Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5817/09.8TVLSB.L1-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
NEGLIGÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- O advogado assume, perante o cliente que patrocina, uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado, pois que lhe cumpre é representar o cliente em juízo, defendendo pela melhor forma possível os interesses que lhe confiou.
II- Consequentemente, sendo de meio a obrigação assumida, não poderá o advogado ser responsabilizado pela perda da causa, a menos que tenha actuado de modo negligente.
III- Contrariamente, o advogado será inadimplente se não tiver agido com a máxima prudência ou não tiver usado todos os esforços possíveis para obter sucesso da causa ( já se as obrigações de meio são executadas proficientemente, não se lhe pode imputar nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa).
IV- Sendo demandado com o fundamento de não ter agido com a máxima prudência ou não ter usado todos os esforços possíveis para obter sucesso da causa, incumbirá ao profissional o ónus de demonstrar que empregou todos os esforços possíveis para obter o resultado esperado pelo cliente ( Se lograr êxito, não será condenado a indemnizar os prejuízos sofridos em caso de sucumbência) .
V - Com efeito, tratando-se de responsabilidade contratual, cabe à parte faltosa o dever de provar que não agiu culposamente, inversão que autoriza a conclusão de que, provado o inadimplemento, é presumida a culpa do devedor.
VI- Destarte, presume-se, por isso, que o advogado é culpado pelo defeito do serviço, salvo prova em contrário, por ser a presunção juris tantum.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

A id. nos autos interpõe recurso de apelação da sentença proferida na acção declarativa de condenação que lhe foi movida por B e que, julgando parcialmente procedente tal acção, o condenou no pagamento 43.825,90€ acrescida de juros de mora devidos desde a citação e até integral pagamento, à taxa legal de 7%.
São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas pelo Apelante:
1 O A., recorrido, pede a condenação do R. porque este não apresentou contestação de acção judicial que corria no Tribunal de Torres Vedras, para a qual tinha sido mandatado por aquele.
2 O A. não alega, nos seus doutos articulados, que, se essa contestação tivesse sido apresentada, teria tido completo ou parcial vencimento dessa acção, nem, para o efeito refere qualquer facto tendente a confirmar essa eventualidade.
3 Também não alega o A., recorrido, que a falta de apresentação dessa contestação naquela circunstância, representou para ele uma forte possibilidade de a oportunidade se não voltar a repetir ou que a mesma se perdeu definitivamente.
4 Pelo contrário, o A. alega que, posteriormente à perda daquela acção de Torres Vedras, contratou com o R. a interposição de nova acção contra os vencedores da acção de Torres Vedras, tendente a anular os seus efeitos.
5 Alega ainda o A. que essa nova acção a propor contra os vencedores da acção de Torres Vedras, ainda não tinha dado entrada à data da propositura da presente acção, admitindo assim que a mesma ainda não perdeu oportunidade.
6 Dada a incerteza da acção judicial, pelas divergências doutrinais e jurisprudenciais e a álea dependente das opções dos julgadores, não é previsível o resultado da mesma e por isso, só a simples falta de contestação de uma acção não pode considerar-se causalidade para determinar qualquer prejuízo, nos termos do artº 563º do Código Civil (cf., Profs. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., 1997, 409 e Vaz Serra “Obrigação de Indemnização” BMJ - 84, n.º 5)
7 A jurisprudência e doutrina dominante consideram estas faltas de advogado em processos judiciais, integradoras do conceito de direito “perda de chance” e conclui que esta perda de chance não é indemnizável porque a situação não configura um dano presente, no sentido de se achar concretizado no momento da fixação da indemnização e também não é um dano futuro por não se inserir na definição do n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil.
8 É que os danos futuros têm de ser previsíveis (“podendo ter-se como certa ou suficientemente provada a sua verificação” - Prof. Pereira Coelho, in “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”) tendo por fonte a probabilidade, não podendo ser eventuais, incertos ou hipotéticos. Será “o desenvolvimento seguro de um dano actual.” (Prof. Vaz Serra - BMJ 84-253). - cfr. Ac. STJ de 29-04-2010 - Sebastião Póvoas.
9 Não pode então determinar-se qualquer indemnização por perdas patrimoniais por falta de apresentação da contestação em processo judicial.
10 A douta sentença recorrida, contrariamente a toda esta doutrina e jurisprudência e em violação dos artºs 562º a 564º do Código Civil, determina que o R. deve indemnizar o A. na totalidade do pedido e condena-o a pagar ao A. a totalidade das quantias que este perdeu por virtude da acção de Torres Vedras, dando como certo que essas quantias não teriam de ser pagas se a contestação tivesse dado entrada.
11 Essa condenação inclui 20.000,00 euros referente ao valor da casa cuja propriedade estava em julgamento, 17.500,00 euros de indemnização pela não entrega desta casa durante vários anos e 2.325,90 euros referente a custas da acção.
12 A condenação no pagamento destas quantias viola flagrantemente os referidos normativos e está contra a jurisprudência e doutrina dominante, pelo que deve ser revogada, absolvendo-se o R. desta parte do pedido
13 O A. pede também o pagamento/restituição da quantia de 2.000,00 euros relativa a provisão que adiantou ao R. para interposição da acção a que se refere as supra conclusões 4 e 5.
