocópia da acta da assembleia da exequente de 19/11/2006 apresentada como título executivo, pois interveio e acompanhou os trabalhos da perspectiva dos interesses da exequente, pelo que inexiste título;
- os executados não foram convocados para a referida assembleia, pelo que são nulas as deliberações nela tomadas, por aplicação do art. 56º nº 1 al a) do Código das Sociedades Comerciais;
- os executados nunca foram interpelados para qualquer pagamento;
- a deliberação relevante para estes autos traduz-se no 3º ponto da ordem de trabalhos dessa assembleia, concretamente, «Ratificação das deliberações da Comissão de Melhoramentos e da Comissão de Administração da AUGI sobre comparticipação, para efeitos da sua cobrança judicial», a qual é nula por aplicação do art. 56º nº 1 al c) e d) do Código das Sociedades Comerciais;
- pois os órgãos da administração conjunta que alegadamente terão tomado deliberações não tinham competência legal para deliberar sobre matérias de comparticipações em despesas da AUGI, estando tal competência reservada à assembleia de proprietários;
- e não há há norma legal que permita ou exija que anterior deliberação da Comissão de Melhoramentos e da Comissão de Administração da AUGI seja ratificada e muito menos com efeitos retroactivos designadamente quanto a juros vencidos há décadas;
- além disso, resulta da lei que as regras da comparticipação nas despesas com a reconversão da AUGI traduzem-se em critério de proporcionalidade ao interesse de cada proprietário, tendo em conta a área de construção que lhe é atribuída;
- ora, o alvará de loteamento é de 19/11/2006 e na deliberação da Câmara Municipal de Odivelas que o aprovou foi logo fixado o valor de comparticipação de cada lote no custo de execução das obras e na caução, tendo sido fixado a cargo dos executados o valor de apenas 1.066,35 €;
- assim, não poderia a assembleia de proprietários fixar o valor da comparticipação dos executados pelas obras de urbanização em 5.037,86 €, com 6.256,80 € de juros, sendo nula tal deliberação por violação da lei e da deliberação da CM de Odivelas;
- acresce que é da competência da assembleia de proprietários a aprovação dos mapas e das fórmulas de cálculo que estão na base da fixação da comparticipação devida pelas despesas de reconversão, mas tal deliberação nunca foi tomada;
- quando o art. 11º nº 5 da Lei das AUGI confere força de título executivo à fotocópia certificada da acta que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação, pressupõe que o pagamento tenha sido fixado, com base nos critérios legalmente estabelecidos, designadamente mediante a aprovação dos mapas, métodos e fórmulas de cálculo;
- os executados apenas reconhecem ser devedores da quantia de 1.066,35 € conforme a deliberação camarária, mas nem para este valor a acta configura título executivo;
- e nem existe título executivo para que seja reclamado qualquer montante por supostas despesas de legalização referidas no doc. 7 junto com o requerimento executivo;
- mesmo que o capital fosse devido, sempre estariam prescritos os juros com mais de cinco anos;
- a exequente reclama sem suporte ou justificação juros que alega serem devidos, em parte desde 30/06/1992, e em parte desde 01/05/2001 e 01/01/1994;
- acresce que só 30 dias após a publicação da deliberação que tivesse aprovado os mapas e dos métodos e fórmulas de cálculo para a entrega das comparticipações é que poderiam ser exigidos juros, mas não foi publicada tal deliberação;
- não tendo sido aprovados quaisquer mapas contendo os métodos e fórmulas de cálculo das comparticipações devidas, não pode a acta valer como título executivo, o que torna inexigível qualquer montante a título de juros e/ou capital.

*

A exequente contestou pugnando pela improcedência da oposição., invocando, em resumo:

- inexiste impedimento legal para o seu mandatário certificar a fotocópia da acta da assembleia;
- caducou o direito dos executados impugnarem judicialmente as deliberações;
- a comissão de administração da AUGI convocou validamente os executados;
- a deliberação da acta nº 6, de 19/11/2006, configura uma “confirmação”, e não uma ratificação” como impropriamente ficou a constar na acta das deliberações de 1999, e por isso tem eficácia retroactiva, nos termos do art. 288º nº 4 do Código Civil;
- como se comprova pela acta nº 1 a comissão de administração eleita – na qualidade de sucessora da comissão de melhoramentos - escudou-se numa deliberação da assembleia constitutiva para efeitos de fixação/confirmação das comparticipações pedidas antes de constituída a administração conjunta;
- uma coisa são as comparticipações para as despesas de reconversão e outra é o montante da caução de boa execução das obras em falta à data da emissão do alvará;
- em termos gerais esses valores deveriam assemelhar-se mas neste caso, grande parte das obras foram realizadas antes da emissão do alvará e até antes da constituição da administração conjunta e o dever legal dos comparticipar dos executados estende-se ao conjunto das obras e não apenas àquelas que faltavam executar e só a estas últimas se refere o montante da caução fixado pela Câmara;
- a deliberação de 2006 contém as fórmulas do cálculo respectivo, aplicadas subsequentemente a cada lote;
 - conforme resulta das deliberações da assembleia e da liquidação da dívida feita pela exequente no requerimento executivo, o termo inicial do prazo de fixação de juros para as despesas de infra-estruturas é o dia 01/03/1994 e não o que os executados referenciam;
- os juros não prescreveram pois aplica-se o disposto no art. 318º nº 1 al c) do Código Civil.