14 Porém o quesito (3º) tendente a provar esta matéria dizia: “O A. concordou com as interposições referidas em I) e entregou ao R. provisão para o efeito no valor de € 2.000,00 (dois mil euros)?” E apenas foi dado como “Provado que o A. concordou com a interposição das acções referidas em I) e com data de 28.05.2007 foi entregue ao A. o valor de 2.000,00 euros”.
15 Na justificação desta resposta, diz meritíssima a fls. 241/242, que em relação ao pagamento de 2.000€, não resulta claro se dizia ou não respeito às interposições das acções em causa, entendemos que nenhuma prova concreta foi feita quanto a essa correlação.
16 A douta sentença, porém, condena o R. a pagar esta quantia ao A. justificando: “haverá que considerar o pagamento dos 2.000€ relativo às acções que não foram interpostas pelo R.”
17 Há assim uma contradição entre a matéria dada como provada e a decisão de condenação, tendo esta considerado que, afinal, estava provada uma matéria que não estava, incorrendo na nulidade do artº , 668º, nº 1, al. c) do CPC, pelo que deve ser revogada a douta sentença nesta parte condenatória.
18 O R. é condenado a pagar ao A. a quantia de 2.000,00 euros por danos morais, considerando a douta sentença que a vergonha de passar por uma penhora aliada ao sofrimento da perda do imóvel, bem como as dificuldades financeiras inerentes a toda a situação criada, são os únicos factos em que se pode alicerçar o pedido.
19 Não havendo nexo de causalidade entre a conduta do R. e as consequências que o A. sofreu com a acção do Tribunal de Torres Vedras, também não pode o R. ser responsabilizado por eventuais danos morais relacionados com essas consequências.
Por isso a douta sentença tem de ser revogada nesta parte por violar o artº 563º do Cód. Civil.
20 Mesmo que assim não fosse, há que dizer que os quesitos 8º, 9º e 10º tendentes a provar factos relacionados com esta matéria de danos não patrimoniais, não podem dar-se como provados.
21 O Quesito 8º perguntava: “a perda da fracção autónoma que era propriedade dos seus avós maternos e que frequenta desde a sua infância causou-lhe grande sofrimento?”
22 Foi dado como “Provado que a perda pelo A. da fracção autónoma em causa causou ao mesmo sofrimento”.
23 Resulta do documento junto a fls 199-211, cuja autenticidade não foi contestada e cujo teor foi confirmado pela testemunha …..mãe do A., que este, em 2002, já sabia que a propriedade da casa em causa tinha sido transferida para o nome dos autores da acção de Torres Vedras e, já nessa data, alegava que havia sentido sofrimento por esse facto.
24 Resulta também do depoimento da testemunha …., mãe do A., que este, desde o ano 2000 que não voltou a utilizar a casa.
25 Tento em conta que o quesito 8º se destinava a provar que a perda da casa pelo A. veio da actuação do R. em 2007/2008 e que esse facto lhe causou sofrimento, não pode este quesito ser dado como provado.
26 O quesito 9º que foi dado como provado, perguntava: Perante a penhora de parte do seu salário passou pela "vergonha" de, no seu emprego, os seus colegas de trabalho terem conhecimento da situação em que se encontrava envolvido e ser consequentemente tema de conversa?
27 Conforme se verifica das actas de fls. 212 - 214 e 236-237, as únicas testemunhas que responderam à matéria do quesito 9º foram …… .
28 Conforme se pode verificar pela transcrição dos depoimentos destas testemunhas, nenhum se refere à matéria do quesito, nomeadamente nenhuma testemunha diz seja o que for sobre o conhecimento que os colegas de trabalho do A. tiveram da penhora.
29 Não havendo, como não há nos autos, outro qualquer elemento que sirva de prova para esta matéria, o quesito tem de ser dado como não provado.
30 O quesito 10º foi dado como provado e perguntava: “Face à dificuldade financeira que passou a atravessar teve que retirar o seu filho, menor com 6 anos de idade,do colégio particular que frequentava desde os 3 anos e matriculá-lo numa escola de ensino oficial?”
31 Conforme se pode verificar pelo depoimento da testemunha …., dona do colégio privado em que andava o filho do A., o menor entrou no colégio com 3 anos e fez o pré-escolar todo até final de 2008, saindo depois para o ensino oficial, com 6 anos, para começar a frequentar o 1º ciclo.
32 Tendo em conta que este quesito se destinava a provar danos morais por este facto, não se vê nem fica provado qualquer prejuízo ou dano moral daí resultante, ou seja, não se alega nem se prova que esse facto foi prejudicial seja em que aspecto for.
33 Por estas razões também este quesito tem de dar-se como não provado ou pelo menos não integrador de causalidade para indemnização por dano moral.
34 Embora não sejam aplicáveis quaisquer juros, há que referir que é ilegal a douta sentença na parte em que determina que são devidos juros à “taxa legal actual de 7%” segundo a portaria 263/99 de 12.04, dado que esta portaria foi revogada pelo nº 2º da Portaria 291/2003 de 8.04, que, no seu nº 1º, determina que os juros legais passam a ser de 4%, passando esta taxa a ser aplicável a partir de 1 de Maio de 2003.
35 Deve assim ser revogada a douta sentença na sua totalidade, por ter violado os artºs 562º a 564º do Código Civil, o artº 668º, nº 1, al. c), d) e e) do Cód. Proc. Civil e ainda portaria 291/2003 de 8.04 e absolver-se o R. do pedido, com as legais consequências.