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Realizada audiência final, foi proferida sentença em que se decidiu: «Pelo exposto, julgo os presentes Embargos de Executado procedentes, por provados, pelo que absolvo os Executados R... e C... do peticionado em sede de acção executiva pela Exequente “Administração Conjunta do Bairro ...”, e, em consequência, determino a extinção da instância executiva».

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Inconformada, apelou a exequente, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

A)- Em 6.II dos factos provados, sobre o teor da proposta de acta nº 6 dá-se por reproduzido que o Regulamento do Bairro foi aprovado em “16 de Janeiro de ano que se desconhece”. Apesar do texto estar parcialmente coberto pelo carimbo da autenticação, é legível “em 26 de Janeiro de 1992”. Deve portanto ser o texto rectificado nos termos do art. 712º CPC (art. 662º NCPC). (doc. 1).

B)- Expende a douta sentença recorrida que resulta da Lei 91/95 que a comparticipação para as obras de urbanização da AUGI só é exigível após a emissão do alvará de loteamento, pois só então será possível determinar o valor absoluto e a quota de cada lote nesse valor.
Ora, nem tal resulta da lei, nem são verdadeiras as restantes inferências de que o tribunal “a quo” daí extrai.

C)- Antes da publicação da Lei 91/95 de 2 de Setembro, já há muito os municípios, em conjunto com associações de moradores e comissões eventuais, vinham executando as obras de urbanização dos “bairros clandestinos”, o que a própria Lei 91/95 acautela (art. 18º nº 2 alínea a) - e nº 3 e art. 55º da Lei das AUGI).

D)- A mesma Lei das AUGI prevê que as obras de infraestruturas aprovadas no decurso do seu procedimento possam ser executadas antes da emissão do alvará de loteamento (art. 25º nº 6).

E)- A tese do tribunal “a quo” é sustentada apenas na jurisprudência “contra legem” do douto acórdão da Rel. de Évora de 9/10/2008, in dgsi.pt, que considera não ser líquido que o projecto de reconversão da AUGI seja aprovado, donde resultaria que só após preenchida essa condição se constituiria o direito de cobrança das comparticipações para as obras.

F)- É que trata-se de uma impossibilidade legal que o projecto de reconversão da AUGI não seja aprovado. Uma coisa é essa inevitabilidade, outra bem diversa, mas que ao caso não vem, é de se saber se a reconversão acolhe todas as espectativas dos interessados, os quais, de qualquer modo, estão vinculados a cumpri-la (arts. 1º nº 2 e 7, 3º nº 2 e 20º nº 5 da Lei das AUGI).

Acresce que,

G)- O montante da caução de boa execução das obras de urbanização (arts.26º nº 2 e 3 e 27º da Lei das AUGI) não pode constituir critério de fixação das comparticipações para as despesas com as obras de urbanização, não só porque aquela cobre apenas as obras que faltam executar à data da emissão do alvará, como pode também cobrir o valor das taxas municipais cujo pagamento possa ser diferido para depois da sua emissão e que não incluem aquele valor (art. 29º c) .

H)- Aliás, a caução prevista na Lei das AUGI (lei excepcional), apenas difere da lei geral (RJUE), quanto à possível forma de prestação (hipoteca legal) e à não solidariedade entre os lotes por ela abrangidos. No mais constitui uma garantia (real ou bancária) de que o município se socorre para se substituir ao promotor na execução das obras em falta, mas só em caso de incumprimento deste.

I)- Por outro lado, mesmo para as obras cobertas pela garantia, o valor dos orçamentos que serve de base à fixação da caução pode ser diverso do contratado pela administração conjunta com o empreiteiro, sobretudo em casos, como o presente, de compressão do mercado, podendo, por isso, o valor da empreitada e, por conseguinte, da comparticipação, ser inferior ao valor da garantia.

J)- O regime das comparticipações para as despesas de reconversão acha-se, ao invés, regulado pelas normas da administração conjunta e, nomeadamente, pelo seu regime financeiro (art. 16º C da Lei das AUGI) e pelas atribuições dos seus diversos órgãos, sendo fixadas segundo critérios de razoabilidade, previsibilidade, oportunidade e gestão, independentemente das vicissitudes do processo urbanístico a correr junto da câmara municipal.

K)- A Comissão de Administração não pode contratar sem assegurar previamente dotações para a respectiva despesa, sob pena de os seus membros responderem até pessoalmente perante terceiros (art. 14º nº 7). Para tanto aquela propõe à Assembleia de Proprietários e Comproprietários valores previsionais e prazos para entrega das comparticipações (que são sempre havidas como provisões ou adiantamentos, portanto sujeitas a posterior “afinação” – art. 16º C nº 1)), competindo a esta aprová-los ou alterá-los e à Comissão dar-lhes seguimento com a sua cobrança e afectação.