São as seguintes as conclusões apresentadas nas contra alegações de recurso do Apelado:
Perante os factos, é manifesto que o facto de o R., ora Apelado, não ter pago a taxa de justiça devida pela apresentação da contestação, e a respectiva multa, tem como causa directa o desentranhamento da contestação.
Ora, a falta de contestação importa a confissão dos factos constantes da petição inicial e necessariamente a perda da demanda.
De acordo com a tese do Apelante, a omissão de apresentação de contestação por parte de advogado, ou qualquer falta por este praticada, não dá o direito ao Cliente a qualquer indemnização por dano patrimonial.
Ora, tal teoria não pode proceder sob pena de se legitimar actuações menos zelosas, ou até mesmo, negligentes por parte destes profissionais.
Ora, in casu, como refere o Dr. Carneiro Frada, “perda de change”, perda de oportunidade, deverá ser considerada como um dano em si, e portanto tutelável.
Com a omissão do Apelante, o Apelado perdeu a oportunidade de se defender em juízo e de ver apreciado o seu direito.
Existindo, necessariamente, nexo de causalidade entre o dano e a conduta omissiva do Apelante.
Mais se dirá que, no que se refere à sentença em causa, a mesma já transitou em julgado consubstanciando caso julgado material.
Pelo exposto, é falso que o Apelado possa ainda reverter a condenação que sobre si recaiu.
Como pretende fazer crer o Apelante !
Isto na medida em que, não é processualmente possível ao Apelado voltar a demandar em juízo a sua contraparte, com o mesmo pedido e causa de pedir, e ver assim tutelado o seu direito de propriedade do imóvel em causa.
II
Quanto à alegada nulidade da decisão na medida em que, a resposta ao quesito 3º, está em contradição com os fundamentos.
Cumpre esclarecer que não se vislumbra a contradição alegada.
Isto na medida em que, o Apelante não elidiu a presunção que contra si impendia e consequentemente foi considerada provada, e bem, a entrega da quantia em referência.
Neste sentido, a douta sentença recorrida explana que ficou provada a entrega ao Apelante em 28/5/2007 da quantia de €2.000,00.
Isto como consequência de o Apelante não ter provado que esta quantia não dizia respeito às acções em questão, não tendo apresentado notas de honorários que permitissem correlacionar os pagamentos ou a falta destes.
III
No que se refere ao pedido de alteração da resposta ao quesito 8º.
Não deve o mesmo proceder, isto na medida em que, o Apelante insiste, como o fez em audiência de julgamento, que a perda do imóvel em questão no autos ocorreu no ano de 2000 e não com a sentença proferida na acção objecto dos presentes autos.
Ora, ficou provado na douta sentença, e bem, que a perda do imóvel em causa causou grande sofrimento ao Apelado.
A perda referida foi sentida apenas com o conhecimento da sentença, em 2008.
Isto porque a mesma levou à entrega do bem e conferiu um carácter definitivo à transmissão da propriedade do mesmo.
De salientar que a entrega do imóvel apenas ocorreu em Junho de 2007, conforme depoimento da testemunha …. a fls. 10 da transcrição das gravações.
IV
No que se refere ao pedido de alteração da resposta ao quesito 9º, não se pode concordar com o mesmo.
A testemunha …. a fls. 7 da transcrição das gravações, acerca deste quesito responde:
“(…) Foi complicado, muito complicado aquele sururu da penhora sem saberem o porquê da mesma.”
A testemunha …. a fls. 17 da transcrição das gravações, acerca deste quesito responde:
“(…) até tinha a sensação de os Colegas comentarem (..)”
Ora, perante estes depoimentos a douta sentença considerou provado, e bem este quesito.
Ficando claramente provado que existia “um sururu” no trabalho e que os colegas do Apelado comentavam a situação, sendo por conseguinte, o mesmo, tema de conversa.
V
No que se refere ao pedido de alteração da resposta ao quesito 10º, não deve o mesmo proceder.
Tendo claramente ficado provado o quesito em questão, aliás como a final no ponto 3.3.4, página 12, das Alegações do Apelante, o Apelante o admite concedendo, que o mesmo se poderá considerar como provado discordando no entanto que sirva como fundamento para qualquer indemnização.
Ora isso já será uma questão diversa da aqui requerida.
O Apelado por opção colocou o filho num Colégio particular do qual tinha boas referências pedagógicas e só o retirou do mesmo devido às dificuldades financeiras que atravessa.
Necessáriamente o menor foi sujeito a uma adaptação à sua nova envolvente escolar, com a consequente ansiedade que provoca na criança e no Pai que com ele reside.
Pelo exposto, foi este quesito considerado provado, e bem.
VI
Quanto aos juros, a douta decisão diz o seguinte:
“Por tudo o exposto, decido julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência condeno o Réu a pagar ao A. a quantia total de € 43.825,90 (20.000+2.000,00+2.325,90+17.500,00+2000,00, ou seja, quarenta e três mil oitocentos e vinte e cinco euros e noventa cêntimos) acrescido de juros de mora devidos desde a citação e até integral pagamento, à taxa legal.”
Assim, apesar de na fundamentação existir lapso quanto ao valor dos juros em questão, a decisão aplica os juros legais, isto é, os juros que estejam em vigor à data da decisão.