L)- A deliberação da assembleia sobre estas provisões ou adiantamentos apenas é passível de impugnação nos termos e prazo previsto no art. 12º nº 8 da Lei das AUGI (redacção actual), pelo que não pode ser já contraditada em sede de oposição à execução. (doc. 2).

M)- Além disso, de acordo com o regime financeiro das administrações conjuntas, todas as comparticipações para as despesas de reconversão são havidas indistintamente como contribuições para o fundo social, porquanto a actividade daquela não está sujeita a orçamentos prévios com dotação de verbas (ver art. 15º nº 1 alínea c) -, Lei das AUGI, redacção actual). Os valores cobrados são usados indistintamente para as despesas da reconversão, independentemente do fundamento da sua cobrança.

N)- Repugnaria, por isso, à moral e ao direito que a comparticipação dos interessados faltosos para as obras já executadas antes do alvará e custeadas com a contribuição dos cumpridores só fosse exigível após a emissão do título de reconversão (no caso da Milharada, 14 anos depois da execução inicial da despesa).

No mesmo sentido douto Acórdão desta Veneranda Relação de 12/12/2013, Proc. 2188/11.6TBSXLA. L1-7 in dgsi.pt
Paralelamente:

O)- O termo “ratificação” constante da deliberação de acta nº 6 não deve ser entendido em sentido estrito, porque as deliberações reiteradas emanam do mesmo órgão deliberativo. A natureza da deliberação subsume-se mais correctamente ao conceito de “confirmação”, pelo que os seus efeitos retroagem à data das deliberações confirmadas (art. 288º nº 4 do C. Civil).

P)- Também, ao contrário do que expende o douto tribunal “a quo” – que se equivoca quanto à lei que lhes atribui força executiva, posto que foi a Lei 165/99 de 14 de Setembro e não a que refere – não interferindo a norma do art. 10º nº 5 da Lei das AUGI com a validade e força probatória das actas da assembleia da AUGI que fixam comparticipações, mas apenas com o modo de tutelar os direitos delas emergentes, a mesma é de aplicação imediata, como qualquer norma processual, pelo que a sua exequibilidade é aferida pela norma em vigor à data da instauração da execução (neste caso 2012).
No mesmo sentido ver acórdão desta Veneranda Relação de 27/01/2015 junto como documento 2.

Q)- Conclui a douta sentença recorrida que falta liquidez à obrigação exequenda e que a deliberação não integra mapas de comparticipação, considerando para tanto que:

- À data da deliberação de 14/3/1999 (acta nº 1) não eram conhecidos os dados urbanísticos dos lotes, por não estar emitido o alvará de loteamento;
- Na assembleia de 19/11/2006 (acta nº 6) não foram aprovados as fórmulas de cálculo e respectivos mapas, porque não são indicados os valores previsionais das mesmas e as datas de início e conclusão das obras e da assembleia de aprovação das contas finais;
- A caução do alvará nº 3/2006/DRU-AUGI para o lote 6 foi fixada em € 1.006,35 e não se vislumbram os cálculos para fixar o valor da comparticipação em € 5.037,66.

R)- Ora, já se demonstrou que o valor da caução não coincide necessariamente com o valor das obras e, por conseguinte, com o valor da comparticipação: à data do alvará faltavam apenas executar obras no valor de € 151.834,39 (ver doc. 5/5.1 da contestação), pelo que foi só sobre esse valor que foi fixada a caução.

S)- Muito embora a certidão predial junta com o requerimento executivo confirme que foram contempladas no alvará as áreas da parcela e da construção do lote dos executados, reitera-se que as comparticipações são fixadas de acordo com critérios previsionais, sujeitos a correcção, recebendo-se ou devolvendo-se a diferença até às contas finais. (art. 16º C Lei das AUGI).

T)- Ao contrário do que consta da douta sentença recorrida, a deliberação confirmativa de 19/11/2006 (acta nº 6) materializa exactamente as fórmulas de cálculo das comparticipações variáveis.

A não aprovação simultânea do seu produto por lote no mapa de comparticipações, não sendo formalidade “ad substantiam” da deliberação, seria matéria a dirimir em sede de impugnação da deliberação e não na presente. (doc. 2)

U)- Os valores previsionais das obras estão subjacentes à fórmula de cálculo nos valores unitários por metro quadrado ou número de pisos, sendo que não está na disponibilidade da administração conjunta prever as datas da empreitada (sujeitas a negociação posterior) e da recepção definitiva dessas obras pela câmara municipal, condição essa prévia para a aprovação das contas finais e extinção da administração conjunta (art. 17º Lei das AUGI).

V)- A Comissão de Administração aplicou, no exercício de atribuição sua, as fórmulas de cálculo ao lote dos executados e estes não impugnaram o respectivo cálculo, pelo que tal operação se subsume à previsão do art. 46º nº 1 alínea c)- do CPC. Assim sendo, além de exigível desde as datas mencionadas na deliberação, a obrigação está correctamente tornada líquida.

X)- Na eventualidade de apreciação da questão prejudicada da prescrição de juros, sempre se reitera que as quantias peticionadas são sustentadas em título executivo, pelo que se lhes aplica o prazo ordinário de prescrição (arts. 309º e 311º nº 1 do C. Civil).

Acresce que, sendo os montantes reclamados devidos no âmbito da administração conjunta (arts. 3º nº 1 e 8º nº1 da Lei das AUGI), a prescrição não se inicia nem corre até à aprovação das contas finais (art. 318º c) - do C. Civil). (ver doc. 2)

Z)- Normas violadas: todas as acima imputadas à douta sentença recorrida.

Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e provada e, por via dela, revogada a douta sentença recorrida e julgada a oposição improcedente com todas as legais consequências.

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Na contra-alegação os executados requereram a ampliação do âmbito do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Os recorridos desconhecem a autenticidade do documento que é junto à alegação de recurso da recorrente identificado com o n.º 01, documento cuja junção, aliás, não é legalmente admitida (artigo 680.º, n.º 1, do CPC).

2. Consequentemente, não deverá admitir-se a alteração da matéria de facto pretendida pela recorrente (ponto 6. II).

3. Como bem concluiu a douta sentença, resulta da Lei 91/95 (da conjugação, entre o mais, dos artigos 15.º, 18.º e 26.º) que só após a aprovação do instrumento do loteamento é que se pode exigir aos comproprietários o pagamento da sua comparticipação nas despesas de reconversão para execução de obras.

4. As normas que a recorrente  cita para fazer valer tese diversa (18.º, 25.º e 55.º, da Lei n.º 91/95) não permitem conclusão diferente da alcançada pelo tribunal a quo, pelos motivos que melhor se explanam na presente contra-alegação.

5. Não resulta demonstrado que a própria AUGI tivesse realizado quaisquer obras em momento anterior à emissão do alvará de loteamento n.º 3/2006/DRU-AUGI de 19 de Setembro de 2006, sendo certo que a douta decisão proferida procurou fechar a porta ao arbítrio, impedindo a recorrente de cobrar comparticipações que nenhum fundamento legal ou factual têm!

6. Estando em causa uma situação de sucessão de leis no tempo (a Lei 165/99 alterou a Lei 91/05 e conferiu força de título executivo às atas que espelham as deliberações de fixação das comparticipações) há que fazer aplicação do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, que declara expressamente que “a lei só dispõe para o futuro (…)”.

7. Como tal e por maioria de razão, não poderia a deliberação datada de 19/11/2006 estabelecer quaisquer consequências dos efeitos que a anterior deliberação não produziu; designadamente, não poderia tornar exigíveis juros, desde datas imemoriais e até incompreensíveis e não poderia conferir força de título executivo a uma anterior deliberação que não a tinha!

8. Na verdade a exequibilidade da ata terá que ser aferida como se a deliberação tivesse sido tomada em 19/11/2006 e o que está em causa não é somente a atribuição de eficácia retroativa a uma deliberação mas impor-lhe efeitos que na data (anterior) eram legalmente inadmissíveis e proibidos!

9. Admitir-se a possibilidade de confirmação (por força do n.º 4, do artigo 288.º, do Código Civil) de uma deliberação anterior como no caso dos autos, seria admitir expressamente uma fraude à Lei, permitindo a utilização de um regime híbrido que o legislador nunca pretendeu: admitir-se a forma mais expedita de cobrança coerciva de comparticipações devidas, mesmo que não fossem fixadas de acordo com critérios transparentes, objetivos e sindicáveis!

10. É que a alteração introduzida pela Lei 165/99 ao n.º 5, do artigo 10.º, da Lei das AUGI não se resume a uma alteração a uma norma processual, mas antes e também a uma norma que tem efetivos efeitos substantivos, permitindo sem recurso a uma ação declarativa, a imediata cobrança coerciva de valores pecuniários.
11. Interpretação diferente do artigo 10.º, n.º 5, da Lei das AUGI (com a redação da Lei 165/99 e quanto à sua aplicação no tempo) constituiria, pelos motivos indicados na presente alegação (p. 10 e ss.), uma interpretação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da confiança e segurança jurídica, previstos no artigo 2.º e no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa.

12. Quer antes da redação da Lei 165/99, quer após esta redação (neste caso com maior exigência), a Lei das AUGI impôs a elaboração de mapas para a fixação das comparticipações, pelo que é forçoso concluir que o legislador não pretendeu deixar ao livre arbítrio dos órgãos da AUGI a fixação dos valores das comparticipações que eventualmente fossem devidas.

13. Aquando da deliberação de 14/03/1999 e em momento anterior a esta deliberação (ata N.º 1), ainda não tinha sequer sido apresentado o projeto de loteamento e muito menos tinha sido tal projeto aprovado, pelo que se desconhecia, à data, a área do loteamento e do lote que viria a ser atribuído aos ora recorridos, bem como a respectiva área de construção, elementos esses essenciais para cálculo do valor da comparticipação.

14. De tal modo era impossível – sem os mínimos e razoáveis elementos objetivos – fixar com qualquer rigor o valor da comparticipação que caberia aos ora recorrentes; a sua fixação sem a disponibilidade de quaisquer elementos objetivos traduz uma arbitrariedade a que a douta sentença recorrida recusou dar aval!

15. Não se compreende nem aceita que, sem resultar dos autos que tivessem existido quaisquer obras anteriormente executadas pela AUGI tivesse sido fixado um valor de comparticipação a cargo dos ora recorridos que ultrapassa mais de 10 vezes o valor que é mencionado no Alvará que titula o Loteamento!