Pelo que, não deverá a sentença recorrida ser alterada nesta parte.
Face ao exposto, considera o Apelado que o alegado nas conclusões do Apelante não deve proceder.”
Objecto do recurso
Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal.
Os factos dados como provados pelo tribunal recorrido são os seguintes:
1. O R. exerce a profissão de Advogado, e no exercício da sua profissão o A. contratou o R. para o representar em processo judicial que correu os seus termos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, sob o n.º37/04.0 TBTVD, proposto por C contra o ora A.;
2. No referido processo, o R., ora A. requereu que lhe fosse concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, de nomeação de patrono e pagamento dos respectivos honorários, tendo tal pedido sido indeferido;
3. Notificado o R., enquanto mandatário do A., do indeferimento, o mesmo efectuou o pagamento fora de prazo a taxa de justiça inicial e devida aquando da apresentação da contestação do seu Cliente, ora A., e, consequentemente, foi notificado para o pagamento da multa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 486º-A do Código de Processo Civil conforme despacho de fls. 81 a 82 do processo referido (Cfr. Doc. De fls. 17 e 18 );
4. Notificado do despacho referido no artigo anterior, o R. não pagou as guias que lhe foram remetidas para o escritório, tendo por isso sido condenado no pagamento da multa prevista nos n.º5 e 6 do artigo 486º-A do Código de Processo Civil;
5. Por requerimento que deu entrada em juízo, via fax, a 29 de Setembro de 2004, o ora R., alegando justo impedimento para a prática do acto requereu autorização para que o pagamento da referida multa, sem acréscimo da multa prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 486-A do Código de Processo Civil, o que foi indeferido nos termos do despacho de fls.20 a 25 cujo teor se reproduz, datado de 05/07/2005, e foi o requerente ora R. notificado para proceder ao pagamento das duas multas em falta sob pena de ser determinado o desentranhamento da contestação já junta aos autos, bem como condenado em custas do incidente;
6. O R. não procedeu ao pagamento das multas aludidas e por despacho datado de 24-10-2005, foi ordenado o desentranhamento da Contestação e foram considerados confessados os factos alegados pelo A. nessa acção;
7. Por sentença proferida a 15-01-2007, e tendo por base os alegados e confessados pelo R. nessa acção, ora A., foi o mesmo condenado a reconhecer o direito de propriedade do A. nessa acção, do prédio urbano, designado pela letra “ ”, correspondente ao 3º andar, segundo a contar da entrada do lado sul, sito na Rua ……., ….. , Torres Vedras, inscrito na matriz sob o nº 0000 e inscrito na CRP sob o nº 000, condenando ainda a restituir tal imóvel, bem como ao pagamento da quantia de 13.650€, bem como o valor de 350€ mensais até entrega efectiva da fracção ( cfr. sentença junta a fls. 27 a 32 cujo teor se reproduz );
8. O R. foi notificado da sentença;
9. Em Maio de 2007, o R. informou o seu Cliente, ora A., que teriam de propor uma acção contra C e mulher, D e E tendo inclusivamente facultado cópia de acção declarativa de condenação a propor, mais facultou cópia ao ora A. de providência cautelar que, no seu entender, igualmente deveria ser interposta contra C e mulher, D (Documento de fls. 35 a 55);
10. Tais acções não deram entrada no tribunal;
11. Em Agosto de 2007, o A. foi notificado da penhora de 1/3 do seu vencimento enquanto trabalhador da empresa “……..Desportiva, S.A.”, decorrente da condenação referida supra;
12. Em reunião agendada entre A. e R. este informou que iria elaborar requerimento judicial de oposição à penhora e disponibilizou-se ainda para remeter à entidade patronal e-mail esclarecedor de toda a situação, o que efectivamente fez (cfr, doc. De fls. 57 );
13. No âmbito da acção aludida o A. foi condenado no pagamento das custas do processo e que ascenderam, a € 2.325,90 (dois mil trezentos e vinte cinco euros e noventa cêntimos), tendo o mesmo solicitado o pagamento das mesmas 12 prestações mensais iguais e sucessivas, o que foi deferido ( cfr. doc.s de fls. 65 a 70 cujo teor se reproduz );
14. O R. não informou o A. do despacho referido em 5., nem solicitou qualquer provisão para despesas, para além das já entregues pelo ora A.;
15. O R. notificado da sentença proferida nos autos referidos não informou ou facultou cópia da mesma ao A.;
16. O A. concordou com as interposições das acções referidas em 9. e com data de 28/05/2007 foi entregue ao R. o valor de € 2.000,00;
17. O R., em Junho de 2007, sem dar conhecimento da sentença ao A., diligenciou no sentido da entrega, por parte do ora A., da fracção autónoma objecto dos referidos autos;
18. O A. no âmbito da acção executiva referida conseguiu efectuar transacção tendo sido reduzido o pedido para o valor total de €17.500,00;
19. A perda pelo A. da fracção autónoma em causa causou-lhe sofrimento;
20. E o A. perante a penhora de parte do seu salário passou pela “vergonha” de, no seu emprego, os seus colegas de trabalho terem conhecimento da situação em que se encontrava envolvido e ser consequentemente tema de conversa;
21. E face à dificuldade financeira que passou a atravessar teve que retirar o seu filho, menor com 6 anos de idade, do colégio particular que frequentava desde os 3 anos e matriculá-lo numa escola de ensino oficial;
22. Nas relações tidas entre A. e R. normalmente os assuntos eram tratados através da mãe do A.;
23. A mãe do A. entregou ao réu um cheque no valor de 480€, com data de 19/05/04 e o mesmo apresentado a pagamento a 24/05/2004, foi devolvido por falta de provisão;
24. A mãe do A. encarregou-se de retirar os móveis e objectos da fracção sita em Santa Cruz aludida supra, a pedido do R. e por forma a entregar livre e devoluta a mesma aos mandatários da outra parte.