16. Estas incongruências e esta falta de elementos objetivos bolem naturalmente – como a douta sentença reconheceu – com a questão da liquidez da obrigação e com os elementos essenciais que faltam ao título executivo; é que não basta que o título indique um valor líquido: é necessário que essa liquidez resulte conforme às regras legais.

17. A grosseira e ostensiva violação das regras de fixação das comparticipações não gera uma simples irregularidade que só possa ser invocável através da impugnação da deliberação (artigo 12.º, n.º 7, da Lei das AUGI), mas antes uma verdadeira nulidade (por ostensiva contrariedade à Lei – artigo 294.º, do Código Civil), que pode ser invocável a todo o tempo e pode ser conhecida oficiosamente.

18. E para além do artigo 294.º, do Código Civil, que comina com nulidade situação como a vertida, o próprio artigo 56.º, n.º 1, alínea c) e d), do CSC (aplicável analogicamente por força do disposto no artigo 10.º, n.º 1, do Código Civil) comina de nulidade semelhante deliberação que afronte diretamente preceitos legais.

19. A ilegal deliberação tomada pela assembleia geral da AUGI em Novembro de 2006, fixou (como se fosse um órgão judicial) a título de juros mais de €: 7.000,00; tais juros, para além de indevidos por outras razões aduzidas nesta alegação estariam já prescritos (quanto a todos os que tivessem mais de 5 anos anteriores à data da citação para a execução), por força do disposto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, aplicável ao caso!

20. À vertida situação não é aplicável qualquer suspensão da prescrição, designadamente a que está prevista no artigo 318.º, alínea c), do Código Civil, pelos motivos mais amplamente expostos nesta contra-alegação (p. 19 e ss.).

QUANTO À AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

21. O preceituado no artigo 12.º, n.º 7, da Lei das AUGI não pode inviabilizar a possibilidade de arguir a qualquer tempo a nulidade de uma deliberação tomada em Assembleia Geral, tendo em conta o que estabelece o artigo 286.º, do Código Civil.

22. Resulta da alínea B) “Factos Não Provados”, que os ora recorrentes nunca foram convocados para qualquer Assembleia da AUGI, entendendo que as deliberações tomadas nestas circunstâncias são nulas (e não meramente anuláveis), em face do que dispõe o artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais (aplicável analogicamente por força do artigo 10.º, n.º 1, do Código Civil).

23. Tendo em conta que no momento em que foi tomada a deliberação de 19/11/2006 já se mostrava emitido o Alvará de Loteamento e que tal documento fixava a responsabilidade dos ora recorridos (para efeitos de caução para as obras, que era de valor equivalente ao custo da sua execução), em montante de €: 1.066,35, a Assembleia Geral da AUGI não tinha poderes legais para fixar valor diferente devido a título de comparticipações nas obras, sob pena de violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 3 e 26.º, n.º 3, por referência ao artigo 18.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 91/95.

24. Os recorrentes entendem que o mandatário da recorrente estava impedido para praticar o ato de certificação da fotocópia da ata que serve de título executivo à execução, por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código do Notariado, aplicável em face do preceituado no artigo 38.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 36- A/2006, de 29 de Março. Tal impedimento conduzirá à nulidade do ato de reconhecimento, por força do que estatui o artigo 71.º, n.º 1, do Código do Notariado, o que leva a que falte título executivo à presente execução.

25. A Lei só permite exigir o valor das comparticipações após a data fixada nos mapas que as prevejam (artigo 16.º-C, n.º 2 e 10.º, n.º 2, alínea f), da Lei 91/95) mas nunca antes de 30 dias sobre a publicação da deliberação que contenha tais mapas e fórmulas de cálculo (artigo 12.º, n.º 5, da mesma Lei).

26. Se nunca foram aprovados ou publicados quaisquer mapas de comparticipações (nem qualquer forma de cálculo das mesmas), a Lei não torna exigível o pagamento e muito menos haverá mora sobre um pagamento que não era devido.

27. Para além de não terem sido cumpridos pressupostos legais que tornassem exigível a obrigação em causa, os ora recorridos nunca foram interpelados extrajudicialmente (fosse por que meio fosse) para realizarem o pagamento, pelo que jamais a obrigação seria exigível ou a sua situação poderia ser considerada como mora.

Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias, o presente recurso não deverá merecer provimento, pelo que, rejeitando-se o recurso ou julgando-se o mesmo totalmente improcedente e mantendo-se a decisão recorrida, será feita a mais sã, serena, objetiva e verdadeira, JUSTIÇA.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente e pelas conclusões da contra-alegação dos recorridos referentes à ampliação do âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:

a) na apelação da exequente
- se deve ser admitido o documento junto com a sua alegação e com base nele deve ser alterado o ponto II da decisão da matéria de facto
- se a obrigação exequenda é líquida e exigível face ao título
- se são devidos juros de mora
b) na requerida ampliação do âmbito do recurso
- se é nulo o acto de certificação da fotocópia da acta da assembleia de proprietários da AUGI de 19/11/2006
- se as deliberações tomadas nessa assembleia são nulas
- se não são devidos juros de mora

*

III – Fundamentação:

A) Na sentença recorrida vem dado como provado:

1. O prédio sito em Casal de Famões, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º 5665, Freguesia de Odivelas, foi objecto de uma operação física de parcelamento, destinada à construção, sem a competente licença de loteamento, pelo que a área respectiva foi integrada pela Câmara Municipal de Loures, no perímetro da ÀREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL (AUGI) do Bairro ....

2. A reconversão da ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL (AUGI) do Bairro ... foi formalizada mediante o alvará de loteamento nº 3/2006/DRU-AUGI de 19 de Setembro de 2006, emitido pela Câmara Municipal de Odivelas.

3. Em nome dos Executados encontra-se registada pela Ap. 14 de 1973/02/26, da Conservatória do Registo Predial de Odivelas, a aquisição de do lote 6, com área de 210 m2 do prédio referido em 1., descrito sob o n° 5665/20111207.

4. A Exequente tem como objectivo a prática dos actos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI do Bairro ...

5. A assembleia geral de comproprietários da AUGI do Bairro ... realizada a 14.03.1999 (Acta N.º 1), publicada em forma de extracto no “Diário de Notícias” de 22 de Abril de 1999 fez aprovar a comissão de administração e votou o valor de comparticipação a pagar por cada comproprietário, designadamente, 10.000$00 por lote de r/chão e primeiro andar cada 1 fogo, acrescidos de 5.000$00 por cada fogo, bem como uma taxa de agravamento para os pagamentos efectuados fora dos prazos previstos, ou seja, uma taxa de agravamento de 1% ao mês.

6. Na assembleia geral de comproprietários da AUGI do Bairro ... (Acta N.º 6) realizada a 19 de Novembro de 2006, na qual interveio o Ilustre Causídico da Exequente, publicada em forma de extracto no “Diário de Notícias” de 25 de Novembro de 2006, refere-se que: “sejam ratificadas, para efeitos de cobrança judicial, as deliberações do Bairro ... em matéria de comparticipações para o processo de reconversão, com o vencimento que nessas deliberações está fixado a saber:

I- Prestação mensal de € 49,88/lote de 1 fogo de r/c e 1.º andar, acrescidos de mais € 14,94 por cada fogo adicional, durante 24 meses, para o processo de legalização, vencendo-se a primeira entrega em 31 de maio de 1999;

II- Comparticipações fixadas para o pagamento de infra-estruturas, aprovadas como regulamento do Bairro em 16 de Janeiro de ano que se desconhece:
1) Valores a pagar:
a) Por cada lote de terreno - € 349,16;
b) Por pavimento constituído em cave: € 2,49/m2;
c) Por pavimento constituído em r/c e 1.º andar: € 4,99/m2;
d) Por pavimento constituído em 2.º andar e superiores: € 9,98/m2;
e) Construções com solo ocupado acima de 100 m2: € 4,99/m2;

2. Construções com mais de um fogo:
a) Por cada fogo: € 249,40;
b) Por cada fogo em segundo andar ou superior € 498,80;

Considera-se para efeito do cálculo dos valores a área construída de cada piso tudo a pagar pela forma seguinte:
a) O valor por lote de € 349,16 até 30 de Abril de 1992;
b) O restante em 18 mensalidades sucessivas, em valor não inferior a € 74,82/mensal, vencendo-se a primeira em 30 de Junho de 1992.

*

B) Da junção do documento e impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Alega a apelante que embora o texto da acta nº 6 esteja parcialmente coberto por carimbo da autenticação, é perfeitamente possível ler, não o que consta da matéria de facto provada em 6.II - «(…) em 16 de Janeiro de ano que se desconhece» - mas sim «em 26 de Janeiro de 1992» e, diz que para que dúvidas não haja, junta a cópia não certificada da parte dessa acta.

Os apelados opuseram-se à junção do documento.

Dispõe o art. 651 nº 1 do CPC: «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
Não se mostra que a apelante não pudesse ter junto esse documento antes do encerramento da discussão e nem a junção se tornou necessária em virtude da sentença proferida, pois não podia desconhecer que lhe competia juntar documentos legíveis e que no caso teria de ser uma cópia autenticada da acta e não uma cópia simples.

Pelo exposto, impõe-se recusar a junção do documento de fls. 147, ordenando-se a sua restituição à apelante, e condenando-a em multa, que se fixa em 1 (uma) UC (art. 443º nº 1 do CPC e art. 27º nº 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais.

*

Quanto à alegação de que é perfeitamente possível ler a data de «26 de Janeiro de 1992», cabe dizer que analisando o documento (fls 261 dos autos), percebe-se que realmente não está escrito «16 de Janeiro» mas sim «26 de Janeiro»; no mais, não se consegue perceber qual o ano aí indicado devido à sobreposição do carimbo da autenticação.

Assim, rectifica-se o ponto 6.II da matéria de facto passando a constar «(…) em 26 de Janeiro (…)», indeferindo-se no mais a pretensão da apelante.