APRECIANDO O RECURSO
No recurso vem impugnada matéria de facto.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 655º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.
A lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC).
Daí que, conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal de primeira instância está em melhores condições do que o tribunal de recurso.
Na verdade, só perante tal situação de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete ao tribunal de recurso sindicar (artº 655-1 do CPC).
Pretende o apelante a alteração das respostas dadas aos artigos 8º, 9º e 10º da Base instrutória
O art. 8º da BI tem a seguinte redacção:
A perda pelo A. da fracção autónoma que era propriedade dos seus avós maternos e que frequenta desde a sua infância causou-lhe grande sofrimento?
O tribunal respondeu nos seguintes termos:
Provado que a perda pelo A da fracção autónoma em causa causou ao mesmo sofrimento.
O artigo 9º da BI tem a seguinte redacção:
E o A. perante a penhora de parte do seu salário passou pela “vergonha” de, no seu emprego, os seus colegas de trabalho terem conhecimento da situação em que se encontrava envolvido e ser consequentemente tema de conversa?
O tribunal deu este facto como provado.
O artigo 10º da BI tem a seguinte redacção:
E face à dificuldade financeira que passou a atravessar teve que retirar o seu filho, menor com seis anos de idade, do colégio particular que frequentava desde os 3 anos e matriculá-lo numa escola de ensino oficial?
O tribunal deu este facto como provado.
Vejamos então em face da prova testemunhal e documental indicada pelo Apelante se tais respostas devem ser alteradas nos termos propostos dando como não provado o que estava quesitado em 8º, 9º e 10º da BI.
(…)
Daí que se deva manter a resposta dada ao ar. 8º da BI.
(…)
Perante tais depoimentos parece inequívoco dar-se como provado o que consta do art. 9º da BI . Pois, como é evidente, não pode pretender-se que a resposta dada pelas testemunhas coincida ipsis verbis com o que lhes é perguntado.
Quanto à resposta dada ao artigo 10º da BI.
(…)
Mantendo-se inalterada a matéria de facto vejamos, agora, se a integração jurídica feita na sentença se deve manter.
Nas conclusões de recurso invoca o Apelante a nulidade da sentença prevista na al. c) do art668 do CPC, argumentando nos seguintes termos:
“O A. pede também o pagamento/restituição da quantia de 2.000,00 euros relativa a provisão que adiantou ao R. para interposição da acção a que se refere as supra conclusões 4 e 5.
Porém o quesito (3º) tendente a provar esta matéria dizia: “O A. concordou com as interposições referidas em I) e entregou ao R. provisão para o efeito no valor de € 2.000,00 (dois mil euros)?” E apenas foi dado como “Provado que o A. concordou com a interposição das acções referidas em I) e com data de 28.05.2007 foi entregue ao A. o valor de 2.000,00 euros”.
Na justificação desta resposta, diz meritíssima a fls. 241/242, que em relação ao pagamento de 2.000€, não resulta claro se dizia ou não respeito às interposições das acções em causa, entendemos que nenhuma prova concreta foi feita quanto a essa correlação.
A douta sentença, porém, condena o R. a pagar esta quantia ao A. justificando: “haverá que considerar o pagamento dos 2.000€ relativo às acções que não foram interpostas pelo R.”
Há assim uma contradição entre a matéria dada como provada e a decisão de condenação, tendo esta considerado que, afinal, estava provada uma matéria que não estava, incorrendo na nulidade do artº , 668º, nº 1, al. c) do CPC, pelo que deve ser revogada a douta sentença nesta parte condenatória.
Vejamos:
O vício de nulidade a que se refere a alínea c) do art. 668, do CPC, ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados na sentença conduzem logicamente a um resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.
Mas não ocorre a referida nulidade se o resultado a que o juiz chega na sentença deriva não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu corresponder aos factos provados.
Também a alínea c) do citado preceito não abrange o erro de julgamento.
Ora, no caso em apreço o tribunal relativamente ao quesito onde era perguntado “O A. concordou com as interposições referidas em I) e entregou ao R. provisão para o efeito no valor de € 2.000,00 (dois mil euros)?” respondeu “Provado que o A. concordou com a interposição das acções referidas em I) e com data de 28.05.2007 foi entregue ao A. o valor de 2.000,00 euros”.
Portanto o tribunal não deu como provado que aqueles 2000.Euros constituíam a provisão para efeito de interposição das acções., E, em sede de fundamentação da decisão de facto o tribunal explicou a resposta dizendo “não resulta claro se dizia ou não respeito às interposições das acções em causa”. Mas também refere que a entrega de 2000 Euros em 28.5.2007 é próxima da data referida na alínea I da matéria assente (facto 9º da sentença-“ Em Maio de 2007, o R. informou o seu Cliente, ora A., que teriam de propor uma acção contra C e mulher, D e E tendo inclusivamente facultado cópia de acção declarativa de condenação a propor, mais facultou cópia ao ora A. de providência cautelar que, no seu entender, igualmente deveria ser interposta contra C e mulher, D (Documento de fls. 35 a 55)”
Quando subsumiu os factos ao direito considerou o tribunal que os 2000 Euros entregues ao Apelante eram relativos às acções que não foram interpostas e têm de ser considerados como danos concretamente apurados.
Mas desta consideração feita na sentença não se pode concluir haver oposição entre os fundamentos e a decisão.
Quando muito poderá haver erro de julgamento mas isso é outra questão que não iremos, por ora, apreciar.
O que não se verifica é a invocada nulidade prevista na al. c) do artigo 668, do CPC.
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Analisemos agora, em face da factualidade provada, se estão verificados todos os requisitos de que dependem a condenação do Apelante em sede de responsabilidade civil decorrente das omissões que o Apelado lhe imputa na acção.
O Apelante refere nas suas conclusões de recurso que “A jurisprudência e doutrina dominante consideram estas faltas de advogado em processos judiciais, integradoras do conceito de direito “perda de chance” e conclui que esta perda de chance não é indemnizável porque a situação não configura um dano presente, no sentido de se achar concretizado no momento da fixação da indemnização e também não é um dano futuro por não se inserir na definição do n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil. “
Assente que estamos perante um contrato de mandato oneroso e com representação- art. 1157, 1158 nº1 e 1178º do C. Civil, tal contrato não impõe ao advogado a obrigação de sair vitorioso da causa. O advogado assume, uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado. O que lhe cumpre é representar o cliente em juízo, defendendo pela melhor forma possível os interesses que lhe confiou.
Consequentemente, sendo de meio a obrigação assumida, não poderá o advogado ser responsabilizado pela perda da causa, a menos que tenha actuado de modo negligente.
Contrariamente, o advogado será inadimplente se não tiver agido com a máxima prudência ou não tiver usado todos os esforços possíveis para obter sucesso da causa.. Se as obrigações de meio são executadas proficientemente, não se lhe pode imputar nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa.
Daí que, demandado com esse fundamento, incumbirá ao profissional o ónus de demonstrar que empregou todos os esforços possíveis para obter o resultado esperado pelo cliente. Se lograr êxito, não será condenado a indemnizar os prejuízos sofridos em caso de sucumbência.
Com efeito, tratando-se de responsabilidade contratual, cabe à parte faltosa o dever de provar que não agiu culposamente, inversão que autoriza a conclusão de que, provado o inadimplemento, é presumida a culpa do devedor.
Presume-se, por isso, que o advogado é culpado pelo defeito do serviço, salvo prova em contrário, por ser a presunção juris tantum.
No caso em apreço os factos demonstram à saciedade que o Apelante não cumpriu a obrigação a que estava adstrito pois não pagou atempadamente a taxa de justiça devida pela apresentação da contestação, bem como não procedeu ao pagamento da multa, com o consequente desentranhamento da contestação o que apenas a ele é imputável;, Tal implicou, desde logo, a condenação do Apelado no pedido, pois “Por sentença proferida a 15-01-2007, e tendo por base os factos alegados e confessados pelo R. nessa acção, ora A., foi o mesmo condenado a reconhecer o direito de propriedade do A. nessa acção, do prédio urbano, designado pela letra “ ? ”, correspondente ao 3º andar, segundo a contar da entrada do lado sul, sito na Rua ….., …….. ,Torres Vedras, inscrito na matriz sob o nº 0000 e inscrito na CRP sob o nº 000, condenando ainda a restituir tal imóvel, bem como ao pagamento da quantia de 13.650€, bem como o valor de 350€ mensais até entrega efectiva da fracção”
Ora, conforme resulta do atrás exposto, o Apelante ao assumir o patrocínio do Apelado, por força do contrato de mandato celebrado, ficou vinculado a desenvolver, com adequada diligência, uma determinada actividade jurídica, ficando também adstrito à prática de todos os actos materiais instrumentais necessários à execução do contrato.
Assim, se o devedor deixa de realizar pontualmente a prestação, pode ficar constituído em responsabilidade perante o credor. Pode ficar, o que quer dizer que não fica necessariamente. Não basta com efeito o mero facto da não realização da prestação para que o devedor se torne responsável. Com esse requisito têm de se cumular outros.
Para que o devedor se torne responsável, necessário é, ainda, que o facto da não realização da prestação debitória lhe seja imputável, quer dizer, que esta tenha procedido com culpa.
A responsabilidade civil, de que a responsabilidade obrigacional é uma modalidade, consubstancia-se na obrigação de indemnização. Portanto, mesmo que o devedor deixe de cumprir, e ainda que o facto lhe seja imputável, em nenhuma responsabilidade efectiva ele incorre desde que o credor não tenha sido com isso prejudicado. A existência do prejuízo é mais um elemento a considerar.
Finalmente é necessário que os prejuízos que o credor invoca e pretende ver ressarcidos hajam sido causados pela falta de cumprimento. Entre o acto ilícito (e culposo), de um lado, e os prejuízos, do outro, tem de haver um nexo de causalidade. Os danos hão-de poder considerar-se consequência ou efeito da falta de realização da prestação debitória. A causalidade é assim o último elemento da responsabilidade do devedor.