*

C) É de considerar ainda o seguinte:
a) A execução foi instaurada em 07/06/2012.
b) No requerimento executivo a exequente fez exposição dos factos que fundamentam o pedido, aí se lendo além do mais:

«Factos:
1º - O prédio sito em Casal de Famões, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o nº 5665, Freguesia de Odivelas, foi objecto de uma operação física de parcelamento, destinada à construção, antes da entrada em vigor do Dec. Lei 400/84 de 31 de Dezembro, sem a competente licença de loteamento, pelo que a área respectiva foi integrada, ainda pela Câmara Municipal de Loures e antes da criação do concelho de Odivelas, no perímetro da ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL (AUGI) do Bairro ..., nos termos do art. lº nº 2, 4 e 5 da Lei 91/95 de 2 de setembro, mais tarde republicada pela Lei 64/2003 de 23 de Agosto e alterada pela Lei 10/2008 de 20 de Fevereiro (Lei das AUGI). (Doc.1)
2º - A reconversão da dita AUGI foi formalizada mediante o alvará de loteamento nº 3/2006/DRU-AUGI de 19 de Setembro de 2006, emitido pela Câmara Municipal de Odivelas em nome da exequente. (cfr doc. 1)

(…)

15º - Os executados são titulares inscritos do prédio referido em 1.
Ora,

17° - Na Assembleia de Proprietários, constante da acta nº 6, relativa à reunião de 19 de Novembro de 2006, publicada em forma de extracto no “Diário de Notícias” de 25 de Novembro de 2006, foram ratificadas, para efeitos de cobrança judicial, todas as comparticipações para as despesas da reconversão: as aprovadas na Assembleia Constitutiva da AUGI (cfr. doc. 2), quando as actas das suas reuniões ainda não constituíam título executivo (o que só passou a suceder por força da Lei 165/99 de 14 de Setembro) e as que haviam sido aprovadas e solicitadas para a execução das infra-estruturas pela Comissão de Melhoramentos que antecedeu a constituição da administração conjunta, em 14 de Março de 1999,que se passam a especificar:

I- Para despesas administrativas, técnicas e de projecto: Pagamento mensal de € 49,88/lote existente de 1 fogo de rés-do-chão e l° andar, acrescido de mais € 24,94/ mensais por cada fogo adicional, durante 24 meses, vencendo-se a primeira entrega em 31 de Maio de 1999;
II- Para as obras de urbanização e cumulativamente:
-€ 349,16, por cada lote de terreno existente/ proposto;
-€ 2,99, por cada metro quadrado de pavimento construído em cave;
-€ 4,99, por metro quadrado de pavimento construído em rés-do-chão e 1° andar;
-€ 9,98, por cada metro quadrado de pavimento construído em 2º andar e andares superiores;
-€ 249,40, por cada fogo a mais que um até ao 1º andar;
-€ 498,80, por cada fogo em 2º andar ou superior, sendo que o valor por lote de € 346,16 deveria ser pago até 30 de Abril de 1992 e os restantes em 18 mensalidades sucessivas, em valor não inferior a € 74,82, vencendo-se a primeira em 30 de Junho de 1992. (docs. 5 e 6).

18º - A Comissão de Administração da AUGI exequente elaborou o quadro das comparticipações de cada lote logo após a constituição da administração conjunta, em função dos critérios gerais fixados e em sistema de conta corrente, e foi remetendo ou apresentando oportunamente aos interessados a sucessiva posição de cada lote relativamente às comparticipações.

19º - Sucede, porém, que os executados, titulares inscritos e/ou possuidores do Lote 6, não procederam, de acordo com a dita conta corrente, ao pagamento das comparticipações abaixo discriminadas:

I- Despesas administrativas, técnicas e de projecto: € 2.394,23
II- Execução das obras de urbanização: € 5.037,879 (doc. 7).

20º- De acordo com o já citado art. 16º C nº 2 da Lei das AUGI, as comparticipações vencem juros à taxa legal reportadas:
-Quanto ao ponto 17º I, a partir de 1 de Maio de 2001;
-Quanto ao ponto 17º II, a partir de l de Janeiro de 1994. (cfr. doc. 7).

21º- Liquidam-se os juros vencidos até 31 de Maio de 2012 em € 7.479,13 (cfr. doc. 7).

22º- Ao montante em dívida acrescem ainda os juros vincendos à mesma taxa a partir de 1de Junho de 2012, calculados sobre o capital reclamado de € 7.432,09. (cfr. doc. 7).
(…)».

c) O documento 7 junto com o requerimento executivo é um escrito que não contém qualquer assinatura, onde se lê:
1. no canto superior direito «CÓPIA»,

2. no cabeçalho:
«Administração Conjunta do Bairro ...
Comissão de Administração
Entidade equiparada a Pessoa Colectiva – NIF: (…)
Sede: ...;

3. seguindo-se a indicação como destinatário:
  «Exmo(a)
C...
Rua ...
3. e os dizeres:
«Pontinha   31-05-2012

A Comissão de Administração Conjunta do Bairro ... declara para efeitos do disposto na Lei nº 91/95, de 02 de Setembro, que as comparticipações referentes ao
(Lote:Nr. Projecto Alvará), até à presente data são as seguintes:
Valor em dívida
Infraestruturas/Construção:
Valor: 5.037,86 €
Juros: 6.256,80 €
Total: 11.294,66 €

Legalização:
Valor: 2.394,23 €
Juros: 1.222,33 €
Total: 3.616,56 €

Total em dívida: 14.911,22 €

Nota: Os juros referentes a dívidas está calculado de acordo com a taxa legal até à data 31-05-2012:
Infraestruturas/Construção a partir de 01-Março-1994
Legalização a partir de 01-Maio-2001
(…)
Informamos também aprovação de acordo com Alvará Nr 003/2006/DRU:

Obs:
Esc.    9798 B-28    Area Lote:                                 210
                                    Area Construção:                  495
                                    Fogos:                                       3
A Administração Conjunta»

*

B) O Direito:

No art. 45º do CPC em vigor à data da instauração da execução lê-se:

«1- Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

2- O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo.».

O art. 46º prevê:
«1- À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

2- Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.».

Na conclusão V da sua alegação recursiva sustenta a apelante que «A Comissão de Administração aplicou, no exercício de atribuição sua, as fórmulas de cálculo ao lote dos executados e estes não impugnam o respectivo cálculo, pelo que tal operação se subsume à previsão do art. 46º nº 1 al c) do CPC. Assim sendo, além de exequível desde as datas mencionadas na deliberação, a obrigação está correctamente tornada líquida».

Porém, a citada norma não é aplicável pois o título executivo não é um escrito particular assinado pelo devedor.

Na verdade, como resulta do requerimento executivo, o título executivo é a acta nº 6 relativa à reunião de 19/11/2006 na qual, segundo vem alegado no r.i., «foram ratificadas, para efeitos de cobrança judicial, todas as comparticipações para as despesas da reconversão: as aprovadas na Assembleia Constitutiva da AUGI (cfr doc.2), quando as actas das suas reuniões ainda não constituíam título executivo (o que só passou a suceder por força da Lei 165/99 de 14 de Setembro) e as que haviam sido aprovadas e solicitadas para a execução das infra-estruturas pela Comissão de Melhoramentos que antecedeu a constituição da administração conjunta, em 14 de Março de 1999, (…)».

De harmonia com o disposto no art. 10º nº 5 Lei Sobre as Áreas Urbanas de Génese Ilegal (Lei das AUGI) - Lei 91/95 de 2/9 (alterada pelo DL 165/99 de 14/9, pela Lei 64/2003 de 23/8, pela Lei 10/2008 de 20/72 e pela Lei 79/2013 de 26/11) -, «A fotocópia certificada da acta que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo», ou seja, será um documento a que disposição especial atribui força executiva (cfr art. 46º nº 1 al d) do CPC).

No art. 10º da Lei das AUGI, na redacção em vigor em 19/11/2006 lê-se:
«1– Compete à assembleia acompanhar o processo de reconversão (…)
2– Compete ainda à assembleia:
(…)
f) Aprovar os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do nº 1 do artigo 15;
(…)».

No art. 15º lê-se:
«1 – Compete à comissão de administração:
(…)
c) Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização;
(…)».

Mas a acta da reunião de 19/11/2006 não é acompanhada de qualquer mapa indicando as comparticipações, nem faz referência a tal mapa, o mesmo sucedendo com a acta da reunião de 14/03/1999. Além disso, em nenhuma dessas actas estão liquidados os valores das comparticipações de cada lote, pois apenas são indicadas as fórmulas de cálculo sem as aplicar a cada lote, apesar de serem contempladas várias hipóteses – designadamente varia o valor do metro/2 consoante o pavimento é construído em cave, em rés-do-chão e 1º andar, em 2º andar e andares superiores.

Repare-se que no ponto 18º da exposição dos factos do requerimento executivo a apelante alega que «A Comissão de Administração de AUGI elaborou o quadro das comparticipações de cada lote logo após a constituição da administração conjunta, em função dos critérios gerais fixados e em sistema de conta corrente, e foi remetendo ou apresentando oportunamente aos interessados a sucessiva posição de cada lote relativamente às comparticipações», mas não indica em que data tal quadro foi elaborado nem o juntou aos autos e a verdade é que não está sequer mencionado na acta nº 6 apresentada como título executivo nem na acta nº 1 de 14/03/1999.

Em suma, a acta apresentada como título executivo não contém qualquer deliberação concretizando as comparticipações do lote 6 pertencente aos executados, sendo por isso, manifesta a insuficiência desse título, o que impõe a extinção da execução (cfr art. 812º - E nº 1 al a),  814º nº 1 al a) e 816º do CPC). Nesta conformidade, merece concordância a conclusão extraída na sentença recorrida de que «o título oferecido à execução não oferece todos os elementos necessários para a determinação da quantia exequenda (despesas de reconversão a cargo dos executados), sendo por isso inexequível».

Improcede, assim, a apelação, ficando prejudicada a apreciação das demais questões.

*

IV – Decisão:

Pelo exposto, decide-se:
a) recusar junção do documento de fls. 147, ordenando-se a sua restituição à apelante, e condenando-a na multa de 1 (uma) UC
b) julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 09 de Julho de 2015


Anabela Calafate
Tomé Ramião                                  
José Vítor dos Santos Amaral