Resumindo poderemos dizer que a responsabilidade obrigacional tem como pressupostos a inexecução da obrigação (acto ilícito), a culpa, o prejuízo, a causalidade.
Muito embora tenha existido incumprimento do contrato imputável ao mandatário, a responsabilidade civil contratual depende ainda do apuramento de danos e da relação de causalidade entre os danos e a conduta negligente.
Como decorre da lei civil, “embora se presuma a culpa do devedor (cfr. artigo 799º CC), para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes do incumprimento, ou cumprimento defeituoso, do mandato, torna-se necessário a alegação e prova do nexo de causalidade entre o facto (a sua conduta omissiva ou negligente) e os invocados danos- (a não obtenção do resultado pretendido)ou por outras palavras, é necessário que em abstracto o facto seja uma causa adequada desse dano.
Interessa, ainda referir que, de nos termos do artigo 92º, nº 1 da Lei nº 15/2005, de 26/01, o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.
E nos termos do artigo 93º, nº 2 do mesmo diploma, o advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.
Trata-se, aliás, de princípio estruturante dos deveres do advogado para com o cliente.
Embora tal princípio tenha apenas sido expressamente consagrado na Lei nº 15/2005, de 26/01, porquanto o Decreto-Lei nº 84/84, de 16/03, que aprovou o anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, não continha norma com igual conteúdo, já durante a vigência deste se entendia que a regra de conduta apontada constituía um corolário do dever de zelo e diligência previsto no artigo 95º, nº 1, al. d) do mesmo.
Não há duvida de que o facto de o Apelante não ter pago atempadamente a taxa de justiça devida pela apresentação da contestação, bem como a falta de pagamento da multa, com o consequente desentranhamento da contestação, que apenas a ele é imputável , implicou a condenação do Apelado no âmbito de tal acção.
Tal consubstancia inexecução ilícita e culposa da obrigação de assistência técnica do Apelante ao Apelado e foi causa necessária para que o ora Apelado tivesse sido condenado no pedido. A sua conduta contribuiu ainda para a instauração da acção executiva, tendo o ora Apelado, apenas, dela tomado conhecimento, quando foi notificado da penhora do seu ordenado.
Já que resultou provado que o Apelante não deu conhecimento ao Apelado daquela sentença condenatória.
Por outro lado, já que é impossível afirmar que o Apelado sairia vencedor naquela acção com o consequente reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel(que na acção se reconheceu ser propriedade do A nessa acção), se a contestação tivesse sido apresentada, há que considerar que o facto de não poder ver a sua posição jurídica apreciada na acção constitui em si mesmo um dano.
Estando provado pelo Apelado que o Apelante não pagou as multas e que por isso foi desentranhada a contestação vindo o apelado a ser condenado no pedido, isto significa que não foi empregue pelo apelante a diligência exigível, pelo que lhe competiria demonstrar que não foi por sua culpa que omitiu tal pagamento.
Ora, apesar de ter alegado que não pagou porque o apelado não lhe entregou dinheiro para o efeito não demonstrou essa realidade que invocou.
Pagar as multas para evitar o desentranhamento da contestação era uma diligência essencial a que estava obrigado por força do mandato forense que assumiu.
Ao ter omitido esse pagamento não agiu de acordo com as regras estatutárias e deontológicas da profissão de advogado, não cumpriu o mandato ou cumpriu-o defeituosamente, sendo-lhe imputável tal incumprimento face à presunção de culpa , que não ilidiu.
Tal omissão é-lhe consequentemente imputável a título de culpa.
Perante tal omissão resultou o desentranhamento da contestação e foram considerados confessados os factos alegados pelo autor daquela acção, e o apelado condenado a reconhecer o direito de propriedade sobre um imóvel e a restituí-lo e, ainda, no pagamento da quantia de 13.650€ a título de indemnização pela ocupação da fracção(de Outubro de 2000 a Dezembro de 2003 ) , bem como no valor de 350€ mensais desde Janeiro de 2004 até entrega efectiva da fracção.
Resulta dos autos que tal entrega terá ocorrido em Junho de 2007.
Resultando ainda, que na transacção efectuada no processo executivo movido ao Apelado o pedido foi reduzido para o valor total de €17.500,00 que efectivamente pagou.
Aqui chegados teremos de extrair as seguintes consequências:
O Apelado, réu naquela acção em que por culpa do Apelante, seu advogado, foi desentranhada a contestação não conseguiu demonstrar que a lesão patrimonial sofrida com a perda do imóvel não se teria verificado se a contestação não tivesse sido desentranhada.
Não pode portanto ficcionar-se um dano patrimonial pela perda do imóvel no montante de 20.000euros , tal como fez a sentença recorrida, por não estar demonstrado o nexo de causalidade entre o facto (a sua conduta omissiva ) e os invocados danos(a não obtenção do resultado pretendido na acção ).
Já quanto à condenação em indemnização pela ocupação do imóvel até à entrega efectiva do mesmo cremos que estão verificados todos os pressupostos de que depende a condenação do Apelante em termos de responsabilidade civil contratual.
O advogado deve aconselhar o seu cliente sobre o merecimento do seu direito de forma conscienciosa e zelosa, informá-lo sobre o andamento das questões confiadas com aconselhamento sobre eventual composição de interesses.
Na verdade, desde que a contestação não foi aceite, e foi mandada desentranhar por actuação negligente do ora Apelante aquela condenação aparecia como o facto mais que provável da confissão.
Por isso, e para o evitar, o Apelante deveria ter comunicado ao Apelado tal situação que mais do que uma eventualidade era uma probabilidade, a fim de que este pudesse tomar a atitude adequada de modo a que não acrescesse ao demais peticionado pelo ali autor também a condenação nesta indemnização, isto é, no sentido de que pudesse desde logo proceder à entrega da fracção assim evitando mais um dano.
Mas nada disso fez o Apelante.
Tendo mantido o Apelado numa ignorância relativamente ao estado da causa que o impediu de poder agir, sendo esse comportamento também revelador de falta de zelo a que estava deontologicamente obrigado enquanto advogado.
Deste modo, encontra-se aqui estabelecido o necessário nexo de causalidade entre a sua omissão e a condenação no montante indemnizatório referido.
Resta calcular o montante desse prejuízo (dano) sofrido pelo Apelado.
A sentença condenou o Apelante no montante da transacção a que chegaram as partes na acção executiva, ou seja, em 17.500 Euros.
Afigura-se-nos mais razoável achar esse prejuízo por referência ao montante em que o Apelado foi condenado a titulo de indemnização pela ocupação do imóvel até à entrega efectiva considerando, para esse efeito, a data do despacho que ordenou o pagamento da multa que, por não ter sido paga conduziu ao desentranhamento da contestação e consequentemente a que fossem considerados confessados os factos articulados pelo Autor nessa acção.
Sendo tal despacho de 5.7.2005 (cfr. fls 25) e tendo ocorrido a entrega da fracção em Junho de 2007 o dano cifra-se em 8.050 Euros (350 Euros x23 meses).
Pois que a fracção foi entregue em Junho de 2007 sem que o Apelado tenha criado qualquer obstáculo deve ser imputado a comportamento culposo do Apelante a condenação na indemnização devida desde 5.7.2005 até Junho de 2007, que sempre será da sua responsabilidade, como acabámos de explicar.
Já não será indemnizável o que a sentença considerou relativo ao valor total das custas pagas pelo apelado naquela acção por inexistir qualquer nexo de causalidade. O único valor indemnizável em termos de custas é o valor resultante do desentranhamento da contestação, pois só quanto a este existe nexo de causalidade.
Ao contrário do sustentado na sentença não vemos que haja qualquer relação entre o pagamento de 2. 000 Euros e as acções que o Apelante se propôs intentar e afinal não intentou. Pois não resultou provado, tal como fora alegado pelo Apelado, que tal quantia constituía provisão para tais acções.
Ignorando-se a que título foi entregue tal quantia não se verificam elementos para se condenar o Apelante nesse montante a título de danos sofridos pelo Apelado, inexistindo nexo de causalidade.
Quanto aos danos não patrimoniais estes abarcam os que resultam da ofensa de bens que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, que podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesado.
Também nestes danos tal como em relação aos danos de cariz patrimonial tem que haver um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo provocado, sem o qual o lesante não se constituiria na obrigação de indemnizar.
Todavia a nossa lei não prevê a indemnização por todo e qualquer dano não patrimonial, exigindo para tanto que o mesmo seja grave; é o que resulta do estatuído no artigo 496º nº 1 do Código Civil : “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Esta indemnização tem lugar quer na responsabilidade extra-contratual quer na contratual desde que se verifiquem para tanto os necessários pressupostos.
Ora não podemos deixar de considerar que independentemente de se saber se a contestação fosse admitida o Apelado poderia vencer a causa a verdade é que considerando os factos provados designadamente, o facto assente de que o apelante não deu sequer conhecimento ao Apelado do desentranhamento da contestação nem o informou da sentença condenatória, mesmo quando em Junho de 2007 diligenciou pela entrega da fracção autónoma, tendo sido o apelado confrontado com um processo executivo e uma penhora do vencimento, resultando igualmente provado que o apelado sentiu a vergonha de passar por uma penhora do vencimento, aliada ao sofrimento com a perda do imóvel e dificuldades financeiras criadas, tal factualidade integra um dano não patrimonial que deve ser imputado ao apelante, como se sustentou na sentença, verificando-se nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo provocado.
E tal dano assume gravidade que justifica tutela jurídica.
A quantia de 2.000Euros fixada equitativamente na sentença afigura-se equilibrada, pelo que se mantém.
Finalmente, relativamente aos juros de mora devidos a taxa a considerar é a devida e em vigor à data da decisão, o que deverá ser considerado.
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DECISÃO
Atento o exposto, julgam a Apelação parcialmente procedente e alterando a sentença absolvem o Apelante do pagamento da quantia relativa às custas em que o Apelante foi condenado (exceptuando o montante relativo a custas decorrente do desentranhamento da contestação que deverá ser da responsabilidade do Apelante ) bem como do valor de 17.500,00Euros pago pelo Apelado na acção executiva e dos montantes de 2.000,00 Euros e de 20.000 ,00 Euros fixados na sentença a título de danos patrimoniais.
Alterando a sentença condenam, o Apelante a título de danos patrimoniais no montante de 8.050,00 Euros.
No mais confirmam a sentença recorrida, tendo em consideração que nos juros de mora a taxa a considerar é a devida e em vigor à data da decisão.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2012

Maria do Rosário Barbosa
Maria do Rosário Gonçalves
Maria da Graça Araújo